Para fins de ANPP, tráfico privilegiado pode ser reconhecido antes de sentença
16 de outubro de 2024, 7h33
· Criminal
A decisão homologatória de acordo
de não persecução penal (ANPP) é mero ato judicial de
natureza declaratória. A análise deve recair apenas sobre a voluntariedade e a
legalidade da medida, e não cabe ao magistrado emitir opinião quanto ao
conteúdo do ajuste firmado entre o Ministério Público e o acusado, sob pena de
violação ao princípio da imparcialidade, atributo que é indispensável no
sistema acusatório.
Com essa fundamentação, a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais deu provimento ao recurso interposto por um acusado de tráfico de drogas preso com um quilo de maconha. A juíza da 2ª Vara Criminal de Araguari (MG) não homologou o ANPP com a alegação de que apenas na sentença poderia ser verificado se os requisitos legais para o acordo foram preenchidos.
Segundo o desembargador Bruno Terra Dias, relator do recurso, a intenção
do legislador ao criar o ANPP foi a de favorecer a atuação extrajudicial do MP
nos casos que envolvem matéria criminal.
O objetivo é mitigar o princípio da obrigatoriedade do exercício da ação
penal, “evitando a judicialização de procedimentos investigatórios que tenham
como objeto a apuração de delitos considerados de menor grau de gravidade”.
Para a defesa do acusado, inexiste previsão legal que condicione a
análise dos requisitos objetivos do ANPP ao término da instrução processual
penal. Ela argumentou que a decisão da magistrada abre margem ao “ativismo
judicial” e interfere na atuação do MP, que, na qualidade de fiscal da lei,
detém a prerrogativa de avaliar a conveniência e a oportunidade da oferta de
tais acordos.
Tráfico privilegiado
A pena do tráfico de drogas varia de cinco a 15 anos de reclusão. Porém,
o parágrafo 4º do artigo 33 da Lei
11.343/2006, que instituiu a figura do chamado tráfico
privilegiado, prevê a diminuição da sanção, “desde que o agente seja primário,
de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre
organização criminosa”. Outra consequência é o afastamento da hediondez do
delito.
Já o artigo
28-A do Código de Processo Penal estabelece as condições
cumulativas para a propositura do ANPP por parte do MP.
São elas: prática de infração penal com pena mínima inferior a quatro
anos; cometimento do crime sem violência ou grave ameaça; confissão formal e
circunstanciada do acusado; necessidade e suficiência do acordo para reprovação
e prevenção do crime.
Por considerar que o réu preenche os requisitos do tráfico privilegiado
e do ANPP, o MP propôs o acordo e o acusado aceitou. Porém, segundo a juíza, na
atual fase processual é prematuro admitir que o recorrente faz jus à minorante
da Lei de Drogas.
“Eventual desclassificação para o delito de consumo pessoal de drogas ou
aplicação do privilégio reflete matéria de mérito, que será apreciada por
ocasião da prolação da sentença”, afirmou a magistrada em primeiro grau.
Além de mencionar o não preenchimento do requisito de pena mínima para o
ANPP, a juíza considerou o acordo desnecessário e insuficiente para a
reprovação do delito tratado nos autos, “dada a sua gravidade que, mesmo sendo
privilegiado, não deixa de ser tráfico de drogas, devendo ser avaliada a
dimensão social do dano, a relevância social do bem jurídico e ainda a
danosidade social do fato”.
Sem previsão legal
No entanto, o relator no TJ-MG ponderou inexistir qualquer previsão
legal que condicione o reconhecimento da minorante do tráfico privilegiado ao
término da instrução criminal, restringindo a apreciação do ANPP ao momento de
prolação da sentença.
Além disso, o desembargador acrescentou que o Supremo Tribunal Federal
já admitiu o oferecimento do acordo para essa modalidade mais branda de
tráfico.
“Ao restringir a apreciação do acordo à fase final da instrução,
ignora-se a função preventiva do ANPP, que pretende abreviar o processo
criminal e minimizar o desgaste e os ônus para as partes envolvidas”, concluiu
Dias.
Os desembargadores Marco Antônio de Melo e Paula Cunha e Silva seguiram
o voto do relator para homologar o acordo, “diante da presença inequívoca da
voluntariedade e da legalidade do ajuste”.
Processo 1.0000.24.177153-4/001
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