Execução antecipada da pena no Júri e as possibilidades de recorrer em liberdade
25 de outubro de 2024, 8h00
· Criminal
Muito já se escreveu [1] sobre a
inconstitucionalidade da execução antecipada da pena prevista no artigo 492, I,
‘e’ do CPP, com bastante autoridade nos argumentos, sublinhe-se.
Mas, infelizmente, prevaleceu o argumento de autoridade do
Supremo Tribunal Federal, proferido no julgamento do RE 1.253.340 (Tema 1.068),
em que se decidiu que é constitucional a execução antecipada e sequer a pena
necessita ser superior a 15 anos.
Mas e agora? Condenado no plenário é sempre preso?
Pensamos que não, pois diferentes situações podem acontecer no plenário e há
espaço – no artigo 492 – para atribuição de efeito suspensivo, sendo que nada
disso foi afastado pelo STF. Vejamos algumas situações.
Sabemos que o Tribunal do Júri exerce vis
atractiva, artigo 78, I do CPP, cabendo a ele julgar o crime doloso contra
a vida (tentado ou consumado) e todos os conexos. Imaginemos a hipótese de o
réu ser acusado por homicídio doloso e tráfico de drogas (ou ocultação de
cadáver, porte ilegal de arma de fogo, ou qualquer outro crime conexo). Levado
a júri, é absolvido do crime de homicídio e condenado pelo conexo? Aplica-se a
execução antecipada da pena? Entendemos que não. Afastados eventuais mecanismos
de consenso cabíveis em relação ao crime residual (transação penal, suspensão
condicional ou mesmo ANPP), também não é caso de prisão.
É preciso atentar para a ratio decidendi (do
julgamento do STF) que vem no sentido de uma tutela especial dos crimes dolosos
contra a vida, quando o agente é condenado pelo Tribunal do Júri. Não faz
nenhum sentido o réu cumprir antecipadamente uma pena por crime diverso, pelo
qual jamais haveria execução antecipada se tivesse tramitado em outro
procedimento (ou seja, sem a reunião pela conexão). Nessa linha, é
inconstitucional e insustentável determinar o imediato recolhimento de alguém
condenado por tráfico de drogas, porte ilegal de arma de fogo, ocultação de
cadáver, enfim, por qualquer outro crime que não é doloso contra a vida e que,
se não houvesse a conexão, jamais seria julgado no Tribunal do Júri e,
portanto, jamais haveria execução antecipada da pena (não estamos falando de
prisão preventiva, sempre cabível, se presente sua cautelaridade, por
elementar).
Desclassificação e expectativa
de êxito de futuro recurso defensivo
Na mesma linha pensamos ser inconstitucional, e não
abarcada pela decisão do STF, a execução antecipada da pena se houver uma
desclassificação, ou seja, se os jurados – por exemplo – negarem o dolo e se
operar a desclassificação para crime culposo. Uma vez condenado por homicídio
culposo, poderá recorrer em liberdade (lembrando que sequer cabe prisão
preventiva em caso de crime culposo), não se aplicando o entendimento do STF.
Portanto, de plano já temos duas situações em que o
imputado, ainda que condenado no plenário do Júri, não pode ser submetido a
execução antecipada da pena.
Mas e se condenado, por crime doloso contra a vida,
sempre deverá ser preso e iniciar a execução antecipada? Não.
Existe a possibilidade de o juiz presidente do
Tribunal do Júri deixar de determinar a execução antecipada da pena nas
hipóteses do artigo 492, § 3º ou de se buscar a atribuição de efeito suspensivo
para a apelação, nos casos dos parágrafos 5º e 6º:
“Art. 492. (…)
§3º O presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a
execução provisória das penas de que trata a alínea e do inciso I
do caput deste artigo, se houver questão substancial cuja
resolução pelo tribunal ao qual competir o julgamento possa plausivelmente
levar à revisão da condenação.
§5º Excepcionalmente, poderá o tribunal atribuir efeito suspensivo à
apelação de que trata o §4º deste artigo, quando verificado cumulativamente que
o recurso.
I – não tem propósito meramente protelatório; e
II – levanta questão substancial e que pode resultar em absolvição,
anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior
a 15 (quinze) anos de reclusão.
§6º O pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito
incidentemente na apelação ou por meio de petição em separado dirigida
diretamente ao relator, instruída com cópias da sentença condenatória, das
razões da apelação e de prova da tempestividade, das contrarrazões e das demais
peças necessárias à compreensão da controvérsia.”
Portanto, no caso do § 3º, o próprio juiz
presidente do Júri poderá deixar de determinar a imediata prisão do réu, desde
que vislumbre a possibilidade – diante de determinada questão do julgamento –
de uma revisão do julgamento por parte do Tribunal de Justiça ou Regional
Federal (conforme o caso). Trata-se, no fundo, de uma situação em que o juiz
que presidiu o julgamento tem consciência de que aquele júri poderá ser anulado
(hipótese do artigo 593, III, ‘a’ do CPP) ou que os jurados proferiram uma decisão
manifestamente contrária a prova dos autos (artigo 593, III, ‘d’ do CPP). De
antemão ele vislumbra a probabilidade de êxito do futuro recurso defensivo
(inclusive se sugere que seja interposto em plenário mesmo, indicando a alínea
‘a’ ou ‘d’ (ou ambas)) que demonstra o risco de uma execução antecipada daquela
pena.
Nesta situação, de forma fundamentada, poderá o
juiz presidente do júri deixar de determinar a execução antecipada da pena e
manter o réu em liberdade.
Pedido ao relator
A segunda hipótese de atribuição de efeito
suspensivo ao recurso defensivo e, portanto, de suspensão da execução
antecipada já iniciada (quando do término do julgamento), é através de um
pedido ao relator da apelação. Esse pedido poderá ser feito no corpo das razões
da apelação (preliminar) ou em petição separada, autônoma. Deverá o relator
avaliar, de forma cumulativa:
– que o recurso não seja meramente protelatório;
– traga como fundamento questões que possam
resultar em “absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou
redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão”.
Portanto, caberá ao apelante demonstrar a
plausibilidade, a viabilidade dos fundamentos do recurso de apelação, nos
termos do artigo 593, III, se:
a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia;
b) for a sentença do juiz-presidente contrária à
lei expressa ou à decisão dos jurados;
c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação
da pena ou da medida de segurança;
d) for a decisão dos jurados manifestamente
contrária à prova dos autos.
Lembrando que no caso da alínea “a”, a consequência
do provimento da apelação é a remessa a novo júri; nos casos das alíneas “b” e
“c”, a consequência é que o próprio tribunal pode corrigir a sentença, sem a
necessidade de novo júri; por fim, quando a decisão dos jurados for
manifestamente contrária à prova dos autos, o tribunal, dando provimento ao
recurso, encaminhará o réu a novo júri. Portanto, quando o relator vislumbrar a
possibilidade (juízo de verossimilhança, não de certeza) de acolhimento da apelação
para enviar réu a novo júri (letras “a” e “d”) ou que a correção da sentença
acarretará uma absolvição ou desclassificação para um crime que não é doloso
contra a vida (porque entendemos que segundo a ‘ratio decidendi’ da
decisão do STF, a execução antecipada só pode ocorrer em caso de condenação por
crime doloso contra a vida), permitirá que o réu aguarde o julgamento em
liberdade, suspendendo a execução antecipada.
Redução da pena
Com relação à última situação apontada no inciso II
do parágrafo 5º do artigo 492 – redução da pena para patamar inferior a 15 anos
de reclusão – pensamos que foi afastada pelo julgamento do STF, que não mais
exige que a pena seja superior a 15 anos para que ocorra a execução antecipada.
O grande inconveniente desse caminho (do pedido de
atribuição de efeito suspensivo) é que o réu ficará preso no período que vai do
término da sessão do júri até a apreciação do pedido pelo tribunal, em grau de
apelação, o que poderá gerar uma prisão desnecessária e infundada por semanas.
Portanto, não se afasta, em casos pontuais, o uso do habeas
corpus em conjunto com a apelação, para obtenção da liberdade (pela
via de atribuição de efeito suspensivo ao apelo defensivo).
Enfim, ainda que o legislador preveja hipóteses de
concessão de efeito suspensivo que evite a execução antecipada da pena,
infelizmente isso é um mero paliativo, que enfrentará resistência diante do
furor punitivista e a postura burocrática de muitos julgadores, resultando na
desnecessária e inconstitucional execução antecipada da pena aplicada em
primeiro grau de jurisdição. Sempre recordando, que se o réu representar algum
perigo, a justificar a necessidade cautelar, poderá ser decretada a prisão preventiva.
Então, estamos tratando de uma prisão sem qualquer fundamento cautelar,
de periculum libertatis, que a justifique. Tudo isso com o aval do
STF, lamentavelmente.
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