Mulher é condenada por chamar de 'macaco' empregado
de prédio
24 de julho de 2024, 20h16
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Criminal
Não importa a justificativa apresentada, chamar uma pessoa negra de “macaco”, pelo contexto histórico do país, caracteriza o crime de racismo e possui peso distinto do que teria se a referência fosse a alguém branco. A juíza Carla Milhomens Lopes de Figueiredo Gonçalves De Bonis, da 3ª Vara Criminal de Santos (SP), aplicou esse entendimento ao condenar uma mulher que chamou de “macaco” um empregado do edifício onde mora.
“A desumanização de pessoas negras por meio da associação com o animal
macaco consiste em prática violenta, que, partindo da ideia de inferioridade
das pessoas negras — as quais sequer seriam seres humanos —, conduz à
perpetuação de um cenário de desigualdade e preconceito na sociedade”, destacou
a julgadora. Satisfeitos os requisitos legais, a pena de dois anos de reclusão
em regime aberto foi substituída por prestação pecuniária à vítima, no valor de
três salários-mínimos (equivalente a R$ 4.236).
O Ministério Público narrou na denúncia que o trabalhador do prédio, em
razão da raça e da cor, teve a dignidade e o decoro ofendidos pela condômina no
dia 12 de abril de 2023. Nas dependências do edifício, a moradora perguntou ao
empregado sobre o que havia acontecido com um dos elevadores. Como ele não
soube responder de imediato que o equipamento passava por manutenção, a ré
disparou: “Você parece aqueles macacos que não ouvem, não enxergam e não
falam”.
O elevador estava parado entre o primeiro andar e o subsolo. Na fase do
inquérito e em juízo, o técnico que vistoriava o equipamento afirmou que ouviu
a condômina chamar o empregado do prédio de “macaco”. A síndica não se
encontrava no edifício, mas para lá se dirigiu tão logo soube do episódio. Em
seu depoimento na audiência de instrução, ela declarou que o trabalhador estava
“abalado” quando lhe reportou o ocorrido, razão pela qual lhe concedeu dois
dias de licença.
Apesar de intimada, a acusada não compareceu à delegacia para apresentar
a sua versão dos fatos. Em juízo, ela negou qualquer conduta racista, alegando
não se recordar de nenhum problema com o empregado do condomínio. Porém, disse
que em data anterior ao evento citado na denúncia, de maneira genérica e sem se
referir direta ou exclusivamente à vítima, disse que as pessoas do prédio nunca
sabiam de nada e, por isso, pareciam os macaquinhos que não falam, não veem e
não ouvem.
Alegação rechaçada
A condômina argumentou ter feito apenas menção à lenda japonesa dos Três
Macacos Sábios. Segundo o budismo, eles representam a divindade de seis braços
Vajrakilaya, cujo principal ensinamento é não ouvir, ver ou falar mal para não
atrair algo negativo. No entanto, para a magistrada, essa pretensa
justificativa seria plausível se houvesse sido comprovada pelos demais
elementos de prova, o que não ocorreu, e “não se presta a afastar o dolo de
ofender a honra da vítima por sua cor e raça”.
Carla De Bonis assinalou na sentença que o ofendido, desde o primeiro
desabafo feito à testemunha presencial logo após o fato, assim como no
depoimento policial e, finalmente, em juízo, declarou firmemente ter sido
chamado de “macaco” pela acusada, sentindo-se ofendido em sua honra. “A
condenação é medida de rigor. O artigo 2º da Lei nº 7.716/1989 tipifica a
conduta de ‘injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de
raça, cor, etnia ou procedência nacional’.”
Processo
1515213-32.2023.8.26.0562
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