terça-feira, 29 de outubro de 2024

Execução antecipada da pena no Júri e as possibilidades de recorrer em liberdade

 Execução antecipada da pena no Júri e as possibilidades de recorrer em liberdade

25 de outubro de 2024, 8h00

·       Criminal

Muito já se escreveu [1] sobre a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena prevista no artigo 492, I, ‘e’ do CPP, com bastante autoridade nos argumentos, sublinhe-se. Mas, infelizmente, prevaleceu o argumento de autoridade do Supremo Tribunal Federal, proferido no julgamento do RE 1.253.340 (Tema 1.068), em que se decidiu que é constitucional a execução antecipada e sequer a pena necessita ser superior a 15 anos.

Mas e agora? Condenado no plenário é sempre preso? Pensamos que não, pois diferentes situações podem acontecer no plenário e há espaço – no artigo 492 – para atribuição de efeito suspensivo, sendo que nada disso foi afastado pelo STF. Vejamos algumas situações.

Sabemos que o Tribunal do Júri exerce vis atractiva, artigo 78, I do CPP, cabendo a ele julgar o crime doloso contra a vida (tentado ou consumado) e todos os conexos. Imaginemos a hipótese de o réu ser acusado por homicídio doloso e tráfico de drogas (ou ocultação de cadáver, porte ilegal de arma de fogo, ou qualquer outro crime conexo). Levado a júri, é absolvido do crime de homicídio e condenado pelo conexo? Aplica-se a execução antecipada da pena? Entendemos que não. Afastados eventuais mecanismos de consenso cabíveis em relação ao crime residual (transação penal, suspensão condicional ou mesmo ANPP), também não é caso de prisão.

É preciso atentar para a ratio decidendi (do julgamento do STF) que vem no sentido de uma tutela especial dos crimes dolosos contra a vida, quando o agente é condenado pelo Tribunal do Júri. Não faz nenhum sentido o réu cumprir antecipadamente uma pena por crime diverso, pelo qual jamais haveria execução antecipada se tivesse tramitado em outro procedimento (ou seja, sem a reunião pela conexão). Nessa linha, é inconstitucional e insustentável determinar o imediato recolhimento de alguém condenado por tráfico de drogas, porte ilegal de arma de fogo, ocultação de cadáver, enfim, por qualquer outro crime que não é doloso contra a vida e que, se não houvesse a conexão, jamais seria julgado no Tribunal do Júri e, portanto, jamais haveria execução antecipada da pena (não estamos falando de prisão preventiva, sempre cabível, se presente sua cautelaridade, por elementar).

Desclassificação e expectativa de êxito de futuro recurso defensivo

Na mesma linha pensamos ser inconstitucional, e não abarcada pela decisão do STF, a execução antecipada da pena se houver uma desclassificação, ou seja, se os jurados – por exemplo – negarem o dolo e se operar a desclassificação para crime culposo. Uma vez condenado por homicídio culposo, poderá recorrer em liberdade (lembrando que sequer cabe prisão preventiva em caso de crime culposo), não se aplicando o entendimento do STF.

Portanto, de plano já temos duas situações em que o imputado, ainda que condenado no plenário do Júri, não pode ser submetido a execução antecipada da pena.

Mas e se condenado, por crime doloso contra a vida, sempre deverá ser preso e iniciar a execução antecipada? Não.

Existe a possibilidade de o juiz presidente do Tribunal do Júri deixar de determinar a execução antecipada da pena nas hipóteses do artigo 492, § 3º ou de se buscar a atribuição de efeito suspensivo para a apelação, nos casos dos parágrafos 5º e 6º:

“Art. 492. (…)

§3º O presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas de que trata a alínea e do inciso I do caput deste artigo, se houver questão substancial cuja resolução pelo tribunal ao qual competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da condenação.

§5º Excepcionalmente, poderá o tribunal atribuir efeito suspensivo à apelação de que trata o §4º deste artigo, quando verificado cumulativamente que o recurso.

I – não tem propósito meramente protelatório; e

II – levanta questão substancial e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão.

§6º O pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito incidentemente na apelação ou por meio de petição em separado dirigida diretamente ao relator, instruída com cópias da sentença condenatória, das razões da apelação e de prova da tempestividade, das contrarrazões e das demais peças necessárias à compreensão da controvérsia.”

Portanto, no caso do § 3º, o próprio juiz presidente do Júri poderá deixar de determinar a imediata prisão do réu, desde que vislumbre a possibilidade – diante de determinada questão do julgamento – de uma revisão do julgamento por parte do Tribunal de Justiça ou Regional Federal (conforme o caso). Trata-se, no fundo, de uma situação em que o juiz que presidiu o julgamento tem consciência de que aquele júri poderá ser anulado (hipótese do artigo 593, III, ‘a’ do CPP) ou que os jurados proferiram uma decisão manifestamente contrária a prova dos autos (artigo 593, III, ‘d’ do CPP). De antemão ele vislumbra a probabilidade de êxito do futuro recurso defensivo (inclusive se sugere que seja interposto em plenário mesmo, indicando a alínea ‘a’ ou ‘d’ (ou ambas)) que demonstra o risco de uma execução antecipada daquela pena.

Nesta situação, de forma fundamentada, poderá o juiz presidente do júri deixar de determinar a execução antecipada da pena e manter o réu em liberdade.

Pedido ao relator

A segunda hipótese de atribuição de efeito suspensivo ao recurso defensivo e, portanto, de suspensão da execução antecipada já iniciada (quando do término do julgamento), é através de um pedido ao relator da apelação. Esse pedido poderá ser feito no corpo das razões da apelação (preliminar) ou em petição separada, autônoma. Deverá o relator avaliar, de forma cumulativa:

– que o recurso não seja meramente protelatório;

– traga como fundamento questões que possam resultar em “absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão”.

Portanto, caberá ao apelante demonstrar a plausibilidade, a viabilidade dos fundamentos do recurso de apelação, nos termos do artigo 593, III, se:

a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia;

b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados;

c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança;

d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.

Lembrando que no caso da alínea “a”, a consequência do provimento da apelação é a remessa a novo júri; nos casos das alíneas “b” e “c”, a consequência é que o próprio tribunal pode corrigir a sentença, sem a necessidade de novo júri; por fim, quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos, o tribunal, dando provimento ao recurso, encaminhará o réu a novo júri. Portanto, quando o relator vislumbrar a possibilidade (juízo de verossimilhança, não de certeza) de acolhimento da apelação para enviar réu a novo júri (letras “a” e “d”) ou que a correção da sentença acarretará uma absolvição ou desclassificação para um crime que não é doloso contra a vida (porque entendemos que segundo a ‘ratio decidendi’ da decisão do STF, a execução antecipada só pode ocorrer em caso de condenação por crime doloso contra a vida), permitirá que o réu aguarde o julgamento em liberdade, suspendendo a execução antecipada.

Redução da pena

Com relação à última situação apontada no inciso II do parágrafo 5º do artigo 492 – redução da pena para patamar inferior a 15 anos de reclusão – pensamos que foi afastada pelo julgamento do STF, que não mais exige que a pena seja superior a 15 anos para que ocorra a execução antecipada.

O grande inconveniente desse caminho (do pedido de atribuição de efeito suspensivo) é que o réu ficará preso no período que vai do término da sessão do júri até a apreciação do pedido pelo tribunal, em grau de apelação, o que poderá gerar uma prisão desnecessária e infundada por semanas. Portanto, não se afasta, em casos pontuais, o uso do habeas corpus em conjunto com a apelação, para obtenção da liberdade (pela via de atribuição de efeito suspensivo ao apelo defensivo).

Enfim, ainda que o legislador preveja hipóteses de concessão de efeito suspensivo que evite a execução antecipada da pena, infelizmente isso é um mero paliativo, que enfrentará resistência diante do furor punitivista e a postura burocrática de muitos julgadores, resultando na desnecessária e inconstitucional execução antecipada da pena aplicada em primeiro grau de jurisdição. Sempre recordando, que se o réu representar algum perigo, a justificar a necessidade cautelar, poderá ser decretada a prisão preventiva. Então, estamos tratando de uma prisão sem qualquer fundamento cautelar, de periculum libertatis, que a justifique. Tudo isso com o aval do STF, lamentavelmente.

E neste momento, ao cair da cortina, não há como não lembrar do grande Lenio Streck  e o “fator Julia Roberts”, na cena épica do Dossiê Pelicanothe supreme court is wrong.

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

A Lei n° 14.994/2024 e o novo modelo brasileiro de tipificação do feminicídio

 A Lei n° 14.994/2024 e o novo modelo brasileiro de tipificação do feminicídio

16 de outubro de 2024, 13h17

·       Criminal

Recentemente, foi sancionada a Lei n° 14.994, de 9 de outubro de 2024, que trouxe significativa alteração na forma como o feminicídio é tipificado pelo ordenamento brasileiro, no intuito de prevenir e coibir a violência praticada contra a mulher.

Apesar de promover modificações em diversos diplomas legais (Código Penal, Lei das Contravenções Penais, Lei de Execução Penal, Lei dos Crimes Hediondos, Lei Maria da Penha e Código de Processo Penal), a iniciativa apresenta, em verdade, uma faceta única: a de aumentar o rigor punitivo nos crimes de feminicídio e outras condutas praticadas “contra a mulher por razões da condição do sexo feminino”.

No que se refere à figura típica do feminicídio, introduzida inicialmente no Código Penal pela Lei n° 13.104/2015, quando se tornou qualificadora do homicídio, agora o crime passa a ser autônomo, previsto no artigo 121-A do diploma penal.

Mudanças legislativas, mesmo em normas relativamente recentes como as do feminicídio, podem ser muito bem-vindas. Como antes já tivemos a oportunidade de afirmar, com substrato nos estudos de racionalidade legislativa de Atienza e Díez Ripollés[1]“após a entrada em vigor da norma, persistem as análises de racionalidade, pois os efeitos da decisão devem ser avaliados conforme seu encaixe social, sua adequação ao sistema jurídico existente e suas habilidades comunicativas”.[2] É dizer, na fase pós-legislativa, estudos de impacto das normas elaboradas e a constatação de dificuldades na sua implementação podem perfeitamente levar a novos debates que originarão propostas para o preenchimento de lacunas ou superação de impasses.

A iniciativa de dotar o feminicídio de autonomia, aliás, é condizente com a análise de delitos sui generis, derivados do homicídio, mas que possuem em seu âmago características particulares que devem ser normativamente consideradas, a exemplo do que ocorre com o infanticídio. A autonomia conferida ao crime, ainda, afasta antigas controvérsias relativas à compatibilidade do feminicídio com outras previsões contidas na tipificação do homicídio, a exemplo da sua conjugação com qualificadoras de motivo torpe e fútil.

No entanto, o conteúdo da Lei n° 14.994/2024 não parece revelar uma efetiva preocupação com a especialização de argumentos e aprofundamento do debate sobre a violência de gênero e a sua manifestação fatal, representada pelo feminicídio. Perdeu-se a oportunidade de aperfeiçoar a norma, por exemplo, no seu próprio aspecto conceitual, ou seja, na proposta de um modelo de tipificação mais claro e preciso, que não fosse tão dependente de fórmulas subjetivas e internas como a referência ao “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.

Outra grande oportunidade perdida foi a de adequar a definição legal ao desenvolvimento sociológico da categoria do feminicídio pela substituição da palavra “sexo” por “gênero”, haja vista que o fundamento material da figura está muito mais relacionado a esta última categoria.

De modo geral, a manutenção do apego do feminicídio à repetitiva cláusula das “razões da condição do sexo feminino”, sem uma especificação mais adequada desse conteúdo, é mais um ponto a ser considerado. A expressão se inspira, é claro, no desenvolvimento do conceito sociológico de feminicídio, atribuído a Diana Russell, responsável pela introdução do conceito no debate político ao descrever o assassinato de mulheres simplesmente “por serem mulheres” [3]. O transporte da categoria ao âmbito penal, contudo, não pode se dar sem alguma restrição conceitual, haja vista a incidência dos princípios da legalidade e da taxatividade penal.

Da forma como previsto no novo artigo 121-A do Código Penal, o feminicídio mantém a definição da antiga qualificadora, implicando, no entanto, expressivo aumento de pena em relação à anterior previsão legal: da reprimenda de 12 a 30 anos própria do homicídio qualificado, tem-se agora a pena de 20 a 40 anos exclusivamente para o feminicídio. O preceito secundário, portanto, atinge patamares elevadíssimos, haja vista que 40 anos é o limite de tempo de cumprimento de penas privativas de liberdade, nos termos do artigo 75 do Código Penal. Trata-se da mais alta pena em abstrato cominada pelo diploma penal.

Nas específicas causas de aumento de pena, houve ligeira modificação, com a inclusão do incremento de 1/3 até metade se o crime for praticado nas circunstâncias previstas nos incisos III, IV e VIII do § 2º do artigo 121, ou seja, “com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum”“à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido” e “com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido”, todas qualificadoras de natureza objetiva. Estas e outras causas de aumento previstas no §2º do novo artigo 121-A podem elevar a pena, assim, ao impressionante número de 60 anos de reclusão.

As demais alterações legais promovidas têm em comum a restrição de direitos para aqueles condenados por crimes cometidos contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, a exemplo da perda de cargo, função pública ou mandato eletivo e a vedação à nomeação, designação ou diplomação em qualquer cargo, função pública ou mandato eletivo entre o trânsito em julgado da condenação até o efetivo cumprimento da pena.

Houve também aumento das penas de lesão corporal com “violência doméstica” e cometida contra a mulher nos mesmos casos do feminicídio, ou seja, “por razões da condição do sexo feminino”.

Outro ponto de destaque da nova lei são as alterações promovidas no âmbito da execução penal. Inseriu-se previsão segundo a qual o condenado por crime contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, ao usufruir de qualquer benefício em que ocorra saída do estabelecimento penal, deverá ser fiscalizado por meio de monitoração eletrônica. A determinação é de difícil aplicação prática em todos os estados do Brasil, haja vista a conhecida situação de indisponibilidade de dispositivos de monitoração eletrônica para todos que recebem a determinação de vigilância, sendo que a prioridade costuma ser a utilização da medida como alternativa à prisão preventiva.

É certo que a monitoração eletrônica pode ser um mecanismo eficaz de prevenção à reiteração delitiva, principalmente em casos de violência contra a mulher, para fiscalização do cumprimento de medidas protetivas de urgência. Contudo, o que se extrai da Lei n° 14.994/2024 é ainda o predomínio discrepante do paradigma reativo, atrelado ao recrudescimento de penas, que pouco adiciona ao debate sobre o que funciona em termos de prevenção da violência de gênero. Sintomático, aliás, que os números de feminicídios e de outras formas de violência contra as mulheres tenham apresentado crescimento nos últimos anos [4].

Tampouco se avançou na discussão dogmática relativa a como melhor descrever, em sentido penal, a conduta de feminicídio a partir de modelos de tipificação mais claros e precisos, a exemplo de países que, na tipificação destes homicídios, optaram por elencar todas as circunstâncias em que se considera presente um elemento discriminatório de gênero, definidor do feminicídio (como México, Chile, Bolívia, El Salvador, dentre outros) [5].

Cabe aos penalistas, aparentemente, continuar repetindo o óbvio: que a insistência na exasperação do rigor punitivo não é sinônimo de eficácia no combate à violência contra as mulheres.

[1] Cf. ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. Madrid: Civitas, 1997 e DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. A racionalidade das leis penais: teoria e prática. Trad. Luiz Regis Prado. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

[2] SALGADO, Amanda Bessoni Boudoux. Normas penais gênero-específicas e técnica legislativa: perspectivas de racionalidade. In: Alejandro Luis de Pablo Serrano; Mª Flora Martín Moral; Patricia Tapia Ballesteros. (Org.). Retos pendientes en el camino hacia la igualdad de las mujeres en el siglo XXI: debates en el ámbito del derecho, la criminología, la sociología y los medios de comunicación. 1. ed. Madrid: Reus Editorial, 2021, p. 35.

[3] Cf. RADFORD, Jill; RUSSELL, Diana E. H. Femicide: the politics of woman killing. New York: Twayne Publishers, 1992.

[4] Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, cresceram todas as modalidades de violência contra mulheres em 2023, com o número de 1.467 feminicídios. Ameaças aumentaram em 16,5% em relação ao ano anterior, assim como os registros de stalking (34,5%), agressões decorrentes de violência doméstica (9,8%), tentativas de feminicídio (7,1%), dentre outras condutas. Dados disponíveis em: https://forumseguranca.org.br/publicacoes/anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/. Acesso em 14 out. 2024.

[5] Com o desenvolvimento de completo panorama da América Latina: SALGADO, Amanda Bessoni Boudoux. Feminicídio no direito penal. São Paulo: Quartier Latin, 2023. Veja-se, por exemplo, a descrição dada pelo art. 325 do Código Penal Federal do México, com a adoção de um modelo amplamente circunstancial: “Comete el delito de feminicidio quien prive de la vida a una mujer por una razón de género. Se considera que existe una razón de género cuando concurra cualquiera de las siguientes circunstancias: I. La víctima presente signos de violencia sexual de cualquier tipo; II. A la víctima se le hayan infligido lesiones o mutilaciones infamantes o degradantes, previas o posteriores a la privación de la vida o actos de necrofilia; III. Existan antecedentes o datos de cualquier tipo de violencia en el ámbito familiar, laboral, comunitario, político o escolar, del sujeto activo en contra de la víctima; IV. Haya existido entre el sujeto activo y la víctima parentesco por consanguinidad o afinidad o una relación sentimental, afectiva, laboral, docente, de confianza o alguna relación de hecho entre las partes; V. Existan datos que establezcan que hubo amenazas directas o indirectas relacionadas con el hecho delictuoso, acoso o lesiones del sujeto activo en contra de la víctima; VI. La víctima haya sido incomunicada, cualquiera que sea el tiempo previo a la privación de la vida; VII. El cuerpo de la víctima sea expuesto, arrojado, depositado o exhibido en un lugar público, o VIII. El sujeto activo haya obligado a la víctima a realizar una actividad o trabajo o haya ejercido sobre ella cualquier forma de explotación. […].”

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Chamar uma pessoa negra de “macaco”, pelo contexto histórico do país, caracteriza o crime de racism

 

Mulher é condenada por chamar de 'macaco' empregado de prédio

24 de julho de 2024, 20h16

·       Criminal

Não importa a justificativa apresentada, chamar uma pessoa negra de “macaco”, pelo contexto histórico do país, caracteriza o crime de racismo e possui peso distinto do que teria se a referência fosse a alguém branco. A juíza Carla Milhomens Lopes de Figueiredo Gonçalves De Bonis, da 3ª Vara Criminal de Santos (SP), aplicou esse entendimento ao condenar uma mulher que chamou de “macaco” um empregado do edifício onde mora.

“A desumanização de pessoas negras por meio da associação com o animal macaco consiste em prática violenta, que, partindo da ideia de inferioridade das pessoas negras — as quais sequer seriam seres humanos —, conduz à perpetuação de um cenário de desigualdade e preconceito na sociedade”, destacou a julgadora. Satisfeitos os requisitos legais, a pena de dois anos de reclusão em regime aberto foi substituída por prestação pecuniária à vítima, no valor de três salários-mínimos (equivalente a R$ 4.236).

O Ministério Público narrou na denúncia que o trabalhador do prédio, em razão da raça e da cor, teve a dignidade e o decoro ofendidos pela condômina no dia 12 de abril de 2023. Nas dependências do edifício, a moradora perguntou ao empregado sobre o que havia acontecido com um dos elevadores. Como ele não soube responder de imediato que o equipamento passava por manutenção, a ré disparou: “Você parece aqueles macacos que não ouvem, não enxergam e não falam”.

O elevador estava parado entre o primeiro andar e o subsolo. Na fase do inquérito e em juízo, o técnico que vistoriava o equipamento afirmou que ouviu a condômina chamar o empregado do prédio de “macaco”. A síndica não se encontrava no edifício, mas para lá se dirigiu tão logo soube do episódio. Em seu depoimento na audiência de instrução, ela declarou que o trabalhador estava “abalado” quando lhe reportou o ocorrido, razão pela qual lhe concedeu dois dias de licença.

Apesar de intimada, a acusada não compareceu à delegacia para apresentar a sua versão dos fatos. Em juízo, ela negou qualquer conduta racista, alegando não se recordar de nenhum problema com o empregado do condomínio. Porém, disse que em data anterior ao evento citado na denúncia, de maneira genérica e sem se referir direta ou exclusivamente à vítima, disse que as pessoas do prédio nunca sabiam de nada e, por isso, pareciam os macaquinhos que não falam, não veem e não ouvem.

Alegação rechaçada

A condômina argumentou ter feito apenas menção à lenda japonesa dos Três Macacos Sábios. Segundo o budismo, eles representam a divindade de seis braços Vajrakilaya, cujo principal ensinamento é não ouvir, ver ou falar mal para não atrair algo negativo. No entanto, para a magistrada, essa pretensa justificativa seria plausível se houvesse sido comprovada pelos demais elementos de prova, o que não ocorreu, e “não se presta a afastar o dolo de ofender a honra da vítima por sua cor e raça”.

Carla De Bonis assinalou na sentença que o ofendido, desde o primeiro desabafo feito à testemunha presencial logo após o fato, assim como no depoimento policial e, finalmente, em juízo, declarou firmemente ter sido chamado de “macaco” pela acusada, sentindo-se ofendido em sua honra. “A condenação é medida de rigor. O artigo 2º da Lei nº 7.716/1989 tipifica a conduta de ‘injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional’.”

Processo 1515213-32.2023.8.26.0562

 Não cabe ANPP em caso de crime de homofobia, diz STJ

·   Danilo Vital

17 de setembro de 2024, 10h50

·       Criminal

O alcance do acordo de não persecução penal (ANPP) exige conformidade com a Constituição Federal e com os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro de preservação do direito fundamental à não discriminação.

Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial do Ministério Público de Goiás, que visava homologar um acordo envolvendo ré acusada de homofobia.

Ela ofendeu dois homens que estavam se abraçando em um local público. As instâncias ordinárias concluíram que a conduta se encaixa, em tese, na Lei 7.716/1989 ou no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal.

O MP-GO ofereceu ANPP, que não foi homologado pelas instâncias ordinárias porque a conduta se equipara ao crime de racismo, conforme entendeu o Supremo Tribunal Federal em 2019. Segundo a jurisprudência do STF, o ANPP não abarca os crimes raciais, assim também compreendidos aqueles previstos no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal.

Vedação ao ANPP

O MP-GO recorreu ao STJ para apontar que o Judiciário estaria criando uma hipótese de vedação ao ANPP que não está expressamente prevista em lei.

Relator, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca negou provimento ao recurso especial, considerando o contexto e a jurisprudência sobre o tema.

Em sua análise, o ANPP seria insuficiente para a reprovação e prevenção do crime objeto de investigação, à luz do direito fundamental à não discriminação.

“Pessoalmente, guardo reservas quanto à proibição total do ANPP em tais hipóteses. Todavia, a Suprema Corte de Justiça Nacional aponta para esse caminho com interpretação conforme a Constituição. Descabe, pois, ao Tribunal da Cidadania fazer qualquer outra hermenêutica”, disse.

AREsp 2.607.962

ANPP

 ANPP pode ser solicitado até o trânsito em julgado, decide Supremo

·   Tiago Angelo

18 de setembro de 2024, 17h55

·       Criminal

Os acordos de não persecução penal (ANPP) podem ser celebrados em casos que estavam em andamento quando entrou em vigor a lei “anticrime” (Lei 13.964/2019), desde que a solicitação tenha sido feita até o trânsito em julgado.

Antonio Augusto/STF

O entendimento é do Plenário do Supremo Tribunal Federal, que definiu nesta quarta-feira (18/9), em julgamento de um Habeas Corpus, tese sobre a celebração de acordos de não persecução. Venceu o voto do relator, ministro Gilmar Mendes.

O caso já tinha maioria formada desde 8 de agosto, mas faltava a definição da tese. Entre os pontos ainda em discussão estava a definição sobre se o acordo deveria ser solicitado pela defesa em sua primeira manifestação nos autos a partir da vigência da lei “anticrime” ou se o pedido podia ocorrer até o trânsito em julgado.

Venceu a segunda opção. Ficaram vencidos neste ponto os ministros Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia, que entenderam que o acordo só seria possível até a sentença condenatória.

Nos processos penais em andamento na data da proclamação do resultado do julgamento, o MP, de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do juiz da causa, deverá se manifestar na primeira oportunidade sobre o cabimento do acordo.

Nas investigações ou ações penais iniciadas a partir da decisão do STF, a proposição do acordo deve ser apresentada antes do recebimento da denúncia, nos termos da lei “anticrime”.

A Corte, no entanto, fez uma ressalva: se o MP entender, em outro momento do andamento da ação, que é o caso de oferecer acordo, o órgão ministerial pode celebrar o ANPP.

Precedente definido

A apreciação do caso começou no Plenário Virtual e é de grande importância, pois pode servir de precedente favorável a milhares de pessoas processadas ou até condenadas por crimes de menor ofensividade para as quais caberia, em tese, o oferecimento do acordo.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, o uso do ANPP vem ganhando força no Brasil, apesar de a sua retroatividade ainda estar em disputa. Ele oferece uma resposta rápida ao Estado e ao acusado, com reparação do dano e fuga da morosidade judicial.

A possibilidade de acordo está prevista no artigo 28-A do Código de Processo Penal, incluído pelo pacote “anticrime”. Pode ser oferecido pelo Ministério Público ao réu que praticou infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, desde que tenha confessado a conduta.

No HC julgado, um homem condenado solicitou o acordo depois de a lei “anticrime” entrar em vigor. A condenação, no entanto, transitou em julgado sem manifestação do Ministério Público.

O tribunal suspendeu o processo e a execução da pena até que o Ministério Público se manifeste pela viabilidade ou não do acordo de não persecução.

Votos dos ministros

Inicialmente, o ministro Gilmar Mendes, relator do caso, votou pela retroatividade para casos sem trânsito em julgado, desde que a defesa tenha solicitado na primeira oportunidade de manifestação. Cristiano Zanin entendeu da mesma forma.

Na sessão desta quarta (18/9), no entanto, ele reajustou o voto e passou a integrar a corrente de Fachin, Toffoli e Barroso. Para os ministros, o acordo pode ser solicitado a qualquer momento, desde que o caso não tenha transitado em julgado.

Alexandre divergiu. Para ele, o acordo só é possível até a sentença condenatória. Votou da mesma forma a ministra Cármen Lúcia e Flávio Dino. Essa posição também exige que o pedido tenha sido formulado na primeira oportunidade de manifestação nos autos após a vigência da lei “anticrime”.

Alexandre também sugeriu que a Corte defina um prazo, a contar a partir da publicação da ata do julgamento, para que o MP analise a possibilidade dos acordos. Esse será um dos temas decididos quando o Supremo passar a analisar o caso em abstrato.

Foi fixada a seguinte tese:

1-    Compete ao membro do MP oficiante, motivadamente e no exercício de seu poder-dever, avaliar o preenchimento dos requisitos para negociação e celebração do ANPP, sem prejuízo do regular exercício dos controles jurisdicional e interno;
2 – É cabível a celebração do ANPP em casos de processos em andamento, quando da entrada da vigência da Lei 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado;

2-     Nos processos penais em andamento na data da proclamação do resultado deste julgamento, nos quais em tese seja cabível a negociação de ANPP, se este ainda não for oferecido ou não houve motivação para o seu não oferecimento, o MP, agindo de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do magistrado da causa, deverá, na primeira oportunidade que falar nos autos após a publicação da ata deste julgamento, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ou não do acordo;

3 – Nas investigações ou ações penais iniciadas a partir da proclamação do resultado deste julgamento, a proposição de ANPP pelo MP ou a motivação para o seu não oferecimento, devem ser apresentadas antes do recebimento da denúncia, ressalvada a possibilidade de propositura pelo órgão ministerial no curso da ação penal se for o caso.

HC 185.913

 Para fins de ANPP, tráfico privilegiado pode ser reconhecido antes de sentença

16 de outubro de 2024, 7h33

·       Criminal

A decisão homologatória de acordo de não persecução penal (ANPP) é mero ato judicial de natureza declaratória. A análise deve recair apenas sobre a voluntariedade e a legalidade da medida, e não cabe ao magistrado emitir opinião quanto ao conteúdo do ajuste firmado entre o Ministério Público e o acusado, sob pena de violação ao princípio da imparcialidade, atributo que é indispensável no sistema acusatório.

Com essa fundamentação, a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais deu provimento ao recurso interposto por um acusado de tráfico de drogas preso com um quilo de maconha. A juíza da 2ª Vara Criminal de Araguari (MG) não homologou o ANPP com a alegação de que apenas na sentença poderia ser verificado se os requisitos legais para o acordo foram preenchidos.

Segundo o desembargador Bruno Terra Dias, relator do recurso, a intenção do legislador ao criar o ANPP foi a de favorecer a atuação extrajudicial do MP nos casos que envolvem matéria criminal.

O objetivo é mitigar o princípio da obrigatoriedade do exercício da ação penal, “evitando a judicialização de procedimentos investigatórios que tenham como objeto a apuração de delitos considerados de menor grau de gravidade”.

Para a defesa do acusado, inexiste previsão legal que condicione a análise dos requisitos objetivos do ANPP ao término da instrução processual penal. Ela argumentou que a decisão da magistrada abre margem ao “ativismo judicial” e interfere na atuação do MP, que, na qualidade de fiscal da lei, detém a prerrogativa de avaliar a conveniência e a oportunidade da oferta de tais acordos.

Tráfico privilegiado

A pena do tráfico de drogas varia de cinco a 15 anos de reclusão. Porém, o parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, que instituiu a figura do chamado tráfico privilegiado, prevê a diminuição da sanção, “desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”. Outra consequência é o afastamento da hediondez do delito.

Já o artigo 28-A do Código de Processo Penal estabelece as condições cumulativas para a propositura do ANPP por parte do MP.

São elas: prática de infração penal com pena mínima inferior a quatro anos; cometimento do crime sem violência ou grave ameaça; confissão formal e circunstanciada do acusado; necessidade e suficiência do acordo para reprovação e prevenção do crime.

Por considerar que o réu preenche os requisitos do tráfico privilegiado e do ANPP, o MP propôs o acordo e o acusado aceitou. Porém, segundo a juíza, na atual fase processual é prematuro admitir que o recorrente faz jus à minorante da Lei de Drogas.

“Eventual desclassificação para o delito de consumo pessoal de drogas ou aplicação do privilégio reflete matéria de mérito, que será apreciada por ocasião da prolação da sentença”, afirmou a magistrada em primeiro grau.

Além de mencionar o não preenchimento do requisito de pena mínima para o ANPP, a juíza considerou o acordo desnecessário e insuficiente para a reprovação do delito tratado nos autos, “dada a sua gravidade que, mesmo sendo privilegiado, não deixa de ser tráfico de drogas, devendo ser avaliada a dimensão social do dano, a relevância social do bem jurídico e ainda a danosidade social do fato”.

Sem previsão legal

No entanto, o relator no TJ-MG ponderou inexistir qualquer previsão legal que condicione o reconhecimento da minorante do tráfico privilegiado ao término da instrução criminal, restringindo a apreciação do ANPP ao momento de prolação da sentença.

Além disso, o desembargador acrescentou que o Supremo Tribunal Federal já admitiu o oferecimento do acordo para essa modalidade mais branda de tráfico.

“Ao restringir a apreciação do acordo à fase final da instrução, ignora-se a função preventiva do ANPP, que pretende abreviar o processo criminal e minimizar o desgaste e os ônus para as partes envolvidas”, concluiu Dias.

Os desembargadores Marco Antônio de Melo e Paula Cunha e Silva seguiram o voto do relator para homologar o acordo, “diante da presença inequívoca da voluntariedade e da legalidade do ajuste”.

Processo 1.0000.24.177153-4/001