Ministra do STJ anula júri porque réu preso foi impedido de usar roupas civis
6 de junho de 2024, 17h58
O uso de uniforme de presídio por parte do réu durante júri popular ofende princípios como os da ampla defesa e da isonomia, porque que esse tipo de roupa produz um estigma que pode influenciar os jurados e o acusado, caso respondesse ao processo em liberdade, compareceria ao plenário com trajes civis.
Com essa fundamentação, a ministra Daniela
Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu Habeas Corpus para anular
julgamento no qual dois homens foram condenados em São Paulo.
O pedido de Habeas Corpus foi impetrado pela defesa
de um dos réus, cuja pena foi fixada em 19 anos de reclusão. O outro acusado é
um sargento da Polícia Militar e foi condenado a 14 anos e três meses.
Citando outro acórdão de sua relatoria, a ministra
destacou que deve ser conferido aos julgadores leigos um olhar de
imparcialidade e serenidade para com o réu, “através da abolição de qualquer
símbolo de culpa, tal como a vestimenta carcerária, que constrói, por óbvio, um
estigma sociocultural de culpado em torno do custodiado, influenciando de forma
indevida o ânimo dos jurados”.
Daniela Teixeira justificou que permitir o uso de
roupas civis visa a resguardar a dignidade da pessoa humana e garantir a
isonomia. “O pronunciado solto é levado ao julgamento do conselho de sentença
sem trajar a ‘farda’ do sistema carcerário”. A julgadora do STF acrescentou que
a questão do traje não traz qualquer insegurança ou perigo, tendo em vista a
existência de policiamento ostensivo nos fóruns.
Antes do júri, que foi realizado no Fórum Criminal
da Barra Funda, na Capital, os advogados Anderson dos Santos Domingues, Bruno
Cavalcante e Eugênio Malavasi peticionaram nos autos para que o cliente pudesse
vestir trajes civis. Porém, o presidente da sessão indeferiu o requerimento,
sob a justificativa de que o uniforme auxiliaria na identificação do detento em
caso de eventual fuga.
Após o júri popular, os advogados impetraram habeas
corpus perante o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Eles pleitearam a
anulação do julgamento sob a alegação de prejuízo à defesa em decorrência da
utilização do uniforme do presídio. Porém, a 4ª Câmara de Direito Criminal
negou o pedido por não vislumbrar a existência de “patente constrangimento
ilegal” que autorize a sua concessão.
“O mero uso do uniforme do estabelecimento
prisional não é suficiente para influenciar no ânimo dos jurados a ponto de
gerar um juízo prévio de condenação, sendo esta, aliás, regra da Secretaria de
Administração Penitenciária, de observância por todos os presos. (…) Além
disso, a defesa não trouxe qualquer indicativo concreto de que o uso das vestes
carcerárias interferiu na formação da convicção dos jurados”, diz o acórdão do
TJ-SP.
Ao declarar a nulidade da sessão de julgamento e
determinar a realização de outra, na qual se permita ao réu vestir roupas
civis, a ministra ressalvou que o habeas corpus não pode ser manejado em
substituição a recurso próprio ou a revisão criminal, conforme entendimento do
STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, o caso em análise, no qual
se verifica “flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal”, é
situação excepcional que autoriza conhecê-lo e concedê-lo de ofício.
O homicídio qualificado atribuído ao paciente, que
seria agiota, e ao corréu, sargento da PM, ocorreu em junho de 2023, no Jaçanã,
Zona Norte de São Paulo. Segundo o Ministério Público, os acusados
desembarcaram encapuzados de um carro e executaram com 15 tiros um homem, que
estava em outro veículo estacionado. Conforme a denúncia, a vítima também seria
praticante de agiotagem e o crime foi motivado por disputa de clientela. O
policial militar atuaria como “cobrador” do outro denunciado.
HC 917.436
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