A decisão que recebe a denúncia é passível de ser
anulada se, após o réu apresentar a sua resposta à acusação, ficar evidenciada
de plano a carência de justa causa, de pressuposto processual ou de condição da
ação, conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça desde
2014.
Ex-diretores da Codesp foram acusados de fraude no
Porto de Santos
O juiz Roberto Lemos dos Santos Filho, da 5ª Vara
Federal de Santos (SP), aplicou essa fundamentação para rever a sua própria
decisão e rejeitar de forma superveniente a denúncia contra três ex-integrantes
da alta cúpula da extinta Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp),
atual Autoridade Portuária de Santos (APS).
Um desses réus presidiu a companhia, enquanto os
demais comandaram as diretorias financeira e de operações e logística. Contra
eles, o procurador da República Thiago Lacerda Nobre imputou os crimes de
peculato e dispensa indevida de licitação, que teriam causado prejuízo superior
a R$ 35,5 milhões à Codesp.
“O simples fato de ocuparem tais
cargos não pode ser interpretado como indício de autoria. Para viabilizar a
acusação, é necessário que o Ministério Público Federal indique as condutas
criminosas supostamente praticadas, uma vez que a responsabilização penal
objetiva é como regra vedada em nosso ordenamento”, observou o julgador.
104 laudas
A denúncia tem 104 laudas e se
refere a investigação da Polícia Federal de supostas irregularidades em uma
licitação. O certame resultou na celebração de contrato entre a Codesp e a
empresa Sphera Security, cujo objeto foi a prestação de serviços relativos ao
cumprimento de norma internacional de segurança nos portos.
De acordo com Lemos, apesar da “extensa denúncia”,
as condutas atribuídas ao ex-presidente e aos ex-diretores foram descritas “de
modo extremamente vago em apenas três parágrafos”. Para o juiz, a acusação
nesses termos se apresenta “meramente especulativa” e fere as garantias
constitucionais ao contraditório e à ampla defesa.
“Não é razoável, tampouco proporcional, exigir dos
réus que eles se defendam de fatos vagos, não contextualizados, desprovidos de
elementos que sugiram a presença de dolo”, ponderou o julgador. Segundo ele, o
Ministério Público Federal não explanou de modo preciso as ações ilícitas
supostamente cometidas pelos denunciados.
Lemos acrescentou que os dois delitos atribuídos
aos réus exigem inequívoca intenção por parte dos autores para se
concretizarem. Porém, a denúncia não apontou fatos concretos sugerindo que eles
“assinaram, aprovaram ou participaram da execução do contrato munidos de dolo
necessário à caracterização dos ilícitos”.
Para o juiz, não se pode exigir dos réus a
demonstração de que ignoravam os supostos caráter espúrio da licitação e
conluio de outros servidores na celebração do contrato. “Não é possível impor à
defesa o ônus de produzir prova negativa (prova diabólica), pois ainda vigora
em nosso ordenamento o princípio da presunção de inocência.”
Situação diversa
O MPF denunciou mais cinco pessoas, contra as
quais, após apreciar as suas respectivas respostas à acusação, o juiz manteve a
decisão que recebeu a inicial. “Foram trazidos elementos concretos e apontadas
condutas devidamente contextualizadas dentro da narrativa delitiva que sugerem,
pelo menos em tese, a prática de crimes”.
Entre esses fatos, Lemos destacou como principais
os supostos recebimento de propinas, acordo escuso para desclassificar outra
empresa do certame, falsificação de assinatura e elaboração de notas fiscais e
relatórios ideologicamente falsos. As datas das audiências de instrução em
relação a esses cinco réus ainda serão designadas.
No ano passado, 11 pessoas, oito delas integrantes
da diretoria da extinta Codesp, foram
absolvidas pelo juízo da 5ª Vara Federal de Santos. O objeto
desse processo foi o contrato firmado entre a companhia e a empresa Vert, no
valor de R$ 2,7 milhões, para o monitoramento do porto com drones.
Conforme a sentença, a má gerência de órgão público
justifica uma criteriosa investigação e a responsabilização dos gestores na
esfera cível-administrativa. No entanto, ela é insuficiente para puni-los
criminalmente sem a comprovação de que tiveram intenção de lesar o erário para
benefício próprio ou de terceiros.
Processo 5007163-39.2023.4.03.6104
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