terça-feira, 20 de agosto de 2024

 Período de amamentação deve contar para remição de pena, decide TJ-SP

·   Rafa Santos

6 de junho de 2024, 8h24

·       Criminal

O ato de amamentar pode ser caracterizado como trabalho materno e, portanto, o período dedicado a essa atividade deve ser contado para remição de pena em favor das mães que estão encarceradas.

Com esse entendimento, a 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, com base na chamada “economia do cuidado”, deu provimento ao recurso contra a decisão que negou o pedido de remição de pena a uma mãe encarcerada.

O termo “economia do cuidado” (care economy) foi criado pela cientista política americana Joan Tronto. Ele engloba atividades desempenhadas por pessoas que se dedicam a suprir necessidades físicas ou psicológicas de outras, assim como à criação e ao desenvolvimento de jovens e crianças. 

No recurso, a defesa sustentou que a amamentação está inserida em contexto econômico, como forma de trabalho, e que por isso as horas dedicadas à alimentação do bebê deveriam contar para remição de pena. O Ministério Público apresentou manifestação pelo não provimento do pedido. 

Importância da primeira infância

Ele também destacou que o artigo 126 da  Lei 7.210/1984 — que disciplina o benefício da remição de pena — deve ser ponderado com o conceito de trabalho moderno. “Portanto, e nesse sentido mais elevado, a amamentação é, sim, um trabalho materno que qualifica e dignifica a mulher, a exemplo de todas as outras atividades que, para mulheres e homens, se possam incluir no vasto repertório do artigo 126 da Lei 7.210/1984.” 

O magistrado argumentou ainda que, se há remição de pena até pelo trabalho manual de costurar bolas de futebol, empacotar luvas ou montar antenas, é justo que se abone parte da pena de uma detenta por causa da amamentação. 

“A situação específica da mulher encarcerada, e particularmente da criança que dela nasce, justifica e legitima a medida especial aqui reclamada”, resumiu o desembargador ao votar por dar provimento parcial ao recurso e determinar que a autoridade administrativa do sistema prisional apure o tempo que a autora dedicou à amamentação do seu filho. 

A detenta foi representada pela Defensoria Pública do estado de São Paulo.

Processo 0000513-77.2024.8.26.0502

 Ministra do STJ anula júri porque réu preso foi impedido de usar roupas civis

6 de junho de 2024, 17h58

O uso de uniforme de presídio por parte do réu durante júri popular ofende princípios como os da ampla defesa e da isonomia, porque que esse tipo de roupa produz um estigma que pode influenciar os jurados e o acusado, caso respondesse ao processo em liberdade, compareceria ao plenário com trajes civis.

Com essa fundamentação, a ministra Daniela Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu Habeas Corpus para anular julgamento no qual dois homens foram condenados em São Paulo.

O pedido de Habeas Corpus foi impetrado pela defesa de um dos réus, cuja pena foi fixada em 19 anos de reclusão. O outro acusado é um sargento da Polícia Militar e foi condenado a 14 anos e três meses.

Citando outro acórdão de sua relatoria, a ministra destacou que deve ser conferido aos julgadores leigos um olhar de imparcialidade e serenidade para com o réu, “através da abolição de qualquer símbolo de culpa, tal como a vestimenta carcerária, que constrói, por óbvio, um estigma sociocultural de culpado em torno do custodiado, influenciando de forma indevida o ânimo dos jurados”.

Daniela Teixeira justificou que permitir o uso de roupas civis visa a resguardar a dignidade da pessoa humana e garantir a isonomia. “O pronunciado solto é levado ao julgamento do conselho de sentença sem trajar a ‘farda’ do sistema carcerário”. A julgadora do STF acrescentou que a questão do traje não traz qualquer insegurança ou perigo, tendo em vista a existência de policiamento ostensivo nos fóruns.

Antes do júri, que foi realizado no Fórum Criminal da Barra Funda, na Capital, os advogados Anderson dos Santos Domingues, Bruno Cavalcante e Eugênio Malavasi peticionaram nos autos para que o cliente pudesse vestir trajes civis. Porém, o presidente da sessão indeferiu o requerimento, sob a justificativa de que o uniforme auxiliaria na identificação do detento em caso de eventual fuga.

Após o júri popular, os advogados impetraram habeas corpus perante o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Eles pleitearam a anulação do julgamento sob a alegação de prejuízo à defesa em decorrência da utilização do uniforme do presídio. Porém, a 4ª Câmara de Direito Criminal negou o pedido por não vislumbrar a existência de “patente constrangimento ilegal” que autorize a sua concessão.

“O mero uso do uniforme do estabelecimento prisional não é suficiente para influenciar no ânimo dos jurados a ponto de gerar um juízo prévio de condenação, sendo esta, aliás, regra da Secretaria de Administração Penitenciária, de observância por todos os presos. (…) Além disso, a defesa não trouxe qualquer indicativo concreto de que o uso das vestes carcerárias interferiu na formação da convicção dos jurados”, diz o acórdão do TJ-SP.

Ao declarar a nulidade da sessão de julgamento e determinar a realização de outra, na qual se permita ao réu vestir roupas civis, a ministra ressalvou que o habeas corpus não pode ser manejado em substituição a recurso próprio ou a revisão criminal, conforme entendimento do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, o caso em análise, no qual se verifica “flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal”, é situação excepcional que autoriza conhecê-lo e concedê-lo de ofício.

O homicídio qualificado atribuído ao paciente, que seria agiota, e ao corréu, sargento da PM, ocorreu em junho de 2023, no Jaçanã, Zona Norte de São Paulo. Segundo o Ministério Público, os acusados desembarcaram encapuzados de um carro e executaram com 15 tiros um homem, que estava em outro veículo estacionado. Conforme a denúncia, a vítima também seria praticante de agiotagem e o crime foi motivado por disputa de clientela. O policial militar atuaria como “cobrador” do outro denunciado.

HC 917.436

Marco da progressão de pena

 Marco da progressão de pena é data em que último requisito é preenchido

·   Danilo Vital

19 de agosto de 2024, 18h09

·       Criminal

O termo inicial para a progressão de regime de cumprimento de pena é aquele em que o último requisito exigido por lei foi preenchido.

 Preso só progride de regime após cumprir tempo mínimo, provar que tem bom comportamento e fazer exame

Essa conclusão é da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que fixou uma tese sob o rito dos recursos repetitivos sobre o assunto, de forma a vincular a análise de juízes e tribunais.

A posição é a já pacificada pela jurisprudência do STJ e não foi alterada pela entrada recente em vigor da Lei 14.843/2024. A votação se deu por maioria de votos, conforme a posição do relator, o desembargador convocado Jesuíno Rissato.

Como funciona

Em suma, para progredir de regime de cumprimento de pena, o preso precisa cumprir dois requisitos:

— Requisito objetivo: tempo mínimo de pena, conforme exigido no artigo 112 da Lei de Execução Penal;

— Requisito subjetivo: ter bom comportamento, comprovado pelo diretor do estabelecimento, e, por causa da Lei 14.843/2024, resultado favorável no exame criminológico.

O marco da progressão é importante para que seja estabelecido a partir de que momento os prazos começam a contar para a próxima progressão ou para outros benefícios possíveis ao condenado.

A conclusão do STJ é de que esse marco é a data em que o último requisito necessário foi atingido, não importa qual seja. Portanto, a corte afastou a interpretação segundo a qual o marco seria a sentença do juiz que concede a progressão.

Essa sentença tem natureza declaratória e não constitutiva — ela apenas declara uma realidade que já existia a partir do momento em que ambos os requisitos foram preenchidos.

A tese aprovada pelo colegiado foi a seguinte:

A decisão que defere a progressão de regime não tem natureza constitutiva, senão declaratória. O termo inicial para a progressão de regime deverá ser a data em que preenchidos os requisitos objetivo e subjetivo descritos no artigo 112 da Lei 7.210, de 11/07/1984 (Lei de Execução Penal), e não a data em que efetivamente foi deferida a progressão. Essa data deverá ser definida de forma casuística, fixando-se como termo inicial o momento em que preenchido o último requisito pendente, seja ele o objetivo ou o subjetivo. Se por último for preenchido o requisito subjetivo, independentemente da anterior implementação do requisito objetivo, será aquele (o subjetivo) o marco para fixação da data-base para efeito de nova progressão de regime.

Data do criminológico

Durante o julgamento, o STJ também discutiu qual seria o marco de preenchimento do requisito subjetivo — relacionado à aptidão do preso para reinserção social.

Até a entrada em vigor da Lei 14.843/2024, esse marco era, em regra, o atestado de bom comportamento produzido pelo diretor do estabelecimento prisional. Apenas casos específicos e justificados precisavam de exame criminológico.

A jurisprudência do STJ vinha indicando que, nos casos em que era necessário o exame, a data do parecer técnico favorável à progressão era o marco temporal a ser definido.

O defensor público por São Paulo Rafael Muneratti sugeriu, na sustentação oral, que a 3ª Seção passasse a entender que esse marco é a data em que o juiz faz o pedido do exame. Isso porque, na lei atual, o criminológico é obrigatório. E a tendência é de enormes atrasos para sua produção, em virtude da falta de equipes habilitadas e do número de presos no país.

Criminalistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico já classificaram o exame criminológico como inviável nesse cenário.

Por esse motivo, juízes por todo o país têm declarado a inconstitucionalidade desse trecho da lei para não aplicá-la, ou então concluído que ela só é válida para casos novos.

A rigor, a tese proposta pelo relator na 3ª Seção do STJ não abordou esse ponto. Ele levou em consideração a preocupação da Defensoria, mas rejeitou incluir essa ressalva.

Três magistrados se animaram com a proposta, mas acabaram ficando vencidos: o ministro Rogerio Schietti, a ministra Daniela Teixeira e o desembargador convocado Otavio de Almeida Toledo.

REsp 1.972.187
REsp 1.973.105
REsp 1.973.589
REsp 1.976.197
REsp 1.976.210

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

MERA ESPECULAÇÃO - Juiz revê decisão após resposta de réus e rejeita denúncia vaga

A decisão que recebe a denúncia é passível de ser anulada se, após o réu apresentar a sua resposta à acusação, ficar evidenciada de plano a carência de justa causa, de pressuposto processual ou de condição da ação, conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça desde 2014.

Ex-diretores da Codesp foram acusados de fraude no Porto de Santos

O juiz Roberto Lemos dos Santos Filho, da 5ª Vara Federal de Santos (SP), aplicou essa fundamentação para rever a sua própria decisão e rejeitar de forma superveniente a denúncia contra três ex-integrantes da alta cúpula da extinta Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), atual Autoridade Portuária de Santos (APS).

Um desses réus presidiu a companhia, enquanto os demais comandaram as diretorias financeira e de operações e logística. Contra eles, o procurador da República Thiago Lacerda Nobre imputou os crimes de peculato e dispensa indevida de licitação, que teriam causado prejuízo superior a R$ 35,5 milhões à Codesp.

“O simples fato de ocuparem tais cargos não pode ser interpretado como indício de autoria. Para viabilizar a acusação, é necessário que o Ministério Público Federal indique as condutas criminosas supostamente praticadas, uma vez que a responsabilização penal objetiva é como regra vedada em nosso ordenamento”, observou o julgador.

104 laudas

A denúncia tem 104 laudas e se refere a investigação da Polícia Federal de supostas irregularidades em uma licitação. O certame resultou na celebração de contrato entre a Codesp e a empresa Sphera Security, cujo objeto foi a prestação de serviços relativos ao cumprimento de norma internacional de segurança nos portos.

De acordo com Lemos, apesar da “extensa denúncia”, as condutas atribuídas ao ex-presidente e aos ex-diretores foram descritas “de modo extremamente vago em apenas três parágrafos”. Para o juiz, a acusação nesses termos se apresenta “meramente especulativa” e fere as garantias constitucionais ao contraditório e à ampla defesa.

“Não é razoável, tampouco proporcional, exigir dos réus que eles se defendam de fatos vagos, não contextualizados, desprovidos de elementos que sugiram a presença de dolo”, ponderou o julgador. Segundo ele, o Ministério Público Federal não explanou de modo preciso as ações ilícitas supostamente cometidas pelos denunciados.

Lemos acrescentou que os dois delitos atribuídos aos réus exigem inequívoca intenção por parte dos autores para se concretizarem. Porém, a denúncia não apontou fatos concretos sugerindo que eles “assinaram, aprovaram ou participaram da execução do contrato munidos de dolo necessário à caracterização dos ilícitos”.

Para o juiz, não se pode exigir dos réus a demonstração de que ignoravam os supostos caráter espúrio da licitação e conluio de outros servidores na celebração do contrato. “Não é possível impor à defesa o ônus de produzir prova negativa (prova diabólica), pois ainda vigora em nosso ordenamento o princípio da presunção de inocência.”

Situação diversa

O MPF denunciou mais cinco pessoas, contra as quais, após apreciar as suas respectivas respostas à acusação, o juiz manteve a decisão que recebeu a inicial. “Foram trazidos elementos concretos e apontadas condutas devidamente contextualizadas dentro da narrativa delitiva que sugerem, pelo menos em tese, a prática de crimes”.

Entre esses fatos, Lemos destacou como principais os supostos recebimento de propinas, acordo escuso para desclassificar outra empresa do certame, falsificação de assinatura e elaboração de notas fiscais e relatórios ideologicamente falsos. As datas das audiências de instrução em relação a esses cinco réus ainda serão designadas.

No ano passado, 11 pessoas, oito delas integrantes da diretoria da extinta Codesp, foram absolvidas pelo juízo da 5ª Vara Federal de Santos. O objeto desse processo foi o contrato firmado entre a companhia e a empresa Vert, no valor de R$ 2,7 milhões, para o monitoramento do porto com drones.

Conforme a sentença, a má gerência de órgão público justifica uma criteriosa investigação e a responsabilização dos gestores na esfera cível-administrativa. No entanto, ela é insuficiente para puni-los criminalmente sem a comprovação de que tiveram intenção de lesar o erário para benefício próprio ou de terceiros.

Processo 5007163-39.2023.4.03.6104

Dissenso da vítima, mesmo sem reação drástica, basta para caracterizar crime de estupro, diz STJ

 13 de agosto de 2024, 19h57 Danilo Vital


O artigo 213 do Código Penal, que tipifica o crime de estupro, não exige determinado comportamento ou forma de resistência da vítima. Basta a discordância, clara e explícita, manifestada antes ou durante o ato.

Caso concreto trata de relação sexual consentida que virou estupro

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso do Ministério Público do Distrito Federal para condenar um homem a seis anos de reclusão pelo crime de estupro.

Por maioria de 3 votos a 2, o colegiado reformou o acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que havia absolvido o réu. A corte de apelação havia entendido que a vítima não demonstrou inequívoca objeção ao ato sexual.

Prevaleceu o voto divergente do ministro Sebastião Reis Júnior, acompanhado pelo ministro Rogerio Schietti — que esteve ausente na sessão presencial em que houve sustentação oral, mas se declarou apto a votar — e pelo desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo.

Dúvida razoável

O caso é o de uma relação sexual que começou de forma consentida, mas mudou para sexo anal por iniciativa do réu. A vítima disse em juízo que avisou que não queria, não gostava e que estava doendo, mas acabou suportando o ato sem reagir.

A condenação em primeiro grau foi transformada em absolvição porque o TJ-DF alegou inconsistências consideráveis no relato. A corte concluiu que a vítima não demonstrou inequívoca objeção, pois declarou que não teve reação e esperou o ato acabar.

Além disso, ela manteve contato com o réu. Na semana seguinte ao ato, enviou mensagem a ele sugerindo repetir o encontro. Outra mensagem foi enviada um ano mais tarde, quando ela propôs um relacionamento romântico. A denúncia foi feita posteriormente.

Para o TJ-DF, não ficou comprovado o constrangimento da vítima mediante violência ou grave ameaça. Sem essa elementar do crime de estupro, não há como manter a condenação.

Relator da matéria no STJ, o desembargador convocado Jesuíno Rissato entendeu que alterar essa conclusão demandaria reanálise de fatos e provas, medida vedada pela Súmula 7 da corte. Assim, ele votou por negar provimento ao recurso especial.

Ao votar, em maio, o magistrado acrescentou que a situação delineada no acórdão do TJ-DF é capaz de gerar dúvida quanto ao dissenso da vítima, elemento que está no cerne da conduta criminosa.

Acompanhou o relator e ficou vencido o ministro Antonio Saldanha Palheiro. Para ele, ainda que a palavra da vítima em crimes sexuais tenha relevância maior, e mesmo diante do julgamento sob perspectiva de gênero, como propõe o Conselho Nacional de Justiça, o caso tem nuances capazes de gerar dúvida fundada.

É estupro

Abriu a divergência vencedora o ministro Sebastião Reis Júnior, que afastou a aplicação da Súmula 7. Para ele, o caso é de reenquadramento dos fatos descritos no acórdão, de forma a definir se preenchem o tipo penal do artigo 213 do CP.

O estupro é tipificado pelo ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal, praticar ou permitir outro ato libidinoso.

Assim, não será crime se houver consentimento para o ato. A discordância da vítima, por sua vez, precisa ser capaz de demonstrar oposição ao ato. E ela pode surgir durante a prática. A concordância inicial tem de durar até o fim da relação.

O voto vencedor esclarece que o artigo 213 do Código Penal não exige da vítima determinado comportamento ou forma de resistência. Basta o dissenso, que foi manifestado de forma contundente, conforme o acórdão do TJ-DF.

“Não tenho dúvidas em afirmar que a vítima dizer que não queria e que não gostava de sexo daquela forma, pedir algumas vezes para parar e afirmar que estava doendo caracteriza reação e oposição efetiva e expressa, dissenso claro que deveria ser respeitado claramente.”

Assim, o fato de a vítima não ter reagido ferozmente ou fisicamente não exclui o crime, segundo o magistrado. “A relativa passividade após a internalização de que a resistência ativa não será capaz de impedir o ato não é, por diversos fatores, incomum em delitos dessa natureza.”

Palavra da vítima

O capítulo do acórdão que aponta que as fundadas dúvidas sobre o consentimento da vítima são embasadas pelo comportamento posterior dela mereceram críticas específicas nos votos da corrente vencedora.

O ministro Sebastião Reis Júnior destacou que isso transmite um viés desatualizado e machista ao querer estabelecer a forma de agir de uma verdadeira vítima de crime sexual, indicando que o certo seria ela não manter contato com o agressor.

“O tribunal de origem, ao tentar desacreditar a palavra da vítima em função de seu comportamento posterior e indicar a inexistência de testemunhas presenciais, afastou-se da jurisprudência há muito consolidada por esta corte de que o depoimento da vítima em crime sexual possui especial valor probante, notadamente no caso concreto em que há inúmeros outros relatos de outras ofendidas que suportaram semelhante modus operandi.”

“O que temos de julgar não é comportamento posterior da vítima, que pode ser explicado por inúmeros fatores, mas o que efetivamente ocorreu”, destacou o ministro Rogerio Schietti, ao formar a maioria.

“E me parece que, por tudo que consta dos autos, não há dúvida de que as evidências sinalizam para o expresso e reiterado dissenso da vítima, que não foi suficiente para fazer cessar a iniciativa do acusado”, concluiu ele.

REsp 2.105.317

terça-feira, 13 de agosto de 2024

Mera indicação de dívida tributária não sustenta ação penal, diz TJ-SP

Criminal Tributário

A mera indicação de descumprimento de obrigação tributária não sustenta a deflagração de ação penal por crime contra a ordem tributária, uma vez que o Direito Penal não admite a simples verossimilhança, nem a probabilidade.

TJ-SC

MP-SP alegou que sócios cometeram fraude com notas falsas ou inexatas

Com esse entendimento, a 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo negou, por unanimidade, um recurso do Ministério Público de São Paulo contra a rejeição de uma denúncia sobre suposta sonegação fiscal. No primeiro grau, ela havia sido rejeitada por falta de justa causa, o que foi mantido pelo colegiado.

Indícios de materialidade

A denúncia do MP-SP descreveu que dois sócios-proprietários de uma empresa suprimiram cerca de R$ 89 mil de ICMS “mediante fraude à fiscalização tributária, consistente na utilização de notas fiscais eletrônicas que sabiam, ou deveriam saber, serem falsas e/ou inexatas”. As notas foram emitidas, ainda segundo a Promotoria, por uma outra empresa de fachada, sem que os acusados tivessem comprovado a lisura dessas operações comerciais.

Em primeiro grau, a denúncia foi rejeitada por não haver indícios mínimos de autoria e materialidade para sustentar a ação penal, uma vez que não havia prova concreta de que as operações não ocorreram, “mas apenas uma presunção baseada na infringência de norma tributária”, conforme escreveu a juíza Marcia Mayumi Okoda Oshiro.

“A ausência de prova da existência da operação comercial, por parte dos réus, não supre a necessidade da acusação de apresentar indícios de que referidas operações não ocorreram. A negativa de prova da existência da operação comercial, embora relevante na esfera tributária, não constitui indício de materialidade penal. Trata-se de elemento desprovido de valor probatório para fins penais”, argumentou a julgadora.

Nexo de causalidade

Esse entendimento foi mantido pelo TJ-SP, ao qual o MP-SP interpôs um recurso em sentido estrito (Rese). “A denúncia não acompanha nexo de causalidade entre os recorridos e a empresa simulada”, escreveu o relator do caso, desembargador Alberto Anderson Filho, segundo o qual é insuficiente invocar a teoria do domínio do fato para responsabilizar os acusados, também devido à falta de nexo entre a conduta deles e o suposto crime.

“Ao passo que, na esfera tributária, os recorridos evidentemente tenham responsabilidade, o mesmo não pode ser dito quanto à responsabilidade penal”, resumiu o magistrado.

Elementos de tipificação ignorados

Nas contrarrazões ao recurso, a defesa dos sócios da empresa argumentou ser indispensável a conjugação de fraude e voluntariedade delitiva do agente para se cogitar o crime de sonegação, o que teria sido ignorado pelo MP-SP.

“Ou seja, a denúncia, de fato, se limita a descrever em como as discrepâncias na escrituração dos documentos fiscais foram constadas, deixando, por outro lado, de expor efetivamente o fato criminoso, com a individualização das condutas e todas as suas circunstâncias”, alegou a defesa.

Atuou na causa o advogado Leonardo Calegari, sócio do escritório OCM Advogados. Segundo ele, a decisão do TJ-SP é paradigmática. “O julgado traz reflexões importantes para a tipificação do crime em questão e certamente servirá de precedente para outros casos semelhantes.”

Processo 0055078-04.2015.8.26.0050