13 de agosto de 2024, 19h57 Danilo Vital
O artigo 213 do Código Penal, que tipifica o crime
de estupro, não exige determinado comportamento ou forma de resistência da
vítima. Basta a discordância, clara e explícita, manifestada antes ou durante o
ato.
Caso concreto trata de relação sexual consentida
que virou estupro
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior
Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso do Ministério Público do Distrito
Federal para condenar um homem a seis anos de reclusão pelo crime de estupro.
Por maioria de 3 votos a 2, o colegiado reformou o
acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que havia absolvido o réu. A
corte de apelação havia entendido que a vítima não demonstrou inequívoca
objeção ao ato sexual.
Prevaleceu o voto divergente do ministro Sebastião
Reis Júnior, acompanhado pelo ministro Rogerio Schietti — que esteve ausente na
sessão presencial em que houve sustentação oral, mas se declarou apto a votar —
e pelo desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo.
Dúvida razoável
O caso é o de uma relação sexual que começou de
forma consentida, mas mudou para sexo anal por iniciativa do réu. A vítima
disse em juízo que avisou que não queria, não gostava e que estava doendo, mas
acabou suportando o ato sem reagir.
A condenação em primeiro grau foi transformada em
absolvição porque o TJ-DF alegou inconsistências consideráveis no relato. A
corte concluiu que a vítima não demonstrou inequívoca objeção, pois declarou
que não teve reação e esperou o ato acabar.
Além disso, ela manteve contato com o réu. Na
semana seguinte ao ato, enviou mensagem a ele sugerindo repetir o encontro.
Outra mensagem foi enviada um ano mais tarde, quando ela propôs um
relacionamento romântico. A denúncia foi feita posteriormente.
Para o TJ-DF, não ficou comprovado o
constrangimento da vítima mediante violência ou grave ameaça. Sem essa
elementar do crime de estupro, não há como manter a condenação.
Relator da matéria no STJ, o desembargador
convocado Jesuíno Rissato entendeu que alterar essa conclusão demandaria
reanálise de fatos e provas, medida vedada pela Súmula 7 da corte. Assim, ele
votou por negar provimento ao recurso especial.
Ao votar, em maio, o magistrado acrescentou que a
situação delineada no acórdão do TJ-DF é capaz de gerar dúvida quanto ao
dissenso da vítima, elemento que está no cerne da conduta criminosa.
Acompanhou o relator e ficou vencido o ministro
Antonio Saldanha Palheiro. Para ele, ainda que a palavra da vítima em crimes
sexuais tenha relevância maior, e mesmo diante do julgamento sob perspectiva de
gênero, como propõe o Conselho Nacional de Justiça, o caso tem nuances capazes
de gerar dúvida fundada.
É estupro
Abriu a divergência vencedora o ministro Sebastião
Reis Júnior, que afastou a aplicação da Súmula 7. Para ele, o caso é de
reenquadramento dos fatos descritos no acórdão, de forma a definir se preenchem
o tipo penal do artigo 213 do CP.
O estupro é tipificado pelo ato de constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal, praticar ou
permitir outro ato libidinoso.
Assim, não será crime se houver consentimento para
o ato. A discordância da vítima, por sua vez, precisa ser capaz de demonstrar
oposição ao ato. E ela pode surgir durante a prática. A concordância inicial
tem de durar até o fim da relação.
O voto vencedor esclarece que o artigo 213 do
Código Penal não exige da vítima determinado comportamento ou forma de
resistência. Basta o dissenso, que foi manifestado de forma contundente,
conforme o acórdão do TJ-DF.
“Não tenho dúvidas em afirmar que a vítima dizer
que não queria e que não gostava de sexo daquela forma, pedir algumas vezes
para parar e afirmar que estava doendo caracteriza reação e oposição efetiva e
expressa, dissenso claro que deveria ser respeitado claramente.”
Assim, o fato de a vítima não ter reagido
ferozmente ou fisicamente não exclui o crime, segundo o magistrado. “A relativa
passividade após a internalização de que a resistência ativa não será capaz de
impedir o ato não é, por diversos fatores, incomum em delitos dessa natureza.”
Palavra da vítima
O capítulo do acórdão que aponta que as fundadas
dúvidas sobre o consentimento da vítima são embasadas pelo comportamento
posterior dela mereceram críticas específicas nos votos da corrente vencedora.
O ministro Sebastião Reis Júnior destacou que isso
transmite um viés desatualizado e machista ao querer estabelecer a forma de
agir de uma verdadeira vítima de crime sexual, indicando que o certo seria ela
não manter contato com o agressor.
“O tribunal de origem, ao tentar desacreditar a
palavra da vítima em função de seu comportamento posterior e indicar a
inexistência de testemunhas presenciais, afastou-se da jurisprudência há muito
consolidada por esta corte de que o depoimento da vítima em crime sexual possui
especial valor probante, notadamente no caso concreto em que há inúmeros outros
relatos de outras ofendidas que suportaram semelhante modus operandi.”
“O que temos de julgar não é comportamento
posterior da vítima, que pode ser explicado por inúmeros fatores, mas o que
efetivamente ocorreu”, destacou o ministro Rogerio Schietti, ao formar a
maioria.
“E me parece que, por tudo que consta dos autos,
não há dúvida de que as evidências sinalizam para o expresso e reiterado
dissenso da vítima, que não foi suficiente para fazer cessar a iniciativa do
acusado”, concluiu ele.
REsp 2.105.317