quinta-feira, 14 de setembro de 2023

 NÃO COMPRE, PLANTE

STJ consolida posição sobre salvo-conduto para produção de óleo de maconha

 

13 de setembro de 2023, 15h47

Por Danilo Vital

Por maioria de votos, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça confirmou que plantar maconha para extrair óleo de uso medicinal não configura crime de tráfico de drogas. Assim, quem puder comprovar a necessidade de tratamento pode receber salvo-conduto para cultivar a erva sem risco de ser criminalizado.

Óleo canabidiol importado pode ser comprado em farmácias pelo Brasil

A posição, que estava pacificada nas duas turmas que julgam temas criminais, foi confirmada nesta quarta-feira (13/9) e serve para garantir o direito à saúde das pessoas que, por algum motivo, não têm acesso ao medicamento, cuja importação é autorizada pela Anvisa, mas é de alto custo.

O canabidiol que se busca nessas ações é o óleo com propriedades reconhecidamente medicinais extraído da maconha. Ele não contém o princípio ativo entorpecente, mas não pode ser produzido legalmente no país.

Com o salvo-conduto, os beneficiários desses Habeas Corpus podem produzir o óleo de maneira caseira sem correr o risco de ser processados e condenados por tráfico de drogas. As decisões, em regra, trazem limitações de quantidade de plantas e obrigação de se submeter a fiscalização e análise do produto.

A 3ª Seção, que reúne os integrantes das 5ª e 6ª Turmas, se debruçou sobre o tema porque o ministro Messod Azulay, que não participou da formação dos precedentes anteriores porque tomou posse no cargo em dezembro de 2022, propôs uma revisão de entendimento firmado nove meses antes.

Em sua análise, não há motivos para concessão de salvo-conduto. O canabidiol pode ser importado, enquanto a importação de cannabis sativa (maconha) in natura segue proibida. Se o problema é a urgência ou o alto custo do medicamento, a alternativa mais plausível seria recorrer ao Judiciário para obrigar o Estado a custear rapidamente o medicamento.

O ministro Azulay destacou, ainda, que a via do Habeas Corpus preventivo não é adequada para permitir o exercício de uma atividade potencialmente ilegal, sob pena de ativismo judicial ao substituir os órgãos habilitados para definir o assunto. Foi acompanhado pelo desembargador convocado João Batista Moreira.

Em voto-vista nesta quarta, o desembargador convocado Jesuíno Rissato divergiu para evitar a revisão jurisprudencial. Destacou a evolução do tratamento do tema pelo Judiciário e concluiu que não seria oportuno, nem conveniente dar "uma marcha ré" em uma posição recentemente fixada.

"Isso causaria até uma certa perplexidade nos aplicadores do Direito, que seguem a jurisprudência da Corte. Viria em prejuízo da segurança jurídica. Então, não seria o momento de se reiniciar uma discussão sobre uma matéria tão recentemente pacificada nas turmas", disse.

Ministro Messod Azulay propôs revisão da posição do STJ e alertou para a ocorrência de ativismo judicial 

Pelas mesmas razões, votaram com a divergência os ministros Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti, Reynaldo Soares da Fonseca e Antonio Saldanha Palheiro. Não votou o ministro Joel Ilan Paciornik porque não esteve presente no dia em que foram feitas sustentações orais.

Evolução em pauta
A posição que permite o salvo-conduto representou uma lenta e evolução jurisprudencial do STJ, a partir do tratamento dado ao tema no Judiciário.

Juízos de primeiro grau, de juizados especiais e até Tribunais de Justiça com posicionamento penalmente rigoroso, como o de São Paulo, passaram a entender que não cabe a persecução penal quando o plantio de maconha, nos limites da lei e sob fiscalização de órgãos sanitários, destina-se à extração do óleo.

Também se somaram ao avanço paulatino do canabidiol no Brasil decisões judiciais que, por exemplo, determinaram que planos de saúde fornecessem de medicamentos à base de canabidiol e que autorizaram farmácias de manipulação a comercializar esse tipo de produto.

Essa cenário foi citado pelos ministros que acompanharam a divergência. Ao votar, o ministro Rogerio Schietti propôs uma reflexão: “Enquanto o STF caminha a passos largos para reconhecer a inconstitucionalidade do crime de portar maconha para consumo pessoal recreativo, é de se indagar: é razoável que compactuemos com a responsabilização penal do paciente por pretender o cultivo da cannabis com finalidade exclusivamente medicinal e amparado em prescrição médica?”

HC 802.866
HC 783.717

 

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

 

CORREÇÃO DE ROTA

Motivado pelo Supremo, STJ defere execução imediata de condenação pelo júri

Por 

Permanecendo válida e vigente a lei que autoriza a execução provisória da pena no caso de condenação pelo Tribunal do Júri, cabe ao Superior Tribunal de Justiça aplicá-la até que o Supremo Tribunal Federal chegue a uma conclusão sobre sua constitucionalidade .

STJ vinha afastando execução antecipada
da pena decorrente de condenação pelo júri, por ofensa à presunção de inocência
fongbeerredhot/freepik

Baseadas nesse entendimento, as turmas de Direito Penal do STJ têm derrubado acórdãos anteriores em que entenderam ser indevida a execução antecipada da pena no caso de pessoas condenadas por crimes contra a vida, antes do trânsito em julgado das condenações.

O caso mais recente e contundente foi julgado nesta terça-feira (12/9), quando a 5ª Turma autorizou a execução da pena dos condenados pela "chacina de Unaí", em que fiscais do trabalho foram assassinados durante fiscalização em fazendas da cidade mineira, em 2004.

No ano passado, quando confirmou a condenação, o colegiado vetou a execução antecipada da pena e aplicou a jurisprudência segundo a qual prevalece, também nos casos do Tribunal do Júri, a presunção de inocência garantida pela Constituição até o trânsito em julgado da condenação.

Em suma, os ministros do STJ entendiam que o princípio da presunção de inocência, que levou o Supremo a proibir a execução antecipada da pena em 2019, deveria prevalecer sobre o princípio da soberania dos vereditos do júri popular.

Com isso, o STJ estava afastando a aplicação do artigo 492, inciso I, alínea "e", do Código de Processo Penal, segundo o qual, após a condenação pelo júri, o juiz deve determinar a execução provisória no caso de pena igual ou superior a 15 anos de reclusão.

Acórdãos das turmas do STJ com essa posição levaram os órgãos responsáveis por esses casos no Ministério Público a ajuizar reclamação constitucional no STF, sob alegação de ofensa à Súmula 10 da corte.

O enunciado dessa súmula diz que "viola a cláusula de reserva de plenário a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte".

Ou seja, ao não aplicar o artigo 492, inciso I, alínea "e", do CPP, o STJ estaria violando a regra da Constituição Federal segundo a qual somente pelo voto da maioria absoluta dos membros de seu órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei.

Em duas decisões, ministros do STF deram razão ao MP. Eles mandaram devolver o caso às turmas criminais do STJ com duas opções: aplicar a lei ou enviar o caso à Corte Especial, onde seria instaurado um incidente de inconstitucionalidade.

Melhor deixar estar
Tanto para a 5ª quanto para a 6ª Turmas do STJ, é inviável, neste momento, discutir na Corte Especial a constitucionalidade da norma do CPP. Isso porque o próprio STF está com o tema em julgamento, com repercussão geral reconhecida e andamento avançado.

Para ministro Ribeiro Dantas, suscitar inconstitucionalidade do artigo 492 do CPP no STJ causaria insegurança jurídica
Lucas Pricken/STJ

O RE 1.235.340 já tinha maioria formada para permitir a execução antecipada da pena — com uma divergência quanto à necessidade de observar o mínimo de 15 anos de pena, como previu o pacote "anticrime" — quando o ministro Gilmar Mendes pediu destaque para reiniciar o julgamento no Plenário presencial.

Relator do recurso do caso de Unaí na 5ª Turma, o ministro Ribeiro Dantas destacou que é forçoso concluir que a regra do artigo 492 do CPP permanece vigente e com constitucionalidade presumida até o momento.

De acordo com o magistrado, se houvesse qualquer indício de invalidade da previsão de execução provisória da pena imposta por condenação do Tribunal do Júri, o STF teria suspendido a norma ou, no mínimo, o ministro Alexandre de Moraes não teria julgado procedente a reclamação no caso.

"Deflagrar aqui o rito da declaração de inconstitucionalidade traria mais insegurança jurídica, criando uma orientação jurisprudencial potencialmente instável e sujeita a modificação em um futuro muito próximo", afirmou o relator. "Aos que dizem que o Supremo pode mudar essa orientação: que mude. Nós, não. Ao Supremo compete a guarda da Constituição", acrescentou ele.

A 6ª Turma enfrentou o tema no HC 737.749, em que inicialmente havia deferido liminar para afastar a execução antecipada da pena de um homem condenado por homicídio qualificado. Contra esse caso, o ministro do STF Ricardo Lewandowski, hoje aposentado, julgou procedente uma reclamação ajuizada pelo MP de Minas Gerais.

Ao receber de volta o caso, a 6ª Turma enxergou uma saída processual: o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) já havia julgado o Habeas Corpus originário, o que levou à perda do objeto do caso julgado no STJ.

"Não há utilidade em provocar a arguição de inconstitucionalidade perante a Corte Especial. Primeiro, porque o Habeas Corpus perdeu seu objeto. Segundo, porque a matéria teve a repercussão geral reconhecida e avança-se para o seu julgamento em precedente obrigatório", destacou o relator, ministro Rogerio Schietti.

REsp 1.973.397
HC 737.749