Por constatar que a conduta do réu gerou traumas psíquicos à vítima, a 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo aceitou recurso interposto pelo Ministério Público e condenou um homem a 2 anos e 4 meses de prisão por lesão corporal grave após ele promover uma longa perseguição psicológica contra a ex-mulher.
Perseguição se estendeu à família e profissionais de saúde que atenderam
a vítima
Devido às agressões, a vítima chegou
a ficar incapacitada de exercer atividades habituais por mais de 30 dias. A
corte também restabeleceu as medidas protetivas de urgência em favor da mulher.
O caso se arrasta desde 2011. Entre
maio de 2007 e abril de 2013 — portanto, já com o processo em
andamento —, o réu, valendo-se da relação íntima de afeto, praticou violência
psicológica contra a ex-mulher por diversas formas.
Ele a perturbou e perseguiu, além de
produzir dossiês difamatórios contra a vítima e seus familiares. Conforme laudo
pericial, ele ofendeu a integridade corporal dela, causando lesão psíquica de
natureza grave, o que a afastou das atividades de rotina.
O MP interpôs o recurso após a Vara
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Foro Regional de Santo
Amaro, na capital paulista, desclassificar a imputação da prática de lesão corporal
e revertê-la para a contravenção prevista no artigo 65 do Decreto Lei
3.688/1941 (molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por
motivo reprovável).
A juíza entendeu que, embora
demonstrada a materialidade do crime de lesão corporal de natureza grave pelo
laudo técnico, não houve demonstração do nexo causal entre as condutas e o dano
psicológico causado à vítima.
Ao recorrer, os promotores
sustentaram a necessidade de condenação do réu no termos da denúncia. Na
condição de assistente de acusação, a vítima salientou que o conjunto de provas
já era suficiente para comprovar o nexo causal da conduta do réu aos traumas
psíquicos sofridos por ela.
Julgamento no TJ-SP
Relator do recurso, o desembargador Camargo Aranha Filho refutou o entendimento
de primeiro instância. Ele acredita que o conjunto probatório comprova, "à
saciedade, a existência de nexo causal entre a conduta do apelado e a lesão
corporal de natureza grave suportada pela vítima".
"A materialidade restou
comprovada pelo exame de sanidade mental e pelo laudo de avaliação psicológica
que concluíram que houve ofensa à integridade corporal ou à saúde da examinada,
de natureza grave, pela incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30
dias e debilidade permanente da função psíquica, pelo transtorno de estresse
pós-traumático que perdura por mais de 1 ano, e, ainda, ter sido o meio
insidioso (violência psíquica crônica e recorrente). E o laudo de avaliação
psicológica consignou que a probanda vem empregando esforços para não sucumbir
frente ao sofrimento psíquico pelo qual está passando. Portanto, se faz
necessária a continuidade do acompanhamento psicológico."
Para o relator, não há dúvidas de que
o réu foi o autor de mensagens difamatórias e ameaçadoras contra a ex-mulher.
"Não bastassem as mensagens e publicações antes mencionadas, o apelado
passou a perturbar a vida da vítima e de seus familiares por meio de ações
judiciais, utilizando-se de todos os instrumentos possíveis para retardar o
andamento dos feitos, como fez no presente."
Além da perseguição contra a vítima,
o acusado também ajuizou mais de 300 ações judiciais contra pessoas
próximas a ela (familiares e profissionais de saúde que a atendiam, além de
empresas da família dela). "Conforme os relatos da vítima ao ser ouvida em
juízo, ela e sua família foram atormentadas pelas inúmeras intimações, a
qualquer momento do dia, pouco importando datas e locais do
constrangimento."
O desembargador destacou que, ainda
que o réu tenha se utilizado de todos os expedientes possíveis e imagináveis
para impugnar as provas trazidas pela acusação, cabe ao juiz valorá-las.
"E mesmo depois de tantos incidentes, que se mostraram meramente
protelatórios e com o objetivo de causar mais danos à vítima, não há nada nos
autos que comprove a falsidade de qualquer uma das provas acusatórias trazidas
à colação."
"Além disso, as 20 mil páginas
do presente feito, mais de 1.000 delas juntadas aos autos após a oferta do
parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, são mais que suficientes para
demonstrar que o apelado utiliza o Poder Judiciário de forma acintosa,
procurando confundir e cansar o julgador. Imagine-se a parte demandada, que se
vê processada em dezenas de feitos, obrigada a constituir advogado e formular
sua defesa."
Diante de todas as provas, de acordo
com o relator, "não há que se falar ausência de nexo causal, sendo a
conduta do réu a causa existente nos autos para as lesões apresentadas pela
vítima, e ele tinha ciência e buscava alcançar o resultado, motivo pelo qual é
o caso de provimento dos recursos."
A fixação de medidas protetivas de
urgência se mostra necessária, porque o réu continua buscando meios de atingir
a vítima, ponderou o desembargador. O homem ficou, então, proibido de
aproximar-se a menos de 300 metros da vítima, seus familiares e testemunhas; de
estabelecer com eles qualquer forma de contato; e de frequentar os mesmos
lugares que a ofendida, mesmo que tenha chegado anteriormente ao local, sob
pena de decretação da prisão.
Processo 0038488-38.2011.8.26.0002
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