SEQUÊNCIA ILEGÍTIMA
TJ-SP tranca ação penal de tráfico
por série de ilegalidades em abordagem
20 de
agosto de 2023, 17h59
O ingresso forçado em domicílio sem
mandado judicial apenas se revela legítimo quando amparado em fundadas razões,
devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto.
Réu apresentou versão diferente da que foi contada pelos policiais
militares
Esse entendimento foi utilizado pela
12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para
trancar a ação penal contra um homem preso por tráfico de drogas.
De acordo com os autos, os policiais
militares que abordaram e prenderam o acusado agiram motivados, a princípio,
por denúncia anônima de que ele estava vendendo drogas. Na chegada dos agentes
ao local, o réu teria tentado fugir, sendo alcançado quando tentava entrar em
casa.
Nada de ilícito foi encontrado com o
homem na primeira revista feita pelos policiais, mas ele teria confirmado que
estava traficando drogas. Segundo o que consta no boletim de ocorrência, o réu
teria autorizado os policiais a entrarem em sua casa para buscarem drogas que
estariam no local, e ele mesmo teria indicado onde estaria um pacote com crack.
Na delegacia, no entanto, o homem
negou tudo. Ele alegou que os policiais invadiram sua casa enquanto estava
dormindo e que foi coagido a entregar uma arma aos militares, objeto não
confirmado nos autos.
Testemunha ignorada
Relator do caso, o desembargador
Heitor Donizete de Oliveira destacou que a mulher do réu, que estava no local
no momento da abordagem policial, sequer foi ouvida como testemunha. "Ou
seja, não consta a comprovação de qualquer autorização de algum morador para
entrada dos policiais na residência do paciente. Embora a materialidade
delitiva venha demonstrada nos autos, é certo que a prova produzida nos autos
principais se encontra eivada de ilegalidade inicial e, por isso, não serve
para sustentar uma prisão preventiva, ou sequer uma prisão em flagrante."
O magistrado destacou que os
policiais não comprovaram que o suposto tráfico acontecia no local da
abordagem. Para o relator, se as informações relativas à traficância feita pelo
réu fossem tão relevantes, haveria fundadas suspeitas suficientes para o pedido
de um mandado de busca e apreensão para aquele local. Segundo o magistrado, o
ponto fundamental que desestabiliza e enfraquece a diligência policial foi a
ausência inicial de autorização de entrada na residência.
"O que deve ser salientado é que
'denúncias ou notícias anônimas' de 'colaboradores anônimos', e os
pormenores constantes nos depoimentos dos agentes públicos, sem outras
comprovações, ainda que indiciárias, não podem ser considerados como atos ou
circunstâncias de permissão para uma abordagem, quanto menos uma invasão de
domicílio", disse o relator.
O magistrado afirmou que a pedra de
toque do caso foi o primeiro ato da atuação policial, que causou a nulidade da
invasão de domicílio do réu. "É certo que há uma sutileza na dinâmica do
evento, mas tal circunstância é crucial para o reconhecimento da ilegalidade do
ato. Ou seja, não podemos descartar a hipótese de que os policiais entraram na
casa quando o paciente já estava dentro do imóvel; e ele, ainda que tenha sido
abordado entrando na casa, nesse momento, não foi visto praticando nenhum ato
de possível mercancia de entorpecentes, e nada de ilícito foi encontrado em sua
posse."
Para o relator, toda a diligência
policial que se seguiu se mostrou "contaminada e despicienda".
"Como inobservada garantia constitucional e disposição legal contidas na
lei processual penal, tudo o que se seguiu ao ingresso ilegal no interior da
residência do paciente não pode ser considerado, pois estamos diante de
prova ilícita, tendo aplicabilidade na hipótese a teoria dos frutos da árvore
envenenada."
O relator lembrou que, com a
invalidação da prisão em flagrante em razão da ilegalidade da ação, as provas e
os atos processuais decorrentes também ficam invalidados. Isso enseja, também,
o trancamento da ação penal. O réu foi representado na ação pelo advogado Lucas
Hernandes Lopes.
HC 2170049-40.2023.8.26.0000
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