DEBATE ENCERRADO
Juiz das garantias é constitucional e deve ser implantado em até 2 anos,
decide STF
23 de
agosto de 2023, 18h56
O juiz das garantias assegura o respeito aos
direitos fundamentais dos investigados, em concordância com o que foi
consagrado pela Constituição Federal, e reduz o risco de parcialidade nos
julgamentos. Sua criação é uma legítima opção feita pelo Congresso e deve ser
implementada em todo o território brasileiro de forma obrigatória.
Supremo
Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do juiz das garantias
Fellipe Sampaio/STF
Com base nesse entendimento, o Supremo Tribunal
Federal decidiu nesta quarta-feira (23/8) pela implantação obrigatória do juiz
das garantias em até 12 meses, com a possibilidade de uma única prorrogação por
igual período. Na prática, portanto, a novidade deve funcionar em todo o país
em no máximo dois anos.
Após dez sessões de discussão sobre o tema, venceu
a divergência aberta pelo ministro Dias
Toffoli. O relator do caso, ministro Luiz Fux, entendeu que cada tribunal pode optar por
criar ou não a figura do juiz das garantias, mas não foi acompanhado por nenhum
colega quanto a esse ponto, embora tenha vencido em outros. O resultado será
proclamado na sessão desta quinta (24/8), já que falta a definição de alguns
pontos.
"A instituição do juiz das garantias veio a
reforçar o modelo de processo penal preconizado pela Constituição de 1988. A
nova ordem passou a exigir que o processo não fosse mais conduzido
prioritariamente como veículo de aplicação da sanção penal, mas que se
transformasse em instrumento de garantias do indivíduo em face do Estado",
disse Toffoli em seu voto.
"Mostra-se formalmente legítima, sob a ótica
constitucional, a opção do legislador por instituir no sistema processual penal
brasileiro a figura do juiz das garantias. Trata-se de uma legítima opção feita
pelo Congresso Nacional no exercício de sua liberdade de conformação, que,
sancionada pelo presidente da República, de modo algum afeta o necessário
combate à criminalidade", prosseguiu o magistrado.
O tribunal também analisou outros pontos da
lei "anticrime" (Lei 13.964/2019). Os
ministros entenderam, por exemplo, que a competência do juiz das garantias
acaba no oferecimento da denúncia, e não em sua recepção, ao contrário do que
foi estabelecido na norma analisada.
O Plenário estabeleceu ainda a necessidade de
o Ministério Público informar ao juiz competente sobre a existência de todo
tipo de investigação criminal, e também o entendimento de que o juiz das
garantias deve atuar junto em casos criminais de competência da Justiça
Eleitoral.
Os magistrados também decidiram pela
inconstitucionalidade da previsão segundo a qual, em comarcas com apenas um
juiz, os tribunais deveriam criar um sistema de rodízio entre magistrados,
para que juízes que atuam na fase pré-processual não atuem no julgamento, e
vice-versa. Para os ministros, o trecho violou o poder de auto-organização
dos tribunais.
Ao propor o prazo de 12 meses para a implantação da
novidade, a contar da data de publicação da ata do julgamento, e conforme
diretrizes do Conselho Nacional de Justiça, Toffoli afirmou que a possibilidade
de prorrogação depende de haver justificativa por parte dos tribunais, e que
ela seja aceita pelo CNJ.
As decisões foram construídas em intensos diálogos
entre os ministros. Fux e Toffoli, por exemplo, ajustaram ou alteraram diversos
pontos de seus votos durante o julgamento, a partir de posicionamentos
levantados por outros colegas no decorrer de suas manifestações.
A atuação do juiz das garantias em processos
criminais de competência da Justiça Eleitoral, por exemplo, foi um ponto
levantado pelo ministro Alexandre de Moraes e posteriormente incluído nos votos
dos demais magistrados.
O mesmo ocorreu com o prazo de 12 meses, proposto
por Toffoli. De início, Alexandre, por exemplo, propôs o prazo de 18 meses.
Posteriormente, acabou acompanhando Toffoli.
Ao criar o juiz das garantias, a lei
"anticrime" buscou reduzir o risco de parcialidade nos julgamentos.
Com a medida, esse magistrado fica responsável pela fase investigatória.
Entre as suas atribuições está decidir sobre o
requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar e sobre a
homologação de acordo de colaboração premiada.
Voto do relator
O caso começou a ser analisado pelo Plenário do
Supremo em 22 de junho, antes do recesso, portanto. A conclusão do voto do
relator, no entanto, só ocorreu no dia 28 daquele mês. Na ocasião, Fux se
manifestou pela inconstitucionalidade do juiz das garantias.
Para ele, o modelo presume, sem base empírica, a
parcialidade do magistrado que atuou durante a investigação para julgar a ação
penal. Dessa maneira, viola o princípio da proporcionalidade. Além disso, o
mecanismo interfere na estrutura do Judiciário e sua criação só poderia ter
sido proposta por tal poder.
Sob o prisma formal, o ministro afirmou que a
criação do mecanismo violou o pacto federativo. Segundo ele, o inquérito tem
natureza jurídica de procedimento, não de processo penal. Assim, é matéria de
competência concorrente da União e dos estados, conforme o artigo 24, XI, da
Constituição Federal.
Ao regular extensivamente a aplicação do instituto,
diz o ministro, a lei "anticrime" invadiu a competência dos estados
para dispor sobre suas Justiças, sem atenção às diferenças regionais e de
tecnologia.
O magistrado também entendeu que a norma
desrespeitou a reserva de iniciativa do Judiciário para dispor sobre a
competência e o funcionamento dos órgãos jurisdicionais e a criação de novas
varas (artigo 96, I, "a" e "d", da Constituição).
Tal regra busca proteger o princípio da separação
dos poderes, ressaltou Fux. Com esse fundamento, mencionou ele, o STF barrou a
Emenda Constitucional 73/2013, que criava quatro Tribunais Regionais Federais.
Imparcialidade
Na sessão desta quarta-feira, votaram os ministros Luís Roberto Barroso, Cármen
Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber, presidente da corte. Para Barroso, apesar de
o juiz das garantias não ser, em sua opinião, a solução para os problemas do
sistema penal brasileiro, é uma alternativa legítima do Legislativo.
"Gostando ou não, foi uma decisão legítima do
Poder Legislativo, de modo que, não havendo incompatibilidade com a
Constituição Federal, o nosso papel é acatar a vontade do legislador",
afirmou ele.
Cármen Lúcia disse que o instituto é benéfico, no
sentido de que "busca o aperfeiçoamento de um processo que precisa ser
aperfeiçoado e tem de se colocar ao aperfeiçoamento permanente".
Gilmar Mendes citou o conluio entre procuradores da
"lava jato" de Curitiba e o ex-juiz Sergio Moro ao defender o juiz
das garantias. Também falou da "operação ouvidos moucos", que levou
ao suicídio do ex-reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier.
"Quem acha que tudo isso é normal e que não
são necessárias reformas estruturantes para evitar a repetição desses
escândalos, certamente não está lendo a Constituição e nem conhece o nosso
Código de Processo Penal", afirmou o decano do STF.
Ainda segundo o ministro, a criação do juiz das
garantias assegura "mecanismos indutores da imparcialidade do magistrado,
favorecendo a paridade de armas, a presunção da inocência, o controle da
ilegalidade dos atos investigativos invasivos, contribuindo para uma maior integridade
do sistema de Justiça".
ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305