quinta-feira, 20 de julho de 2023

PRECONCEITO DIGITAL

 MP sofre da 'síndrome do bicho-papão' e 'acha que tudo é crime', diz desembargador

19 de julho de 2023, 17h49

Por Sérgio Rodas

Não há crime de peculato na nomeação de empregada doméstica como assessora de um parlamentar. E, ao oferecer denúncia por tal ato, o Ministério Público age de forma preconceituosa e banaliza o exercício da pretensão acusatória.

Paulo Rangel disse que MP teve 'preconceito digital' com empregada doméstica

Com base nessa argumentação, presente no voto do desembargador Paulo Rangel, relator do caso, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), por unanimidade, concedeu Habeas Corpus para extinguir por falta de justa causa uma ação penal contra a ex-deputada estadual Alana Passos (PTB) e sua ex-assessora de gabinete Fabiana Cristina da Silva.

Alana nomeou Fabiana para o cargo de assessora parlamentar em dezembro de 2019. Segundo a TV Globo, ela era empregada doméstica da deputada. O Ministério Público do Rio, então, denunciou as duas por peculato e pediu restituição de R$ 21 mil aos cofres públicos — valor que Fabiana tinha recebido da Assembleia Legislativa.

A defesa da ex-parlamentar impetrou Habeas Corpus, alegando que não houve desvio de dinheiro público, uma vez que Fabiana desempenhava de fato as funções de assessora parlamentar.

Em seu voto, o desembargador Paulo Rangel apontou que não houve crime. Segundo ele, pode, sim, ter havido um desvio ético, mas aí a função de julgar Alana Passos cabe aos eleitores.

"É direito de todo e qualquer trabalhador receber seu salário. O fato de a assessora exercer suas funções em casa ou qualquer outro espaço determinado pela então deputada não configura crime de modo algum, inclusive porque durante a pandemia, período compreendido pela denúncia até 25/6/2020, todos estávamos em trabalho remoto telepresencial, muitos até hoje, inclusive o próprio Ministério Público e o Judiciário, dentre outras instituições públicas e privadas e nem por isso estão cometendo crime."

O magistrado ressaltou que o Regimento Interno da Alerj não proíbe que empregada doméstica seja nomeada assessora de parlamentar. E o cargo não exige diploma superior, ao contrário de outros, como de assessor jurídico ou de comunicação.

Rangel também afirmou que não saber usar computador não pode ser impedimento para que alguém seja nomeado para o posto.

"A tese ministerial é carregada de preconceito digital para com uma empregada doméstica. Na visão ministerial, a empregada tem que continuar no lugar em que ela está: nos afazeres domésticos e lá permanecer, eternamente", criticou o desembargador.

O relator também atacou a sanha punitivista do Ministério Público: "O MP sofre da síndrome do bicho papão, isto é, se assusta com tudo que vê pela frente e acha que tudo é crime e sai oferecendo denúncia contra tudo e todos, banalizando o exercício da pretensão acusatória, através da ação penal. Tornando a ação penal um instrumento de pequena monta em violação ao princípio da intervenção mínima do Estado na esfera das liberdades públicas, criando o injusto jushumanista".

Paulo Rangel ainda disse que a ação penal teve origem em denúncia anônima, que não é instrumento idôneo para instaurar investigação criminal, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.


HC 0032689-92.2023.8.19.0000

Revista Consultor Jurídico, 19 de julho de 2023, 17h49

quarta-feira, 19 de julho de 2023

GRANDES TEMAS, GRANDES NOMES DO DIREITO

 Excesso de prisões preventivas afeta empresas e investimento, diz advogada

18 de julho de 2023, 9h45

Por vezes usado como forma de obter confissões e acordos de delação, o hábito de decretar prisões preventivas afeta não só os investigados, mas também as companhias cujos executivos sejam alvos dessa medida, e até mesmo a confiança dos investidores estrangeiros.

Para Anna Carolina, Brasil não aproveitou lições deixadas pela 'mãos limpas'

Essa é a opinião da advogada Anna Carolina Noronha. Cursando mestrado na Universidade de Salamanca (Espanha) sobre o problema da excessividade da prisão, a advogada refletiu sobre o assunto em entrevista à série "Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito", na qual a revista eletrônica Consultor Jurídico conversa com algumas das principais personalidades do Direito brasileiro e internacional sobre os assuntos mais relevantes da atualidade.

Segundo Anna Carolina, sua pesquisa acadêmica pretende demonstrar que o sistema penal brasileiro decreta um número exagerado de prisões preventivas, o que desrespeita a ideia de que só se deve prender alguém quando outras cautelares menos gravosas não forem suficientes.

Esse cenário, segundo ela, é especialmente prejudicial quando o Direito Penal se conjuga com os Direitos Econômico e Empresarial. "Isso é muito importante porque, desde a Constituição de 1988, todas as matérias estão interligadas e devem se basear no princípio da dignidade humana e em todos os direitos processuais constitucionais."

Para comprovar seu ponto de vista, ela comparou a situação do Brasil com a da Espanha. "Por meio de dados e da jurisprudência, eu pude fazer uma comparação e detectar que, apesar de a legislação da Espanha ser até mais branda quanto à utilização da prisão preventiva (no caso, basta que haja o risco de fuga), no Brasil nós não temos a revisão desse modelo de prisão, mesmo com a lei do pacote 'anticrime'. E ela é muitas vezes utilizada como forma de obter a confissão espontânea e a delação premiada."

Na visão da advogada, o excesso de prisões prejudica não só o investigado por crime de colarinho branco — que foi o foco principal da "lava jato", por exemplo —, mas todas as empresas e a confiabilidade do investidor estrangeiro em relação ao Brasil. "As empresas também foram atingidas com isso. Passou da pessoa investigada, que sofreu uma antecipação de pena, e atingiu as empresas das quais elas faziam parte. E isso trouxe uma grande crise econômica para o Brasil."

Para Anna Carolina, as lições deixadas por iniciativas similares não foram aproveitadas no Brasil. "Após a operação 'mãos limpas', da Itália, nós não soubemos aproveitar o aprendizado sobre o que deu errado ali. Eu espero poder contribuir para que o Brasil aprenda, com isso, a separar a pessoa jurídica da pessoa física e saber que empresa precisa continuar."

Por fim, a advogada fez um apelo para que o princípio da continuação da empresa passe a ser considerado no decorrer das investigações sobre corrupção. "Pune-se depois de investigar, depois de se formar um processo e depois de condenar a pessoa física responsável. Mas as empresas precisam continuar, porque elas geram empregos para os brasileiros e ajudam a economia brasileira — que ficou tão prejudicada com a operação 'lava jato'. Espero que isso não se repita no futuro, e que mudanças políticas não nos levem a tomar as mesmas atitudes."

Clique aqui para assistir à entrevista ou veja abaixo:

Revista Consultor Jurídico, 18 de julho de 2023, 9h45

HISTÓRIA MAL CONTADA

 Ordem de prisão preventiva sem transcrição dos fundamentos é inválida, diz STJ

18 de julho de 2023, 12h48

Por José Higídio

A ausência de redução a termo dos fundamentos da necessidade da custódia cautelar, ou mesmo a falta de sua consignação em ata, inviabiliza o exercício da jurisdição. Assim, o ministro Og Fernandes, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, no exercício da presidência, determinou a soltura de um investigado por furto.

Os efeitos da ordem de prisão preventiva ficam suspensos até o julgamento de mérito do caso. A fixação de medidas alternativas fica a critério do juízo de origem.

O paciente foi preso em flagrante no início deste mês de julho pelo furto de air bags de veículos. Na audiência de custódia, o magistrado de plantão converteu a prisão em preventiva, mas somente de forma oral, sem transcrever os motivos.

O advogado Dinael de Souza Machado Júnior, do escritório Dinael Jr. Advocacia, responsável pela defesa, contestou a conduta do juiz e pediu ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) a anulação da decisão, o que foi negado. Em seguida, ele impetrou novo pedido de Habeas Corpus no STJ.

Fernandes constatou "constrangimento ilegal manifesto". Ele observou que o próprio TJ-SP "reconheceu a ocorrência de ato ilícito".

Na ocasião, o desembargador-relator afirmou que o desenvolvimento do processo e a análise das alegações da defesa estavam inviabilizados pela falta de transcrição dos fundamentos.

Clique aqui para ler a decisão

HC 838.586

Revista Consultor Jurídico, 18 de julho de 2023, 12h48