MP sofre da 'síndrome do bicho-papão' e 'acha que tudo é crime', diz desembargador
19 de
julho de 2023, 17h49
Não há crime de peculato na nomeação de empregada
doméstica como assessora de um parlamentar. E, ao oferecer denúncia por tal
ato, o Ministério Público age de forma preconceituosa e banaliza o exercício da
pretensão acusatória.
Paulo
Rangel disse que MP teve 'preconceito digital' com empregada doméstica
Com base nessa argumentação, presente no voto
do desembargador Paulo Rangel, relator do caso, a 3ª Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), por unanimidade, concedeu Habeas
Corpus para extinguir por falta de justa causa uma ação penal contra a
ex-deputada estadual Alana Passos (PTB) e sua ex-assessora de gabinete Fabiana
Cristina da Silva.
Alana nomeou Fabiana para o cargo de assessora
parlamentar em dezembro de 2019. Segundo a TV Globo, ela era
empregada doméstica da deputada. O Ministério Público do Rio, então, denunciou
as duas por peculato e pediu restituição de R$ 21 mil aos cofres públicos —
valor que Fabiana tinha recebido da Assembleia Legislativa.
A defesa da ex-parlamentar impetrou Habeas Corpus,
alegando que não houve desvio de dinheiro público, uma vez que Fabiana
desempenhava de fato as funções de assessora parlamentar.
Em seu voto, o desembargador Paulo
Rangel apontou que não houve crime. Segundo ele, pode, sim, ter havido um
desvio ético, mas aí a função de julgar Alana Passos cabe aos eleitores.
"É direito de todo e qualquer trabalhador
receber seu salário. O fato de a assessora exercer suas funções em casa ou
qualquer outro espaço determinado pela então deputada não configura crime de
modo algum, inclusive porque durante a pandemia, período compreendido pela
denúncia até 25/6/2020, todos estávamos em trabalho remoto telepresencial,
muitos até hoje, inclusive o próprio Ministério Público e o Judiciário, dentre
outras instituições públicas e privadas e nem por isso estão cometendo
crime."
O magistrado ressaltou que o Regimento Interno da
Alerj não proíbe que empregada doméstica seja nomeada assessora de parlamentar.
E o cargo não exige diploma superior, ao contrário de outros, como de assessor
jurídico ou de comunicação.
Rangel também afirmou que não saber usar computador
não pode ser impedimento para que alguém seja nomeado para o posto.
"A tese ministerial é carregada de preconceito
digital para com uma empregada doméstica. Na visão ministerial, a empregada tem
que continuar no lugar em que ela está: nos afazeres domésticos e lá
permanecer, eternamente", criticou o desembargador.
O relator também atacou a sanha punitivista do
Ministério Público: "O MP sofre da síndrome do bicho papão, isto é, se
assusta com tudo que vê pela frente e acha que tudo é crime e sai oferecendo
denúncia contra tudo e todos, banalizando o exercício da pretensão acusatória,
através da ação penal. Tornando a ação penal um instrumento de pequena monta em
violação ao princípio da intervenção mínima do Estado na esfera das liberdades
públicas, criando o injusto jushumanista".
Paulo Rangel ainda disse que a ação penal teve
origem em denúncia anônima, que não é instrumento idôneo para instaurar
investigação criminal, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça.
HC 0032689-92.2023.8.19.0000
Revista Consultor Jurídico, 19 de julho
de 2023, 17h49