terça-feira, 30 de maio de 2023

 OPINIÃO

Como o governo federal pode liderar uma nova era da cannabis no Brasil

29 de maio de 2023, 13h21

Por João Gabriel Souza de Carvalho

Sem ignorar as dificuldades no avanço de um tema ainda repleto de preconceito e desinformação, nunca houve um cenário tão favorável à agenda da cannabis na história do Brasil. Espalha-se por todo o país um movimento político que se manifesta no conjunto de projetos de lei aprovados, na intensa mobilização da sociedade civil organizada, bem como nas articulações políticas envolvendo parlamentares e ministros em torno da pauta.

Alguns ministros do novo governo já acenaram favoravelmente para a pauta canábica, o que não é nada trivial. A propósito, o ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos), ao se manifestar a favor da descriminalização das drogas, citou a necessidade de o Supremo Tribunal Federal pautar o julgamento do Recurso Extraordinário 635.659, que discute a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/06 (tipificação do porte de drogas para consumo pessoal). O ministro citou o conservadorismo que permeia a sociedade brasileira ao dizer que o povo não está preparado para receber essas mudanças, mas que é papel do Estado preparar a sociedade para o debate.

Na esfera judicial, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad) apresentou nota técnica nos autos do incidente de assunção de competência que trata da autorização sanitária para importação de sementes e cultivo de cannabis para fins medicinais, farmacêuticos ou industriais. Na ocasião, citou-se o contrassenso que há na simultaneidade de normas que autorizam a importação e fabricação dos produtos derivados de cannabis e outras que conferem a proibição do uso da planta. Enfim, a conclusão foi a favor de uma regulação ampla do cultivo de cannabis com baixa concentração de THC.

A manifestação da Senad apresenta um efeito político positivo para a pauta por se tratar de órgão pertencente à estrutura organizacional do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ou seja, há um posicionamento claro de parte da administração pública federal em prol da regulação do cultivo de cannabis. 

Tais declarações e posicionamentos podem impulsionar a Esplanada dos Ministérios a superar as barreiras políticas capazes de inibir iniciativas do governo. A possibilidade de maior articulação interministerial garantiria à pauta maior fôlego em outras pastas, que não necessariamente as da saúde e da justiça, fazendo jus ao caráter multidisciplinar que circunda o tema. 

Cabe ao governo ouvir a voz da ciência e valorizar suas descobertas, reconhecer o impacto econômico, incentivar a base de apoio no Congresso, conhecer as experiências de outros países, inclusive vizinhos, e perceber a tendência internacional de distanciar a cannabis da política de drogas repressiva e proibicionista. 

Também é preciso executar um trabalho coordenado entre os ministérios da Saúde, da Justiça, da Ciência e Tecnologia, da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário, do Meio Ambiente e da Fazenda. É um esforço que abrange os setores do agronegócio, da indústria, da construção civil, dos cosméticos e da alimentação. 

A própria Senad poderia se valer de ações no âmbito do Grupo de Trabalho para Classificação de Substâncias Controladas, criado pela Portaria Anvisa nº 898/2015, já que o objetivo desse grupo é aperfeiçoar o modelo regulatório de controle das substâncias proscritas e sujeitas a controle especial.

É preciso considerar ainda a numerosa ala conservadora que compõe o Congresso, de modo que o constante movimento da sociedade civil, do mercado e de setores da política, assim como a promoção do debate para que o acesso à cannabis medicinal seja satisfatório, devem ser articulados de maneira estratégica para que a pauta da cannabis faça parte da agenda nacional.     

Resta converter um ambiente favorável em mudança real. E o governo federal tem tudo para liderar esse processo, sem desrespeitar o curso da pauta no Congresso.me00:00/01:06conjur_v3TruvidfullScree

João Gabriel Souza de Carvalho é sócio do escritório Souza de Carvalho Sociedade de Advogados, pós-graduando em Direito Regulatório pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e especialista em processos que buscam garantir o acesso de pacientes a tratamento à base de cannabis medicinal e em compliance e operações empresariais voltadas ao mercado da cannabis.

Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2023, 13h21

 

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