ROMEU E JULIETA
Juiz cita "namoro precoce"
e absolve acusado de cometer estupro de vulnerável
26 de
março de 2023, 9h45
Os aspectos sociais devem ser levados
em consideração para a compreensão do real significado da norma. Assim, o
Direito Penal não pode se afastar das dinâmicas vigentes em uma sociedade
plural, que traz consigo o surgimento de novos padrões de comportamento e
em que a iniciação sexual na adolescência vem ocorrendo de forma cada vez
mais precoce.
Com esse entendimento, o juiz Luiz
Fernando Silva Oliveira, da 2ª Vara de Bebedouro (SP), absolveu um homem
acusado de cometer estupro de vulnerável.
O caso envolve o relacionamento
íntimo entre o rapaz e uma adolescente. O namoro começou em abril de 2020,
quando ela tinha apenas 12 anos. O réu, por sua vez, tinha 17. Quando a
adolescente completou 13 anos, o casal passou a manter relações sexuais, o que
resultou em uma gravidez, em maio do mesmo ano.
Em agosto, porém, o réu, já com 18
anos, foi preso por tráfico de drogas, tendo sido liberado em 2021, quando a
adolescente já estava com 14 anos. O relacionamento íntimo prosseguiu, e ambos
decidiram morar juntos.
O Ministério Público entendeu
que a materialidade e a autoria do delito estavam caracterizadas, assim
como a responsabilidade criminal do acusado. Denunciado, o réu alegou
inocência, já que as relações sexuais haviam sido consentidas pela
adolescente — que confirmou a história.
Ao se pronunciar, ela disse também
que o jovem pediu permissão à mãe dela para que namorassem, o que foi
consentido. Testemunhas ouvidas disseram, ainda, que o relacionamento era
conhecido por toda a família.
Namoro precoce
Em sua fundamentação, o
juiz Luiz Fernando Silva Oliveira explicou que as mudanças trazidas pela
Lei 12.015/2009 garantem a proteção, no campo sexual, das pessoas consideradas
vulneráveis — entre as quais se incluem os menores de 14 anos, os enfermos e
deficientes mentais, de acordo com o artigo 217-A do Código Penal.
Apesar disso, o julgador lembrou que,
em casos em que a vítima é menor de 14 anos, a presunção de violência está
longe de ser assunto pacífico, tanto na doutrina quanto na jurisprudência.
"De um lado, parcela da doutrina
e da jurisprudência entende que, com o advento da Lei 12.015/09, a
presunção de violência é absoluta, apresentando-se irrelevante para
configuração do delito a existência de concordância ou autodeterminação da
vítima", anotou o juiz.
Outra corrente, porém, propõe cautela
quanto a essa interpretação, com o argumento de que a modificação
introduzida pela Lei 12.015/2009 não colocou fim ao debate quanto à
presunção absoluta de violência em casos do tipo.
Para embasar esse raciocínio, o juiz
mencionou a "teoria da adequação social", segundo a qual o
aspecto social devem ser levado em conta para a compreensão das normas,
"de modo que uma conduta aceita e aprovada pela sociedade, não pode
ser considerada materialmente típica, em razão da inexistência de ofensa
ao bem jurídico protegido pela norma penal".
Silva Oliveira recorreu também a
estudo recente do IBGE que apontou que 29% dos adolescentes de 13 a 15
anos entrevistados pela Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, de 2012,
afirmaram que já tiveram relação sexual.
Seguindo essa linha, e com base nos
relatos da adolescente e de seus familiares, o juiz concluiu que o caso se
tratou de "um namoro, que começou de forma precoce, e não um abuso
sexual".
"Isso significa que o réu não
agiu com dolo de se aproveitar de uma menina inexperiente para saciar a
sua lascívia. O caso concreto é uma história de amor entre
dois adolescentes, e dessa história de amor adveio a gravidez", disse
o magistrado.
"Essa relação amorosa,
consentida, que culminou no nascimento de um bebê, não pode tornar-se
crime, tão somente porque o réu atingiu a maioridade penal".
Processo 1500199-91.2021.8.26.0072
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