TJ-SP autoriza interrupção de gravidez de feto sem chance de vida
27 de
fevereiro de 2023, 20h13
A criminalização da interrupção da gravidez quando é inviável a vida extrauterina constitui punição dupla, na medida em que a paciente seria obrigada a gestar uma vida comprovadamente predestinada ao fracasso, além de submetê-la aos riscos de uma gravidez.
Com base nesse entendimento, a 11ª
Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São
Paulo autorizou a interrupção de uma gravidez em razão
de malformações no feto que inviabilizam a vida extrauterina. A decisão
foi por unanimidade, confirmado liminar concedida durante o plantão judiciário.
De acordo com os autos, a paciente
estava grávida de 26 semanas, no momento da impetração do Habeas Corpus pela
Defensoria Pública de São Paulo. O feto foi diagnosticado com agenesia
bilateral (ausência de ambos os rins) e anidrâmnio (ausência de líquido
amniótico), além de comprometimento do desenvolvimento pulmonar —
malformações que inviabilizam a vida fora do útero da mãe.
O pedido para realizar o aborto foi
negado em primeira instância, mas autorizado pelo TJ-SP. Para embasar a
decisão, o relator, desembargador Tetsuzo Namba, citou perícia médica que
confirmou a impossibilidade de vida extrauterina, além de risco psicológico
e físico à gestante.
O magistrado afirmou que a hipótese
dos autos, em uma primeira análise, não estaria abarcada no rol do artigo
128 do Código Penal, dispositivo que prevê o aborto legal, além de não
envolver feto anencefálico, caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal na
ADPF 54. Porém, Namba aplicou, por analogia, a tese firmada na ADPF 54.
"No entanto, o caso é análogo ao
referido julgado, no tocante a comprovada inviabilidade de vida longe do ventre
materno, uma vez que as malformações do feto gestado pela
paciente, agenesia bilateral do feto (ausência de ambos os rins) e anidrâmnio
(ausência de líquido amniótico), são incompatíveis à possibilidade de
sobrevida", disse.
Neste caso, segundo Namba, não há
vida a ser tutelada pelo Direito Penal, já que "o nascituro está fadado,
infelizmente, à letalidade, sem indicação de recuperação por tratamento ou
terapia, conforme repisado pelos laudos técnicos já mencionados".
O relator lembrou que a interrupção
da gestação ou a antecipação do parto não podem ser considerados fatos típicos,
pois o aborto, no Código Penal, pressupõe a potencialidade de vida fora do
útero, o que não se verifica no caso dos autos, em que já foi comprovada a
impossibilidade de vida extrauterina do feto.
"De outro lado, estão em cheque
os direitos fundamentais da mulher, tais como o direito à vida, à saúde e
autonomia. A criminalização da interrupção da gravidez quando inviável é a vida
extrauterina de seu filho, constituiria em verdadeira punição dupla, na medida
em que a paciente seria obrigada a gestar uma vida comprovadamente predestinada
ao fracasso, além de submetê-la aos riscos hodiernos de uma gravidez, como se
viu", completou Namba.
Ele ainda afirmou que, manter
uma gestação nessas condições, também seria submeter a mulher à "violência
psicológica". Por fim, o relator falou da importância da dignidade da
pessoa humana, "princípio fundante de todo sistema jurídico, o qual deve
ser chamado à amparar os direitos das mulheres que se vêem em condições
análogas ao feto anencefálico".
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