sexta-feira, 31 de março de 2023

 MP CONCORDOU

Ministro do STJ revoga prisão preventiva injustificada em caso de tráfico de drogas

30 de março de 2023, 19h13

Por José Higídio

Por entender que o Tribunal de Justiça de São Paulo não trouxe qualquer dado concreto que demonstrasse algum risco trazido pela liberdade do paciente, o ministro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça, revogou a prisão preventiva de um homem investigado por tráfico de drogas.

O juízo de primeiro grau deverá aplicar outras medidas cautelares. A decisão do TJ-SP havia ignorado parecer do Ministério Público estadual favorável ao pedido da defesa.

O homem foi preso em flagrante com 2,1 quilos de cocaína, 878 gramas de maconha e 293 gramas de crack. Na audiência de custódia, a prisão foi convertida em preventiva, com base na quantidade de drogas.

Os advogados Giovanna Sigilló e Plínio Gentil Filho, do escritório Sigilló Gentil Advogados, responsáveis pela defesa, impetraram Habeas Corpus no TJ-SP.

O MP-SP, em seu parecer, afirmou que a preventiva foi decretada com base em "presunções e conjecturas", sem indicação de elementos concretos no sentido de que a liberdade colocaria em perigo a ordem pública. Mesmo assim, a corte estadual manteve a prisão do paciente. Com isso, a defesa impetrou novo HC no STJ.

"As condições pessoais favoráveis da agente corroboram com a possibilidade de aplicação de medidas menos severas e garantem, de igual forma, a instrução processual e possível aplicação da lei penal", assinalou o ministro relator. Ele levou em conta que o paciente é primário.


HC 807.385

quinta-feira, 30 de março de 2023

 DIREITO DE DEFESA

Juíza libera depoimento de foragido por videoconferência no Paraná

29 de março de 2023, 10h26

Por Rafa Santos

O juízo da 5ª Vara Criminal de Curitiba atendeu pedido defensivo para que um réu foragido fosse ouvido por meio de videoconferência no dia 22 de março. Ele é acusado de associação ao tráfico e tráfico de drogas por quatro vezes.

Anteriormente, o mesmo requerimento havia sido negado tanto em primeiro grau, quanto pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e por decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. O TJ-PR também chegou a julgar o mérito do pedido e negou.  

Antes da audiência, contudo, o advogado Gabriel Gaska Nascimento reiterou o pedido durante a sua sustentação oral. Ele afirmou que o réu pretendia exercer seu direito de audiência e de presença como previsto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no artigo 5º da Constituição Federal. 

O defensor sustentou que, ao condicionar o direito do seu cliente de prestar depoimento à sua presença física, o juízo estaria cometendo uma condução coercitiva para que ele comparecesse ao ato, o que já foi vedado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADPFs 395 e 444.

Na ocasião, o Supremo entendeu que é inconstitucional levar pessoas à força para interrogatórios. O Plenário declarou que o artigo 260 do Código de Processo Penal não foi recepcionado pela Constituição por violar o direito dos cidadãos de não produzir provas contra si mesmos — ou o direito à não autoincriminação.

A defesa também citou decisão do ministro Luiz Edson Fachin que entendeu que a proibição de um réu foragido participar de audiência virtual não implica renúncia tácita ao direito de participar do ato.

"Em verdade, a relação de causa e efeito estabelecida pela autoridade coatora (foragido, logo impedido de participar dos atos instrutórios) não está prevista em lei. Não bastasse, entendo ser descabida a presunção de renúncia ao direito de participar da audiência quando há pedido expresso da defesa em sentido contrário", enfatizou Fachin na decisão. 

Após a sustentação oral da defesa, a juíza Luciana Fraiz Abrahao decidiu atender o pedido da defesa. O réu foi representado pelos advogados Gabriel Gaska Nascimento e Daniel Ferreira Filho, do escritório Bruning Advogados e Associados.


Processo 0003232-27.2022.8.16.0196

 

segunda-feira, 27 de março de 2023

ROMEU E JULIETA

Juiz cita "namoro precoce" e absolve acusado de cometer estupro de vulnerável

26 de março de 2023, 9h45

Os aspectos sociais devem ser levados em consideração para a compreensão do real significado da norma. Assim, o Direito Penal não pode se afastar das dinâmicas vigentes em uma sociedade plural, que traz consigo o surgimento de novos padrões de comportamento e em que a iniciação sexual na adolescência vem ocorrendo de forma cada vez mais precoce.

Com esse entendimento, o juiz Luiz Fernando Silva Oliveira, da 2ª Vara de Bebedouro (SP), absolveu um homem acusado de cometer estupro de vulnerável.

O caso envolve o relacionamento íntimo entre o rapaz e uma adolescente. O namoro começou em abril de 2020, quando ela tinha apenas 12 anos. O réu, por sua vez, tinha 17. Quando a adolescente completou 13 anos, o casal passou a manter relações sexuais, o que resultou em uma gravidez, em maio do mesmo ano.

Em agosto, porém, o réu, já com 18 anos, foi preso por tráfico de drogas, tendo sido liberado em 2021, quando a adolescente já estava com 14 anos. O relacionamento íntimo prosseguiu, e ambos decidiram morar juntos. 

O Ministério Público entendeu que a materialidade e a autoria do delito estavam caracterizadas, assim como a responsabilidade criminal do acusado. Denunciado, o réu alegou inocência, já que as relações sexuais haviam sido consentidas pela adolescente — que confirmou a história.

Ao se pronunciar, ela disse também que o jovem pediu permissão à mãe dela para que namorassem, o que foi consentido. Testemunhas ouvidas disseram, ainda, que o relacionamento era conhecido por toda a família.

Namoro precoce

Em sua fundamentação, o juiz Luiz Fernando Silva Oliveira explicou que as mudanças trazidas pela Lei 12.015/2009 garantem a proteção, no campo sexual, das pessoas consideradas vulneráveis — entre as quais se incluem os menores de 14 anos, os enfermos e deficientes mentais, de acordo com o artigo 217-A do Código Penal.

Apesar disso, o julgador lembrou que, em casos em que a vítima é menor de 14 anos, a presunção de violência está longe de ser assunto pacífico, tanto na doutrina quanto na jurisprudência.

"De um lado, parcela da doutrina e da jurisprudência entende que, com o advento da Lei 12.015/09, a presunção de violência é absoluta, apresentando-se irrelevante para configuração do delito a existência de concordância ou autodeterminação da vítima", anotou o juiz.

Outra corrente, porém, propõe cautela quanto a essa interpretação, com o argumento de que a modificação introduzida pela Lei 12.015/2009 não colocou fim ao debate quanto à presunção absoluta de violência em casos do tipo.

Para embasar esse raciocínio, o juiz mencionou a "teoria da adequação social", segundo a qual o aspecto social devem ser levado em conta para a compreensão das normas, "de modo que uma conduta aceita e aprovada pela sociedade, não pode ser considerada materialmente típica, em razão da inexistência de ofensa ao bem jurídico protegido pela norma penal".

Silva Oliveira recorreu também a estudo recente do IBGE que apontou que 29% dos adolescentes de 13 a 15 anos entrevistados pela Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, de 2012, afirmaram que já tiveram relação sexual.

Seguindo essa linha, e com base nos relatos da adolescente e de seus familiares, o juiz concluiu que o caso se tratou de "um namoro, que começou de forma precoce, e não um abuso sexual".

"Isso significa que o réu não agiu com dolo de se aproveitar de uma menina inexperiente para saciar a sua lascívia. O caso concreto é uma história de amor entre dois adolescentes, e dessa história de amor adveio a gravidez", disse o magistrado.

"Essa relação amorosa, consentida, que culminou no nascimento de um bebê, não pode tornar-se crime, tão somente porque o réu atingiu a maioridade penal".


Processo 1500199-91.2021.8.26.0072

quarta-feira, 15 de março de 2023

OPINIÃO

Prescrição da pretensão executória e presunção de inocência

28 de fevereiro de 2023, 6h08

Por Guilherme de Souza Nucci

A prescrição é a perda do direito ou poder de punir do Estado em virtude do decurso de tempo, consagrando o controle imposto em lei para que os órgãos investigatórios e judiciários cumpram o seu dever em prazo determinado, evitando-se a protelação indeterminada da ameaça punitiva em relação ao autor da infração penal. É um instituto favorável ao acusado. Note-se que as regras acerca da prescrição advêm do Poder Legislativo, consagradas no Código Penal e em outras leis especiais, voltadas à atuação dos Poderes Executivo — investigação — e Judiciário — devido processo legal. Portanto, cuida-se de um freio ao decurso indefinido de tempo aplicado por razões de política criminal, obstando a viabilidade punitiva no tocante a quem comete um crime, enumerando-se, dentre outras, as seguintes teorias: esquecimento, baseando-se no fato de que a sociedade esquece o delito e suas consequências quando decorre tempo considerável, inexistindo fundamento para punir o seu autor, na medida em que se considerar a aplicação da pena como um fator retributivo ou preventivo; expiação moral, calcando-se na ideia de que a espera pela punição já pode ser considerada em si mesma uma forma de aflição, atingindo-se o objetivo da pena; emenda do criminoso, fundando-se no aspecto de natural evolução interior de quem cometeu a infração penal, com o passar do tempo, deixando de existir o alicerce da reeducação, ínsita à aplicação da pena, pois esta teria ocorrido naturalmente; dispersão das provas, alicerçando-se na perda do valor probatório dos elementos colhidos durante a investigação, motivo pelo qual a chance de ocorrência de erro judiciário eleva-se consideravelmente conforme o tempo passa; psicológica, apontando o fato de que o autor da infração penal tende a alterar o seu modo de ser e de pensar, tornando-se alguém diverso daquele que cometeu o delito, falecendo motivo para a punição. Muitas se interpenetram e, segundo nos parece, todas representam relevantes argumentos para a existência da prescrição em direito penal.

O enfoque prescricional concentra-se, basicamente, em dois aspectos: a perda da pretensão punitiva e a perda da pretensão executória, podendo-se indicar que a primeira cuida da vedação ao próprio direito de punir, impedindo que o Estado chegue a uma condenação válida e definitiva, enquanto a segunda se refere à proibição de executar a pena estabelecida em condenação válida e definitiva, ambas pelo decurso do prazo estipulado em lei (artigo 109, CP). Quando ocorre a perda do poder punitivo, mesmo que haja a decisão condenatória, esta dilui-se como se não houvesse existido para todos os fins, sem deixar rastro ou macular a folha de antecedentes do agente. Consolidando-se a perda do poder executório, deixa-se de aplicar a pena estabelecida validamente, remanescendo os efeitos penais secundários, como a viabilidade de figurar como antecedente, a possibilidade de gerar reincidência e até mesmo se tornando título executivo para a ação civil ex delicto.

Antes da decisão condenatória, impondo a pena, a partir da data de cometimento do delito (forma consumada ou tentada e situações especiais — artigo 111, CP) inicia-se o curso do prazo prescricional da pretensão punitiva, calcada na pena máxima abstrata cominada à infração penal. Após o advento da decisão condenatória, com trânsito em julgado para a acusação, passa a existir uma pena concreta, que não mais poderá ser alterada sob o ponto de vista da elevação, de modo que se mostra viável avaliar, ainda, se houve a perda da pretensão punitiva por meio da prescrição retroativa (entre a decisão condenatória e o marco imediatamente anterior que, para a maioria dos casos, é o recebimento da denúncia ou queixa — artigo 117, CP) ou por intermédio da prescrição intercorrente, subsequente ou superveniente (entre a decisão condenatória, com trânsito em julgado para a acusação e o trânsito em julgado para a defesa). A prescrição da pretensão executória, objeto desta análise, é computada, nos termos legais, a partir do dia do trânsito em julgado da decisão condenatória para a acusação até que o sentenciado inicie o cumprimento da pena ou reincida, cometendo outro crime (art. 112, I, c. c. artigo 117, V e VI, CP).

Em primeiro lugar, convém destacar a diferença entre a prescrição intercorrente e a prescrição da pretensão executória, pois ambas têm o seu início quase ao mesmo tempo. A primeira é computada da data da sentença condenatória, que venha a transitar em julgado para a acusação ou quando esta tiver por improvido seu recurso; a segunda inicia-se no dia em que transita em julgado a sentença condenatória para a acusação. Apenas para ilustrar, é possível que a diferença entre as duas seja de alguns dias, caso o órgão acusatório não apresente recurso em relação à sentença condenatória. Quando se está cuidando da prescrição intercorrente ingressa o fator tempo no tocante à lentidão do Judiciário para julgar recursos e dar por finda a discussão naquele caso. Se houver o decurso do prazo prescricional, assinalado pelo artigo 109 do Código Penal, agora com base na pena concreta, entre a sentença condenatória (sem recurso da acusação) e o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça (ou Regional Federal), falece a pretensão punitiva do Estado. Parece-nos lógico e razoável. Entretanto, ao tratar do prazo prescricional da pretensão de executar a pena, sempre nos pareceu estranha a previsão legal, ao prever o início da prescrição na data em que transitar em julgado a condenação para a acusação. Ora, como pode o Estado executar a decisão, aplicando a pena, antes de transitar em julgado para a defesa em face do princípio da presunção de inocência? Somente é considerado culpado quem possua sentença condenatória com trânsito em julgado para as partes (artigo 5º, LVII — ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. CF).

Desse modo, o Estado estaria impedido de impor a pena, mas já estaria transcorrendo o prazo para atingir a sua pretensão executória, o que representa um contrassenso. Em princípio, haveria de se iniciar a prescrição da pretensão de executar a sanção a partir do trânsito em julgado para ambas as partes, pois, em caso de desídia estatal, não mais poderia ser feito.

O Tema 788 do Supremo Tribunal Federal cuida exatamente disso: "Termo inicial para a contagem da prescrição da pretensão executória do Estado: a partir do trânsito em julgado para a acusação ou a partir do trânsito em julgado para todas as partes". O confronto se volta ao fato de que o princípio da presunção de inocência impõe o cumprimento após o trânsito em julgado para as partes, mas o artigo 112, I, do CP, prevê o início do decurso do prazo da prescrição da pretensão executória a partir do trânsito em julgado apenas para a acusação. Por outro lado, seguir o preceituado pelo artigo 112, I, do CP, seria o fiel cumprimento do princípio da legalidade, tanto do artigo 5º, II, quanto do seu inciso XXXIX, pois a mescla de ambos aponta para o cumprimento exato do preceituado em lei para impor a pena ao autor de crime.

Tem-se apontado que o STF já teria decidido, em plenário que a prescrição da pretensão executória somente tem início a partir do trânsito em julgado para ambas as partes e a indicação seria o acórdão proferido no Ag.Reg. no Ag. de Instrumento 794.971-RJ, Plenário, relator Roberto Barroso; redator para o acórdão Marco Aurélio, 16.4.2021, m. v. Analisando-se esse julgamento, de fato, consta uma ementa com o seguinte teor: "Prescrição – pretensão executória – termo inicial. A prescrição da pretensão executória, no que pressupõe quadro a revelar a possibilidade de execução da pena, tem como marco inicial o trânsito em julgado, para ambas as partes, da condenação". A contar dessa parte da ementa, por maioria de votos vencedores, o Plenário do STF teria, realmente, acolhido a tese. No entanto, analisando o inteiro teor do julgado, s.m.j., o STF decidiu somente a questão referente à prescrição da pretensão punitiva, acolhendo-a, por maioria de votos e deixou para julgamento oportuno, constante do tema 788, a matéria atinente ao início da prescrição da pretensão executória. Fixada essa premissa, o Plenário ainda vai decidir sobre a temática.

O ponto fulcral da questão, segundo nos parece, é a possibilidade ou inviabilidade de se utilizar o princípio da presunção de inocência (garantia fundamental do réu) para se tomar uma decisão contra o interesse do próprio acusado. Afinal, o enfoque do contraste entre o disposto pelo artigo 112, I, do CP, e o artigo 5º, LVII, CF, é justamente esse: tendo em vista a presunção de inocência e a derradeira posição do STF (2019) de que somente se cumpre a decisão condenatória quando houver o trânsito em julgado para as partes, o artigo 112, I, do CP, seria inconstitucional. Mereceria, então, uma interpretação conforme a Constituição para deduzir-se a sua efetiva aplicabilidade. Afinal, em tese, esse dispositivo legal estaria autorizando o cumprimento da decisão condenatória assim que transitasse em julgado para a acusação, pois, a contrario sensu, não fosse assim, inexistiria razão para correr prescrição da pretensão executória durante um período no qual o Estado não pode fazer valer o seu poder-dever de punir. Não nos convence esse confronto, embora sempre tenhamos mencionado a incongruência de se prever o início da prescrição da pretensão executória no dia em que transitar a decisão condenatória somente para a acusação. Mas essa incongruência consta expressamente em lei e somente poderia ser alterada por outra lei ou caso o STF considere o dispositivo inconstitucional. Venia concessa, para que isso seja viável o caminho é promover o confronto do mencionado artigo 112, I, do CP com o artigo 5º, LVII, da CF. No entanto, se isto se realizar haveria a utilização de um princípio-garantia do réu contra os seus próprios interesses, abrindo um precedente de que os direitos e garantias individuais também poderiam refletir negativamente em relação ao acusado em processo-crime.

Recordamo-nos da época em que se debateu a hoje dominante possibilidade da execução provisória da pena, regulamentada, inclusive, pelo Conselho Nacional de Justiça. Nos anos 1990, ocorria uma disparidade entre o acusado que recorria ao tribunal contra a decisão condenatória e aquele que não o fazia para fins de benefícios da execução penal. Ilustrando, se corréus, cometendo um roubo, fossem condenados a 6 anos de reclusão, iniciando-se no regime fechado, seria viável atingir a seguinte situação: ambos estariam presos preventivamente há um ano; o corréu A recorre ao Tribunal, pleiteando a absolvição; o corréu B não o faz e, transitada em julgado a decisão, o juízo determina a expedição de guia de recolhimento à Vara das Execuções Penais. A partir disso, o juízo da execução, considerando a detração (artigo 42, CP), verifica que B já cumpriu um sexto da sua pena (à época era o padrão para requerer a progressão de regime). Considerando o bom comportamento, determina a sua progressão ao regime semiaberto. Portanto, cerca de um ano e meio depois de preso preventivamente, o acusado B ingressa em regime mais favorável (colônia penal), enquanto o corréu A continua recolhido em cárcere fechado (onde se mantém quem está recolhido por força de prisão preventiva). Se a apelação do corréu A demorar para ser apreciada — o que era algo muito comum à época — seria possível que o corréu B atingisse a liberdade, chegando ao regime aberto antes que o recurso do outro fosse apreciado. Uma flagrante injustiça decorrente exclusivamente da lentidão da Justiça. Atuávamos em Vara de Execuções Penais no início dos anos 1990, quando uma sentenciada por homicídio simples a dex anos de reclusão ainda estava com seu caso em grau de recurso (aguardava apreciação de agravo no STF para a subida de recurso extraordinário); ela já estava presa cautelarmente há cinco anos e pediu a progressão. Em função do princípio da presunção de inocência, não poderia ter seu pedido deferido, pois somente condenados cumprem pena — ela estava em prisão cautelar e, por isso, indeferimos o pleito. O Tribunal de Justiça de S. Paulo concedeu-lhe ordem de habeas corpus para que aguardasse o término de seus recursos em regime semiaberto, argumentando, com razão, ter a sentenciada (primária, sem outros antecedentes) cumprido já metade da pena aplicada, com trânsito em julgado para a acusação, em visão futura da aplicação da detração. Enfim, percebemos que não se pode utilizar um princípio favorável ao indivíduo, que funciona como proteção contra qualquer abuso do Estado, em detrimento do acusado. A presunção de inocência é uma garantia fundamental de todos nós, mas atua, em particular, em favor de quem é réu em processo criminal, substancialmente. A execução provisória, hoje, funciona para quem está preso e, recorrendo, pleiteia a progressão; no entanto, por decisão dos Tribunais, inclusive os Superiores, não se aplica a quem está solto.

Outro precedente por vezes mencionado para apontar a possibilidade de não seguir o preceituado pelo artigo 112, I, do Código Penal, é o julgamento realizado no HC nº 84.078-MG (Plenário, relator Eros Grau, 05.2.2009, m. v.) que, enaltecendo o princípio da presunção de inocência, decidiu que somente se autoriza a prisão, para cumprimento da pena, de réu cuja decisão condenatória tenha transitado em julgado, significando, por óbvio, para ambas as partes. Porém, não cuidou da prescrição da pretensão punitiva ou executória, firmando entendimento exclusivamente favorável ao réu.

Temos como corolário da dignidade humana o postulado de ser considerada inocente qualquer pessoa até que a decisão condenatória se torne definitiva e, portanto, sua culpa seja firmada. O artigo 112, I, do CP, teve fundamento, à época de sua edição, no mesmo substrato que inspira a existência da prescrição: não é razoável que o Estado-juiz demore tempo demasiado para julgar recursos e consolidar a situação processual de alguém. Nem para o cálculo da prescrição intercorrente (o foco é a pretensão punitiva), nem tampouco para o cômputo da prescrição da pretensão executória. Quando a decisão condenatória se torna definitiva para a acusação, a pena concreta máxima emerge (eventual recurso da defesa somente provoca algo benéfico: absolvição ou diminuição da pena) e, portanto, o Judiciário deve assegurar a celeridade processual (artigo 5º, LXXVIII: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação"), julgando os recursos interpostos em breve espaço de tempo, pois, do contrário, firma-se a prescrição da pretensão punitiva ou da pretensão executória. Com as reformas introduzidas no Código Penal, em especial pela Lei 13.964/2019, os denominados recursos meramente protelatórios para instâncias superiores sofreram um bloqueio, tendo em vista constituir causa de suspensão do prazo prescrição o período decorrente da interposição de embargos de declaração ou de recursos especial e extraordinário, quando forem considerados inadmissíveis (artigo 116, III, CP). A partir daí, reduz-se a viabilidade de ocorrência da prescrição por conta da interposição de recurso com o intuito protelatório.

De todo modo, em conclusão, parece-nos admissível a alteração, por lei, da redação dada ao artigo 112, I, do Código Penal, para constar que a prescrição da pretensão executória tem início com o trânsito em julgado da decisão condenatória para as partes. Entretanto, conceder ao referido dispositivo uma interpretação conforme a Constituição, tomando por base o princípio da presunção de inocência, aparenta não ser a mais adequada exegese, pois se estaria utilizando uma garantia individual contra os interesses do réu.

Guilherme de Souza Nucci é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, livre-docente em Direito Penal pela PUC-SP, doutor e mestre em Processo Penal pela mesma instituição.


quarta-feira, 8 de março de 2023

 ENTENDIMENTO SUPREMO

STJ concede prisão domiciliar a mãe de menor de idade acusada de tráfico

6 de março de 2023, 18h47

Por Rafa Santos

A alegação de que uma mãe não é imprescindível nos cuidados de seu próprio filho é motivo insuficiente para negar a concessão de prisão domiciliar, afastando assim um entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal.

Esse foi o entendimento do desembargador convocado para o Superior Tribunal de Justiça Jesuíno Rissato para dar provimento a Habeas Corpus em favor de uma mulher acusada de tráfico de drogas, presa em flagrante ao ser abordada de posse de pouco mais de 69 quilos de maconha. 

No julgamento do HC143.641, o STF determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas que estivessem grávidas, puérperas ou fossem mães de crianças e/ou deficientes sob sua guarda, exceto na hipótese de crimes praticados mediante violência ou grave ameaça contra seus descendentes ou, ainda, em outras situações excepcionalíssimas.

"Assim, sendo a paciente mãe de uma criança menor de 12 anos (fl. 47), deve ser aplicada a regra geral de proteção da primeira infância, à míngua de fundamentação idônea à mitigação da referida garantia constitucional", escreveu o magistrado.

Na mesma decisão, o julgador atendeu a um pedido do Ministério Público para que os dados dos telefones apreendidos com a ré sejam acessados. Ele afastou a alegação de que o procedimento violaria o direito constitucional ao sigilo, já que segundo ele, esse direito pode e deve ser flexibilizado diante de possível grave infração penal.

Ele explica que o acesso a dados não se confunde com a interceptação telefônica já que a primeira medida consiste na obtenção de meros dados registrados/armazenados nos dispositivos e se projeta, em regra, para o passado. A interceptação, por sua vez, se projeta para o presente.

"Sendo assim, em virtude da quebra de dados não se tratar de comunicação telefônica propriamente dita, o caso não se sujeita aos requisitos previstos na Lei n. 9.296/96", registrou. A defesa foi feita pelo advogado Felipe Folchini Machado.

HC 804.065

segunda-feira, 6 de março de 2023

 DIREITOS HUMANOS

Audiência de custódia deve ser feita em todos os tipos de prisão, define STF

3 de março de 2023, 20h34

Por Tiago Angelo

A audiência de custódia não é simples formalidade burocrática, mas importante ato processual de resguardo a direitos fundamentais. Assim, o procedimento deve ser feito em até 24 horas em todas as modalidades de prisão. 

Esse foi o entendimento formado nesta sexta-feira (3/3) por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Reclamação 29.303. A corte determinou que todos os tribunais brasileiros, bem como os juízos a eles vinculados, façam audiências de custódia em até 24 horas, independentemente da modalidade prisional.

O caso começou com uma reclamação feita no STF pelo defensor público do Rio de Janeiro Eduardo Newton contra resolução do Tribunal de Justiça fluminense que limitou as audiências de custódia às prisões em flagrante, deixando de fora as prisões temporárias, preventivas e definitivas. 

Em 2020, ele teve a solicitação atendida. A Defensoria Pública da União pediu que a decisão fosse estendida a todos os estados brasileiros, já que as audiências deixaram de ser feitas em outras localidades, a despeito da Resolução 213/15, do Conselho Nacional de Justiça, que determina que o procedimento seja feito sem limitações. 

O ministro Edson Fachin, relator do caso, concordou com a extensão. De acordo com ele, as audiências de custódia não podem ficar restritas às prisões em flagrante, uma vez que configuram "relevante ato processual instrumental à tutela de direitos fundamentais". 

"A audiência de apresentação ou de custódia, seja qual for a
modalidade de prisão, configura instrumento relevante para a pronta
aferição de circunstâncias pessoais do preso, as quais podem desbordar do fato tido como ilícito e produzir repercussão na imposição ou no modo de implementação da medida menos gravosa", disse em seu voto. 

Ampla defesa
Ao acompanhar o relator, André Mendonça disse que a audiência de custódia reforça a ampla defesa, além de representar importante instrumento contra tratamentos desumanos ou degradantes. 

"O contato direto da pessoa custodiada com o juiz possibilitará a este, mesmo no caso de cumprimento de prisão definitiva , a pronta verificação da validade do mandado. Nesse ponto, parece oportuno lembrar que o Brasil, pela sua dimensão e assimetrias, inclusive quanto às estruturas e distâncias judiciárias, possui as mais diversas realidades", afirmou. 

Eduardo Newton, defensor do Rio que iniciou a empreitada em prol das audiências, disse à ConJur que o entendimento do Supremo sobre o tema "deve ser comemorado". 

"Em um cenário permeado pelo autoritarismo, as conquistas civilizatórias somente são efetivadas por meio de lutas. Não foi diferente o que ocorreu com as audiências de custódia no Brasil. Com a maioria alcançada na Reclamação 29.303, e graças aos trabalhos das demais Defensorias Públicas (como das da União, do Ceará e de Pernambuco), todo e qualquer encarceramento deverá ser objeto de controle judicial com a imediata apresentação do preso à autoridade judicial. Isso deve ser comemorado", afirmou. 

"Aliás, é necessário destacar que não foi  a primeira reclamação constitucional ajuizada contra o TJ-RJ. E mais uma vez, o STF transmite a mensagem à corte estadual de que sua resistência ao instituto não encontrará o abrigo jurisdicional", apontou o defensor. 
Rcl 29.303

TRIBUNAL DO JÚRI

 A (des)necessidade da revisão nonagesimal da prisão preventiva de acusados foragidos

4 de março de 2023, 8h00

Por Daniel Ribeiro Surdi de Avelar e Frederico Mendes Junior

O artigo 316, parágrafo único, do CPP — incluído pela Lei nº 13.964/2019 — edificou um marco temporal para a revisão da prisão preventiva, determinando que o órgão emissor da decisão reanalise a necessidade de sua manutenção a cada 90 dias, "mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal" [1].

A fixação de um prazo revisional está umbilicalmente ligada ao número de presos provisórios no país e às condições do nosso sistema penitenciário. A legislação foi igualmente inspirada por ações do CNJ, destacando-se a realização de mutirões carcerários — iniciando-se no ano de 2008 — e a edição de resoluções, determinando-se a revisão de prisões provisórias e definitivas (Resolução Conjunta CNJ e CNMP nº 1, de 29/9/2009) e o impulso dos processos envolvendo acusados presos (Resolução nº 66/99).

Nesse contexto, o conjunto de dispositivos fomentou a criação de comandos nos códigos de normas das justiças estaduais, recomendando que magistrados de todo o país observem a obrigatoriedade de revisão das prisões preventivas. Vejamos, por exemplo, o que consta do Código de Normas do Foro Judicial da Corregedoria-Geral da Justiça do TJ-PR:

"Art. 1030. O(A) Juiz(íza), decidindo pela prisão preventiva, determinará a expedição do respectivo mandado no Sistema Projudi, com lançamento no BNMP.

§ 1º. O(a) Juiz(íza) deverá revisar a necessidade da manutenção da prisão preventiva a cada 90 (noventa) dias.
§ 2º. Compete à secretaria o controle do prazo estipulado no § 1º e o encaminhamento dos autos à conclusão em tempo hábil, antes do vencimento, para análise da manutenção ou não da prisão."

Contudo, o claro comando legal [2] — que estipula uma obrigação, prazo e sanção — sofreu significativa reanálise a partir de decisões exaradas pelas cortes de sobreposição.

Em 13/11/2020, o Plenário do STF decidiu que o transcurso do prazo previsto no dispositivo não acarreta automaticamente a revogação da prisão preventiva, devendo o magistrado competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos (SL nº 1.395, relator: ministro Luiz Fux, DJe de 13/11/2020). Nesse ponto, a mesma decisão foi reiterada pelo Plenário do STF, quando do julgamento das ADIs 6.581 e 6.582, relator: ministro Edson Fachin [3]. Ademais, o STF aclarou que a obrigatoriedade da reavaliação periódica da prisão se encerra com a cognição plena pelo tribunal de segundo grau de jurisdição, "não se aplicando às prisões cautelares decorrentes de sentença condenatória de segunda instância ainda não transitada em julgado". Transcrevemos:

"CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. ART. 316, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.964/2019. DEVER DO MAGISTRADO DE REVISAR A NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA A CADA NOVENTA DIAS. INOBSERVÂNCIA QUE NÃO ACARRETA A REVOGAÇÃO AUTOMÁTICA DA PRISÃO. PROVOCAÇÃO DO JUÍZO COMPETENTE PARA REAVALIAR A LEGALIDADE E A ATUALIDADE DE SEUS FUNDAMENTOS. OBRIGATORIEDADE DA REAVALIAÇÃO PERIÓDICA QUE SE APLICA ATÉ O ENCERRAMENTO DA COGNIÇÃO PLENA PELO TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. APLICABILIDADE NAS HIPÓTESES DE PRERROGATIVA DE FORO. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL. (...). 3. A inobservância da reavaliação prevista no dispositivo impugnado, após decorrido o prazo legal de 90 (noventa) dias, não implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos. Precedente. 4. O art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal aplica-se até o final dos processos de conhecimento, onde há o encerramento da cognição plena pelo Tribunal de segundo grau, não se aplicando às prisões cautelares decorrentes de sentença condenatória de segunda instância ainda não transitada em julgado. 5. O artigo 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal aplica-se, igualmente, nos processos em que houver previsão de prerrogativa de foro. 6. Parcial procedência dos pedidos deduzidos nas Ações Diretas." (ADI 6.581, relator(a): EDSON FACHIN, relator(a) p/ acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 9/3/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-084 DIVULG 02-05-2022 PUBLIC 03-05-2022).

A mesma orientação — quanto ao prazo nonagesimal — passou igualmente a ser seguida pelo STJ, por sua 5ª e 6ª Turmas. Ilustro:

"(...). O prazo de 90 dias para reavaliação dos fundamentos da prisão (conforme disposto no art. 316, parágrafo único, do CPP) não é peremptório, isto é, eventual atraso na execução deste ato não implica automático reconhecimento da ilegalidade da prisão, tampouco a imediata colocação do custodiado cautelar em liberdade. (...)" (AgRg no HC nº 722.167/SP, relator: ministro Olindo Menezes (desembargador convocado do TRF 1ª Região), 6ª Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 25/11/2022.) [4].

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, ROUBO, FURTO, ESTELIONATO, FALSIDADE IDEOLÓGICA E LAVAGEM DE DINHEIRO. MERA REITERAÇÃO DE OUTRO WRIT. DESCABIMENTO. REVISÃO NONAGESIMAL DA CUSTÓDIA. ENTENDIMENTO DO STF NA ADI 6.581. EXCESSO DE PRAZO NÃO CONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. (...). 2. Conforme a decisão do STF na ADI 6.581, a falta de revisão da prisão preventiva a cada 90 dias não enseja automaticamente a revogação da custódia ou o reconhecimento de qualquer nulidade, mas somente a interpelação do juízo responsável para que faça a reavaliação legalmente determinada. (...)" (AgRg no HC nº 756.968/MT, relator: ministro Ribeiro Dantas, 5ª Turma, julgado em 14/11/2022, DJe de 18/11/2022.) [5].

Do que restou até o presente momento demonstrado — ao menos à luz da jurisprudência uníssona dos nossos tribunais de sobreposição — é possível concluir: (1) que a inobservância do prazo revisional de 90 dias não importa na revogação automática da prisão preventiva; (2) que decorrido o prazo, o magistrado deve ser provocado a reavaliar a legalidade e a atualidade dos fundamentos que motivaram a decretação da prisão preventiva. Assim, partindo das premissas acima, seria possível conjecturar: se o prolator da decisão não é mais obrigado a reanalisar (ex officio) a prisão do preso preventivamente no prazo nonagesimal — sob pena de tornar a prisão ilegal —, permaneceria compelido a revisar as prisões dos indiciados/acusados foragidos? A resposta caminha num único sentido: não!

Historicamente, identificamos que as razões justificadoras das revisões das prisões preventivas sempre estiveram atreladas aos acusados presos, e nunca aos soltos/foragidos.

Resolução Conjunta nº 1, de 29/09/2009, do CNJ e CNMP, determinava a revisão (mínima) anual da legalidade e da manutenção das prisões provisórias e definitivas, bem como, das medidas de segurança e internações de adolescentes em conflito com a lei:

"Art. 1º As unidades do Poder Judiciário e do Ministério Público, com competência em matéria criminal, infracional e de execução penal, implantarão mecanismos que permitam, com periodicidade mínima anual, a revisão da legalidade da manutenção das prisões provisórias e definitivas, das medidas de segurança e das internações de adolescentes em conflito com a lei.

Art. 2º. A revisão consistirá, quanto à prisão provisória, na reavaliação de sua duração e dos requisitos que a ensejaram; quanto à prisão definitiva, no exame quanto ao cabimento dos benefícios da Lei de Execução Penal e na identificação de eventuais penas extintas; e, quanto às medidas socioeducativas de internação, provisórias ou definitivas, na avaliação da necessidade da sua manutenção (art. 121, § 2º, da Lei 8069/90) e da possibilidade de progressão de regime."

Resolução nº 66/2009 do CNJ, por sua vez, determinava que o magistrado investigasse as razões da demora do trâmite processual ou investigativo caso se deparasse com um feito envolvendo um réu preso provisoriamente há mais de três meses e, posteriormente adotasse providências para o seu impulso, comunicando a Corregedoria Geral de Justiça ou à Presidência do Tribunal:

"Art. 3º. Verificada a paralisação por mais de três meses dos
inquéritos e processos, com indiciado ou réu preso, deverá a Secretaria ou o Cartório encaminhar os autos imediatamente à conclusão do juiz para que
sejam examinados.

Art. 5º. Após o exame dos inquéritos e processos, com indiciado ou
réu preso, paralisados por mais de três meses, o juiz informará à Corregedoria Geral de Justiça e o Relator à Presidência do Tribunal, as providências que foram adotadas, por meio do relatório a que se refere o artigo 2º, justificando a demora na movimentação processual."

Ressalta-se que o Anteprojeto de Lei do Novo Código de Processo Penal, originário da Comissão de Juristas instituída pelo Senado Federal em 2009, já previa o reexame obrigatório da prisão preventiva no prazo de 90 dias. Porém, a referida obrigação revisional era contada "do início da execução da prisão ou da data do último reexame", ou seja, partia da lógica premissa que o reexame apenas deveria ser efetivado caso o acusado já estivesse preso! Vejamos:

"Art. 550. Qualquer que seja o seu fundamental legal, a prisão preventiva que exceder a 90 (noventa) dias será obrigatoriamente reexaminada pelo juiz ou tribunal competente, para avaliar se persistem, ou não, os motivos determinantes da sua aplicação, podendo substituí-la, se for o caso, por outra medida cautelar.

§ 1º. O prazo previsto no caput deste artigo é contado no início da execução da prisão ou da data do último reexame.

§ 2º. Se, por qualquer motivo, o reexame não for realizado no prazo devido, a prisão será considerada ilegal" 
[6].

Quem conhece as demandas que envolvem o atuar numa vara criminal, com sua elevada gama de medidas urgentes e de relevância pública, sabe o quanto é custoso para a boa prestação jurisdicional destinar tempo significativo para reanalisar feitos que envolvem acusados/investigados foragidos, como se a situação de ausência não justificasse, por si só, a necessidade de manter-se a validade (e atualidade) da prisão decretada mas ainda não efetivada.

Exemplificadamente, compulsando o acervo da 2ª Vara Privativa do Tribunal do Júri de Curitiba, constatamos a existência de aproximadamente 80 processos envolvendo acusados foragidos e com prisões preventivas decretadas. Nesse contexto, em apenas um ano, seria necessário proferir (ex officio) 320 decisões reanalisando os decretos prisionais em aberto, esforço que obstaria o estudo de outros casos de maior relevância envolvendo acusados presos. O esforço não é apenas do magistrado, mas igualmente de servidores que precisam, em tempo oportuno, revisitar todos os feitos paralisados — muitos deles na fase do artigo 366, do CPP — antes do encerramento do prazo nonagesimal para encaminhá-los à conclusão dos juízes.

Não por outro motivo, já alertou o ministro Ribeiro Dantas: "(...). Não seria razoável ou proporcional obrigar todos os Juízos criminais do país a revisar, de ofício, a cada 90 dias, todas as prisões preventivas decretadas e não cumpridas, tendo em vista que, na prática, há réus que permanecem foragidos por anos[7].

Com efeito, o estado de permanente fuga do acusado é suficiente para demonstrar, de maneira concreta, que a prisão preventiva — ainda em aberto — é atual e necessária (periculum libertatis[8]. É importante frisar que nenhuma medida cautelar menos gravosa poderia fazer valer a garantia instrumental da aplicação da lei penal, eis que todas, sem exceção, implicariam na intimação de pessoa desaparecida cuja cientificação, por edital, configuraria um loop para a nova decretação da prisão preventiva diante do descumprimento da medida após o decurso do prazo editalício. Assim, resta claro que a "contemporaneidade da prisão preventiva não está necessariamente ligada à data da prática do crime, mas sim à subsistência da situação de risco que justifica a medida cautelar" [9].

Conforme ressaltou o ministro Alexandre de Moraes (ADI 6.581), um dos grandes desafios do Brasil na atualidade é o de "evoluir nas formas de combate à criminalidade organizada, na repressão da impunidade, na punição do crime violento e no enfrentamento da corrupção". Tal desiderato não está apenas ligado a uma legislação eficiente e adequada aos comandos constitucionais, mas, acima de tudo, na estruturação das varas criminais para que em curto espaço de tempo possam julgar os casos atrelados a esses tipos penais. Diante disso, não identificamos a menor utilidade prática na revisão de prisões cujos mandados ainda não foram cumpridos sem que exista a prévia provocação do juiz competente. Reiteremos: o tempo despendido por funcionários para identificar os casos e, do magistrado, para reanalisar cada uma das prisões, pode e deve ser utilizado para outra finalidade, em especial, o julgamento dos casos envolvendo réus presos. Com isso, "somente gravíssimo constrangimento, como o sofrido pela efetiva prisão, justifica o elevado custo dispendido pela máquina com a promoção desses numerosos reexames impostos pela lei" [10].

A reanálise periódica dos fundamentos e requisitos utilizados para a decretação da prisão preventiva já efetivada é compatível com o direito fundamental à liberdade, a dignidade da pessoa humana, ao devido processo legal, a duração razoável do processo e de motivação das decisões judiciais, porém, a mesma imposição não deve ser levada a efeito para os casos onde o investigado/acusado está foragido, sem que exista, ao menos, a provocação do juízo. Uma interpretação literal que desconsidere as consequências práticas da determinação de revisar no prazo nonagesimal toda e qualquer decisão de prisão preventiva, quando o acusado ainda estiver solto, é alocar esforço desnecessário que em data contribui para a eficiência da justiça e ao atendimento ágil dos casos verdadeiramente urgentes. A interpretação deve voltar os seus olhos para o mundo real, afastando-se de um referencial meramente teórico.

Diante do exposto, entendemos à luz da interpretação das nossas cortes superiores que: (1) a obrigação de revisar as decisões que decretaram a prisão preventiva de investigado/acusado ainda foragido, apenas deverá ocorrer quando o magistrado for instado a decidir; (2) o decurso do prazo nonagesimal não torna ilegal a decisão que decretou a prisão de um investigado/acusado quando ainda pendente de cumprimento o mandado de prisão.

 


[1] CPP, Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.

[2] "O legislador foi explícito ao cominar consequência para o extravasamento dos 90 dias sem a formalização de ato fundamentado renovando a custódia. Previu, na cláusula final do parágrafo único do art. 316, que, não havendo a renovação, a análise da situação do preso, a prisão surge ilegal. A tanto equivale, sem sobra de dúvida, a cláusula final: '[...] sob pena de tornar a prisão ilegal'". (Parte do voto proferido pelo min. Marco Aurélio no AG.Reg. no ROHC nº 199.854/RJ, rel. min. Dias Toffoli, sessão virtual de 7/5/21 a 14/5/21.

[3] Sessão Virtual de 25/2/2022 a 8/3/2022, public. 09/3/2022. O relator para o acórdão foi o min. Alexandre de Moraes, uma vez que o relator originário restou parcialmente vencido no ponto que compreendida que a regra revisional deveria ter maior abrangência.

[4] "(...). 4. A nova redação do art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal, operada pela Lei n. 13.964/2019, determina a reavaliação periódica dos fundamentos que indicaram a necessidade da custódia cautelar a cada 90 dias. Contudo, esta Corte Superior tem entendido que, "não se trata de termo peremptório, isto é, eventual atraso na execução deste ato não implica automático reconhecimento da ilegalidade da prisão, tampouco a imediata colocação do custodiado cautelar em liberdade" (AgRg no HC nº 580.323/RS, rel. ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 15/6/2020) (...). (HC nº 637.032/GO, relatora ministra Laurita Vaz, 6ª Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 30/9/2021.).

[5] "(...). 5. A alteração promovida pela Lei n° 13.964/2019 ao art. 316 do Código Penal estabeleceu que o magistrado revisará, a cada 90 dias, a necessidade da manutenção da prisão, mediante decisão fundamentada, sob pena de tornar a prisão ilegal. Não se trata, entretanto, de termo peremptório, isto é, eventual atraso na execução deste ato não implica automático reconhecimento da ilegalidade da prisão, tampouco a imediata colocação do custodiado cautelar em liberdade. (...)" (AgRg no RHC nº 171.133/PA, relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, julgado em 25/10/2022, DJe de 9/11/2022.).

[6] Redação originária do Anteprojeto de Lei do Novo CPP — já aprovado no Senado Federal, autuado como PL nº 8045/2010, em trâmite da Câmara dos Deputados.

[7] STJ, 5ª Turma, RHC nº 153.528/SP, rel. min. Ribeiro Dantas, j. em 29/3/2022, DJe de 1/4/2022. Tratando do mesmo tema sob a ótica recursal, já apontou a min. Laurita Vaz (HC nº 589.544/SC): "Pretender o intérprete da Lei nova que essa obrigação — de revisar, de ofício, os fundamentos da prisão preventiva, no exíguo prazo de noventa dias, e em períodos sucessivos — seja estendida por toda a cadeia recursal, impondo aos tribunais (todos abarrotados de recursos e de habeas corpus) tarefa desarrazoada ou, quiçá, inexequível, sob pena de tornar a prisão preventiva 'ilegal', data máxima vênia, é o mesmo que permitir uma contracautela, de modo indiscriminado, impedindo o Poder Judiciário de zelar pelos interesses da persecução criminal e, em última análise, da sociedade".

[8] Tratando da mesma matéria, Ribeiro Dantes advertiu que: "(...) se o acusado — que tem ciência da investigação ou processo e contra quem foi decretada a prisão preventiva — encontra-se foragido, já se vislumbram, antes mesmo de qualquer reexame da prisão, fundamentos para mantê-la – quais sejam, a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal e a garantia da instrução criminal —, os quais, aliás, conservar-se-ão enquanto perdurar a condição de foragido do acusado" (...). (STJ, 5ª Turma, RHC nº 153.528/SP, rel. min. Ribeiro Dantas, j. em 29/3/2022, DJe de 1/4/2022).

[9] STF, 1ª Turma, HC 205164 AgR, rel. min. Roberto Barroso, j. em 14/12/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 04-02-2022 PUBLIC 07-02-2022.

[10] STJ, 5ª Turma, RHC nº 153.528/SP, rel. min. Ribeiro Dantas, j. em 29/3/2022, DJe de 1/4/2022. Tratado do caso concreto em julgamento, Ribeiro Dantas contextualizou: "(...). caso o indiciado viesse a continuar foragido, por exemplo, pelo período de 15 (quinze) anos, o Juízo processante seria obrigado a reexaminá-la ex officio, quase 60 (sessenta) vezes. E mais: esse mesmo Juízo teria de fazê-lo em um sem número de processos, cujas prisões foram decretadas e não cumpridas".