segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

 

FELIZ ANO NOVO"

STJ substitui prisão preventiva de réu que zombou de vítima ao furtá-la

26 de fevereiro de 2023, 11h25

Não é adequado nem proporcional prender preventivamente uma pessoa que é ré primária e que responde a processo por crime que não envolve violência ou grave ameaça. A medida encarceradora deve ser reservada a casos mais graves.

Com esse entendimento, a ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu a ordem em Habeas Corpus para substituir a prisão preventiva de um homem acusado de furto qualificado cometido contra turista na noite do ano novo, no Rio de Janeiro.

O réu é representado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro. O HC foi impetrado pelo defensor público Eduardo Newton.

O crime ocorreu em Copacabana, na madrugada do dia 1ª de janeiro de 2023. Segundo os relatos, o réu desejou feliz ano novo à vítima antes de tomar-lhe o celular e correr para longe. Ele foi detido com ajuda de outras pessoas, que correram e avisara a guarda municipal.

O juiz de primeiro grau decretou a prisão preventiva com base na gravidade da ação: furto por arrebatamento praticado em local público e frequentado por diversas pessoas, durante horário de repouso noturno e em detrimento de vítima turista durante festividade de ano novo.

“Além disso, o custodiado teria debochado da vítima antes do cometimento do delito. Tal modus operandi revela, demasiadamente, a audácia e o destemor do custodiado, de modo a atentar contra a paz social e acarretar deletérias repercussões na sociedade, já tão castigada e acabrunhada pela assente criminalidade.”

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a prisão, também com referência ao fato de o réu ter zombado da vítima turista. “Estamos diante de delito qualificado, o que denota uma gravidade maior da conduta e a periculosidade do agente, exigindo uma firme resposta do Poder Público.”

No STJ, a ministra Laurita Vaz citou jurisprudência no sentido de que a prisão preventiva não deve ser decretada ou mantida caso as intervenções menos invasivas à liberdade individual mostrem-se, por si sós, suficientes. É o caso dos autos, em que o crime não envolve violência ou grave ameaça e o réu é primário.

“Em que pese as supramencionadas circunstâncias do delito, salta aos olhos a desproporcionalidade da medida extrema utilizada como prima ratio, tendo em vista a primariedade do réu e que o crime em apuração não foi cometido com violência ou grave ameaça, sendo cabível, portanto, a imposição de restrições outras, suficientes para alcançar o fim almejado com o encarceramento, que deve ser reservado a casos mais graves”, disse.

HC 802.889

 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

OPINIÃO

 Hediondez do tráfico de drogas e direito penal do autor

Por 

No julgamento do HC 188.533/MS, o Supremo Tribunal Federal (STF) discutia se a hediondez por equiparação do tráfico de entorpecentes abrangia, também, a causa especial de diminuição de pena prevista no §4º do artigo 33 da Lei de Tóxicos. O saudoso ministro Teori Zavascki, em seu voto, lavrou pertinente consideração quanto ao tema do presente artigo:

"Portanto, a Constituição, quando considerou inafiançáveis e insuscetíveis de graça e anistia esses delitos, entre os quais o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, ela não levou em consideração a situação pessoal do agente, ela levou em consideração uma determinada conduta. Por isso, a questão de saber se se aplica ou não esse dispositivo, ao nosso sentir, não guarda relação com a situação pessoal do agente. Está em saber se aquela conduta é ou não é tráfico ilícito de entorpecente."

O comumente chamado tráfico privilegiado, quando referimo-nos à citada causa de diminuição especial, portanto, não se dá em razão da divergência da conduta do autor do delito, visto que o mencionado instrumento legislativo é expresso ao estabelecer que, nos delitos previstos pelo caput e no §1º do artigo 33, reduzir-se-á a pena tão somente quando o agente ostente a qualidade de primariedade, com bons antecedentes, quando não se dedicar à atividades criminosas e nem integrar organização criminosa. Portanto, percebe-se que o fato da pena ser maior, tanto no caput quanto no §1º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 decorre das características do agente, em expressa aplicação do direito penal do autor.

Considerando o apontado, temos que a aplicação de pena maior, inclusive com a aplicação de diferentes parâmetros na dosimetria da pena (seja na fixação da pena mínima ou na própria majoração desta e, ainda, no regime de pena e na concessão de direitos na execução da pena), a lógica a ser aplicada seria a que o artigo 33, §4º da Lei 11.343/2006, afastado o direito penal do autor, seria a regra.

Desta forma, com o ônus da prova incumbido à acusação de comprovar o não preenchimento, pelo acusado, das causas de diminuição específica, aplicar-se-ia o exposto no caput do artigo 33 da Lei 11.343/2006.

A interpretação lastreada pela boa hermenêutica, de acordo com o raciocínio jurídico empregado no presente momento, pressupõe que o tráfico privilegiado deve ser a regra, com a aplicação da pena mínima do caput acaso não preenchidos os requisitos. Neste passo, tendo em vista que a jurisprudência não considera o tráfico privilegiado como crime hediondo e a conduta praticada pelo autor do delito quando condenado pelo tráfico privilegiado é, em essência, a mesma do caput da Lei 11.343/2006, a tutela do bem jurídico da saúde pública também é a mesma. A consagração do delito se dá unicamente pela conduta, e não pelo agente ser quem é ou ostentar maus antecedentes, de modo que a diferenciação entre o tráfico privilegiado e o tráfico comum, um não sendo equiparado a crime hediondo e o outro sendo, não possui logística jurídica, visto que se criminaliza a conduta.

Everaldo da Cunha Luna dizia que "o homem responde pelo que faz e não pelo que é". Zaffaroni e Pierangeli complementam:

"Ainda que não haja um critério unitário acerca do que seja o direito penal do autor, podemos dizer que, ao menos em sua manifestação extrema, é uma corrupção do direito penal, em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma 'forma de ser' do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva. O ato teria valor de sintoma de uma personalidade; o proibido e o reprovável ou perigoso, seria a personalidade e não o ato. Dentro desta concepção não se condena tanto o furto, como o 'ser ladrão', não se condena tanto o homicídio como o ser homicida, o estupro, como o ser delinquente sexual etc". (ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro — Parte Geral. 2020, p. 107).

Ao contrário do que se verifica dos crimes titulados no artigo 1º da Lei 8.072/1990, não se percebe diferença na gravidade da conduta do agente que pratica o narcotráfico pela primeira vez, ou ainda ostenta a qualidade de mula, o que a jurisprudência do STJ também considera como tráfico privilegiado, e a do traficante ocasional, de modo diverso do homicídio qualificado (nos termos do artigo 1º, inciso I), que possui, nas hipóteses previstas do artigo 121, §2º, diferentes condutas que foram sopesadas como mais graves pelo legislador. Percebe-se a incongruência em qualificar o tráfico comum como crime hediondo enquanto o tráfico privilegiado não, visto que o homicídio simples não é considerado crime hediondo, tal qual o homicídio privilegiado, que trata de hipóteses atinentes ao próprio agente da conduta.

Ou seja: a Lei de Crimes Hediondos buscou qualificar determinadas condutas como mais graves em relação ao próprio ato praticado pelo agente, pelo modo como foi realizado o crime. Daí decorre, portanto, a inexistência de nexo em seu caracterizar, novamente, o tráfico comum como equiparado a hediondo e o tráfico privilegiado não, visto que a diferença entre um e outro se dá pelas características do agente.

A divergência de tratamento ao agente se dá, por consequência da lógica aqui perpetrada, tão somente na possibilidade de concessão de fiança, graça ou anistia ao tráfico privilegiado, como se verifica do fato dos Decretos Presidenciais nº 6.706/08 e nº 7.049/09 terem beneficiado os condenados pelo tráfico privilegiado e pela própria característica do instituto do indulto, que é conferida ao sujeito, ao indivíduo, à pessoa.

Diante do que foi exposto, há incompatibilidade na interpretação de se considerar a hediondez do tráfico de drogas por equiparação tão somente porquanto inviável de concessão de anistia, graça ou fiança, por força do artigo 5º, inciso XLIII da Constituição e do artigo 2º da Lei 8.072/90, visto que a jurisprudência do STJ interpreta como sendo o artigo 1º um rol taxativo (AgRg nos EDcl no REsp 1244546/PR); que viola o princípio da reserva legal a interpretação in malam partem quando inexistente previsão legal em tal rol para considerar crime hediondo (REsp 180694/PR); e, ainda, que já utilizou também o STJ tão somente da equiparação pela Lei de Crimes Hediondos para consagrar a própria equiparação.

Portanto, em razão da própria teoria consagrada pelo Direito Penal, e ainda pela lógica jurisprudencial das cortes superiores, temos como inevitável compreender a hediondez do tráfico de drogas como uma ilegal aplicação do direito penal do autor.

TUDO ERRADO

Ministro do STJ revoga prisão preventiva por abordagem policial sem justa causa

Por 

É ilícita a busca pessoal e domiciliar sem a necessária justa causa para a efetivação da medida invasiva, nos termos do artigo 240 do CPP, bem como a prova dela derivada, não sendo razoável considerar que o nervosismo do acusado ao avistar a autoridade policial, por si só, enquadre-se na excepcionalidade da revista pessoal.

Reprodução
Ministro do STJ revoga prisão preventiva por abordagem policial sem justa causa

Com base nesse entendimento, o ministro Sebastião Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça, revogou a prisão preventiva de um homem acusado por tráfico de drogas e porte ilegal de arma. O caso envolve um réu reincidente específico que foi abordado pela polícia em uma via pública.

Os policiais alegaram "nervosismo" do réu para justificar a abordagem. Com ele, foram apreendidos R$ 1 mil em espécie e 291 gramas de maconha e, em outro local, a cerca de 15 km de onde ocorreu a abordagem inicial, foi encontrada uma arma que seria do acusado.

De acordo com a defesa, o exame de corpo de delito anexado aos autos teria constatado que o réu foi agredido pelos policiais. Mas a ação da polícia foi validada em primeira e segunda instâncias.

No STJ, no entanto, o ministro Sebastião Reis Júnior reconheceu a ilegalidade da prisão e a nulidade da abordagem policial e de todas as provas dela decorrentes. Na decisão, o ministro citou parecer do Ministério Público Federal, assinado pelo subprocurador-geral da República Nívio de Freitas Silva Filho, pela concessão da ordem.

"Não ficou demonstrada a necessária existência de justa causa para a legalidade da abordagem policial do paciente e a sua consequente prisão em flagrante, tendo em vista que, de acordo com o auto de prisão e os depoimentos nele constantes, o que motivou a abordagem teria sido o mero fato de o paciente ter empreendido fuga correndo ao avistar a viatura."

O paciente é representado pelos advogados Ingryd Silvério e Nugri Campos, do escritório Nugri Campos & Advogados Associados.

Jurisprudência vasta
A análise da legalidade da invasão de domicílio por PMs é tema constante na pauta das turmas criminais do STJ, que vêm delineando as razões para ingressar na casa de alguém sem mandado judicial.

No precedente mais incisivo, a 6ª Turma decidiu que a invasão só pode ocorrer sem mandado judicial e perante a autorização do morador se ela for filmada e, se possível, registrada em papel. A 5ª Turma também adotou a tese. Mais tarde, a ordem foi anulada por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Em outras situações, o STJ entendeu ilícita a invasão nas hipóteses em que a abordagem é motivada por denúncia anônima, pela fama de traficante do suspeito, por tráfico praticado na calçada, por atitude suspeita e nervosismocão farejadorperseguição a carro ou apreensão de grande quantidade de drogas.

Também foram anuladas as provas quando a busca domiciliar se deu após informação dada por vizinhos e depois de o suspeito fugir da própria casa ou fugir de ronda policial. Em outro caso, foi considerada ilícita a apreensão feita após autorização dos avós do suspeito para ingresso dos policiais na residência.

A corte também estabeleceu que o ingresso de policiais na casa para cumprir mandado de prisão não autoriza busca por drogas. Da mesma forma, a suspeita de que uma pessoa poderia ter cometido o crime de homicídio em data anterior não serve de fundada razão para que a polícia invada o domicílio de alguém.

Por outro lado, é lícito o ingresso quando há autorização do morador ou em situações já julgadas, como quando ninguém mora no local, se há denúncia de disparo de arma de fogo na residência ou flagrante de posse de arma na frente da casa, se é feita para encontrar arma usada em outro crime — ainda que por fim não a encontre —, se ocorrer em diligência de suspeita de roubo ou se o policial, de fora da casa, sente cheiro de maconha, por exemplo.


HC 769.55

CARNE FRACA

 Cabe insignificância se furto qualificado for motivado por fome e pobreza, diz STJ

Por 

Mesmo nos casos de furto qualificado, é possível a excepcional aplicação do princípio da insignificância quando se estiver diante de condutas claramente motivadas pela fome e pela pobreza.

Réus furtaram peças de carne do supermercado em que trabalhavam
Agência Brasília

Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado por um homem condenado com outras pessoas por tentar furtar três peças de carne do supermercado onde trabalhava.

A acusação não estabeleceu um valor específico para os bens. Já a defesa alegou que duas peças de fraldinha e uma de peito são avaliadas em R$ 60, montante que não foi contestado pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte.

O valor está abaixo de 10% do salário mínimo à época dos fatos, a régua imposta pelo STJ para a aplicação do princípio da insignificância. O problema, no caso concreto, é que a condenação incluiu duas qualificadoras: concurso de pessoas e fraude, com abuso de confiança.

Relator, o ministro Ribeiro Dantas sustentou que, diante da pequena quantidade de alimentos que os réus tentaram furtar, a simples incidência das qualificadoras não torna típica a conduta dos acusados. Assim, ele entendeu possível a absolvição pela aplicação da insignificância penal.

"Afinal, mesmo para os casos de furto qualificado, é possível a excepcional aplicação do princípio da insignificância quando se estiver diante de condutas claramente motivadas pela fome e pobreza, em todo irrelevantes para o Direito Penal", disse. A votação foi unânime.

AREsp 2.216.975

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

 4 ANOS

Desembargador determina trancamento de inquérito por excesso de prazo

21 de fevereiro de 2023, 12h10

Por Rafa Santos

A regra de duração de inquérito policial é de 30 dias nos casos em que o investigado estiver solto. Nos casos de difícil apuração, o prazo pode ser aumentado quando a autoridade policial requerer ao juiz a devolução para novas diligências. A duração da investigação, entretanto, deve ter duração razoável sob o risco de caracterização de constrangimento ilegal. 

Esse foi o entendimento do desembargador Helvécio de Brito Maia Neto, do Tribunal de Justiça do Tocantins, para votar pelo trancamento de inquérito policial por excesso de prazo. 

No caso concreto, um homem estava sendo investigado pela suposta prática do crime de tráfico de drogas na cidade de Recursolândia (TO) desde 2019. Passados mais de três anos da abertura do procedimento administrativo, nem mesmo os indiciados foram ouvidos. 

A defesa do acusado pediu o trancamento do inquérito sob a alegação de constrangimento ilegal e a tese foi acolhida pelo relator da matéria. 

Ao analisar o caso, o desembargador lembrou que o artigo 10 do Código de Processo Penal estabelece como regra geral, o prazo de 30 dias para conclusão do inquérito policial, caso o indiciado esteja solto. Já o §3º prevê que é possível a prorrogação do prazo, a requerimento da autoridade policial, quando o fato for de difícil elucidação, hipótese em que as diligências necessárias deverão ser realizadas no prazo fixado pelo juiz.

Ele também ponderou que é raro que o prazo legal seja cumprido em decorrência da quantidade de inquéritos policiais em andamento. "De um lado, tem-se o dever do Estado de investigar a materialidade e autoria de fatos em tese criminosos que chegam ao seu conhecimento. De outro, o do cidadão em se ver investigado em prazo razoável", afirmou na decisão.

O julgador também citou entendimento do ministro Rogério Schietti, do Superior Tribunal de Justiça, que no julgamento do RHC nº 106.041/TO entendeu que, quando alguém é formalmente indiciado, passa a ter o seu nome incluído nos registros criminais. Por conta disso, o investigado tem sua imagem e honra afetadas e, por isso, é razoável que o Poder Judiciário faça um controle sobre a razoabilidade da duração do inquérito policial. 

Por fim, ele votou pelo trancamento do inquérito. O entendimento foi seguido pela maioria dos desembargadores da 2ª Câmara Criminal do TJ-TO. O investigado foi representado pelo advogado Raphael Lemos Brandão.


0015528-32.2022.8.27.2700

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

TEMPO DEMAIS

 TJ-SP revoga prisão por excesso de prazo para oferecimento de denúncia

Por 

Por vislumbrar excesso de prazo para o oferecimento da denúncia, a 10ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo revogou, por unanimidade, a prisão preventiva de um homem investigado por tentativa de feminicídio qualificado contra a ex-mulher.

fongbeerredhot/freepik
TJ-SP revoga prisão preventiva por excesso de prazo para oferecimento de denúncia

De acordo com os autos, o crime aconteceu em 11 de setembro de 2022 e o inquérito policial foi concluído em 31 de outubro, com a prisão preventiva do acusado. Porém, até o julgamento do pedido de Habeas Corpus pelo TJ-SP, o Ministério Público ainda não havia oferecido denúncia contra o paciente.

Diante disso, o relator, desembargador Ulysses Gonçalves Júnior, concluiu pelo excesso de prazo para o oferecimento da denúncia, inclusive, com base em parecer da Procuradoria-Geral de Justiça. Para o magistrado, ficou configurado constrangimento ilegal a justificar a concessão da ordem.

"Nos termos do artigo 46, do CPP, o prazo para o oferecimento da denúncia, estando o réu preso, em regra, será de cinco dias, contado da data que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial. No presente caso, se imputa ao paciente a suposta prática de feminicídio tentado, que tem como vítima sua ex-esposa e o excesso de prazo se configura ante a ausência do oferecimento da denúncia", disse.

Como a autoridade policial apresentou o relatório final em 31 de outubro de 2022 e, desde então, não houve oferecimento da denúncia, o relator ressaltou que foi ultrapassado o lapso previsto no artigo 46, do CPP, "reconhecendo o constrangimento ilegal a que vem se submetendo o paciente". Atua no caso o advogado Vinícius Ribeiro Santos.

Processo 2222782-17.2022.8.26.0000

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

OPINIÃO

Concessão de progressão de regime penal para Suzane von Richthofen

14 de fevereiro de 2023, 20h51

Por Giovanna Zanata Barbosa e Rodrigo Calbucci

O crime cometido por Suzane von Richthofen e pelos irmãos Daniel e Cristian Cravinhos, há mais de 20 anos — em outubro de 2002 —, continua sendo pauta na imprensa. Recentemente, muito se falou sobre a progressão do regime semiaberto para o aberto, concedido a Suzane em janeiro de 2023, pela 2ª Vara de Execuções Criminais de Taubaté (SP).

É de conhecimento público que ela foi condenada à pena de 39 anos e 6 meses de prisão, a ser cumprida, inicialmente, no regime fechado.

Desde 2002 — primeiro, preventivamente, e, depois, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado —, Suzane está presa. Somente em 2015, 13 anos após o crime, foi concedida a progressão do regime fechado para o semiaberto, regime no qual ela permaneceu até o início do ano de 2023.

Tanto a progressão do regime fechado para o semiaberto, quanto do semiaberto para o aberto, ocorreu em virtude do cumprimento do lapso temporal previsto pela legislação processual penal e pelo chamado bom comportamento carcerário.

Essa possibilidade de progressão de regime, baseada no comportamento e no lapso temporal, é um reflexo da aplicação do princípio da individualização da pena na execução penal. Nas palavras de Thiago Cabral:

"O comportamento do sentenciado, destarte, é o reflexo de sua personalidade e, assim, da sua individualidade, o qual serve de parâmetro à individualização da sanção penal no curso de seu cumprimento" [1],

E, apesar de juridicamente correta, a decisão prolatada pela 2ª Vara de Execuções Criminais de Taubaté causou espanto em uma parcela da sociedade.

Isso pode ser explicado, em parte, pelo desconhecimento da Lei de Execução Penal (Lei Federal n° 8.072/1990), que estabelece que a execução penal deve ser regida pelo princípio da progressividade no cumprimento da pena. Sempre que possível, haverá a progressão do regime mais para o menos gravoso.

Ademais, sobre o sistema progressivo, a exposição de motivos da Lei de Execução Penal argumenta que "[...] o processo de execução deve ser dinâmico, sujeito a mutações". "As mudanças no itinerário da execução consistem na transferência do condenado de regime mais rigoroso para outro menos rigoroso (progressão) ou de regime menos rigoroso para outro mais rigoroso (regressão)."

Ainda sobre a progressão e individualização da pena, Guilherme Nucci pontua que:

"Todos esses benefícios [progressão de regime, indulto, liberdade
condicional etc.] constituem a individualização executória da pena, que
depende do comportamento individual de cada sentenciado. Merecendo, progride; desmerecendo, permanece em regime mais severo 
[2]."

Destaque-se ainda que o sistema progressivo é essencial para a reinserção do apenado em sociedade. Nesse sentido, é a lição de Salo de Carvalho:

"O sistema progressivo, baseado na ideia de mérito do condenado, foi eleito em 1984, como instrumento hábil para atingir a finalidade de reinserção social. Típico dos modelos estatais intervencionistas, o escopo ressocializador legitimou a ação dos aparelhos punitivos para avaliação e formatação da identidade do preso. Assim, o condenado ressocializado, no discurso da LEP, era aquele adequado às regras do estabelecimento carcerário e ao programa individualizador, ou seja, o sujeito disciplinado e ordeiro que se submetia e respondia satisfatoriamente ao tratamento penal" [3].

De fato, a própria exposição de motivos da Lei de Execução Penal (Lei Federal n° 8.072/1990) preceitua que a referida legislação se baseou na ideia de que a pena tem a finalidade da reinserção social:

"14. Sem questionar profundamente a grande temática das finalidades da pena, curva-se o Projeto, na esteira das concepções menos sujeitas à polêmica doutrinária, ao princípio de que as penas e medidas de segurança devem realizar a proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor à comunidade".

Desse modo, embora se compreenda o desejo de uma parcela da sociedade brasileira para que Suzane permanecesse mais tempo no cárcere, é fundamental ter em mente que a nossa legislação estabelece regras e limites relacionados ao cumprimento da pena, de modo que a decisão prolatada em janeiro de 2023, pela 2ª Vara de Execuções Criminais de Taubaté — que concedeu a possibilidade dela cumprir o restante de sua pena no regime aberto — é absolutamente legal e pautada pelos ditames da Lei de Execução Penal, seguindo, basicamente, os princípios da individualização da pena e da progressividade.


[1] CABRAL, Thiago Colnago. A valoração do exame criminológico e a progressão de regime: decisões de execução penal em Minas Gerais, Dissertação (Mestrado em Direito) — Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, 2018, p. 48.

[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007., p. 325.

[3] CARVALHO, Salo de. O papel da perícia psicológica na execução penalIn: GONÇALVES, Hebe Signorini; BRANDÃO, Eduardo Ponte (Orgs.). Psicologia jurídica no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2011, p. 183.

 


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

CASO A CASO

Crime hediondo não justifica adoção de regime fechado, decide Fachin.

9 de fevereiro de 2023, 21h11

Por José Higídio

Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal, a gravidade abstrata ou a hediondez do delito não devem levar, por si sós, à adoção do regime prisional mais pesado. O juízo deve justificar a sua decisão com base na singularidade do caso concreto.

Com base nesse entendimento, o ministro Edson Fachin, do STF, revogou a prisão preventiva de um homem condenado por tráfico de drogas e proibiu o Tribunal de Justiça de São Paulo de usar o caráter hediondo do crime como critério para estabelecer o regime fechado em julgamento de apelação.

O paciente havia recebido a pena de quatro anos e dez meses de prisão em regime fechado. A sentença levou em conta que o tráfico de drogas é equiparado aos crimes hediondos.

Fachin, porém, ressaltou que "a mera gravidade do crime não se revela argumento hígido a chancelar a imposição de regime mais gravoso", conforme determinam as Súmulas 718 e 719 do STF.

De acordo com o relator, o juízo de primeiro grau não justificou adequadamente a escolha do regime fechado, nem a manutenção da prisão preventiva.

Além disso, a sentença reconheceu a causa de diminuição de pena conhecida como tráfico privilegiado — que aplica quando o agente é primário, tem bons antecedentes, não se dedica a atividades criminosas e não integra organização criminosa.

O Supremo já decidiu que o tráfico privilegiado não é considerado hediondo. A jurisprudência da corte também barra a manutenção da prisão preventiva quando o regime de cumprimento de pena adequado não é o fechado.

A defesa foi feita pelos advogados Lucas Hernandes Lopes e Henrique Bassi da Silva.


HC 223.787

José Higídio é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 9 de fevereiro de 2023, 21h11