Histórico do delito de estupro no ordenamento jurídico brasileiro
Em virtude dos movimentos feministas, atualmente muito se discute a respeito dos direitos das mulheres e, por consequência, os crimes tipificados para protegê-las. A despeito da efetividade ou ausência desta, imprescindível analisar o histórico legislativo referente ao crime de estupro para refletir sobre os meios legais de proteção dos corpos femininos.
O presente artigo buscou analisar, a partir da metodologia de revisão bibliográfica, o histórico legislativo que garantiu uma maior proteção às vítimas, sendo que ao fim, realizou-se uma análise das perspectivas futuras de crimes ainda não tipificados, tendo em vista os novos meios de coação, além de uma avaliação no sistema do judiciário brasileiro no que tange à aplicação dos crimes já previstos em lei.
Em virtude desse fato, o texto trazia duas previsões a tal delito, uma delas consistia na pena de morte ao homem que se deitava com uma mulher virgem contra a sua vontade de forma violenta. Ressalta-se que apesar da pena ser a capital, isto é, o enforcamento, estamos diante de um contexto em que as penas consistiam em severidades muitas vezes maiores do que os próprios crimes e esse não era o caso da pena aos estupradores, uma vez que, na época, a pena da forca era considerada como uma pena comum (FERNANDES, 2013, p. 8-9).
No mais, as ordenações previam uma sanção mais benéfica ao estuprador que se casasse com a vítima ou, se assim não desejasse, estaria perdoado se pagasse um dote ao pai da vítima. Entretanto, destaca-se que essa possibilidade só era cabível quando as vítimas eram virgens ou viúvas honestas e se o estupro não resultasse em morte (JÚNIOR e XAVIER, 2020, p. 27).
No mais, a diferença ainda prevalecia no tratamento da "mulher honesta" e da "prostituta" ao analisarmos as penas impostas em que uma é seis vezes mais severa do que a outra. Portanto, resta mais do que evidenciado que o bem da vida a ser protegido nunca fora a dignidade sexual, mas sim a moralidade.
Por fim, é imperioso apontar que, ao contrário senso, quando se lê tais artigos, verifica-se que a mulher honesta não era aquela que deixava de ser prostituta, mas sim a que não tornava sua vida pública, ou seja, aquela que não laborava fora de seu lar, remanescendo assim, a integralidade de seu tempo em casa.
Frisa-se que o nome do título em que se encontravam os crimes sexuais passou a se denominar "Crimes Contra os Costumes", salientando o que já era evidenciado nos ordenamentos anteriores, isto é, que o objeto jurídico a ser protegido com tal tipificação era aquilo tido como moral para a sociedade e ao pátrio-poder, restando assim esclarecido que a mulher deveria submeter suas escolhas e confiar na proteção do que era tido como certo e errado por uma sociedade ainda muito influenciada pelo catolicismo (FERNANDES, 2013, p. 16).
Um dos artigos que merece ênfase é o artigo 1º, inciso III, que consagrou como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana.
Um outro exemplo de mudança significativa foi a promulgação da igualdade formal entre homens e mulheres que acarretou, entre outras coisas, na construção doutrinária e jurisprudencial da não aceitação da tese do débito conjugal que possuía origem no direito canônico (SCUSSEL, 2021).
Em suma, este dever legalizava, de certa forma, a ocorrência do estupro marital, ou seja, o estupro cometido dentro da sociedade conjugal. Salienta-se que a lei civil jamais previu que o sexo seria uma obrigação, todavia, previa que o descumprimento de um dos deveres do casamento poderia embasar um pedido de anulação ou de divórcio, algo que era extremamente malvisto para as mulheres naquela época (ARAÚJO, 2020, p. 87).
Além disso, foi retirado o termo "mulher honesta" do Código Penal, assim, restou garantida uma equiparação formal no modo de tratamento entre as vítimas, entretanto, tal diferenciação ainda ocorre de forma implícita.
Por fim, destaca-se que com esta lei também foi revogada a tipificação de alguns tipos penais, como por exemplo, os polêmicos crimes de sedução (artigo 217) e rapto (artigos 219 e 222) (CRUZ, 2016).
Outras mudanças que merecem destaque consistem na alteração da natureza da ação penal do delito de estupro que, anteriormente, era de ação penal privada, isto é, o Ministério Público participava como mero custos legis. Com a vigência da referida lei, o crime passou a ser de ação penal pública condicionada a representação, portanto, o Ministério Público ofereceria denúncia se a vítima assim desejasse, no prazo decadencial de seis meses, a partir do conhecimento da autoria do fato.
Porém, desde 1984, o Supremo Tribunal Federal havia editado a Súmula 608, em que afirmava que na hipótese de o estupro resultar em violência real, a ação pública seria incondicionada.
Ademais, foi introduzido o crime de violência sexual mediante fraude, prevista no artigo 215 do Código Penal. Com o propósito de punir aqueles que enganavam as vítimas, fazendo-as acreditar que se encontravam em uma situação que não se demonstrava verídica, a fim de que fosse consentida a prática sexual (GOMES, 2017).
Além disso, foi revogado o crime de atentado violento ao pudor, unificando os tipos penais em um só delito, ou seja, o crime de estupro. Assim, o sujeito passivo deixara de ser "mulher", passando-se a ser "alguém", portanto, esta lei trouxe a possibilidade de homens configurarem como vítimas em crimes sexuais.
Destaca-se a criação do tipo penal do estupro de vulnerável em que a vulnerabilidade era presumida quando o agressor, ainda que de forma consentida, mantivesse relações íntimas com menores de quatorze anos. Outrossim, também foi tipificada a conduta de manter relações sexuais com alguém que não possa vir a oferecer resistência, de forma temporária ou permanente, ao ato (JÚNIOR e XAVIER, 2020, p. 87).
No mais, a inserção do artigo 225 do Código Penal, tornou todos os crimes previstos no capítulo de ação pública incondicionada. Ressalta-se que há críticas a respeito dessa alteração na doutrina, pois existe uma posição que defende que, ao publicizar tais fatos, sem o consentimento da vítima, acarretaria um aumento no sofrimento dela. (JÚNIOR e XAVIER, 2020, p. 116).
Todavia, o estupro é um crime com um enorme índice de subnotificação, logo, há de se salientar a importância que tal alteração trouxe ao retirar o prazo que a vítima teria para decidir se desejava levar ao conhecimento das autoridades os fatos ou não. No mais, destaca-se que o artigo 234-B do Código Penal determina que os crimes sexuais devam tramitar em segredo de justiça.
No entanto, ainda impera na sociedade brasileiro valores morais que repercutem na psique dos operadores do direito, propagando a chamada violência institucional enviesada pela cultura do estupro. Logo, afirma-se que, embora a igualdade formal tenha sido instituída, ainda há prematuridade no que se refere à igualdade material, tanto entre os gêneros, quanto em relação às próprias mulheres, uma vez que algumas, em decorrência de seu comportamento social, recebem um tratamento mais acolhedor do que outras.
A despeito do Brasil ter evoluído juridicamente nas últimas décadas, deve-se levar em consideração a delonga, sempre presente, comparada ao direito alienígena e, em razão disso, averiguar as mudanças já ocorridas para entender o contexto social da época, a fim de aplicar novas mudanças no país. Ressalta-se que a violência simbólica de gênero remanesce presente, de forma velada ou não, no cotidiano do legislativo brasileiro, devendo esse cenário ser alterado de forma efetiva.
A sociedade muda, não apenas no aspecto social, como também no tecnológico, e, em razão disso, novas condutas são tipificadas e, algumas delas, causam resistência, tendo em vista que muitos indivíduos as consideram como desnecessárias, cita-se como exemplo o Projeto de Lei tramitando na Câmara dos Deputados, com o objetivo de punir aquele que retira o preservativo sem o consentimento da vítima, embora o ato sexual tenha sido consentido.
Tal fato ocorre, uma vez que, apesar das do conceito "mulher honesta" ter sido superado no texto legal, ainda há quem compreenda que o bem jurídico a ser tutelado em crimes como esse, é a moralidade e não a dignidade da pessoa humana.
Por essa razão, o estudo histórico é primordial para entendermos de onde viemos e projetarmos para onde vamos, agindo de forma militante e compreendendo a importância do movimento feminista em tais conquistas. Sempre possuindo em mente que tais previsões, que hoje causam repulsa em muitos, era aceita, logo, não se pode afirmar que as necessidades atuais são banais.
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