Supremo nega aborto de gêmeos siameses que não têm chance de sobreviver
13 de
outubro de 2022, 21h12
Não cabe Habeas Corpus em corte
superior se o tribunal de origem ainda não julgou o mérito do requerimento. Foi
com esse entendimento que a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal negou o pedido
de uma mulher do Rio Grande do Sul que busca interromper a gravidez de gêmeos
siameses que não têm chance de sobreviver ao parto. O colegiado considerou que
o mérito do caso não foi apreciado pelas instâncias inferiores e que o
conhecimento do HC caracterizaria dupla supressão de instância.
A gestante está no quinto mês de
gravidez. Os bebês têm malformação e não têm chance de vida extrauterina. E ela
alega haver risco de morte em caso da manutenção da gestação.
A Defensoria Pública do Rio Grande do
Sul sustenta que "embora a condição de gêmeos siameses não autorize, por
si só, a interrupção da gravidez, a hipótese assemelha-se aos casos de aborto
de fetos com anencefalia" — que já foi permitido pelo STF na ADPF 54.
De acordo com os autos, o juízo de
primeiro grau indeferiu o pedido de interrupção da gravidez. Por isso, a
gestante impetrou Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
que não foi conhecido em decisão monocrática. Posteriormente, o caso foi levado
ao Superior Tribuna de Justiça, onde o HC foi negado monocraticamente pelo
ministro Jorge Mussi, que considerou que "não houve o necessário
exaurimento da instância antecedente".
Em seguida, o caso foi levado ao STF,
sob relatoria de André Mendonça. Também em decisão monocrática, o relator negou
seguimento ao Habeas Corpus. Com o ajuizamento de agravo regimental, o caso foi
levado para análise da 2ª Turma.
Voto do relator
De acordo com André Mendonça, a parte
recorrente não trouxe argumentos suficientes para modificar a decisão agravada.
"O presente Habeas Corpus
volta-se contra decisão individual de Ministro do Superior Tribunal de Justiça.
Inexistindo pronunciamento colegiado do STJ, não compete ao Supremo Tribunal
Federal examinar a questão de direito versada na impetração. O caso, portanto,
é de Habeas Corpus substitutivo de agravo regimental, cabível na origem",
argumentou Mendonça.
O relator reiterou que a escolha errada
da via processual impossibilita a apreciação da demanda. "Verificada a
inadequação da via eleita, da análise das peças que instruíram a impetração e
pela reiteração dos argumentos trazidos neste recurso, no entanto, em que pesem
os contornos relevantes do presente caso, bem assim sua sensibilidade e
peculiaridades, não vislumbro coação ilegal a autorizar a prestação
jurisdicional pretendida."
Por fim, Mendonça argumentou que,
como o mérito não foi apreciado, não há como auferir a probabilidade de sobrevivência
dos gêmeos e, desse modo, estaria o Judiciário em vias de cometer um crime.
O relator foi acompanhado pelo
ministro Nunes Marques, que destacou que "considerando que as alegações da
paciente, ora agravante, sequer tiveram o mérito apreciado pelo Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e pelo Superior Tribunal de Justiça, o
conhecimento originário da matéria pelo Supremo Tribunal Federal
caracterizaria, na espécie, dupla supressão de instância".
Os ministros Ricardo Lewandowski e
Gilmar Mendes acompanharam Mendonça com ressalvas, no sentido de determinar que
o agravo interposto perante o STJ seja julgado na primeira sessão subsequente à
comunicação do resultado desse julgamento.
Divergência
O ministro Luiz Edson Fachin foi o único a divergir. Para ele, não cabe ao STF
criar um rol de doenças, situações limítrofes e riscos à saúde de fetos e
gestantes, "julgando ações abstratas sobre todas elas, pois, antes e acima
de tudo, a corte estabeleceu definição constitucional atinente à laicidade,
dignidade humana, autodeterminação e saúde das mulheres no país".
"Com esteio nesses fundamentos e
nas circunstâncias fáticas especiais aqui delineadas, ao analisar a ratio
decidendi da ADPF nº 54, considero que esta alberga a pretensão
da parte impetrante e que tutela, in casu, a interrupção
terapêutica da gestação, necessária para que seja resguardada a vida e a
dignidade da paciente."
Por fim, Fachin destacou que, no caso
em análise, a vida da gestante corre risco em face das barreiras processuais.
"Registro, por derradeiro, que a
paciente procurou o sistema de Justiça não apenas pela inviabilidade da vida
extrauterina do feto que carrega, mas, sobretudo para que, em exercício de
defesa da sua própria vida, ora sob grave risco, não venha sofrer criminalização,
persecução penal e dificuldades para obter assistência médica. A preponderância
de questões e barreiras processuais, nesse cenário, possui carga
simbólica capaz de gerar uma segunda vitimização de quem, pelas próprias
circunstâncias, acha-se em profunda vulnerabilidade e sofrimento."
HC 220.431
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