quinta-feira, 22 de setembro de 2022

FRAUDE COM BITCOINS

STJ vê possível estelionato em grupo acusado de explorar pirâmide financeira

21 de setembro de 2022, 19h47

 

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve a ação penal por crime contra a economia popular e por estelionato contra um grupo acusado de operar esquema de pirâmide financeira envolvendo investimentos em criptomoedas. O grupo responde também por lavagem de dinheiro e associação criminosa. 

Ao dar provimento parcial ao recurso em Habeas Corpus de um dos acusados (decisão estendida aos corréus), a turma apenas afastou a imputação de estelionato pelos prejuízos genéricos causados a um número indeterminado de vítimas cooptadas por meio da internet – ainda que algumas delas tenham sido identificadas.

Seguindo o voto do relator, ministro Ribeiro Dantas, o colegiado entendeu que a denúncia baseada em acusações genéricas de cooptação de vítimas pela internet não caracteriza delitos autônomos de estelionato. A decisão tem como objetivo evitar a dupla punição dos réus pelo mesmo fato (princípio do non bis in idem).

De acordo com o processo, o grupo acusado utilizava uma plataforma eletrônica, chamada Vik Traders, para atrair investidores com a promessa de ganhos acima da média, por meio de compra e venda de criptomoedas. Eles disponibilizavam alguns resgates iniciais, mas logo as vítimas deixavam de receber os valores investidos.

Também era simulada uma operação de marketing multinível, vinculando a participação no negócio à atração de novos investidores.

O Ministério Público acusou o grupo de crime contra a economia popular (artigo 2º, IX, da Lei 1.521/1951) e também de estelionato (artigo 171, caput, do Código Penal), pois houve vítimas identificadas, com seus prejuízos individualizados, e algumas foram abordadas por aliciadores.

A defesa impetrou habeas corpus pleiteando o trancamento da ação penal em relação a todas as denúncias de estelionato, sob o argumento da ocorrência de bis in idem, mas o pedido foi indeferido. No recurso dirigido ao STJ, a defesa insistiu que a dupla acusação decorreria do mesmo fato.

O ministro Ribeiro Dantas afirmou que, enquanto o crime contra a economia popular visa a obtenção de ganhos ilícitos em detrimento de pessoas indeterminadas, o de estelionato é dirigido contra o patrimônio individual.

Conforme o ministro, a identificação das pessoas lesadas de forma genérica e dos prejuízos que elas sofreram pode vir a ser importante para a avaliação da pena-base em caso de condenação, mas essa especificação de vítimas "não deve caracterizar infração penal autônoma, sob pena de dupla punição dos réus pelos mesmos fatos".

Dantas destacou o entendimento da 3ª Seção, segundo o qual, no crime contra a economia popular, o objetivo não é enganar vítimas determinadas, mas qualquer um que demonstre interesse no negócio oferecido. Ele também mencionou julgado recente em que a 6ª Turma estabeleceu que a mera identificação das vítimas no crime contra a economia popular não autoriza a responsabilização do agente pela prática simultânea de estelionato. 

O ministro observou ainda que, para a imputação do estelionato, é necessário que a fraude seja contra o patrimônio de vítima determinada, diretamente induzida em erro.

Analisando as informações do processo, Ribeiro Dantas constatou que algumas vítimas, em vez de serem simplesmente atraídas ao esquema fraudulento pelo site que prometia ganhos irreais, foram induzidas pessoalmente a entrar na pirâmide financeira por intermediadores que agiam em nome da empresa investigada, que as convenceram a adquirir pacotes de criptomoedas.

"Paralelamente ao ato voltado contra o público em geral (site para angariar vítimas), verificam-se condutas autônomas de aliciadores voltadas contra o patrimônio particular de vítimas específicas", apontou o ministro ao reconhecer a possibilidade, em tese, do concurso de crimes entre o delito contra a economia popular e o estelionato. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.


RHC 161.635

PALAVRAS AO VENTO

Assunção de culpa em ANPP não basta para embasar condenação de corréu

21 de setembro de 2022, 18h04

Por Danilo Vital

A assunção extrajudicial de culpa no acordo de não persecução penal (ANPP) não tem capacidade probatória para, por si só, levar à condenação. Para isso, é imprescindível sua reprodução em juízo, durante a ação penal, e a constatação de sua coerência com provas judicializadas, submetidas ao contraditório.

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem em Habeas Corpus para absolver José Francisco Martha, o Zé da Doca, da condenação a dois anos, três meses e seis dias de reclusão, em regime inicial aberto, pelo crime de falsidade ideológica em continuidade delitiva.

Segundo a denúncia, enquanto era prefeito de São Sebastião da Grama (SP), ele e outras pessoas participaram de aquisições de notas fiscais falsas para justificar adiantamentos de valores de viagens com o propósito de "acertar o caixa".

Na fase extrajudicial, alguns dos suspeitos assinaram um termo de acordo de não persecução penal, que oferece ao acusado de um crime a possibilidade de evitar o processo penal mediante reparação de danos, prestação de serviços comunitários e outras medidas menos gravosas.

Um dos requisitos para fazer jus ao ANPP é confessar o ilícito. As informações fornecidas por esses suspeitos foram, então, usadas pela acusação como prova do envolvimento do prefeito no crime, mas esses elementos extrajudiciais não foram reproduzidos na fase processual, ao longo da instrução criminal

Relator no STJ, o ministro Rogerio Schietti afirmou que as declarações feitas na fase extrajudicial não têm standard probatório para, exclusivamente, levar à condenação. "Seja qual for a sua clareza, deve ser confrontada com outros elementos que possam confirmá-la ou contraditá-la, durante a instrução criminal."

De acordo com o ministro, se o suspeito que celebra ANPP não pode ter suas declarações usadas contra si na seara criminal (ao menos enquanto não descumprir os termos do acordo), então essa prova também não deve servir para subsidiar a condenação de outros réus.

"A verdade judicial traduzida na sentença precisa ser uma verdade processual. Para que a declaração do celebrante do ANPP possa respaldar o decreto condenatório, é imprescindível sua reprodução em juízo, durante a ação penal, e a constatação de sua coerência com provas judicializadas, submetidas ao contraditório, de forma a conferir ao réu o direito fundamental de efetiva participação na formação da decisão judicial, em dualidade com o Ministério Público." A votação foi unânime.

REsp 756.907

Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 21 de setembro de 2022, 18h04

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

 

Discricionariedade por meio do bis in idem para concessão do tráfico privilegiado

Por 

O entendimento sedimentado, há muito, na Suprema Corte, é claro: se o agente é primário, tem bons antecedentes, não integra organização criminosa e não se dedica a atividade ilícita, deve ser reconhecido o tráfico privilegiado.

O tema foi objeto de julgamento pelo pleno do STF, no ARE 666.334/AM, em 2014, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, sob análise de matéria com repercussão geral, afirmando a jurisprudência de que "as circunstâncias da natureza e da quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração apenas em uma das fases do cálculo da pena", sob pena de incidência do bis in idem.

De qual a fase que deve ser considerada para o cálculo, encontra-se no artigo 42, da Lei 11.343/2006, que determina: "o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente". Portanto, há explícita determinação de que é na primeira fase a determinação individualizada da pena-base por conta de apreensões de grandes quantidades de entorpecentes.

Assim, das apreensões de cargas significativas, na primeira fase da dosimetria da pena, o magistrado deve considerar a quantidade e a natureza do entorpecente, determinando fundamentadamente a pena-base acima do mínimo, se assim o entender. Já, na terceira fase, onde se analisa o benefício do tráfico privilegiado, artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, a sua denegação deve ser fundamentadamente justificada visto tratar-se de um benefício concedido em lei que integra o direito subjetivo dos acusados.

A questão é que nunca tal determinação prevaleceu nos juízos e tribunais Brasil afora, e a ocorrência do bis in idem é a prática natural e predominante em busca de uma ampla discricionariedade judicial no imperativo da individualização da pena (mais severas, óbvio), mesmo perante a própria lei e a jurisprudência das altas cortes.

Por exemplo, neste caso revertido, Habeas Corpus 207.501/SP, apresenta-se o entendimento de que "a quantidade e natureza da droga são circunstâncias que, apesar de configurarem elementos determinantes na modulação da causa de diminuição de pena, por si sós, não são aptos a comprovar o envolvimento com o crime organizado ou a dedicação à atividade criminosa, devendo o juízo condenatório obter outros elementos hábeis a embasar tal afirmativa" [1]. Tais decisões vão de encontro à doutrina, em que "a habitualidade ou o pertencimento à organizações criminosas deverão ser comprovados, não valendo a simples presunção. Não havendo prova nesse sentido, o condenado fará jus à redução de pena" [2].

Isso é simples decorrência do ônus da prova: cabe à parte acusadora provar, com elementos corroborativos de prova, o descabimento do benefício. Da simples constatação da grande quantidade da carga, inferir que trata-se de uma organização criminosa, sem a apresentação de outros elementos no curso processual, constata-se um bis in idem exposto; pelo fato que tal circunstância judicial, encontra-se na primeira fase da dosimetria utilizado para individualizar a pena-base, por ordem da previsão legal do artigo 42, da referida lei.

A questão ora debatida é se, pode o julgador aplicar fração de redução menor (entre ⅔ a ⅙) quando a quantidade de drogas apreendida é significativamente grande. Ou seja, pode o julgador modular a fração de redução com base na quantidade das drogas? Caso a quantidade e natureza da droga tenham sido utilizadas na primeira fase da dosimetria, deve-se admitir, na terceira fase, sua utilização para modular a fração de redução, ainda que sejam os únicos elementos aferidos? Não seria obviamente apenas outro bis in idem?

Decisões do STF, como o Habeas Corpus 207.501/SP, "primariedade, bons antecedentes, não integração criminosa ou dedicação às atividades criminosas são condicionantes da incidência da causa de diminuição de pena, não elementos determinantes de sua modulação"; como o voto do eminente ministro João Otávio Noronha, no Habeas Corpus nº 725.534-SP (2022/0051301-0), "a redução da pena não é faculdade do juiz, mas direito subjetivo do agente que preencha os requisitos do § 4º do art. 33" [3], apontam para essa direção. Porém, há, como natural, pluralidade de direcionamentos decisórios.

Primeiro, no Habeas Corpus 207.501/SP, e RHC 192.643 AgR, ambos de 2021, e ambos de relatoria do ministro Gilmar Mendes, adota-se um entendimento quanto ao bis in idem, porém, determina ao juízo de origem que refaça a dosimetria com a aplicação do redutor previsto no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, em fração a ser motivadamente determinada.

"Assim, a quantidade e natureza da droga são circunstâncias que, apesar de configurarem elementos determinantes na modulação da causa de diminuição de pena, por si sós, não são aptas a comprovar o envolvimento com o crime organizado ou a dedicação à atividade criminosa, devendo o juízo condenatório obter outros elementos hábeis a embasar tal afirmativa.
[...] Ante o exposto, com fundamento no art. 192 do RI/STF, concedo a ordem para determinar ao juízo de origem que proceda à nova dosimetria da pena imposta ao paciente e aplique a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 em patamar a ser fixado motivadamente." (Habeas Corpus 207.501/SP, relator: Gilmar Mendes, julgado em 20/10/2021).

E o seguinte:

"Agravo regimental no recurso ordinário em habeas corpus. 2. Penal e processual penal. 3. Tráfico de drogas. 4. Dosimetria e redutor por tráfico privilegiado. Quantidade e natureza da droga são circunstâncias que, apesar de configurarem elementos determinantes na modulação da causa de diminuição de pena, por si sós, não são aptas a comprovar o envolvimento com o crime organizado ou a dedicação à atividade criminosa. Precedentes. Ordem concedida para determinar ao Juízo de origem que refaça a dosimetria com a aplicação do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, em fração a ser motivadamente determinada. 5. Argumentos incapazes de infirmar os fundamentos da decisão agravada. 6. Agravo regimental improvido." (RHC 192.643 AgR, relator: Gilmar Mendes, 2ª Turma, julgado em 24/5/2021, publicado 27/5/2021).

A fração a ser motivadamente determinada, por óbvio, encontra-se dentro dos parâmetros de determinação, do mais benéfico, descendendo, em ordem, para o menos benéfico, justificada pela determinação de outros elementos ou circunstâncias judiciais, que seriam prejudiciais ao réu. Assim, a lógica é, não havendo nenhum, ou sendo a "grande quantidade de drogas" a única circunstância judicial disponível ao caso, justificada a fração maior.

No STJ, na decisão do EResp 1.887.511/SP, de relatoria do ministro João Otávio de Noronha (9/6/2021), formulou-se no seu bojo as seguintes diretrizes para a aplicação do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, na forma de sua modulação:

"1 - a natureza e a quantidade das drogas apreendidas são fatores a serem necessariamente considerados na fixação da pena-base, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006.
2 - Sua utilização supletiva na terceira fase da dosimetria da pena, para afastamento da diminuição de pena prevista no § 3º do art. 33 da Lei n. 11.343/2016, somente pode ocorrer quando esse vetor conjugado com outras circunstâncias do caso concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou a integração a organização criminosa.
3 - Podem ser utilizadas para modulação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 quaisquer circunstâncias judiciais não preponderantes, previstas no art. 59 do Código Penal, desde que não utilizadas na primeira etapa, para fixação da pena-base."

Portanto, o modelo para a modulação da fração nos casos de grande apreensão, seria: a natureza e a quantidade de drogas aprendidas devem ser "necessariamente consideradas na fixação da pena-base", e podem ser utilizadas quaisquer outras circunstâncias judiciais não preponderante — as do artigo 59, CP — desde que não utilizadas na primeira etapa da dosimetria. Assim, à míngua de outras circunstâncias do caso concreto aptas a indicar a dedicação do acusado a atividades criminosas, o emprego isolado dos citados elementos — grande quantidade de entorpecente — não é idôneo para afastar ou modular aquela benesse. Aplica-se o benefício em sua forma majorada.

Deste estado de coisas, a divergência abre-se, ao exemplo de um julgado recente, Habeas Corpus nº 725.534-SP: neste, primeiro, o entendimento do ministro Ribeiro Dantas, que afasta-se, declaradamente, da proposta do uso apenas supletivo da quantidade e da natureza da droga na terceira fase da dosimetria, no intuito de não abaixar em demasia a imposição de pena na 3ª fase, buscando, assim, justificar a modulação na fração mínima prevista no § 4º do artigo 33, de 1/6, com o emprego isolado dos citados elementos — natureza e quantidade de drogas — para modular o benefício no mínimo possível. O ministro aponta a necessidade de maior repressão para casos com maior gravidade.

"Sob tal contexto, proponho mantermos o entendimento anterior desta Corte, acolhido em repercussão geral pelo STF, no julgamento do ARE 666.334/AM, sobre a possibilidade de valoração da quantidade e da natureza da droga apreendida, tanto para a fixação da pena-base quanto para a modulação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 — neste último caso ainda que sejam os únicos elementos aferidos —, desde que não tenha sido considerada na primeira fase do cálculo da pena."

No voto do ministro João Otávio Noronha, este aponta sua dissidência à proposta, tendo em vista que o REsp nº 1.887.511/SP, fixou o entendimento que, nos crimes de tráfico, na primeira etapa da dosimetria da pena, deve-se necessariamente considerar o elemento preponderante "natureza e quantidade do entorpecente apreendido" para fixação da pena-base, dado o princípio da especialidade, sendo assim, “preponderante, não deveria ser reservada para outras fases da dosimetria, onde o legislador não tenha previsto, de forma específica, sua utilização"[4].

Para o caso, o ministro concede a ordem de ofício, para fazer incidir a causa de diminuição da pena em favor do paciente, nos termos do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, porém na fração máxima de redução, 2/3, com a consequente alteração do regime inicial.

O ministro justifica que "a consideração desses vetores na primeira fase da dosimetria (e não na terceira) se traduz, normalmente, como mais benéfica ao acusado"; e que "o legislador poderia ter previsto uma agravante ou majorante para a conduta de tráfico de grande quantidade, porém não o fez" [5]; dessa forma, há preponderância do artigo 42 da Lei nº 11.343/2006, determinando que essa circunstância seja valorada na primeira fase da dosimetria, com primazia em relação às demais circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP.

Do papel do judiciário de garantidor dos direitos individuais, e da irracionalidade do papel do judiciário na guerra contra as drogas, justifica pelo que o tráfico privilegiado é instituto criado para beneficiar aquele que ainda não se encontra mergulhado nessa atividade ilícita, independentemente do tipo ou do volume de drogas apreendidas, ou mais que apropriadamente, não haja mitigações modulações através de ilações, presunções.

Tal entendimento encontra-se melhor amparado pelos precedentes do STF; como parâmetro para sedimentar o entendimento no STJ; e, sem maiores dúvidas, perante a doutrina e a própria lei.

Há, ainda, julgados que se encontram em um meio termo entre esses posicionamentos, que poderiam ser a justa medida para o caso recorrido, HC 177.766 AgR, relatora: Rosa Weber, que aplica a causa de diminuição em ¼; mas que se encaixam nos entendimentos favoráveis à ampla margem de discricionariedade judicial.; como do entendimento do ministro Ribeiro Dantas, no Habeas Corpus nº 725.534-SP, afastando-se da proposta do uso apenas supletivo da quantidade e da natureza da droga na terceira fase da dosimetria, e assim possibilitando justificar a modulação na fração mínima prevista no § 4º do artigo 33, de 1/6, com o emprego isolado dos citados elementos para modular o benefício no mínimo possível, o que se transfigura, claramente, no bis in idem.


[1] Habeas Corpus 207.501/São Paulo, min. rel. Gilmar Mendes, 20/10/2021, p. 08.

[2] QUEIROZ, Paulo; LOPES, Marcus. Comentários à Lei de Drogas. 2016. p. 50.

[3] Habeas Corpus nº 725534 - SP (2022/0051301-0), min. rel. Ribeiro Dantas, p. 15.

[4] Habeas Corpus nº 725534 - SP (2022/0051301-0), min. rel. Ribeiro Dantas, p. 16.

[5] Habeas Corpus nº 725534 - SP (2022/0051301-0), min. rel. Ribeiro Dantas, p. 17.

 

TJ-RJ mantém prisão preventiva de acusados de matar Marielle Franco

Por 

A rejeição de recurso da defesa de Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz e a manutenção da prisão preventiva dos acusados de matar a vereadora Marielle Franco (Psol) e o motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018, pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, são decorrentes de "sucessivos recursos" impetrados pela defesa dos acusados, que está provocando a demora na tramitação do caso. 

Marcelo Freixo   
Lessa e Queiroz são acusados, entre outros crimes, de terem assassinado Marielle

Em seu despacho, o juiz Gustavo Gomes Kalil, da 4ª Vara Criminal do TJ-RJ, diz ainda que a defesa de Lessa e Queiroz deve "arcar com o ônus da demora" não causada pelo Poder Judiciário e que há insurgência defensiva.

"Na forma do art. 316 parágrafo único do CPP, mantenho, por ora, as prisões preventivas com base nos fundamentos já lançados na sentença de pronúncia (pasta 6167), destacando que a demora na prestação jurisdicional se dá por iniciativa da Defesa que interpôs sucessivos recursos em face da decisão de pronúncia, devendo arcar com o ônus da demora, não causada pela máquina judiciária.  Ademais, embora a pronúncia esteja preclusa, com exame, inclusive, dos Tribunais Superiores, ambas partes, inclusive a Defesa (fls. 7044/7048) requereram diligências de forma preliminar ao art. 422 do CPP, assumindo, assim, o ônus de uma demora ainda maior", é o quinto ponto do despacho do juiz.

Entre as causas que atrasam o processo estão, conforme o despacho, informações solicitadas pela defesa em relação às câmeras de vídeo da CET-Rio de uma empresa particular localizada no trajeto percorrido pelo veículo em que estava a vereadora assassinada, denúncias registradas pelo Disque-Denúncia, entre outros dados.

"Quanto à insurgência defensiva no que se refere à extração de dados (último parágrafo de fls. 7048), com as devidas vênias, não lhe assiste razão, pois, como pontuou o MP, não se trata de perícia e sim de mera extração de dados, mediante autorização judicial. Rejeito, pois, a insurgência defensiva".

Numa tentativa de fazer a ação penal tramitar sem percalços e com maior velocidade, Kalil determinou prazo de até dez dias para que a defesa dos acusados responda aos ofícios, respondendo às ordens judiciais. "Caso algum ofício não venha a ser respondido em até 10 (dez) dias, expeça-se MBA independente de nova ordem, imprimindo-se a celeridade necessária a uma ação penal de réus presos", afirmou.

Lessa, policial reformado, e Queiroz estão presos preventivamente aguardando agendamento de um júri popular. Ambos são acusados de duplo homicídio triplamente qualificados, tentativa de homicídios e receptação.

Outras negativas
A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em agosto passado, já havia negado pedido da defesa para fazer a suspensão do júri popular. Cerca de 70 dias antes, a ministra Rosa Weber também havia negado um Habeas Corpus solicitado por Lessa para suspender a realização do júri.

O Superior Tribunal de Justiça também havia negado recurso do policial reformado onde fora pedido que se concedesse sua absolvição sumária ou que o caso fosse impedido de passar por julgamento pelo Tribunal do Júri. A 4ª Vara Criminal do TJ-RJ decidiu submeter Lessa ao Tribunal do Júri em março de 2020.

Processo 0072026-61.2018.8.19.0001

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

 LIVROU A CARA

Juíza absolve homem da acusação de estupro de sua ex-namorada de 13 anos

13 de setembro de 2022, 8h23

Por José Higídio

Sem prova da tipicidade material da conduta, o 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e Vara de Crimes contra Crianças, Adolescentes e Idosos de Londrina (PR) absolveu um homem de uma acusação de estupro de vulnerável que envolvia sua ex-namorada menor de idade.

Mesmo assim, o réu foi condenado ao total de um ano e nove meses de prisão em regime aberto por violência doméstica e lesão corporal, após agredir a antiga companheira e a irmã da garota com uma tesoura.

O réu tinha 22 anos quando começou a se relacionar com a menina de 13, que engravidou. Ela contou que, após o nascimento do filho, eles passaram a brigar muito e tiveram alguns episódios de violência.

Em um deles, o réu foi até a residência da garota, iniciou uma discussão e a ameaçou com uma tesoura. A irmã da menor tentou intervir para contê-lo e ele acabou machucando-as com o objeto, principalmente na região das mãos.

Inicialmente, o Ministério Público alegou que o filho seria fruto de um estupro. O homem foi denunciado por estupro de vulnerável, lesão corporal, ameaças, perturbação da tranquilidade e violação de domicílio.

Mais tarde, foi reconhecida a prescrição com relação aos últimos três delitos. Por fim, o MP pediu a absolvição pela acusação de estupro.

A juíza Claudia Andrea Bertolla Alves considerou que "a materialidade e a autoria do crime de estupro de vulnerável não restaram devidamente comprovadas".

Embora o réu tenha mantido relações sexuais com a uma garota de 13 anos, a magistrada não vislumbrou que ele teria "praticado qualquer conduta reprovável, causando lesão ou perigo à vítima".

A garota, sua irmã e sua mãe afirmaram em juízo que havia um relacionamento amoroso, que ele frequentava a casa da namorada e que os dois chegaram a morar juntos por certo período. O homem confirmou tal versão e afirmou que inicialmente não sabia da idade real de sua companheira.

A magistrada apontou que a garota e as demais testemunhas "em nenhum momento afirmaram que o réu teria agredido a vítima para com ela manter relações sexuais ou atos libidinosos diversos". Por isso, determinou a absolvição.

Por outro lado, as vítimas confirmaram as agressões sofridas com a tesoura e o réu confessou a conduta. "As versões contidas dos autos estão todas em consonância", assinalou Claudia ao estabelecer as condenações.

O advogado Jessé Conrado, que representou o réu, afirma que, "no caso concreto, não se constatou ofensa ao bem jurídico da dignidade sexual, uma vez que a própria vítima admitiu que todas as relações se deram de forma consensual e, em determinado momento, apoiadas e normalizadas pela família".

Processo 0048051-52.2018.8.16.0014

 

 PARA USO PRÓPRIO, PODE

Turma recursal declara inconstitucional artigo sobre porte de droga

13 de setembro de 2022, 18h05

Por Eduardo Velozo Fuccia

A 1ª Turma Recursal Criminal de Santos declarou de ofício e incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006 (porte de droga para uso próprio) e absolveu um jovem detido com 16 gramas de maconha com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (não constituir o fato infração penal). 

"A criminalização da conduta de portar droga para uso próprio, além de violar a autonomia e a autodeterminação do indivíduo, decorrências lógicas da dignidade humana, equivaleria a criminalizar a própria vítima", justificou o juiz Gustavo Henrichs Favero, relator da apelação.

Os magistrados Wilson Julio Zanluqui e Orlando Gonçalves de Castro Neto seguiram o relator. Nas 20 laudas de seu voto, Favero defendeu o seu entendimento quanto a atipicidade da posse e do porte de entorpecentes para consumo próprio, rechaçando argumentos de quem sustenta o contrário.

Segundo o relator, a conduta atribuída ao usuário carece de tipicidade material porque, "ao contrário do que se difunde, o bem jurídico tutelado pelo artigo 28 da Lei 11.343/06 é a ‘integridade física’ e não a ‘incolumidade pública’, diante da ausência de transcendência da conduta".

Favero citou os artigos 3º, inciso I, e 5º, inciso X, que estabelecem como direito fundamental a liberdade da vida privada, bem como a impossibilidade de penalização da autolesão sem efeitos a terceiros. "Daí a razão pela qual não se pune criminalmente qualquer outra forma de autolesão, sendo exemplo clássico o suicídio tentado".

O autor do voto também afastou a alegação da corrente que defende a criminalização da conduta descrita no artigo 28, segundo a qual o consumidor de drogas financia o tráfico. "O usuário de drogas não tem qualquer controle sobre o comportamento do traficante", destacou Favero.

Conforme o acórdão, punir o dependente ou consumidor eventual com a justificativa de combater o tráfico seria responsabilizá-lo pelo ato do verdadeiro culpado pela violação à saúde pública, no caso, o traficante. "Uma punição fundada na incapacidade do Estado de controlar o verdadeiro comportamento danoso", frisou a decisão.

Discriminação
O uso da lei "para impor uma forma de pensamento" foi criticado pelo relator, porque a legislação não pune a autolesão ou o consumo de drogas, exceto se tais condutas atinjam ou possam atingir terceiros, como nos casos de mutilação para fraudar seguro ou de direção de veículo automotor sob efeito de álcool em concentração acima do permitido.

"O Estado só age para evitar que a conduta de uma pessoa interfira na vida de outra, garantindo o exercício harmônico das liberdades humanas. [...] É arbitrária, portanto, a punição de alguém que apenas desejou ingerir algo, causando mal unicamente a si próprio", concluiu Favero.

Com a ressalva de que não se trata de apologia ou sequer aprovação ao uso de drogas, o acórdão classificou de inadmissível a marginalização de pessoas em razão de hábitos condenados por "parte" da população. Mencionou ainda o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, que veda todas as formas de discriminação.

Por fim, segundo a decisão, por ser o Direito Penal a última ratio do controle social, destinado aos comportamentos mais graves, ele não pode ser usado para coibir comportamentos praticados na esfera íntima do indivíduo, sob pena de atentar contra a dignidade humana, a pluralidade, a intimidade e a isonomia previstas na Constituição.

Sem bagatela


No caso concreto, policiais civis surpreenderam um jovem de 28 anos com um pequeno tablete de maconha. A abordagem ocorreu em Guarujá, no dia 18 dezembro de 2019, e rapaz alegou que o entorpecente seria para o seu uso. O Ministério Público pediu a condenação pelo crime descrito no artigo 28 da Lei de Drogas.

O juiz Alexandre das Neves, do Juizado Especial Criminal de Guarujá, condenou o réu à pena de prestação de serviços à comunidade por três meses. Ele afastou a hipótese de delito de bagatela, sob o fundamento de que a pequena quantidade de maconha apenas serve para afastar o tráfico, e não como excludente de ilicitude ou culpabilidade.

A sentença foi dada em 29 de novembro de 2021. A defesa apelou para pedir a absolvição e, subsidiariamente, a imposição de pena mais branda, como advertência. Ao declarar inconstitucional o artigo 28 e absolver o réu, a turma recursal ressalvou que a decisão se ateve ao aspecto jurídico, sem discutir a política de repressão às drogas adotada no país.


Processo 1526757-06.2019.8.26.0223

Eduardo Velozo Fuccia é jornalista.

Revista Consultor Jurídico, 13 de setembro de 2022, 18h05

 2 + 2 = 4

Crime de associação ao tráfico não se comprova por dedução, diz STJ

13 de setembro de 2022, 20h53

Por Danilo Vital

Para distinguir o crime autônomo de associação para o tráfico da mera coautoria do tráfico de drogas, é preciso atenção processual sem estereótipos, de modo a identificar, de forma concreta e efetiva, o vínculo associativo entre os réus.

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial e afastou a condenação de dois réus pelo crime de associação ao tráfico, previsto no artigo 35 da Lei 11.343/2006.

Com o resultado, a pena de ambos caiu drasticamente. Sem a condenação por associação ao tráfico, foi possível aplicar o redutor de pena do tráfico privilegiado, previsto no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006. As penas finais são de 2 anos e 11 meses em regime aberto.

Os réus são uma mulher, dona de uma distribuidora de bebidas onde eram vendidas drogas, e um homem, que coordenava o tráfico. As transações com os clientes eram feitas por um terceiro, adolescente. Esse cenário levou as instâncias ordinárias a entenderem pela condenação dos dois primeiros pela associação ao tráfico.

Relator, o desembargador Olindo Menezes destacou que a prática desse crime demanda elementos estabilidade ou permanência do vínculo associativo, que devem ser apresentados de forma minimamente razoável. Ou seja, não basta que haja o mero concurso de pessoas.

Para ele, os elementos listados no acórdão indicam que houve, no caso, crime do tráfico de drogas em concurso mais elaborado de agentes. Não há demonstração, de forma concreta e efetiva, do vínculo associativo autônomo, estável e permanente entre os acusados.

"A condenação pelo crime de associação para o tráfico não pode ter base apenas em inferências oriundas da forma como perpetrado o crime de tráfico de drogas — uma realidade não leva à outra necessariamente, sendo imprescindível a prova do crime autônomo da associação", disse o relator.

"É preciso atenção processual, sem estereótipos, para a distinção, em cada caso, entre o crime de associação para o tráfico, nos termos do art. 35 da Lei 11.343/2006, e a coautoria mais complexa, não podendo a associação ser dada como comprovada por inferência do crime de tráfico perpetrado", acrescentou. A votação foi unânime.

AREsp 2.048.099

Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 13 de setembro de 2022, 20h53

 Busca pessoal mediante agressão é causa de nulidade do flagrante, estabelece STJ

13 de setembro de 2022, 17h44

Por Danilo Vital

Se a prova do crime foi obtida por meio de atitude violenta do policial durante o flagrante, e se o testemunho do agente que praticou as agressões é o único meio de prova, a condenação do réu torna-se inviável.

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem em Habeas Corpus para absolver um homem condenado pelo crime de porte de arma de fogo de uso permitido. O julgamento, ocorrido nesta terça-feira (13/9), teve votação unânime.

O réu estava parado na via de acesso a uma comunidade de Irajá (RJ), segurando uma pistola, quando foi flagrado por policiais em patrulhamento. Ao perceber a abordagem, ele jogou a arma de fogo no chão e se rendeu. Apesar disso, foi agredido com um chute no rosto.

Denunciado pelo crime de associação ao tráfico com emprego de arma, ele foi absolvido em primeiro grau com base no laudo do exame de corpo de delito, que confirmou a agressão sofrida. A magistrada da causa entendeu que o flagrante era nulo e, sem ele, não haveria provas para a condenação.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, porém, reformou a sentença e condenou o réu. A corte entendeu que, de fato, não há provas para o crime de associação ao tráfico de drogas, mas reclassificou a conduta para a do artigo 14 da Lei 10.826/2006, o que rendeu pena de dois anos, quatro meses e 24 dias em regime semiaberto por porte de arma de fogo.

Segundo o TJ-RJ, o argumento de que o réu foi agredido na abordagem policial "é meramente especulativo em termos de comprovação da autoria delitiva, sem prejuízo de sua eventual apuração na seara própria".

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro levou o caso ao STJ, onde a 6ª Turma reconheceu a nulidade do flagrante. Relator, o ministro Sebastião Reis Júnior votou pela absolvição e determinou que os autos sejam encaminhados ao Ministério Público para apuração do crime cometido pelo policial que agrediu o suspeito rendido.

"Impossível negar que os elementos de informação relativos ao crime de porte ilegal de arma de fogo se encontram contaminados pela nulidade decorrente da agressão, constatada por meio do exame de integridade física, elementos esses que justificaram a deflagração da ação penal, sendo, portanto, nula a ação", disse o relator.

O ministro Sebastião Reis Júnior ainda afirmou que fechar os olhos para a mácula decorrente do desrespeito à integridade física do acusado vai contra o sistema acusatório e os princípios do Estado democrático de Direito.

HC 741.270

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

 

TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO

Ré primária condenada a 8 anos com trânsito em julgado obtém semiaberto


Com base na dimensão da pena, na primariedade, na ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis e na falta de fundamentação concreta, o ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça, autorizou uma mulher, que é ré primária, a aguardar o julgamento definitivo de seu Habeas Corpus no regime semiaberto.

A paciente estava presa no regime fechado em função de uma condenação a oito anos de reclusão e 1,2 mil dias-multa por tráfico de drogas e associação para o tráfico.

O caso transitou em julgado. Ao STJ, o escritório Wlademir Lopes Advocacia alegou falta de comprovação do vínculo entre a paciente e as corrés, e por isso pediu a absolvição pelo delito de associação para o tráfico.

No mesmo pedido de HC, também foi solicitado o abrandamento do regime inicial e a substituição da pena privativa de liberdade por medidas restritivas de direitos.

Mussi observou que "o regime inicial mais gravoso foi fixado com base na gravidade abstrata dos delitos e em considerações genéricas".

Segundo ele, tal situação afrontaria a Súmula 718 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não justifica imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.

Também haveria violação à Súmula 719 do STF, que exige "motivação idônea" para a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada.

Por fim, o magistrado constatou desrespeito à Súmula 440 do STJ, que também proíbe "o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito".

 
HC 719.953