sexta-feira, 26 de agosto de 2022

 

Extinção de pena para empresas incorporadas deve chegar ao Supremo

decisão da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça que estabeleceu que a incorporação da pessoa jurídica acusada de crime ambiental deve levar à extinção da punibilidade, pois não há norma que autorize a transferência dessa responsabilidade penal à empresa incorporadora, já provoca discordâncias no meio jurídico. E o assunto poderá chegar ao Supremo Tribunal Federal, de acordo com especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Decisão tomada pelo STJ causou controvérsia entre os especialistas
Reprodução

Se a pessoa jurídica é extinta de forma lícita ao ser incorporada por outra empresa, aplica-se analogicamente o artigo 107, inciso I, do Código Penal, com a extinção da punibilidade, conforme defendeu o relator da matéria, ministro Ribeiro Dantas. Ele foi seguido por outros quatro ministros na votação, que terminou com diferença de apenas um voto (5 a 4).

No julgamento, a divergência foi aberta pelo ministro Joel Ilan Paciornik, que refutou a equiparação da extinção da personalidade jurídica à morte de uma pessoa que é acusada ou condenada por um crime. Para ele, isso só seria tecnicamente possível se a empresa fosse dissolvida e liquidada.

Paulo Murilo Galvão, especialista em Direito Ambiental Criminal e cuja dissertação de mestrado tratou sobre a ineficácia da responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais, é dos que acreditam que o assunto chegará ao STF. Contudo, ele se mostra favorável à decisão proferida pelo STJ.

"Se a extinção da empresa não for fraudulenta, deve ser extinta a punibilidade. A decisão do relator foi perfeita, porque uma ação se fundiu na outra. Pelo princípio da intranscendência, ninguém pode responder pelo crime de outra pessoa. Se assim pudesse, estaria a outra empresa respondendo por um crime que ela não praticou. Está correto o julgamento do STJ", analisa Galvão.

Contudo, para um advogado que atua na área ambiental e prefere não ser identificado, a aplicação da intranscedência da pena às pessoas jurídicas, se levada ao Supremo, resultará em entendimento oposto ao adotado pelo STJ.

Ele discorda da impossibilidade de transferir para a nova companhia as responsabilidades, obrigações e restrições determinadas por condenações por crimes ambientais, pois, por serem de natureza jurídica diversa da pessoa natural, os entes coletivos sofrem transformações jurídico-societárias constantemente, não havendo, portanto, impedimento para que respondam penalmente pelos crimes da empresa incorporada.

"Se os danos ambientais deverão ser civilmente ressarcidos pelo incorporador, por que não seguir respondendo pelas penas de natureza administrativa e restritivas impostas pela condenação criminal?", questiona o advogado.

"Acredito que, levada a discussão ao STF, prevalecerá o entendimento contrário. Assim penso em função da teoria da culpabilidade coorporativa, que já é utilizada em outros países e adotada pelo STF, pela qual o ente corporativo ou coletivo responderá criminalmente independentemente da culpabilidade dos seus representantes, não havendo necessidade de dupla imputação de responsabilidade", explica o especialista em Direito Ambiental ao se referir ao artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal, que "não condiciona a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária imputação".

"Por esse entendimento, diferencia-se corretamente a pessoa natural da pessoa jurídica, de tal modo a entender o fenômeno da incorporação não como morte, mas como transformação da pessoa jurídica incorporada, e cujas obrigações sociais deverão ser preservadas e assumidas pelo incorporador", completa ele.

Helena Pinheiro Della Torre, outra especialista em Direito Ambiental, avalia que a decisão do STJ pode "no mínimo, tumultuar o processo". Mas ela observa que, quando houver boa-fé, o processo será resolvido facilmente.

A especialista explica que na área ambiental há dois tipos de responsabilidade: uma subjetiva, nas esferas administrativa e criminal; e uma objetiva, que permite a reparação de danos, que segue a causa independentemente de quem provoca o dano ambiental. "A incorporação de uma empresa não transfere a responsabilidade criminal", destaca ela. Sobre a boa-fé a ser seguida na fase pós-incorporação, a advogada acredita que o novo incorporador poderá absorver, por exemplo, o passivo trabalhista.

Entendimento contrário ao do STJ também é explicitado por um advogado que atuou em casos de desastres ambientais em Minas Gerais e também prefere não se identificar.

"Realmente me parece um equívoco considerar extinta a punibilidade da empresa penalmente condenada, em casos como o que é objeto da decisão do STJ no REsp 1977172/PR. Assiste inteira razão ao ministro Rogério Schietti, e no tocante aos outros argumentos dos demais ministros que ficaram vencidos, ao considerar que a posição majoritária confere aos administradores o poder de decidir não manter a existência da pessoa jurídica diante de uma condenação penal. Em outras palavras e em última análise, teriam tais administradores a disponibilidade de interferir na aplicação da lei penal e na própria punibilidade, embora se trate de uma prerrogativa estatal, dela dispondo como se tratasse de mero ato potestativo."

Ainda sobre o entendimento que questiona a vitória da não punibilidade da pessoa jurídica numa incorporação, Helder Moroni Câmara, sócio do escritório PMMF Advogados, analisa que a decisão do STJ "é no mínimo questionável".

Câmara diz não ser razoável comparar a morte da pessoa física à morte da pessoa jurídica, como foi defendido durante o julgamento, pois, segundo ele, a pessoa física existe no mundo natural, palpável, enquanto uma pessoa jurídica é uma ficção criada pelo homem. "Não dá para comparar. Chegar a essa decisão do STJ me parece ser fruto de uma falsa simetria, não dá para comparar as coisas".

O segundo ponto importante destacado por Câmara é que a pessoa física, quando morre, deixa de existir por completo. Já uma pessoa jurídica, por outro lado, não é formada só da personalidade do CNPJ. Existem outros elementos que compõem a pessoa jurídica, e eles podem sobreviver à sua morte, como o fundo de comércio.

"Assim, a decisão do STJ se baseou numa falsa simetria, numa falsa comparação entre coisas que são incomparáveis. São conceitos e realidades absolutamente incomparáveis. Depois da morte da pessoa jurídica, diversos elementos que a compõem vão sobreviver. Parece-me que numa incorporação, mesmo havendo a extinção de uma personalidade jurídica, como diversos elementos sobrevivem, como o fundo de comércio, deveria sobreviver também a responsabilidade penal. Assim, é possível questionar a decisão do STJ em relação ao caso concreto julgado. É possível que a pena recaia sobre esses elementos que sobreviverão à extinção do nome da pessoa jurídica".

Câmara também chama a atenção para as consequências provocadas pelo prevalecimento do entendimento do STJ n matéria: "Podemos acabar verificando em casos de condenação penal por crimes ambientais de pessoa jurídica um movimento de realização de incorporações diversas para fim da extinção da punibilidade".

Favorável
Por outro lado, a decisão do STJ, para Mauricio Lins Ferraz, do Lins Ferraz Advocacia, "é irrepreensível e deve ser louvada". "Cuidando-se de responsabilidade penal da pessoa jurídica, sua extinção necessariamente leva à extinção da punibilidade, com fundamento do inciso I do artigo 107, do Código Penal", defende o criminalista.

Ferraz afirma que só se pode cogitar a punição penal de uma empresa que ainda exista, muito embora outros efeitos, como a obrigação civil de reparação do dano, possam se manter. "Decorre exatamente do caráter penal da sanção (essencialmente punitivo) e das peculiaridades que tornam a pessoa jurídica passível de responsabilidade penal. Assim também decorre da impossibilidade de extensão da pena para além da pessoa jurídica punida e ainda porque, com a incorporação, a empresa deixa de existir, e, ainda que passe a integrar outra, certo é que essa última não respondeu ao processo penal respectivo e, portanto, não exerceu seu direito de defesa, pelo que não pode ser igualmente penalizada. Acrescento que as possibilidades cogitadas, pelos votos vencidos, de artifícios para inibir a punição penal, mostram-se casuísticas e, ainda que potencialmente danosas, não podem justificar a não aplicação da lei", diz o advogado.

Também há concordância com a extinção da punibilidade após a incorporação por Rafael Canterji, sócio do escritório Silveiro Advogados, professor de Direito Penal da PUC-RS e conselheiro federal da OAB.

"No momento em que se decide aplicar o Direito Penal às empresas nos crimes ambientais, deve-se ter plena ciência das peculiaridades do mundo corporativo. Não podem as empresas serem impedidas de efetivarem os negócios que são, na visão de quem as dirige, estratégicos e adequados. Se assim o fosse, a pena estaria sendo outra além das legalmente previstas. Por outro lado, a pena não pode ser transferida de uma pessoa, seja física, seja jurídica, para outra. Dessa forma, em se tratando de incorporação lícita, o efeito jurídico será a extinção da punibilidade, tal qual na morte da pessoa física", explica Canterji.


quinta-feira, 25 de agosto de 2022

 

Prisão preventiva deve ser baseada em dados concretos, decide ministro do STJ

Ao proferir sentença condenatória, o magistrado deve decidir fundamentadamente sobre a manutenção ou imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar. Considerando isso, o ministro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça, revogou a prisão preventiva de um homem condenado por porte de drogas e determinou a aplicação de medidas cautelares não prisionais.

Reprodução
Homem foi condenado em primeira instância a pena de três anos e seis meses

No caso concreto, o homem foi detido com 42 porções de cocaína e nove pedras de crack. Na sua companhia ainda estavam dois adolescentes. Ele foi condenado a pena de três anos e seis meses, em regime inicial semiaberto. 

Em primeiro grau, o magistrado considerou que "os elementos indicam que a manutenção da custódia cautelar não só é necessária para aplicação da lei penal e para a instrução criminal como se revela adequada, devido à gravidade da conduta criminosa".

Na decisão, o ministro relator entendeu que "o julgador não trouxe qualquer dado concreto que demonstre o periculum libertatis". Ele destacou que a jurisprudência da corte define que "a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela".

Dessa forma, segundo Dantas, o decreto preventivo "está fundamentado apenas na gravidade abstrata do delito e em elementos inerentes ao próprio tipo penal (apreensão de drogas)". O ministro destacou que nem mesmo "a quantidade de droga apreendida na posse do acusado isoladamente autorizaria o encarceramento cautelar, sobretudo porque certificada sua primariedade".


HC 758.010

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

 

SÚMULA 14

Defesa deve ter acesso à íntegra das provas usadas pelo MP em denúncia, diz Gilmar

Por 

Por considerar que o direito de defesa do réu está sendo cerceado, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, assegurou ao ex-governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, acesso ao inteiro teor de conversas de WhatsApp utilizadas pelo Ministério Público da Paraíba em denúncia. O pedido de acesso ao material havia sido negado pela 2ª Vara Criminal de João Pessoa.

Gilmar atendeu ao pedido de disponibilização de todo o acervo probatório que amparou a acusação, o inteiro teor das conversas de Whatsapp mencionadas pela denúncia, extraídas do Relatório de Análise de Polícia Judiciária 036/2020, bem como da cadeia de custódia dos arquivos de mídia apreendidos e do aparelho celular original, de onde são provenientes (marca, modelo, IMEI, etc).

A defesa do ex-governador, feita pelos advogados Igor Suassuna e Eduardo Cavalcanti, da Suassuna & Cavalcanti advogados, ingressou com reclamação no Supremo com base na Súmula Vinculante 14, que assegura aos defensores amplo acesso aos elementos de prova documentados em procedimento investigatório. Gilmar acolheu a tese.

O ministro também suspendeu a audiência de instrução e julgamento, que havia sido marcada para o dia 18 de agosto, enquanto não fornecido o inteiro teor do material à defesa nos autos do processo 0812676-29.2021.8.15.2002, que foi apelidado de "operação calvário" pelo MP.

De acordo com a decisão, "os elementos probatórios foram compartilhados com a origem, utilizados na primeira instância e mencionados expressamente na denúncia pelo Ministério Público, tendo a defesa tido acesso apenas parcial e selecionado ao conteúdo das mensagens".

A decisão do relator no STF destaca que "resta cristalino que o Ministério Público teve acesso irrestrito ao material original contido no referido computador apreendido".

"Em nome da garantia do contraditório e da ampla defesa, é permitido às partes realizar o cotejo entre os arquivos originais e as hipóteses acusatórias ou as teses defensivas, com o destaque e a transcrição dos pontos considerados mais relevantes para a acusação ou para a defesa — ocorre que tal direito não foi conferido à defesa", escreveu Gilmar Mendes em sua decisão, de 16 de agosto.

"O que não se admite é que se negue o fornecimento ou que disponibilize parcial, seletiva ou aleatoriamente os arquivos que contêm a gravação de diálogos mantidos entre os acusados, sob pena de violação à garantia da manutenção da cadeia de custódia da prova", ressaltou o ministro.

Súmula Vinculante 14: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”

RCL 53.885


 

Ainda sobre a irrevogabilidade da resposta afirmativa ao quesito absolutório genérico

Por  e 

Aguarda-se o julgamento, pelo STF, do ARE 1.225.185 — com repercussão geral reconhecida —, em que se debate e se decidirá acerca da recorribilidade da absolvição decorrente de resposta afirmativa ao quesito obrigatório e genérico pelo Tribunal do Júri ao fundamento de manifesta contrariedade à prova dos autos (CPP, artigo 593, III, "d"). Já tendo escrito sobre o tema noutras oportunidades, entendemos conveniente ainda mais um esforço em defesa de nossa tese.

Nesse sentido, cabe-nos inicialmente destacar que a verdade do Direito, não se tratando de saber empírico, está condicionada ao teste da coerência, à submissão das interpretações que se lhe aplicam ao princípio lógico da não-contradição. A tese ora defendida, segundo entendemos, serve primeiro a esse princípio e pode ser resumida na seguinte afirmação: é irrecorrível a decisão por resposta positiva ao quesito absolutório genérico e obrigatório por manifesta contrariedade à prova dos autos uma vez que a esta — à prova dos autos — a lei não vincula a decisão soberana dos jurados, consoante se infere do artigo 483, III, do CPP.

Posto isso, cumpre-nos relembrar que, no Tribunal do Júri, tanto julgadores, quanto julgados são soberanos, porque integrantes do mesmo povo de quem emana todo o poder, como prevê a cláusula democrática inscrita no parágrafo único do artigo 1º da CF.

Justamente por isso, de nossa ordem constitucional emerge o Tribunal do Júri como garantia, a plenitude de defesa a) não por acaso antecedendo a própria soberania dos veredictos b) e encabeçando as alíneas do inciso XXXVIII do artigo 5º da Carta Maior.

Essa precedência topológica é repleta de significação e reflete a assimetria estruturante de nosso sistema penal e processual penal, que tem por fundamento a presunção de inocência e os preceitos máximos do favor rei, favor libertatis. Tem-se, aí, a base de um Estado liberal de Direito: a proteção do sujeito e de suas liberdades face ao poder de punir estatal.

Dessa assimetria estruturante resulta que, frente à plenitude de defesa, não se supõe uma plenitude de acusação, assim como não se cogita uma ampla acusação em oposição à ampla defesa assegurada aos acusados em geral na dialética do contraditório previsto no artigo 5º, LV, da CF. Aliás, é justamente em razão dessa assimetria a qual pende em favor da inocência e da liberdade que, em nome da plena ou da ampla defesa, se reconhece, por exemplo, a validade defensiva de provas tidas como ilícitas, igual garantia não existindo para a acusação.

Ou seja, logicamente insustentável qualquer argumento no sentido de uma violação à paridade de armas quando, em atenção à abertura do quesito absolutório genérico e obrigatório previsto na lei, à plenitude de defesa e soberania dos veredictos, se reconhece a irrecorribilidade de decisão — absolutória — ao fundamento de manifesta contrariedade à prova dos autos. Afinal, e neste momento voltamos à lógica, esta decisão não está subordinada ao que demonstram as provas dos autos, mas tão somente à consciência e aos ditames de justiça que regem jurados soberanos em seus veredictos (CPP, artigo 472). Tanto que a eles somente se pergunta "se o acusado deve ser absolvido".

E a escolha legislativa é tão clara que esse quesito aberto e obrigatório emerge soberano e absolutamente distinto em meio a todos os outros expressamente vinculados a provas, decisões e debates realizados, como se infere dos incisos I, II, IV e V do artigo 483 do CPP.

Note-se que essa abertura proposital do quesito absolutório posto aos jurados conecta-se diretamente com o princípio da plenitude de defesa e a soberania dos veredictos, de modo a afastar a possibilidade de revisão da decisão de absolvição que nele se apoie por manifesta contrariedade à prova dos autos simplesmente porque a esta não está vinculado.

Se ao povo, fundamento máximo da democracia, é dado escolher quem em seu nome exercerá os poderes legislativo e executivo, maiores razões há para que se reconheça a irrevogabilidade de sua vontade soberana quando da escolha direta daqueles seus pares que entende devam ser inocentados frente ao poder de punir estatal. Aliás, se até mesmo diante de uma segunda condenação manifestamente contrária à prova dos autos a soberania dos veredictos se reveste de irrevogabilidade (CPP, artigo 593, §3º), a literalidade do quesito absolutório e a estrutura assimétrica de prevalência da inocência e da liberdade em que se insere bem demonstram que a resposta positiva que lhe seja dada não comporta sindicância, podendo a absolvição, no caso, decorrer das mais variadas razões, inclusive a clemência.

Em sua soberania, ao decidirem pela absolvição de seus pares submetidos apenas à sua consciência e aos ditames de justiça que a regem, os jurados, membros do povo de que emana todo o poder, não admitem tutores, são efetivamente soberanos. Assim preveem a Constituição e a lei.

No contexto lógico-normativo exposto, portanto, só podemos concluir, data maxima venia, que a prevalência do entendimento contrário ao ora defendido equivaleria a verdadeira usurpação do poder democrático a seus titulares primeiros.

 

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

STJ absolve andarilho que furtou placa de trânsito para esquentar comida

Por 

A existência de condenações criminais anteriores, por si só, não exclui a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância. O julgador deve levar em conta as demais circunstâncias fáticas, podendo absolver o réu em situações excepcionais.

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça absolveu um homem condenado a um ano, quatro meses e dez dias reclusão, em regime semiaberto, pelo crime de furtar uma placa de trânsito avaliada em R$ 150.

O ilícito foi denunciado por uma pessoa que viu o réu carregando a placa. Quando o guarda municipal se dirigiu ao local, descobriu tratar-se de um andarilho em posse do objeto embaixo de um viaduto. Ele já havia cortado a placa e explicou que usaria para esquentar a comida.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina negou a aplicação do princípio da insignificância porque, apesar do baixo valor do bem furtado, o réu tem condenações por crimes contra o patrimônio e inclusive responde a outros processos.

Relator, o ministro Sebastião Reis Júnior observou que a reincidência, por si só, não necessariamente afasta a aplicação da insignificância. Há diversos precedentes do STJ sobre o tema, bem como casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

"No caso, a excepcionalidade sobressai não apenas do valor do bem (avaliado em R$ 150,00), mas sobretudo das peculiaridades do caso em concreto, por se tratar o réu de morador de rua, que furtou uma placa de trânsito com o objetivo de usá-la para fazer comida embaixo de um viaduto", afirmou o relator. A votação foi unânime.

HC 740.273

 

STJ diminui pena por crime de roubo após diminuição desproporcional

Por 


Devido à falta de redução proporcional da pena-base e da ausência de motivação para agravamento da pena, o ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, reduziu a pena de um homem condenado por roubo. Com isso, ele deve cumprir sete anos de prisão no regime fechado.

Inicialmente, o réu foi condenado a oito anos. O Tribunal de Justiça de Pernambuco afastou os vetores negativos de conduta social, personalidade, motivos e antecedentes, mas reconheceu outros três vetores negativos: culpabilidade, circunstâncias e consequências do crime. Com isso, a punição foi mantida no mesmo patamar.

A defesa, feita pelas advogadas Bianca Serrano e Maria Eduarda Siqueira Campos, do escritório João Vieira Neto Advocacia Criminal, apontou que a corte não reduziu a pena-base de forma proporcional e alegou que não haveria fundamentos válidos para majorá-la a partir dos outros vetores.

Noronha concordou com a tese da defesa. "Embora tenha afastado a valoração negativa da conduta social, personalidade, motivos e antecedentes, a corte local não reduziu o quantum de pena fixado na primeira fase da dosimetria, configurando manifesta ilegalidade, pois a conclusão é contrária ao princípio da individualização da pena, o que impõe a observância da proporcionalidade", explicou.

Além disso, o TJ-PE não teria fundamentado adequadamente o aumento da pena com base na culpabilidade e nas consequências do crime. Quanto ao primeiro vetor, o tribunal considerou que o réu tinha "potencial consciência da ilicitude do delito"; quanto ao segundo, se baseou no fato de que a vítima correu perigo de vida e ficou incapaz para exercer suas ocupações habituais por mais de 30 dias.

Para o ministro, a culpabilidade "deve ser compreendida como maior ou menor reprovabilidade da conduta diante de elementos concretos do fato que extrapolem aqueles inerentes ao próprio tipo". Por isso, não pode englobar "a consciência da ilicitude, a exigibilidade de conduta diversa e a imputabilidade", pois estes são elementos necessários para avaliar se ocorreu ou não o crime.

O relator acrescentou que a incapacidade da vítima para as ocupações habituais seria um resultado já previsto para o crime, pois o roubo em questão envolveu lesão corporal grave.

Por fim, o magistrado observou que as instâncias ordinárias reduziram a pena em apenas um ano devido à menoridade e à confissão espontânea. Ele lembrou que a jurisprudência do STJ aplica a fração de 1/6 da pena para cada circunstância atenuante.

HC 688.984

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

 

DVDS PIRATAS

Violação de direito autoral não exige indicação de lesados, decide TJ-SP

A violação de direito autoral (artigo 184 do Código Penal) é crime de ação penal pública incondicionada, sendo irrelevante a ausência de manifestação de vontade do titular do bem usurpado para o início do processo. Pela mesma razão, não é coerente exigir a individualização do lesado para a configuração do delito, até porque a infração também é uma ofensa ao Estado e à sociedade. 

Reprodução   
DVDs piratas foram encontrados com o criminoso

Com essa fundamentação, a 10ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) deu provimento a recurso em sentido estrito do Ministério Público (MP) contra decisão que rejeitou a denúncia contra um homem detido com 1.150 DVDs de filmes de diversos títulos. Segundo perícia por amostragem, as mídias são cópias falsificadas.

"O fato de os supostos titulares dos direitos autorais não serem prontamente conhecidos não afasta a materialidade do crime, porque a violação de direito autoral extrapola a individualidade do titular do direito, devendo ser tratada como ofensa ao Estado e a toda a coletividade", frisou a desembargadora Jucimara Esther de Lima Bueno, relatora do recurso.

Aliás, o tema é objeto da Súmula 574, do Superior Tribunal de Justiça, conforme destacou a julgadora. Segundo o enunciado do STJ, "para a configuração do delito de violação de direito autoral e a comprovação de sua materialidade, é suficiente a perícia realizada por amostragem do produto apreendido, nos aspectos externos do material, e é desnecessária a identificação dos titulares dos direitos autorais violados ou daqueles que os representem".

Policiais civis flagraram o acusado carregando sacolas com os DVDs durante operação para coibir a pirataria no Centro de São Paulo. Ele disse que adquiriu a mercadoria para revendê-la na cidade de Sorocaba. O MP denunciou o homem pelo crime descrito no parágrafo 2º do artigo 184, aplicável a quem negocia os produtos falsificados com o intuito de lucro.

Do total do lote apreendido, dez DVDs foram examinados e todos são contrafeitos, conforme laudo da perícia. Os títulos das mídias são os seguintes: Roque Santeiro; Peppa Pig - volume 2; A Fúria do Dragão; Bruce Lee - Jogo da Morte; Somos o Sistema; Rota de Fuga, Grey´s Anatomy - 5ª temporada; Selva de Pedra; Superman - O Homem de Aço; Harry Potter.

O juiz Nelson Becker, 5ª Vara do Fórum Criminal da Barra Funda, na Zona Oeste de São Paulo, rejeitou a denúncia com base no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal (faltar justa causa para o exercício da ação penal). Segundo o magistrado, "se não bastasse a realização da perícia por amostragem, não foram indicados, com relação aos DVDs que foram efetivamente analisados pelos peritos, os titulares dos direitos de autor".

Porém, a relatora ratificou o tipo de perícia feita. "A realização de prova técnica por amostragem não interfere na caracterização do tipo penal, haja vista que para a configuração do crime de violação de direito autoral bastaria ter o acusado adquirido uma única cópia ilegal destinada à venda, uma vez que a norma penal não faz qualquer exigência quantitativa".

Jucimara Bueno, por fim, anotou que o laudo pericial informou ser a empresa Warner Bros Pictures a titular dos direitos autorais da obra Superman - O Homem de Aço, embora não fosse necessário. Os desembargadores Rachid Vaz de Almeida e Fábio Gouvêa seguiram a relatora. Com essa decisão, o colegiado recebeu a denúncia contra o acusado.

0096091-51.2013.8.26.0050

 

STF anula provas obtidas em invasão policial em caso de tráfico de drogas

A entrada forçada em domicílio, sem mandado judicial, na situação de flagrante delito, deve ser amparada por fundadas razões, motivadas a posteriori, sob pena de nulidade dos atos praticados e responsabilidade do agente.

Fachin entendeu que a ação que encontrou drogas na casa não foi fundamentada
Freepik

Com esse entendimento, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Edson Fachin reconheceu a ilicitude das provas obtidas e absolveu um homem que teve sua casa invadida por uma guarnição da Polícia Militar do Mato Grosso. De acordo com os autos, a guarnição estava à procura de um homem chamado Jeferson para efetivar o cumprimento de um mandado de prisão, no qual constava o mesmo endereço do paciente.

No decorrer da abordagem, os policiais constataram que o paciente não era o Jeferson constante no mandado de prisão. Contudo, os PMs notaram que o homem, ao avistar a viatura, jogou algo debaixo do fogão, bem como encontraram uma balança de precisão normalmente usada para pesar os entorpecentes. Diante das evidências, a polícia fez uma busca na casa, onde foi encontrada a pequena quantidade de drogas, pouco mais de R$ 1 mil e uma TV tela plana. O homem foi preso por tráfico de drogas.

O Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ-MT) considerou legal o ingresso da polícia na residência, já que existia um mandado de prisão emitido, mesmo que para outra pessoa. Assim, o flagrante delito teria justificado a prisão.

Entretanto, o ministro Fachin discordou do acórdão e acolheu os argumentos da defesa. O magistrado ressaltou que a corte já se debruçou amplamente sobre o tema, entendendo que "a entrada forçada em domicílio, sem mandado judicial, na situação de flagrante delito, deve ser amparada por fundadas razões, motivadas a posteriori, sob pena de nulidade dos atos praticados e responsabilidade do agente".

Fachin destacou que a prisão decorreu por acaso, "haja vista que os policiais militares realizavam rondas na região do Bairro Nova Era à procura de um cidadão por nome Jeferson que efetivara delitos contra o patrimônio, quando então chegaram à residência do denunciado em questão", e que a abordagem ocorreu unicamente por acreditarem que o indivíduo abordado era outra pessoa.

Consequentemente, Fachin destacou que inexistem fundadas razões para embasar o ingresso forçado na residência, já ela que se deu em razão da procura de outra pessoa.

O réu foi defendido no caso pelos advogados Mauro Márcio Dias Cunha e Edno Damascena de Farias.

RE 1.371.954

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

 SP TEM VARA EXCLUSIVA PARA EXECUÇÕES CRIMINAIS DE PESSOAS DO GÊNERO FEMININO

10 de agosto de 2022, 21h59

Por Tábata Viapiana

No âmbito criminal, as penas privativas de liberdade, restritivas de direitos e medidas de segurança têm acompanhamento e fiscalização feitos pelas Varas das Execuções Criminais (VECs). Uma dessas Varas na cidade de São Paulo tem competência singular e inovadora para os processos de pessoas do gênero feminino: a 2ª Vara das Execuções Criminais, criada em 2007.

ReproduçãoSão Paulo tem Vara só para execuções criminais de pessoas do gênero feminino

Ao longo dos anos, a unidade sofreu algumas mudanças de competência. Em julho e 2021, a Resolução 852/21 promoveu nova alteração, ficando a 2ª VEC responsável pelo processamento das execuções criminais das penas privativas de liberdade em regime aberto, livramento condicional, suspensão condicional da pena (sursis), penas restritivas de direitos e os feitos que envolvam acordos de não persecução penal relativos às sentenciadas.

Atualmente, a unidade conta com 8.497 processos de execução criminal de pessoas do gênero feminino. "Neste primeiro momento, estamos em fase de saneamento, extinguindo os processos de execução de regime aberto e livramento condicional com penas já cumpridas. Importante ressaltar que o recorte do ‘gênero feminino’ inclui os sentenciados transgêneros femininos”, afirma a juíza Nidea Rita Coltro Sorci, titular da Vara desde sua criação.


A especialização por gênero possibilita celeridade nas ações de alcance coletivo e nos projetos dirigidos ao perfil das sentenciadas, tratamento adequado às questões próprias e peculiares comuns às mulheres em geral, mas sempre mais dificultosas quando envolvem a pessoa egressa, além de possibilitar análise efetiva de metas, resultados e reflexos sociais, bem como a possibilidade de atuação junto aos órgãos responsáveis pela implementação de políticas públicas.

Atenta ao acompanhamento das egressas, a magistrada e o juiz assessor da Corregedoria-Geral da Justiça André Gustavo Cividanes Furlan visitaram a Central de Atenção ao Egresso e Família (CAEF) – Mulher e Diversidade, inaugurada pela Secretaria da Administração Penitenciária e que oferece atendimento especializado a mulheres e pessoas LGBTQIA+.

A unidade presta apoio na saída da prisão, com a regularização de documentação, levantamento de valores recebidos pelo período trabalhado durante o cumprimento da pena e direcionamento para cursos de qualificação e vagas de trabalho. Durante a visita, foi discutida a possibilidade de novos projetos em parceria com a VEC, como o direcionamento para postos de atendimento especializados no gênero feminino e otimização da rotina do cartório judicial. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-SP.

Tábata Viapiana é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 10 de agosto de 2022, 21h59


quarta-feira, 10 de agosto de 2022

 

Gravidade do crime não é justificativa válida para negar condicional

A gravidade do crime praticado é determinante na pena aplicada, mas não justifica tratamento diferenciado para a progressão de regime ou livramento condicional. Por isso, a negativa desses benefícios só pode ser fundamentada em fatos ocorridos no curso da própria execução penal. 

 

Esse foi o entendimento do desembargador convocado do TRF-1 para o STJ, Olindo Menezes, ao dar provimento a Habeas Corpus em favor de um preso que teve o pedido de liberdade condicional negado por não ter passado pelo regime semiaberto e pela gravidade do crime cometido. 

Na decisão revogada, o juízo de piso entendeu que, embora não exista previsão legal expressa que determine ser obrigatória a prévia passagem do sentenciado por regime intermediário antes de ser beneficiado com a liberdade condicional, seria preciso que o detento vivenciasse regime penal menos brando antes de ter acesso ao benefício. Também justificou a negativa pela gravidade do crime cometido.  A decisão foi confirmada pela 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. 

Ao analisar o HC, o desembargador não reconheceu o pedido por entender que a via correta seria o recurso especial. O julgador, contudo, apontou flagrante ilegalidade para anular a decisão de ofício. 

"Há ilegalidade patente a ensejar a concessão de ordem de ofício, pois a obrigatoriedade de progressão de regime antes da concessão de livramento condicional não constitui fundamento idôneo para indeferir-se o benefício pleiteado, se o apenado preenche os requisitos objetivo e subjetivo para a benesse", registrou. O detento foi representado pelo advogado Renan Luís da Silva Pereira

HC 733.588


quinta-feira, 4 de agosto de 2022

 NEGAR ACESSO A DOCUMENTO JUNTADO A INQUÉRITO OFENDE DIREITO DE DEFESA

3 de agosto de 2022, 20h08

Por Danilo Vital

É direito do advogado ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados e sem referência a diligências em andamento, digam respeito ao exercício do direito de defesa em procedimento investigatório.

Com esse entendimento, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, julgou procedente a reclamação ajuizada por empresários que foram impedidos de acessar informações de um relatório fiscal usado em investigações contra eles.

Os investigados foram alvo de notícia-crime feita por seus sócios e são investigados por suspeita do crime de estelionato. O relatório fiscal foi usado para embasar ordem cautelar de bloqueio de bens.

O juízo criminal inicialmente entendeu que a defesa só poderia acessar o documento depois que o relatório final do inquérito fosse confeccionado e juntado aos autos. Mas, quando isso aconteceu, ela foi novamente impedida de ter acesso às informações do relatório fiscal.

De ofício, o juízo determinou que tratam-se de peças sigilosas. Já o delegado responsável pelo inquérito afirmou que o relatório fiscal é documento de inteligência, de caráter interno. Portanto, segundo ele, é meio de prova, e não a própria prova, razão pela qual não deve ser acessado pela defesa.

Para o ministro Alexandre de Moraes, no entanto, a decisão ofendeu a Súmula 14 do STF, segundo a qual "é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa".

Como o relatório fiscal não trata de qualquer diligência que esteja em andamento — e que, em teoria, poderia ser prejudicada pelo acesso da defesa —, a negativa não teve justificativa plausível, na opinião do ministro.

"Nada, absolutamente nada, respalda ocultar de envolvido — como é o caso dos reclamantes — dados contidos em autos de procedimento investigativo ou em processo alusivo à ação penal, pouco importando eventual sigilo do que documentado", concluiu o magistrado.

Os empresários são defendidos pelos advogados Leandro Pachani, João MeirellesPedro Donna e Gabriel Pagliaro, do escritório Leandro Pachani & João Meirelles Advocacia Criminal.

De acordo com João Meirelles, "a decisão é de extrema relevância, pois demonstra o compromisso do Supremo Tribunal Federal com as prerrogativas dos advogados e os direitos fundamentais dos investigados".

Rcl 54.829

 

Playvolume00:00/01:00conjurTruvidfullScreen