segunda-feira, 27 de junho de 2022

 

STF
 DPU propõe ao STF criação de súmula vinculante sobre princípio da insignificância

O defensor público-geral federal, Daniel de Macedo Alves Pereira, apresentou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Proposta de Súmula Vinculante (PSV) 144, em que pede que seja aplicada por todas as instâncias da Justiça do país a jurisprudência pacífica da Corte no sentido de que o princípio da insignificância ou da bagatela é compatível com o sistema jurídico brasileiro.

Ele lembra que o STF tem aplicado o princípio em inúmeros processos, envolvendo, por exemplo, furtos simples de fraldas, peças de roupa, chinelos, desodorantes, entre outros. Para a caracterização da bagatela, a Corte entende que devem estar presentes no caso concreto, de forma cumulativa, os seguintes requisitos: a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Entretanto, o defensor público-geral sustenta que, apesar de entendimento pacificado do STF, diversos tribunais do país insistem em afirmar que o princípio não possui previsão no ordenamento jurídico brasileiro e que sua aplicação fere o princípio da legalidade. "Há forte recalcitrância, por parte de diversos julgadores espraiados pelo país, em aplicar o princípio da insignificância", aponta.

Condutas irrelevantes
Segundo o chefe da Defensoria Pública da União (DPU), as consequências da não aplicação do princípio acarretam prisões desnecessárias, e por longo tempo, de pessoas que praticaram condutas irrelevantes na seara penal. "Não raras vezes, as condutas singelas como o furto de um par de sandálias infantis ou de um pacote de fraldas decorrem da necessidade urgente, da carência absoluta que, lamentavelmente, assolam boa parte da população brasileira”, ressalta. Além disso, a não aplicação pelas instâncias ordinárias gera "movimentação processual exacerbada", pois, antes de chegar ao STF, o caso tramitou por três instâncias, tomando tempo de juízes, membros do Ministério Público, defensores públicos e servidores, para, ao final, ser a conduta considerada insignificante.

Tramitação de PSV
Quando chega ao STF um pedido requerendo a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, a petição é classificada como PSV e passa a tramitar sob rito específico previsto no Regimento Interno da Corte. Podem apresentar as propostas os próprios ministros do STF e entidades ou autoridades externas, dentre elas o defensor público-geral federal. Verificado pelo presidente do STF a adequação formal da proposta, o Tribunal publica edital para ciência e manifestação de interessados no prazo de cinco dias e, depois, os autos são encaminhados ao procurador-geral da República. Em seguida, as manifestações e a proposta são submetidas aos ministros que integram a Comissão de Jurisprudência. Cabe ao ministro-presidente submeter a proposta ao Plenário, e o texto será aprovado se receber oito votos favoráveis (dois terços dos integrantes do Tribunal).

Processo relacionado: PSV 144

 


STJ
 Acordo de delação premiada é cabível em qualquer crime cometido em concurso de agentes

Para a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é cabível a celebração de acordo de delação premiada em quaisquer crimes cometidos em concurso de agentes, e não apenas se houver investigação pelo delito de organização criminosa.

Com esse entendimento, o colegiado negou o pedido da defesa de um ex-magistrado que alegava ilegalidade no uso da colaboração premiada como meio de obtenção de prova em processo ao qual responde. Para a defesa, a colaboração premiada, nos termos da Lei 12.850/2013, só seria admissível se houvesse indícios de organização criminosa ou terrorista, ou ainda de criminalidade transnacional (artigo 1º, parágrafos 1º e 2º).

O ex-juiz de direito do Rio de Janeiro, aposentado compulsoriamente após processo administrativo disciplinar, é investigado pelos crimes de lavagem de capitais e corrupção passiva e ativa. Em fiscalização na vara da qual era titular, a corregedoria da Justiça estadual constatou que o magistrado determinou a realização de perícias em 762 processos, sendo 615 delas (aproximadamente 80% do total) designadas para apenas quatro peritos.

Um dos peritos foi preso em outra ação – desdobramento da Operação Lava-Jato – e passou a colaborar com a Justiça, ocasião em que falou a respeito do pagamento de propina nas perícias realizadas por designação do juiz, além de outras irregularidades.

Organização criminosa está configurada no caso
A relatora do habeas corpus, ministra Laurita Vaz, afirmou que, diante da definição de organização criminosa contida no parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 12.850/2013, a alegação da defesa não se sustenta. Na sua avaliação, os pressupostos para que possa ser caracterizada a organização criminosa estão configurados no caso.

Segundo a magistrada, muito antes da delação, a investigação se dedicou a apurar a existência de uma organização hierarquicamente estabelecida na vara judicial, com o possível envolvimento de pelo menos sete pessoas: o próprio juiz titular, quatro peritos a quem os pedidos de laudos eram direcionados, o pai e a mulher do magistrado – os quais teriam constituído uma pessoa jurídica, aparentemente estabelecida com a finalidade de lavar capitais.

Apesar disso, os investigados não foram acusados de integrar organização criminosa, mas, para a relatora, tal circunstância não pode resultar no afastamento das provas obtidas no acordo de delação premiada, uma vez que não se pode desconsiderar a hipótese de futura acusação por esse crime.

Celebração de colaboração premiada em outros crimes
De todo modo, ressaltou Laurita Vaz, a doutrina e a jurisprudência têm admitido que sejam celebrados acordos de colaboração premiada na investigação de outros crimes cometidos em concurso de agentes, como já fez o Supremo Tribunal Federal em casos de corrupção passiva e lavagem de capitais.

A ministra lembrou situações esparsas em que a legislação concede benefícios processuais e penais aos colaboradores: extorsão mediante sequestro em concurso de agentes (artigo 159, parágrafo 4º, do Código Penal); crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (artigo 25, parágrafo 2º, da Lei 7.492/1986) e Lei de Crimes Hediondos (parágrafo único do artigo 8º), entre outras hipóteses.

Além disso, segundo ela, o Código de Processo Penal não regulamenta o procedimento de formalização dos acordos de delação premiada, e a Lei 12.850/2013 não prevê, de forma expressa, que os meios de prova ali previstos sejam válidos apenas na apuração do delito de organização criminosa.

Assim, concluiu, "não há óbice a que as disposições de natureza majoritariamente processual previstas na referida lei apliquem-se às demais situações de concurso de agentes (no que não for contrariada por disposições especiais, eventualmente existentes)".

"Em quaisquer condutas praticadas em concurso de agentes é possível celebrar acordo de colaboração premiada – interpretação, inclusive, mais benéfica aos delatores", acrescentou.



HC 582678

segunda-feira, 13 de junho de 2022

 BOLA DIVIDIDA

"Zona de penumbra" entre STF e STJ impacta teses e gera insegurança jurídica

12 de junho de 2022, 8h43

Por Danilo Vital e Karen Couto

Em busca de segurança jurídica e eficiência, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm promovido um esforço para, com ajuda da tecnologia, estabelecer um sistema de gestão de precedentes conjunto. Esse diálogo é necessário porque há entre as cortes uma natural, porém grave, "zona de penumbra", cujo impacto jurisprudencial é relevante.

Levantamento feito pela ConJur no sistema de consulta de recursos repetitivos do STJ mostra que posições firmadas pelo Supremo levaram à revisão de 16 teses vinculantes da corte infraconstitucional (ainda que para reafirmação), além do cancelamento de pelo menos 11 temas, os quais não chegaram a ser julgados no mérito.

Nessa conta entram revisões feitas por julgamentos do STF sob o sistema da repercussão geral, mas também casos de Direito Penal em que o STJ optou por readequar suas teses a partir de vários julgados não vinculantes das turmas do Supremo, com o objetivo de preservar a estabilidade da jurisprudência.

Esse impacto pode aumentar porque há ainda outros nove repetitivos com tese já firmada pelo STJ e aguardando julgamento de recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal, além de enunciados já contrariados pela corte constitucional e que ainda não foram submetidos a revisão.

Longe de ser incomum, a revisão de julgados do STJ pelo STF é apontada como natural devido à dinâmica processual. As cortes têm competências distintas, mas isso não impede que uma questão julgada pelo STJ sob o enfoque infraconstitucional seja reavaliada pelo STF com viés constitucional.

Em evento sobre os 15 anos de implementação da repercussão geral no STF, o ministro Mauro Campbell, do STJ, definiu como absolutamente rotineiro o fato de a corte estar em julgamento e ser informada de algum novo entendimento firmado pelo Supremo. "Adaptamos, não raro em sessão mesmo, os nossos acórdãos. Dizemos: onde estava escrito isso, está agora escrito aquilo que o Supremo disse, e está encerrado o debate", afirmou. "Isso é um grande serviço que se presta ao jurisdicionado e à cidadania brasileira", defendeu ele.

Isso é rotina porque o ministro Mauro Campbell integra colegiados que julgam temas de Direito Público no STJ, os mais afetados por decisões do STF. Oito dos nove repetitivos que aguardam julgamento de recurso extraordinário foram firmados pela 1ª Seção. Entre os revisados, são dez em um total de 16.

O impacto
É o caso da chamada desaposentação. Em 2013, o STJ decidiu que não havia impedimento para a revisão do benefício se quem já estava aposentado voltasse a trabalhar e a contribuir para a Previdência Social. Três anos depois, porém, o STF julgou a prática inconstitucional, com tese firmada a afetar, naquele momento, 180 mil processos sobrestados. A revisão de tese no STJ foi feita em 2019.

Outro caso ocorreu em 2017, quando o Supremo decidiu que o ICMS não integra base de cálculo do PIS e da Cofins, em uma derrota que, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, custaria à União R$ 250 bilhões. A posição foi frontalmente contrária à firmada pelo STJ um ano antes, em 2016. A partir dali, a corte passou quatro anos evitando escolher qual parcela deveria ser excluída da base de cálculo — se a efetivamente devida aos estados ou a destacada na nota fiscal —, até a definição ser feita pelo próprio STF em embargos de declaração, com direito a modulação dos efeitos temporais da tese.

Esse repetitivo, cadastrado como Tema 313 do STJ, não consta entre os revisados. No sistema da corte, há anotação chamando atenção para o definido pelo STF no Tema 69 da repercussão geral. A situação é a mesma do Tema 982, em que o STJ entendia justo o acréscimo de 25% em todas as modalidades de aposentadoria quando for comprovada a necessidade de auxílio permanente de terceiros, posição desautorizada pelo STF em 2021.

Foi para evitar esse tipo de situação que a 1ª Seção cancelou o Tema 1.062, sobre a retroatividade de normas não expressamente retroativas no novo Código Florestal. Em 2018, o STF julgou constitucionais diversos dos dispositivos do código, mas não definiu sua aplicação para situações consolidadas antes de sua vigência — o que ficaria a cargo do STJ. Os julgados da corte nessas controvérsias acabaram gerando reclamações ao Supremo, com decisões em ambas as turmas reconhecendo afronta ao decidido em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

No mesmo sentido, o STJ tem admitido embargos de declaração para devolver aos tribunais de segunda instância dezenas de recursos contra condenações por improbidade administrativa. A legislação sobre o tema foi profundamente alterada pela Lei 14.230/2021 e o STF ainda vai se debruçar sobre a sua aplicação retroativa. Para racionalizar o exercício de sua atribuição constitucional, o STJ decidiu tornar sem efeito suas decisões anteriores e aguardar o juízo de conformação.

A zona de penumbra
Para o ministro Sérgio Kukina, do STJ, esse cenário é compreensível, já que a Constituição reserva capítulos densos a determinados temas, como o tributário, o que vai influir na interpretação da lei federal. Ele afirma que as decisões em desacordo de STJ e STF desestabilizam, em alguns momentos, o que aparentemente parecia já ter sido resolvido. "Eu digo que se trata de uma zona enevoada. A gente, às vezes, fica naquela dúvida: será que esse tema é mais constitucional ou infraconstitucional?", afirmou ele em entrevista ao Anuário da Justiça Brasil 2022.

"Zona de penumbra entre o STJ e o STF" é o título de um livro de um conterrâneo de Kukina, o advogado paranaense e professor da Faculdade de Direito da UFPR Luiz Guilherme Marinoni. Essa penumbra é causada pela falta de distinção entre a função de interpretar a lei nos termos da Constituição e a função de controlar a constitucionalidade da interpretação da lei. Para ele, é um absurdo imaginar que o STJ, ao interpretar a lei, não possa invocar a Constituição como parâmetro ou critério. Ao STF, resta controlar a constitucionalidade do que disser o STJ.

"Ou seja, o STF não tem poder para optar por uma melhor interpretação da lei, ainda que nos termos Constituição, pois isso seria transformá-lo numa corte revisora do STJ, o que seria um absurdo, pois negaria a função de Corte Suprema de ambas as cortes", explica ele, em entrevista à ConJur. Também por isso, Marinoni defende que o Supremo Tribunal Federal não admita recurso extraordinário sob o argumento de inconstitucionalidade de interpretação de lei federal, quando oriundo de Tribunal de Justiça ou Regional Federal.

"Inclusive para a democratização da interpretação da lei federal, é necessário dar aos tribunais oportunidade de discutir a interpretação da lei e espaço para o STJ formar precedente. É equivocado permitir que o STF analise a constitucionalidade de uma interpretação ainda não consolidada em precedente do STJ", avalia. "Desse modo, evita-se que o STF seja tentado a interpretar a lei antes do STJ", conclui o advogado.

Para Marinoni, isso tudo é gerador de insegurança jurídica, uma fonte de angústia que não é ignorada pelos ministros do STJ. Se para os players do cenário jurídico já é complicado explicar, o ministro Kukina tenta imaginar o que dizer ao jurisdicionado cidadão comum. Cria-se um ambiente de instabilidade, que é tudo o que não se deseja em termos de Justiça.

"Esse sistema de dois tribunais para dar a última palavra parece que ainda não achou o seu ponto ideal de convivência, de interação, de integração. Existe ainda uma coisa nessa maquinaria, nesse engenho jurídico, faltando ali um ajuste, um parafuso qualquer para que as coisas não aconteçam em modo de solavanco, como vem acontecendo", disse o ministro Kukina.

A posição do STF sobre o tema é que a dinâmica processual, em que o recurso especial deve ser julgado antes do recurso extraordinário, aceita esse diálogo entre as cortes, não representando algo incomum no sistema jurídico a reversão de uma decisão do STJ pelo STF. Nem todos os temas vão ter a repercussão geral reconhecida e, com isso, terão no STJ a última instância de julgamento. Os que tiverem repercussão, ao serem analisados pelo Supremo em relação à questão constitucional, terão o entendimento do STJ levado em consideração no debate.

O acordo
Nesse cenário, vem a calhar o acordo de cooperação entre os dois tribunais para racionalização do trâmite de questões repetitivas, o qual já dá resultados. A medida é muito elogiada por ministros do STJ.

Para a ministra Assusete Magalhães, integrante da comissão gestora de precedentes da corte, ele atende à ideia de uma gestão eficiente e dialógica entre as instâncias. "Cabe a todos nós implementar bem, gerir e fazer funcionar esses instrumentos inovadores para fazer funcionar esse sistema em prol de uma máquina judiciária ainda combalida e incapaz de responder adequadamente aos reclamos da sociedade brasileira", disse ela no evento do STF sobre os 15 anos da repercussão geral.

Diretor-geral do Supremo, o juiz Pedro Felipe Santos destacou no mesmo evento que o compartilhamento de dados entre as cortes por meio da tecnologia permite mapeamento conjunto de ondas de litigiosidade num contexto em que o timing é precioso. "Se tanto o STF como o STJ demoram na identificação de um tema, os processos se avolumam, se multiplicam sem dar resposta efetiva, racional e rápida", disse ele.

E, em artigo assinado com Marcelo Ornellas Marchiori e publicado na obra do CNJ "Inteligência Artificial e aplicabilidade prática no Direito", Santos apontou a rejeição da repercussão geral pelo STF como responsável por um relevante aspecto processual: possibilitar que os demais tribunais declarem dentro dos limites de suas competências constitucionais a interpretação da legislação federal ou local, sabendo que a questão não possui status constitucional.

quinta-feira, 9 de junho de 2022

 

HIPÓTESE DE DISTINÇÃO

Reconhecimento por foto não impede condenação se não houver risco de erro

8 de junho de 2022, 8h47

Por Danilo Vital

O fato de o procedimento de reconhecimento pessoal do acusado não ter obedecido as regras do artigo 226 do Código de Processo Penal não serve para afastar a condenação se as particularidades do caso concreto demonstrarem que não existe risco de erro judiciário.

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu manter a condenação de um homem por roubo majorado, apesar de o reconhecimento pela vítima de ter sido feito por fotografia e posteriormente confirmado em juízo.

Houve o desrespeito ao artigo 226 do CPP, que prevê que o suspeito seja colocado, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la.

jurisprudência recente do STJ indica que reconhecimento do suspeito por mera exibição de fotografias há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal. Assim, não serve para, por si só, embasar a autoria de um crime.

O caso julgado, no entanto, tem particularidades. A vítima afirmou em juízo que conhece o suspeito, pois é seu vizinho. Para o desembargador convocado Olindo Menezes, relator do recurso, esse ponto gera uma distinção para a orientação pacificada da corte.

“Ademais, o acórdão combatido está em consonância com a jurisprudência desta Corte superior, que entende que a palavra da vítima possui especial relevo, tendo em vista sobretudo o modus operandi empregado na prática desses delitos, cometidos às escondidas”, acrescentou.

REsp 1.969.032

 O TEMPO VOA...

TJ-MG reconhece prescrição de crime cometido quando réu tinha menos de 21

8 de junho de 2022, 21h34

Por José Higídio

Devido à ocorrência da prescrição, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais declarou a extinção da punibilidade de um homem condenado pelo crime de tráfico de drogas, cometido quando ele era menor de 21 anos.

O intervalo entre a denúncia e a sentença condenatória foi superior a seis anos

O réu foi preso em flagrante em 2013, junto com um menor de idade, com duas pedras de crack, uma porção de maconha e uma lâmina de faca. Em primeira instância, ele foi condenado a cinco anos de prisão em regime semiaberto e ao pagamento de 580 dias-multa.

O desembargador Doorgal Borges de Andrada, relator do caso no TJ-MG, observou que, após a sentença, não houve recurso pela acusação. Como a pena foi superior a quatro anos e inferior a oito, o prazo prescricional é de 12 anos. No entanto, à época dos fatos, o réu era menor de 21 anos. Assim, conforme o artigo 115 do Código Penal, o prazo é reduzido pela metade. No caso, passou a ser de seis anos.

A denúncia foi recebida em janeiro de 2014, enquanto a sentença condenatória foi publicada em setembro de 2020. Ou seja, entre as duas datas "decorreu lapso temporal superior ao prescricional".

 
0606867-97.2013.8.13.0702

quarta-feira, 8 de junho de 2022


STJ

 

Emprego de arma branca no roubo pode justificar aumento da pena-base, confirma Terceira Seção em repetitivo

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.110), estabeleceu tese no sentido de que, em razão da novatio legis in mellius estabelecida pela Lei 13.654/2018, o emprego de arma branca, embora não configure mais causa de aumento do crime de roubo, poderá ser utilizado como fundamento para a majoração da pena-base, quando as circunstâncias do caso concreto assim justificarem.

O colegiado também definiu que cabe ao julgador fundamentar o novo apenamento ou justificar a não realização do incremento na pena-base, nos termos do artigo 387, incisos II e III, do Código de Processo Penal. Além disso, foi firmada a tese de que não cabe ao STJ realizar a transposição valorativa da circunstância para a primeira fase da dosimetria ou compelir que o tribunal de origem assim o faça, em razão da discricionariedade do julgador ao aplicar a novatio legis in mellius.

As teses foram baseadas em jurisprudência pacífica do STJ e dizem respeito especificamente aos casos anteriores ou posteriores à Lei 13.654/2018 – que retirou do crime de roubo a causa de aumento de pena pelo uso de arma – e anteriores à Lei 13.964/2019 – que incluiu, no artigo 157, a majoração de pena por violência ou grave ameaça exercida com o uso de arma branca (parágrafo 2º, inciso VII).

Uso de arma branca torna mais grave o crime de roubo
Relator do recurso especial, o ministro Joel Ilan Paciornik explicou que a Lei 13.654/2018 revogou o inciso I do parágrafo 2º do artigo 157 – retirando o acréscimo de um terço até a metade da pena em virtude do emprego de arma, qual fosse a natureza dela – e, ao mesmo tempo, incluiu o parágrafo 2º-A, para prever aumento de pena em dois terços no caso de uso de arma de fogo.

"Tem-se, portanto, que o legislador optou por excluir da abrangência da majorante os objetos que, embora possam ser utilizados para intimidar, não foram concebidos com esta finalidade", apontou o ministro.

Entretanto, Paciornik destacou que, apesar de o emprego de arma branca ter deixado de integrar a pena do roubo, essa circunstância não é irrelevante e se configura como um acréscimo à atividade criminosa. Por ser mais grave a ação do agente que utiliza objeto capaz até de tirar a vida da vítima, o ministro entendeu ser possível que o julgador considere esse elemento no momento da análise das circunstâncias judiciais para a aplicação da pena-base.

Juiz deve fundamentar aumento da pena-base ou razões para não o fazer
Apesar desse entendimento, Joel Ilan Paciornik enfatizou que o grau de liberdade do magistrado nessa hipótese não o isenta de fundamentar eventual nova pena ou a não realização do incremento da sanção, especialmente porque a utilização de arma branca nos crimes de roubo representa, sim, maior reprovabilidade à conduta.

Ao fixar as teses repetitivas, o relator também citou precedentes no sentido de que o STJ não pode impor aos tribunais a aplicação da circunstância do uso de arma branca na primeira fase da dosimetria, exatamente em função da discricionariedade judicial ao aplicar a inovação benéfica ao réu trazida pela Lei 13.654/2018.

REsp 1921190

 

terça-feira, 7 de junho de 2022

EM FAMÍLIA

 

Lei Maria da Penha se aplica a maus tratos de pai contra filha menor

6 de junho de 2022, 21h59

Por Tábata Viapiana

A presunção de hipossuficiência da mulher, implicando a necessidade de o Estado oferecer proteção especial para reequilibrar a desproporcionalidade, constitui-se em pressuposto de validade da Lei Maria da Penha.

Com base nesse entendimento, a 15ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a condenação de um homem por maus tratos contra a filha de 12 anos. A pena é de três meses e três dias de detenção, em regime inicial aberto, concedida a suspensão pelo prazo de dois anos.

De acordo com os autos, o réu tinha a guarda da filha havia sete anos. Um dia, após suspeitar que a menina possuía um perfil secreto no Instagram para se comunicar com a mãe, o acusado acabou agredindo a filha com um cinto. Ela sofreu lesões na perna esquerda, comprovadas por perícia médica.

Em juízo, o pai disse que sua intenção era de bater com o cinto no chão, para "repreender" a filha por supostamente manter o perfil secreto. Porém, segundo o réu, ao bater com o cinto no chão, acabou atingindo a perna da filha. Ele disse que logo se arrependeu e se desculpou pelo ocorrido. A menina confirmou as agressões em juízo e disse que o pai a atingiu várias vezes com o cinto.

De início, o relator, desembargador Willian Campos, rejeitou o pedido do réu para afastar a aplicação dos preceitos da Lei Maria da Penha. "Isso porque bem caracterizada a violência de gênero exigida pela Lei Maria da Penha, uma vez que a vítima foi agredida por seu genitor no âmbito familiar", afirmou. 

Segundo o magistrado, a vítima estava sob a guarda judicial do réu e ambos viviam sob o mesmo teto, sendo incontestável o vínculo entre a conduta criminosa e a relação familiar. E, ainda que assim não fosse, Campos disse que os elementos de prova colhidos revelam a vulnerabilidade da vítima. 

"Os maus tratos perpetrados pelo réu estão comprovados pela confissão judicial do réu, pelas declarações da vítima e testemunhas, corroboradas pelo boletim de ocorrência, pelas fotografias e pelo laudo pericial, que constatou a presença de equimoses amarelo e esverdeadas em toda a face lateral do membro inferior esquerdo da vítima, compatíveis com histórico de agressão com cinta, concluindo pela existência de lesões corporais de natureza leve", disse Campos.

O relator também destacou que, em crimes cometidos no âmbito doméstico e familiar, a palavra da vítima possui especial relevância, pois os delitos costumam ser cometidos longe de testemunhas, aproveitando-se o agressor do vínculo que mantém com a vítima. 

"A alegação da defesa de ausência de dolo, pois as 'cintadas' teriam sido direcionadas ao chão, não deve prosperar. As lesões constatadas na vítima demonstram claramente que as investidas não foram acidentais. À evidência que o réu, ao agredir violentamente a adolescente com golpes de cinta, embora com animus corrigendi, extrapolou os meios necessários para tanto, colocando em risco a integridade física da infante, tanto que lhe provocou ferimentos", concluiu. A decisão foi unânime. 

Processo 1504114-98.2019.8.26.0564

 

quinta-feira, 2 de junho de 2022

CONSTRANGIMENTO ILEGAL

 STJ concede HC como substitutivo de REsp em caso de constrangimento ilegal

1 de junho de 2022, 16h44

Por Camila Mazzotto

O Superior Tribunal de Justiça concedeu uma liminar em habeas corpus como substitutivo de recurso especial após concluir que um preso de Presidente Bernardes (SP) estava sofrendo constrangimento ilegal em vista da coação de seu direito de locomoção. A decisão foi deferida no último dia 26 de maio.

Na maioria dos casos, STJ não permite que HC seja utilizado como substitutivo de recurso especial

De acordo com o advogado que defendeu o homem no processo, João Vitor Barros Martins de Souza, a decisão é um precedente importante para o Direito Penal.

Isso porque, na maioria dos casos, a Justiça não permite que o habeas corpus seja utilizado como substitutivo de recurso especial, como forma de evitar que a medida judicial seja impetrada quando ainda há pendências de recursos próprios.

No entanto, a jurisprudência recomenda abrir uma exceção e conceder a ordem de ofício em casos de "flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal", como explicou o relator do caso em sua decisão, Jesuíno Rissato, que é desembargador convocado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF).

A decisão reverteu sentença das instâncias inferiores, que havia negado o pedido de progressão ao regime semiaberto.

"Na grande maioria dos casos a liminar é indeferida, em razão de confundir-se com o próprio mérito do habeas corpus. No entanto, em razão da manifesta ilegalidade impugnada no caso, a liminar foi concedida, tornando-se, assim, um importante precedente, ainda que em fase de cognição sumária", analisa o advogado Souza.

O caso
De acordo com o processo, a defesa do preso estava pedindo à Justiça sua progressão ao regime semiaberto desde o início de 2020, a partir de quando o homem teria preenchido os requisitos para a concessão. 

A solicitação, no entanto, foi negada tanto pela 1ª Vara de Execuções Criminais de Presidente Prudente (SP) quanto pela 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

Segundo o advogado do presidiário, os argumentos defendidos pelas instâncias ordinárias foram inadequados, já que só levaram em conta a gravidade abstrata dos delitos pelos quais o homem foi condenado, a longevidade da pena e uma falta grave cometida por ele em período longínquo (2009). 

Ao recorrer ao STJ, a defesa também apontou que os julgamentos desconsideram a boa conduta carcerária do preso e que a sua liberdade de locomoção estava sendo coagida, contrariando a jurisprudência do colegiado e do Supremo Tribunal Federal.

Segundo o desembargador Jesuíno Rissato, a fundamentação das instâncias anteriores para negar o pedido configura "constrangimento ilegal".

O magistrado afirmou que, no caso, é possível observar a presença dos requisitos que autorizam a concessão da medida liminar: a plausibilidade do direito alegado (fumus boni iuris) e a iminência de constrangimento ilegal na liberdade ambulatorial (periculum in mora).

Com isso, o desembargador suspendeu o acórdão do TJ-SP e determinou a imediata colocação do homem em regime semiaberto até o julgamento final do mandando.


HC No 744366

quarta-feira, 1 de junho de 2022

NÃO É POLÍCIA

 

Guarda municipal não pode atuar de maneira isolada na investigação de crimes

31 de maio de 2022, 18h27

Por Tábata Viapiana

As guardas municipais podem atuar em colaboração com os demais órgãos de segurança pública, desde que no exercício de suas competências, jamais atuando isoladamente em diligências investigativas típicas da polícia judiciária.

O entendimento é da 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, que reconheceu a ilicitude de provas colhidas em uma ação da guarda civil municipal, com a consequente absolvição de um homem acusado de tráfico de drogas.

De acordo com os autos, enquanto fazia patrulhamento em um suposto ponto de venda de drogas, em um conjunto habitacional, uma equipe da guarda civil municipal avistou um homem com uma sacola. Por considerar a atitude suspeita, eles abordaram o rapaz e, com ele, encontraram porções de maconha, cocaína e crack. 

Em primeira instância, o réu havia sido condenado a cinco anos de reclusão, em regime inicial fechado. O TJ-SP, por sua vez, deu provimento ao recurso da defesa e, por unanimidade, decidiu pela absolvição do acusado. No voto, o relator, desembargador Marcelo Semer, discorreu sobre a ilegalidade da ação dos guardas envolvidos no caso.

"É fato incontroverso que qualquer do povo pode executar uma prisão em flagrante delito, incluindo os guardas municipais. Entretanto, o que ocorreu no caso não foi um mero flagrante, mas uma explícita operação de repressão ao tráfico de drogas, incluindo a entrada nas dependências de conjunto habitacional sem prévio mandado, a partir de informações não registradas, em atuação que maculou todo o processo", disse ele.

O magistrado afirmou que, nos termos do artigo 144, §8º, da Constituição Federal, as guardas municipais sempre possuíram competência vinculada à proteção patrimonial municipal e só poderiam atuar em ações de repressão ao tráfico de drogas em conjunto com outras forças de segurança pública, o que não ocorreu na hipótese dos autos. 

"No caso, os guardas deliberaram pela entrada irregular em conjunto habitacional com o objetivo de atuação repressiva contra o tráfico de drogas a partir de inteligência informal, não se verificando a situação de flagrante delito do artigo 301 do Código de Processo Penal. De tal forma, a ilegalidade de tal ação infirmou todas as provas dela advindas", argumentou Semer.

Dessa forma, prosseguiu o relator, diante da ausência de prévia e visível situação de flagrante delito que permitisse a entrada da guarda sem autorização no conjunto habitacional, "dado que não houve visualização por parte dos guardas de crime sendo cometido durante sua atuação ordinária, e sim verdadeira diligência repressiva", a busca  pessoal sobre o réu e demais provas dela derivadas devem ser consideradas nulas, em razão da teoria dos frutos da árvore envenenada (artigo 157, §1º, CPP).

"No mais, quanto ao mérito, reconhecida a ilicitude do meio de obtenção de prova (busca e apreensão), bem como das provas dela derivadas, de rigor a absolvição do réu com relação ao crime previsto no artigo 33, caput, da Lei 11.343/06, diante da fragilidade probatória a embasar um decreto condenatório".

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Tábata Viapiana é repórter da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 31 de maio de 2022, 18h27