Tentativa de homicídio é incompatível com dolo eventual, decide TJ-SP
4 de maio
de 2022, 19h47
A tentativa de homicídio é
incompatível com o dolo eventual, uma vez que nela não existe a vontade de
produzir o resultado. Assim entendeu a 7ª Câmara de Direito Criminal do
Tribunal de Justiça de São Paulo ao afastar a pronúncia de
um réu por tentativa de homicídio qualificado mediante recurso que
dificultou a defesa da vítima, desclassificando a conduta para outros fatos que
não são de competência do Tribunal do Júri.
O réu causou um acidente enquanto dirigia seu carro sob efeito de álcool
Também foi determinada a remessa
dos autos ao juízo de origem e a abertura de vista ao Ministério Público para
análise da imputação ao réus sob esse novo viés. De acordo com os autos, o
acusado dirigiu sob efeito de álcool, realizando manobras proibidas
e trafegando na contramão até bater o carro em barras metálicas de
uma rodovia.
Havia um passageiro no
veículo que, segundo a denúncia, pediu inúmeras vezes para que o réu
parasse com as manobras perigosas. Ao não fazê-lo, argumentou o MP, o réu
assumiu o risco de matar o passageiro, "agindo com indiferença quanto à
possibilidade de causar um previsível acidente fatal, somente não consumando
este resultado por circunstâncias alheias ao se consentimento".
Ao acolher em parte o recurso da
defesa, o relator, desembargador Fernando Simão, afirmou, de início, que
a autoria e a materialidade foram comprovadas. No entanto, o
magistrado se posicionou pela incompatibilidade entre o dolo eventual e a
tentativa. Segundo ele, há diferenças importantes entre as modalidades de
dolo.
"No dolo direto ou imediato, o
agente quer produzir o resultado. Já no dolo eventual, espécie de dolo indireto
ou mediato, o sujeito não quer o resultado, mas assume o risco de produzi-lo ao
persistir em sua conduta. Ora, se não há vontade direta de produzir o
resultado, parece-nos equivocada a figura da tentativa", afirmou ele.
O que há nesses casos, de acordo
com o desembargador, é a assunção do risco de sua produção e adesão a essa
possibilidade, e não uma ação dirigida ao resultado, a ponto de ser possível a
interrupção do caminho do crime (iter criminis) por circunstâncias
alheias a uma vontade que sequer se perfaz.
"Não bastasse, entendo que a
situação dos autos, na verdade, caracteriza culpa consciente. É evidente a
dificuldade de distinção da culpa consciente e do dolo eventual, na medida em
que a previsibilidade do resultado está presente em ambos os institutos
mencionados, e não apenas ao último", acrescentou o magistrado.
Segundo Simão, a grande
diferença é que aquele que age com culpa consciente não deseja o resultado
e acredita que é capaz de evitá-lo, enquanto aquele que age com dolo eventual
aceita e assume o risco de produção. Para ele, no caso dos autos, o réu incorreu em
culpa consciente, e não em dolo eventual.
"Pela prova posta, verifica-se
que o réu, após consumir bebida alcóolica, passou a conduzir o veículo
automotor e, acreditando em sua habilidade e em seu conhecimento da via em que
trafegava, causou o acidente em questão, fatores que descaracterizam o dolo
eventual. Cediço é que, geralmente, motoristas alcoolizados se colocam a
dirigir, mesmo sabendo do risco de sua conduta, acreditando que nada acontecerá
ou, ainda, que poderão evitar o resultado, elementos típicos da culpa. No
presente caso, é exatamente isso que se verifica", disse ele.
Além disso, Simão afirmou que não se
pode admitir o desvirtuamento do dolo eventual em razão das consequências do
crime, que são gravosas, "com o intuito de driblar as brandas penas
cominadas aos tipos culposos e apresentar resposta penal mais rigorosa". A
decisão foi unânime.
Atuou no caso o advogado Thiago
Amaral Lorena de Mello, do escritório Tórtima Stettinger Advogados.
Clique aqui para ler o acórdão
1500168-93.2020.8.26.0561
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