quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

 

STF
 STF confirma prerrogativa da Defensoria Pública de requisitar documentos e informações de órgãos públicos

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a prerrogativa da Defensoria Pública de requisitar de autoridades e agentes públicos certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias à sua atuação. A decisão majoritária se deu na sessão virtual finalizada em 18/2, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6852.

Na ação, o procurador-geral da República, Augusto Aras, alegava que disposições da Lei Complementar 80/1994 (que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos estados) confere aos defensores públicos esse poder, que advogados privados, em geral, não detêm. A seu ver, a medida ofenderia o princípio da isonomia.

Função essencial
Prevaleceu o voto do relator, ministro Edson Fachin, pela improcedência da ação. Para o ministro, a prerrogativa foi atribuída na lei aos defensores públicos porque eles exercem uma função essencial à Justiça e à democracia, especialmente no que diz respeito à sua atuação coletiva e fiscalizadora. Na sua avaliação, a lei é instrumento de acesso à justiça, que viabiliza a prestação de assistência jurídica integral e efetiva.

O relator salientou que a Defensoria Pública não deve ser equiparada à advocacia, pública ou privada, e que as funções desempenhadas pelo defensor público e pelo advogado não se confundem, ainda que, em determinadas situações, se aproximem. Para Fachin, sua atuação está mais próxima do desenho institucional atribuído ao próprio Ministério Público.

Entre outros aspectos, o ministro observou que o defensor público não se confunde com o advogado dativo (nomeado pelo juiz para atuar na defesa de pessoas hipossuficientes quando não há um membro da Defensoria Pública na comarca), não é remunerado como este nem está inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Além disso, sua atuação está sujeita ao estabelecido no artigo 134 da Constituição Federal e não se pauta exclusivamente pelo interesse pessoal do assistido, como faz o advogado.

Acesso à justiça
O relator ponderou, ainda, que a missão institucional da Defensoria Pública na promoção do amplo acesso à justiça e na redução das desigualdades impede a aproximação pretendida pela PGR com a advocacia. A seu ver, a Emenda Constitucional (EC) 80/2014 atribuiu à Defensoria Pública o dever de proteção dos direitos humanos e a tutela de direitos coletivos, abandonando o enfoque anterior, restrito à mera assistência judiciária gratuita.

“Dessa forma, reconhecer a atuação da Defensoria Pública como um direito que corrobora para o exercício de direitos é reconhecer sua importância para um sistema constitucional democrático em que todas as pessoas, principalmente aquelas que se encontram à margem da sociedade, possam usufruir do catálogo de direitos e liberdades previsto na Constituição Federal”, concluiu.

A ministra Cármen Lúcia foi a única a divergir. Em voto pela parcial procedência da ação, ela fixava entendimento de que a prerrogativa contida na lei só poderia ser usada pela Defensoria Pública em processos coletivos, mas não deveria ser permitida em ações individuais.

Leis estaduais
Esse entendimento foi adotado no julgamento, na mesma sessão virtual, em relação a leis estaduais que previam o mesmo poder aos defensores públicos, nas ADIs 6862 (PR), também relatada pelo ministro Edson Fachin, 6865 (PB), 6867 (ES), 6870 (DF), 6871 (CE), 6872 (AP) e 6873 (AM), de relatoria do ministro Gilmar Mendes, e 6875 (RN), relatada pelo ministro Alexandre de Moraes.



Processo relacionado: ADI 6852

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

TRF3 garante emissão da carteira de trabalho a estrangeiros em liberdade provisória ou em cumprimento de pena

 

TRF3
 

A Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou sentença que assegurou o direito de emissão da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) a estrangeiros em liberdade provisória ou em cumprimento de pena, sem apresentação de mandado judicial.

Os magistrados seguiram entendimento no sentido de que a exigência de documento extra para expedição da CPTS, aos imigrantes nessa condição, contraria a Constituição Federal (CF).

De acordo com o processo, estrangeiros em liberdade provisória ou em cumprimento de pena encontravam dificuldade para obtenção da carteira se não apresentassem mandado judicial para esse fim, principalmente na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo/SP.

Com isso, a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou Ação Civil Pública sob a alegação de que a nova Lei de Migração garante autorização de residência ao imigrante que esteja em liberdade provisória ou em cumprimento de pena no país, sem restrição ou impedimento do direito ao trabalho.

Em primeira instância, a 7ª Vara Cível de São Paulo/SP havia concedido liminar e confirmado a sentença que determinou à União Federal dispensar a exigência de documento extra para emissão de CTPS aos estrangeiros apenados.

O ente federal recorreu ao TRF3, argumentando ausência de regulamentação no procedimento para solicitação da carteira. Por outro lado, a DPU pediu a ampliação da eficácia da sentença.

Ao analisar o caso, o desembargador federal Johonson Di Salvo, relator do processo, ponderou que a Coordenação de Identificação e Registro Profissional, subordinada à Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia solicitou a alteração da Portaria SPPE/MTE nº 85/2018, para que contemplasse a emissão de CTPS para o imigrante em liberdade provisória ou em cumprimento de pena no país.

Entretanto, a mudança não foi publicada no Diário Oficial da União. “Tal situação malfere a CF, que assegura que ‘todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade’, e inclui o trabalho no rol dos direitos sociais, em seus artigos 5º e 6º, respectivamente”, ponderou.

Assim, por unanimidade, a Sexta Turma negou provimento ao pedido da União. Além disso, o colegiado acatou solicitação da DPU e declarou a eficácia da decisão para além dos limites da competência territorial do órgão julgador, reconhecendo sua abrangência nacional.

Apelação Cível 5018924-21.2019.4.03.6100

 

AASP
 AASP oficia TCU para esclarecer “degustação” de dados pessoais a instituições financeiras

O Ministério da Economia, por meio da Secretaria de Governo Digital (SGD), publicou o Acordo de Cooperação nº 27/2021, pelo qual 109 bancos participantes da Associação Brasileira de Bancos (ABBC) ganharão acesso – por um período de um ano, como forma de “degustação” – aos dados biométricos (impressão digital, foto de rosto) e biográficos (nome, data de nascimento, nome da mãe e outros dados cadastrais) de cidadãos brasileiros, armazenados no banco de dados da Identidade Civil Nacional (Lei nº 14.444/2017) e da plataforma “Gov.br”.

A Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), entidade representativa de classe, entende que se trata de ato de extrema gravidade, pois há sério risco de informações sensíveis serem utilizadas de forma indevida, sem o consentimento e sem nenhum controle, de forma a desestruturar a sociedade e a própria democracia.

Deve-se ressaltar, inicialmente, que não há interesse público nessa violação de privacidade dos cidadãos em favor de instituições financeiras. Trata-se de entidades privadas com fins lucrativos que receberão dados sensíveis de milhões de cidadãs e cidadãos para fins incertos.

Não bastasse isso, a falta de detalhamento da origem das informações e da natureza exata dos dados sendo compartilhados representa uma grave violação dos princípios de transparência estabelecidos na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Aliás, é necessário observar que a proteção de dados pessoais está entre os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, conforme Emenda Constitucional nº 115/2022 recentemente promulgada pelo Congresso Nacional.

Outro problema é a falta de transparência quanto à finalidade para a qual os dados serão compartilhados. Segundo o governo, os dados serão utilizados apenas para processos de validação de identidade de cidadãos, mas não há como saber se essa limitação realmente existe.

Mais uma vez há desrespeito aos direitos e garantias fundamentais, além de inobservância às regras da LGPD, segundo as quais a finalidade de utilização dos dados deve ser explícita no momento da sua coleta e que ninguém, nem mesmo o governo, está isento de dar essa transparência aos titulares da informação sensível. O fato de os dados serem disponibilizados apenas para funcionalidades de validação não reduz esse problema, pois persiste a falta de consentimento dos indivíduos em relação à forma como suas informações serão utilizadas.

Por fim, como forma de reforçar seu compromisso com toda a sociedade, a AASP informa que adotará medidas junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), dando conhecimento também ao Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), para que o Ministério da Economia esclareça a origem das informações pessoais, a limitação do compartilhamento de tais dados, a finalidade para a qual serão utilizados, bem como sobre o consentimento de seus titulares para o uso.

AASP EM AÇÃO – A Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) atua de forma ininterrupta e firme em prol da advocacia e da sociedade brasileira. Acreditamos que o profissional deve se dedicar ao que faz melhor: advogar.

Atuamos em defesa dos direitos e dos interesses da classe, em todo o território nacional, além de termos o compromisso de esclarecer, provocar o debate e cobrar o Poder Público sobre decisões que beneficiem toda a sociedade civil. Para saber mais sobre nossa atuação, acompanhe nosso Portal AASP (www.aasp.com.br) e nossas mídias sociais. AASP: potencializando e facilitando o exercício da advocacia.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

 

STF
 STF define critérios para decretação da prisão temporária

Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) fixou requisitos para a decretação da prisão temporária, que tem previsão na Lei 7.930/1989. A decisão foi tomada no julgamento, na sessão virtual finalizada em 11/2, das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 3360 e 4109, em que o Partido Social Liberal (PSL) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), respectivamente, questionavam a validade da norma.

Requisitos
Prevaleceu, no julgamento, o voto do ministro Edson Fachin, que julgou parcialmente procedente as ações para dar interpretação conforme a Constituição Federal ao artigo 1º da Lei 7.960/1989 e fixar o entendimento de que a decretação de prisão temporária está autorizada quando forem cumpridos cinco requisitos, cumulativamente:

1) for imprescindível para as investigações do inquérito policial, constatada a partir de elementos concretos, e não meras conjecturas, vedada a sua utilização como prisão para averiguações, em violação ao direito à não autoincriminação, ou quando fundada no mero fato de o representado não ter residência fixa;

2) houver fundadas razões de autoria ou participação do indiciado nos crimes descritos no artigo 1°, inciso III, da Lei 7.960/1989, vedada a analogia ou a interpretação extensiva do rol previsto;

3) for justificada em fatos novos ou contemporâneos;

4) for adequada à gravidade concreta do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado;

5) não for suficiente a imposição de medidas cautelares diversas, previstas nos artigos 319 e 320 do Código de Processo Penal (CPP).

Abuso de autoridade
Na avaliação do ministro Edson Fachin, a utilização da prisão temporária como forma de prisão para averiguação ou em violação ao direito à não autoincriminação não é compatível com a Constituição Federal, pois caracteriza abuso de autoridade. Ele apontou que, no julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 395 e 444, o STF entendeu que a condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório é incompatível com a Constituição, e, a seu ver, esse entendimento deve ser aplicado, também, à prisão temporária.

Residência fixa
Em relação à possibilidade da custódia cautelar quando o indicado não tiver residência fixa (artigo 1º, inciso II, da Lei 7.960/1989), o ministro considerou dispensável ou, quando interpretado isoladamente, inconstitucional. “Não é constitucional a decretação da prisão temporária quando se verificar, por exemplo, apenas uma situação de vulnerabilidade econômico-social – pessoas em situação de rua, desabrigados –, por violação ao princípio constitucional da igualdade em sua dimensão material”, ressaltou.

Fatos novos

Sobre a previsão de que a prisão esteja fundamentada em fatos novos ou contemporâneos (artigo 312, parágrafo 2º, do CPP), ainda que se trate de dispositivo voltado à custódia preventiva, Fachin entende que ela também deve ser aplicada à prisão temporária. Ele citou, ainda, que a exigência de verificar a gravidade concreta do crime, as circunstâncias do fato e as condições pessoais do indiciado está prevista no artigo 282, inciso II do CPP, regra geral de aplicação a todas as modalidades de medida cautelar.

Medidas cautelares
O ministro reforçou, ainda, que deve ser observado o parágrafo 6º do artigo 282 do CPP, segundo o qual a prisão apenas poderá ser determinada quando a imposição de outra medida cautelar não for suficiente. Para ele, essa interpretação está em consonância com o princípio constitucional da não culpabilidade, de onde se extrai que a liberdade é a regra, a imposição das medidas cautelares diversas da prisão a exceção e a prisão, em qualquer modalidade, “a exceção da exceção”.

Maioria
O ministro Gilmar Mendes foi o primeiro que, em voto-vista, já havia proposto a adoção de requisitos semelhantes, em conformidade com a Constituição Federal e o CPP, para a decretação da prisão temporária. Na retomada do julgamento, no entanto, ele ajustou seu voto às conclusões do ministro Fachin, visando unificar o entendimento. Também integraram a corrente vencedora os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e André Mendonça e a ministra Rosa Weber.

Demais votos
Em seu voto, a relatora, ministra Cármen Lúcia, admitia a prisão temporária quando presentes cumulativamente as três hipóteses previstas no artigo 1º ou as dos incisos I e III, ou seja, quando fosse imprescindível para as investigações e houvesse fundadas razões de autoria ou participação do indiciado no rol de crimes da lei, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal. Ela foi acompanhada pelo presidente do STF, ministro Luiz Fux, e pelos ministros Luís Roberto Barroso e Nunes Marques. O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, julgou improcedente o pedido.

Todos os ministros afastaram a alegação de que a expressão "será decretada" (caput do artigo 2º da lei) resultaria no possível entendimento de que o juiz é obrigado a decretar a prisão quando houver pedido da autoridade policial ou do Ministério Público. "A prisão temporária não é medida compulsória, já que sua decretação deve ser obrigatoriamente acompanhada de fundamentos aptos a justificar a implementação da medida", afirmou Fachin. O Plenário também não verificou incompatibilidade com a Constituição Federal do prazo de 24 horas, previsto na norma, para análise do pedido pelo juiz, pois sua fixação se deve à urgência da medida para a eficiência das investigações.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

 

TJSP
 Homem é condenado por ofensas antissemitas contra vizinho

A 25ª Vara Criminal de São Paulo condenou, por injúria racial e ameaça, homem que proferiu ofensas antissemitas contra vizinho. A pena foi fixada em um ano de reclusão em regime inicial aberto, convertida para prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período.

Consta nos autos que as partes anteriormente haviam se desentendido por causa de vaga na garagem. No dia dos fatos, a vítima estava parada com sua moto, conversando com funcionários, quando o acusado o ofendeu com frases antissemitas – “Hitler estava certo” e “a raça de vocês não presta”. Quando o vizinho pegou o celular para gravar o ocorrido, o réu tomou-lhe o aparelho e proferiu ameaças. Os seguranças do condomínio que presenciaram o ocorrido confirmaram as ofensas racistas e a ameaça.

De acordo com o juiz Waldir Calciolari, “a negativa do acusado, assim como o teor dos depoimentos das testemunhas de defesa, não afastou a demonstração efetiva das ofensas racistas”. O magistrado destacou também que as desavenças anteriores não isentam o réu de responsabilidade.

Cabe recurso da decisão.


Processo nº 1533184-19.2020.8.26.0050

 

STJ
 Sexta Turma relaxa prisão preventiva de réu que aguarda julgamento há seis anos e meio

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) relaxou a prisão de um homem que estava preso preventivamente há seis anos e seis meses, e ainda sem data definida para a sessão de julgamento no tribunal do júri.

Por unanimidade, o colegiado considerou o tempo da prisão cautelar desproporcional, substituiu a prisão por medidas cautelares alternativas e estendeu os efeitos da decisão aos corréus envolvidos no processo.

Ao pedir a liberdade no recurso em habeas corpus, a Defensoria Pública alegou excesso de prazo da prisão cautelar. Segundo os autos, o réu, preso desde agosto de 2015, é acusado dos crimes de associação criminosa e homicídio qualificado.

Duração razoável do processo
Além de a privação da liberdade se estender por seis anos e meio, o relator do recurso, ministro Rogerio Schietti Cruz, destacou que, mais de dois anos após o trânsito em julgado da decisão que mandou o réu ao júri popular, ainda não foi designado o julgamento, nem há previsão de data para ocorrer.

De acordo com o magistrado, os prazos processuais previstos na legislação brasileira devem ser computados de maneira global, e o reconhecimento do excesso de prazo deve ser pautado sempre pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade. No entanto, é a própria Constituição Federal que, em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, assegura a todos o direito a um julgamento em prazo razoável, "o qual se torna ainda mais premente quando o acusado responde ao processo privado de sua liberdade".

"Deficiências estruturais do Poder Judiciário devem ser ponderadas com razoabilidade, mas a mera sobrecarga de trabalho não pode servir de escusa generalizada para o descumprimento do comando constitucional", afirmou.

No caso em análise, observou o relator, apesar de o STJ ter expedido recomendação de celeridade ao juízo de primeiro grau no julgamento do RHC 133.504, em março de 2021, quase um ano depois não há notícia de previsão de data para a sessão do tribunal do júri.

Recentemente, acrescentou Schietti, foi apresentado pelo Ministério Público um pedido de transferência do julgamento para outra comarca – ainda não analisado –, o que poderia prolongar mais a duração da prisão preventiva.

Letargia e constrangimento ilegal
Para o ministro, mesmo considerando as dificuldades impostas pela pandemia da Covid-19 e a complexidade do processo – com vários denunciados e testemunhas –, a prisão cautelar por tanto tempo representa "a letargia do aparato do Estado e o constrangimento ilegal", sobretudo quando havia a possibilidade de que a tramitação do processo se encerrasse com maior brevidade em primeiro grau.

"Constituem coação ilegal o processamento da contenda por período desmedido e a delonga do aprisionamento preventivo do réu, mormente – repito – porque, passados já cerca de seis anos e seis meses de prisão preventiva, não há sequer previsão concreta de data do julgamento para além da informação vaga de que estão sendo empreendidos esforços para a formação do conselho de sentença", ressaltou.

Medidas alternativas à prisão processual
Diante das circunstâncias do caso, o relator considerou adequado e suficiente, para atender às exigências cautelares do artigo 282 do Código de Processo Penal (CPP), impor ao acusado as medidas alternativas previstas no artigo 319 do mesmo código.

Ao dar provimento ao recurso, Schietti ressalvou que é possível o restabelecimento da prisão provisória, se surgir uma situação que configure a exigência da medida, e estendeu os efeitos da decisão aos demais acusados.

"Não se pode olvidar que, enquanto não houver condenação transitada em julgado, o réu é presumidamente inocente e pode, como não raras vezes ocorre, vir a ser absolvido pelo conselho de sentença, o que reforça a necessidade imperiosa de se evitar o prolongamento desmedido da custódia provisória", concluiu.

Leia o voto do relator no RHC 153.214.

RHC 153214

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

 


TJSP
 Justiça condena ex-diretor de rede de artigos esportivos e comparsa por golpe milionário

A 3ª Vara Criminal do Fórum Criminal Ministro Mário Guimarães condenou dois réus que causaram prejuízo de mais de R$ 2,2 milhões a rede de lojas de artigos esportivos. Pelo crime de estelionato, um empresário foi sentenciado a quatro anos e dois meses de reclusão e um ex-diretor da vítima a cinco anos de reclusão, ambos em regime inicial semiaberto. Eles deverão também ressarcir o prejuízo, devidamente corrigido desde a época dos fatos.

Consta nos autos que um dos réus trabalhava na empresa vítima e, no ano de 2013, recebeu a incumbência de gerenciar um projeto de tecnologia da informação, com a responsabilidade de análise, validação e aprovação de notas fiscais e autorização de pagamentos de todas terceirizadas envolvidas no projeto. Nessa função, ele atuou para que fossem efetuados diversos pagamentos à empresa de propriedade do outro réu, por serviços que não foram realizados. Durante quase um ano, o esquema custou à vítima mais de R$ 2 milhões (mais de R$ 4 milhões em valores corrigidos).

De acordo com o juiz Carlos Eduardo Lora Franco, “não resta absolutamente nenhuma dúvida de que se tratou de mera simulação, inexistindo qualquer prestação de serviços efetiva”. Ao fixar as penas, o magistrado levou em conta os altos valores envolvidos. “Se para alguém que pratique um estelionato gerando prejuízo de dois ou três mil reais, a pena mínima é de um ano de reclusão, não resta dúvida alguma de que um crime que envolve, num único mês, centenas de vezes esse valor, deve ter uma pena significativamente maior, sob pena de, ao final, por uma pena branda, tornar o crime compensador”, afirmou.

O juiz destacou que conduta do ex-diretor foi mais grave, o que levou à fixação de uma pena maior. “Era pessoa que ocupava cargo de destaque e confiança na empresa vítima, e deveria ser dos principais funcionários a zelar por ela e protegê-la de ações delituosas, e não justamente quem se aproveitasse de sua elevada função para obter valores indevidamente”, escreveu.

Cabe recurso da decisão.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

 

TJSP
 TJSP mantém júri que condenou réu por feminicídio contra sogra

A 14ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve júri realizado na Comarca de Serrana que condenou réu por esfaquear, 14 vezes, a sogra por vingança diante da recusa da filha da vítima em retomar relacionamento. Na segunda instância, a pena foi aumentada de 28 para 35 anos de reclusão, em regime inicial fechado. No cálculo da pena, foram considerados o motivo torpe, meio cruel, feminicídio e recurso que dificultou a defesa da vítima.

Segundo os autos, no dia dos fatos, a vítima informou à filha por telefone que o genro estava visitando. O réu, então, ordenou que a mulher colocasse a ligação no viva-voz, momento em que deu início ao ataque. Uma semana antes, a filha da vítima havia terminado o relacionamento com o acusado e, dias depois, teria recebido mensagem de voz, na qual o réu lhe dissera que havia sofrido por cinco dias, mas que ela sofreria por toda vida. A filha do casal, à época com nove anos de idade, presenciou o crime.

Para o relator da apelação, desembargador Laerte Marrone, “o acusado cumpriu, com requintes de assombrosa crueldade, a profecia relatada em juízo pela vítima, que afirmou ter ouvido do réu que ela sofreria por toda sua vida, em razão de tê-lo feito sofrer por cinco dias; assim, fez com que sua ex-sogra colocasse a ligação que mantinha com sua filha no viva-voz, para que ela ouvisse os gritos desesperados de sua mãe”.

O julgamento, de votação unânime, teve a participação dos desembargadores Hermann Herschander e Walter da Silva.

Apelação nº 1500054-83.2019.8.26.0596

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Quinta Turma aplica teoria da perda da chance e absolve menor acusado com base em testemunhos indiretos

 

STJ
 

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou a teoria da perda de uma chance para absolver um adolescente acusado de ato infracional análogo ao crime de homicídio tentado. As instâncias ordinárias haviam imposto ao menor a medida socioeducativa mais grave prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com base apenas em depoimentos indiretos, pois, além do próprio acusado, não foram ouvidas as testemunhas oculares nem as pessoas diretamente envolvidas no fato, e não foi realizado o exame de corpo de delito na vítima.

"O caso destes autos demonstra, claramente, a perda da chance probatória", afirmou o relator do recurso da defesa, ministro Ribeiro Dantas, para quem a investigação falha "extirpou a chance da produção de provas fundamentais para a elucidação da controvérsia" – postura que viola o artigo 6º, III, do Código de Processo Penal (CPP), o qual impõe à autoridade policial a obrigação de "colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias".

Criada pelo direito francês no âmbito da responsabilidade civil, a teoria da perda de uma chance, segundo o magistrado, foi transportada para o processo penal pelos juristas Alexandre Morais da Rosa e Fernanda Mambrini Rudolfo. "Quando o Ministério Público se satisfaz em produzir o mínimo de prova possível – por exemplo, arrolando como testemunhas somente os policiais que prenderam o réu em flagrante –, é, na prática, tirada da defesa a possibilidade de questionar a denúncia", explicou Ribeiro Dantas.

Testemunho indireto não serve para condenar
De acordo com o processo, o menor, morador de rua, golpeou a vítima com um paralelepípedo porque ela teria agredido sua namorada, grávida, e um amigo, mas a tese de legítima defesa não foi aceita.

As instâncias ordinárias entenderam que houve excesso na legítima defesa, tendo em vista depoimentos do bombeiro e da policial militar que atenderam a ocorrência quando a briga já havia terminado. Os depoentes, por sua vez, basearam seus relatos em informações de pessoas que estavam no local – testemunhas oculares –, mas que, por não terem sido identificadas, não foram formalmente ouvidas pela polícia, nem em juízo.

Seguindo o voto do relator, a Quinta Turma fixou o entendimento de que o testemunho indireto (também conhecido como testemunho por "ouvir dizer" ou hearsay testimony) "não é apto para comprovar a ocorrência de nenhum elemento do crime e, por conseguinte, não serve para fundamentar a condenação do réu". A utilidade desse tipo de depoimento – acrescentou o ministro – é apenas indicar ao juízo testemunhas efetivas que possam vir a ser ouvidas na instrução criminal, na forma do artigo 209, parágrafo 1º, do CPP.

Ao apresentar diversos entendimentos sobre o hearsay testimony no direito comparado, Ribeiro Dantas ressaltou que o fato efetivamente ocorrido não corresponde, necessariamente, à percepção da testemunha – percepção esta que ainda pode se alterar com o passar do tempo. Esses limites da prova testemunhal, segundo o relator, crescem exponencialmente quando se adiciona um intermediário, no caso do depoimento por "ouvir dizer".

Para o magistrado, procedimentos comuns que podem ser realizados pelo juízo para verificar a credibilidade e a solidez da narrativa do depoente ficam inviabilizados quando se trata de testemunho indireto, o qual subtrai das partes a prerrogativa – garantida pelo artigo 212 do CPP – de inquirir a testemunha e apontar eventuais inconsistências de seu relato.

Provar a dinâmica dos fatos é ônus da acusação
De acordo com o ministro, não há explicação no processo para o fato de as várias pessoas que presenciaram a briga não terem sido identificadas pela polícia para posterior depoimento – segundo ele, uma "gravíssima omissão".

Quanto à namorada, ao amigo e à vítima, Ribeiro Dantas observou que o Ministério Público desistiu de ouvi-los por serem pessoas em situação de rua, sem endereço para intimação, "mas não demonstrou ter envidado nenhum esforço para localizá-los". Mesmo assim, "a única pessoa ouvida em juízo e que realmente presenciou os fatos – o representado – teve sua justificativa completamente descartada pelo Estado, sem a apresentação de motivação válida para tanto, até porque não se produziu prova direta a esse respeito".

Para o relator, o ônus de produzir as provas que expliquem a dinâmica dos fatos narrados na denúncia é da acusação, e não do réu. "Quando a acusação não produzir todas as provas possíveis e essenciais para a elucidação dos fatos – capazes de, em tese, levar à absolvição do réu ou confirmar a narrativa acusatória caso produzidas –, a condenação será inviável, não podendo o magistrado condenar com fundamento nas provas remanescentes", concluiu Ribeiro Dantas.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.