sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

OPINIÃO

 Histórico do delito de estupro no ordenamento jurídico brasileiro

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Em virtude dos movimentos feministas, atualmente muito se discute a respeito dos direitos das mulheres e, por consequência, os crimes tipificados para protegê-las. A despeito da efetividade ou ausência desta, imprescindível analisar o histórico legislativo referente ao crime de estupro para refletir sobre os meios legais de proteção dos corpos femininos.

Embora as mulheres não sejam as únicas vítimas de tais crimes, não há como negar que tal assunto seja um medo frequente em seus cotidianos, tendo em vista que se trata de um crime abarcado por preceitos de cunho moral, em virtude da objetificação feminina e da cultura do estupro que assola a sociedade, assim como se reverberam no Poder Legislativo e Judiciário ao averiguarem as demandas sociais de repressão e prevenção a tal crime.

O presente artigo buscou analisar, a partir da metodologia de revisão bibliográfica, o histórico legislativo que garantiu uma maior proteção às vítimas, sendo que ao fim, realizou-se uma análise das perspectivas futuras de crimes ainda não tipificados, tendo em vista os novos meios de coação, além de uma avaliação no sistema do judiciário brasileiro no que tange à aplicação dos crimes já previstos em lei.

Ordenações Filipinas
No Brasil, as Ordenações Filipinas vigoraram entre os anos de 1603 até 1830, e o contexto histórico prevalecente à época da colonização confundia o Direito com a Religião, fazendo prevalecer o interesse da Igreja.

Em virtude desse fato, o texto trazia duas previsões a tal delito, uma delas consistia na pena de morte ao homem que se deitava com uma mulher virgem contra a sua vontade de forma violenta. Ressalta-se que apesar da pena ser a capital, isto é, o enforcamento, estamos diante de um contexto em que as penas consistiam em severidades muitas vezes maiores do que os próprios crimes e esse não era o caso da pena aos estupradores, uma vez que, na época, a pena da forca era considerada como uma pena comum (FERNANDES, 2013, p. 8-9).

No mais, as ordenações previam uma sanção mais benéfica ao estuprador que se casasse com a vítima ou, se assim não desejasse, estaria perdoado se pagasse um dote ao pai da vítima. Entretanto, destaca-se que essa possibilidade só era cabível quando as vítimas eram virgens ou viúvas honestas e se o estupro não resultasse em morte (JÚNIOR e XAVIER, 2020, p. 27).

Código criminal do Império do Brasil
Em meados 1830, entrou em vigência o Código Penal do Império do Brasil e este foi o primeiro diploma que utilizou a denominação "estupro" e distinguiu tal crime do estupro. Cabe apontar novamente a previsão de se obter uma pena mais benéfica por meio do casamento, conforme preconizava os artigos 225 e 219 (MARTINS, 2015, p.104).

No mais, a diferença ainda prevalecia no tratamento da "mulher honesta" e da "prostituta" ao analisarmos as penas impostas em que uma é seis vezes mais severa do que a outra. Portanto, resta mais do que evidenciado que o bem da vida a ser protegido nunca fora a dignidade sexual, mas sim a moralidade.

Por fim, é imperioso apontar que, ao contrário senso, quando se lê tais artigos, verifica-se que a mulher honesta não era aquela que deixava de ser prostituta, mas sim a que não tornava sua vida pública, ou seja, aquela que não laborava fora de seu lar, remanescendo assim, a integralidade de seu tempo em casa.

Código penal da República
Os pontos que merecem destaque no Código Penal de 1890, Capítulo I, consistem na restrição da tipificação do estupro apenas ao ato cometido com cópula violenta. Além das desigualdades nos tratamentos entre as mulheres consideradas como puras e as que não se enquadravam nesse quesito, ou seja, a mulher pública ou prostituta, que se mantiveram. Ademais, em relação aos Códigos pretéritos, este foi o que previu a pena da forma mais branda (MARTINS, 2015, p.105).

Código Penal de 1940
Nesse período, em países como Estados Unidos e Reino Unido, ascendiam as primeiras feministas que reivindicavam, especialmente, a igualdade jurídica entre os gêneros.

Frisa-se que o nome do título em que se encontravam os crimes sexuais passou a se denominar "Crimes Contra os Costumes", salientando o que já era evidenciado nos ordenamentos anteriores, isto é, que o objeto jurídico a ser protegido com tal tipificação era aquilo tido como moral para a sociedade e ao pátrio-poder, restando assim esclarecido que a mulher deveria submeter suas escolhas e confiar na proteção do que era tido como certo e errado por uma sociedade ainda muito influenciada pelo catolicismo (FERNANDES, 2013, p. 16).

Constituição de 1988
Após um período marcado pela ditadura, o Brasil se encontrava em uma fase de redemocratização e, devido à fragilidade que a sociedade passava, a nova Constituição visou solucionar os anseios por mudanças, sendo, para esse efeito, denominada como Constituição Cidadã. 

Um dos artigos que merece ênfase é o artigo 1º, inciso III, que consagrou como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana.

Um outro exemplo de mudança significativa foi a promulgação da igualdade formal entre homens e mulheres que acarretou, entre outras coisas, na construção doutrinária e jurisprudencial da não aceitação da tese do débito conjugal que possuía origem no direito canônico (SCUSSEL, 2021).

Em suma, este dever legalizava, de certa forma, a ocorrência do estupro marital, ou seja, o estupro cometido dentro da sociedade conjugal. Salienta-se que a lei civil jamais previu que o sexo seria uma obrigação, todavia, previa que o descumprimento de um dos deveres do casamento poderia embasar um pedido de anulação ou de divórcio, algo que era extremamente malvisto para as mulheres naquela época (ARAÚJO, 2020, p. 87).

Lei nº 11.106/2005
O ano de 2005 é considerado um marco histórico na luta feminista, em razão de ter sido revogada a causa de extinção da punibilidade para os crimes sexuais quando o agressor se casava com a vítima.

Além disso, foi retirado o termo "mulher honesta" do Código Penal, assim, restou garantida uma equiparação formal no modo de tratamento entre as vítimas, entretanto, tal diferenciação ainda ocorre de forma implícita.

Por fim, destaca-se que com esta lei também foi revogada a tipificação de alguns tipos penais, como por exemplo, os polêmicos crimes de sedução (artigo 217) e rapto (artigos 219 e 222) (CRUZ, 2016).

Lei nº 12.015/2009
É cabível afirmar que a Lei nº 12.015/2009 trouxe outras significativas mudanças ao contexto jurídico e social no que tange aos crimes sexuais, primordialmente, o nome do capítulo "Crimes contra os Costumes" foi alterado para "Crimes contra a Dignidade Sexual" (JÚNIOR e XAVIER, 2020, p. 31).

Outras mudanças que merecem destaque consistem na alteração da natureza da ação penal do delito de estupro que, anteriormente, era de ação penal privada, isto é, o Ministério Público participava como mero custos legis.  Com a vigência da referida lei, o crime passou a ser de ação penal pública condicionada a representação, portanto, o Ministério Público ofereceria denúncia se a vítima assim desejasse, no prazo decadencial de seis meses, a partir do conhecimento da autoria do fato.

Porém, desde 1984, o Supremo Tribunal Federal havia editado a Súmula 608, em que afirmava que na hipótese de o estupro resultar em violência real, a ação pública seria incondicionada.

Ademais, foi introduzido o crime de violência sexual mediante fraude, prevista no artigo 215 do Código Penal. Com o propósito de punir aqueles que enganavam as vítimas, fazendo-as acreditar que se encontravam em uma situação que não se demonstrava verídica, a fim de que fosse consentida a prática sexual (GOMES, 2017).

Além disso, foi revogado o crime de atentado violento ao pudor, unificando os tipos penais em um só delito, ou seja, o crime de estupro. Assim, o sujeito passivo deixara de ser "mulher", passando-se a ser "alguém", portanto, esta lei trouxe a possibilidade de homens configurarem como vítimas em crimes sexuais.

Destaca-se a criação do tipo penal do estupro de vulnerável em que a vulnerabilidade era presumida quando o agressor, ainda que de forma consentida, mantivesse relações íntimas com menores de quatorze anos. Outrossim, também foi tipificada a conduta de manter relações sexuais com alguém que não possa vir a oferecer resistência, de forma temporária ou permanente, ao ato (JÚNIOR e XAVIER, 2020, p. 87).

Lei nº 13.718/2018
A alteração legislativa significativa mais recente no que tange aos crimes sexuais foi a Lei nº 13.718/2018. Tal diploma introduziu um novo tipo penal denominado como importunação sexual (artigo 2215-A), com o intuito de tipificar, de forma proporcional, os casos que estavam tendo ampla repercussão midiática na época, ou seja, situações em que os abusadores ejaculavam em suas vítimas nos transportes públicos (REGIA, 2021).

No mais, a inserção do artigo 225 do Código Penal, tornou todos os crimes previstos no capítulo de ação pública incondicionada. Ressalta-se que há críticas a respeito dessa alteração na doutrina, pois existe uma posição que defende que, ao publicizar tais fatos, sem o consentimento da vítima, acarretaria um aumento no sofrimento dela. (JÚNIOR e XAVIER, 2020, p. 116).

Todavia, o estupro é um crime com um enorme índice de subnotificação, logo, há de se salientar a importância que tal alteração trouxe ao retirar o prazo que a vítima teria para decidir se desejava levar ao conhecimento das autoridades os fatos ou não.  No mais, destaca-se que o artigo 234-B do Código Penal determina que os crimes sexuais devam tramitar em segredo de justiça.

Considerações finais
Conforme visto, muitas previsões normativas foram revogadas expressamente, tendo como paradigma a Constituição Federal de 1988, uma vez que esta positivou a igualdade entre os gêneros.

No entanto, ainda impera na sociedade brasileiro valores morais que repercutem na psique dos operadores do direito, propagando a chamada violência institucional enviesada pela cultura do estupro. Logo, afirma-se que, embora a igualdade formal tenha sido instituída, ainda há prematuridade no que se refere à igualdade material, tanto entre os gêneros, quanto em relação às próprias mulheres, uma vez que algumas, em decorrência de seu comportamento social, recebem um tratamento mais acolhedor do que outras.

A despeito do Brasil ter evoluído juridicamente nas últimas décadas, deve-se levar em consideração a delonga, sempre presente, comparada ao direito alienígena e, em razão disso, averiguar as mudanças já ocorridas para entender o contexto social da época, a fim de aplicar novas mudanças no país. Ressalta-se que a violência simbólica de gênero remanesce presente, de forma velada ou não, no cotidiano do legislativo brasileiro, devendo esse cenário ser alterado de forma efetiva.

A sociedade muda, não apenas no aspecto social, como também no tecnológico, e, em razão disso, novas condutas são tipificadas e, algumas delas, causam resistência, tendo em vista que muitos indivíduos as consideram como desnecessárias, cita-se como exemplo o Projeto de Lei tramitando na Câmara dos Deputados, com o objetivo de punir aquele que retira o preservativo sem o consentimento da vítima, embora o ato sexual tenha sido consentido.

 Tal fato ocorre, uma vez que, apesar das do conceito "mulher honesta" ter sido superado no texto legal, ainda há quem compreenda que o bem jurídico a ser tutelado em crimes como esse, é a moralidade e não a dignidade da pessoa humana.

Por essa razão, o estudo histórico é primordial para entendermos de onde viemos e projetarmos para onde vamos, agindo de forma militante e compreendendo a importância do movimento feminista em tais conquistas. Sempre possuindo em mente que tais previsões, que hoje causam repulsa em muitos, era aceita, logo, não se pode afirmar que as necessidades atuais são banais.

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Referências bibliográficas
ANDRIGHI, Nancy; MAZZOLA, Marcelo. Reflexões Sobre a Igualdade de Gênero no Processo Civil. Conjur. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-abr-29/opiniao-reflexoes-igualdade-genero-processo-civil. Acesso em: 10 mar. 2022.

ARAÚJO, Ana Paula. Abuso: A Cultura do Estupro. 1ª ed. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2020.

CRUZ, Renne Müller. A descriminalização das infrações penais processadas mediante ação penal privada. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 22, n. 4961, 30 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54025. Acesso em: 5 mai. 2022.

FERNANDES, Valéria Diez Scarance Fernandes. Lei Maria da Penha: O Processo Penal no Caminho da Efetividade. 2013. 292 p. Tese (Doutorado em Direito Processual Penal) — Pontifica Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.

GOMES, Fernanda Maria Alves. Violência sexual praticada por profissional da saúde. Jus, 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55655/violencia-sexual-praticada-por-profissional-da-saude. Acesso em: 02 mar. 2022.

JÚNIOR, Hamilton da Cunha Iribure; XAVIER, Gustavo Silva. Questões Controvertidas do Crime de Estupro: Reflexões Críticas Acerca da Vulnerabilidade da Vítima.  1. Edição. Belo Horizonte: Editora Dialética, 2020.

LEITÃO, Joaquim Júnior; OLIVEIRA, Marcel Gomes de. As inovações legislativas aos crimes sexuais no enfrentamento à criminalidade: comentários à Lei nº 13.718/2018. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 23, nº 5579, 10 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69534/as-inovacoes-legislativas-aos-crimes-sexuais-no-enfrentamento-a-criminalidade-comentarios-a-lei-n-13-718-2018. Acesso em: 5 maio 2022.

MARTINS, José Renato de. O Delito de Estupro no Código Penal Brasileiro: Questões Controvertidas em Face do Direito Constitucionais e a Proposta desse Delito no Novo Código Penal.  Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Franca, v. 10, nº 1, 2015.

REGIA, Vitoria. O que é Importunação Sexual?. Politize, 2021. Disponível em: https://www.politize.com.br/importunacao-sexual/. Acesso em: 02 mar. 2022.

SCUSSEL, Barbara Diesel. O Débito Conjugal Pode Ser Fator Determinante Para a Violência Sexual? Passos Iniciais Para a Desconstrução De um "Mito Jurídico" Machista. Jus, 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83901/o-debito-conjugal-pode-ser-fator-determinante-para-a-violencia-sexual-passos-iniciais-para-a-desconstrucao-de-um-mito-juridico-machista. Acesso em: 11 abr. 2022.

VIEIRA, Andrey Bruno Cavalcante. Direito Penal Simbólico como meio de controle de política criminal. Justificando, 2019. Disponível em: https://www.justificando.com/2019/02/18/direito-penal-simbolico-como-meio-de-controle-e-de-politica-criminal/. Acesso em: 13 jun. 2021.

ZAPATER, Maíra. Da Mulher Honesta à Mulher Rodada: Eu Vejo o Futuro repetir o Passado. Justificando, 2015. Disponível em: https://www.justificando.com/2015/08/21/da-mulher-honesta-a-mulher-rodada-eu-vejo-o-futuro-repetir-o-passado/. Acesso em: 11 abr. 2022.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

OI, SUMIDA

 Desembargador revoga prisão temporária de mulher que está foragida

Por considerar que o fato de a investigada estar foragida não pode servir como justificativa para manutenção da prisão, o desembargador Paulo Gustavo Guedes Fontes, da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, concedeu liminar para revogar a medida cautelar decretada contra uma mulher acusada de participar de organização criminosa.

Reprodução
Mulher é investigada pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas

A mulher foi denunciada pelo Ministério Público Federal de Ribeirão Preto (SP) pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas por fatos que datam de 2013 a 2015.

A defesa, patrocinada pelas advogadas Maria Jamile José e Bruna Coutinho, do escritório Maria Jamile José Advocacia, pediu a revogação da prisão temporária alegando a falta de contemporaneidade dos fatos e também que a colheita de provas já foi concluída e a denúncia, oferecida, sendo desnecessária a manutenção da medida cautelar.

Na decisão, o desembargador aceitou o argumento da defesa e destacou a ausência de contemporaneidade dos fatos, afirmando que "os supostos fatos praticados pela paciente são antigos e relacionam-se a empresas cujo encerramento ocorreu em 2013 e 2015, de maneira que se encontra ausente o requisito da contemporaneidade para a decretação da prisão".

Segundo Fontes, o fato de a investigada estar foragida não pode servir como justificativa para manutenção da prisão, especialmente em razão dos princípios da não autoincriminação e do direito ao silêncio. 

"Ainda que ela tenha permanecido foragida desde a decretação da medida, o simples fato de a impetrante não ter sido ouvida pela autoridade policial, a fim de esclarecer sua participação nos fatos investigados, carece de justificativa para a prisão da paciente, pois a obtenção de informações diretamente da investigada encontra óbice no princípio da impossibilidade da autoincriminação e no direito ao silêncio, de maneira que a medida nesse sentido se afigura desproporcional."

O desembargador também decidiu que as demais diligências elencadas como pendentes pelo Ministério Público Federal podem ser realizadas sem a necessidade de manutenção da prisão.


Processo 5031490-61.2022.4.03.0000

SEM QUERER, QUERENDO

 Por falta de intenção de ficar com veículo, TJ-PR absolve acusado de furtar caminhão

Por 

Sem a intenção de subtrair a coisa e de se apoderar dela como se dono fosse, não há furto. Com essa fundamentação, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) deu provimento ao recurso de apelação de um homem para absolvê-lo da acusação de furtar um caminhão avaliado em R$ 300 mil. Em primeiro grau, o réu foi condenado a quatro anos e dois dias de reclusão, em regime inicial fechado.

Caminhão furtado no Paraná tinha
valor estimado em R$ 300 mil
morguefile.com

Para o colegiado, a prova produzida indicou a ocorrência do crime de receptação, sendo insuficiente para condenar o homem por furto qualificado. No entanto, como na fase de recurso a desclassificação ofenderia o princípio de correlação entre a denúncia e a sentença, o acórdão absolveu o apelante nos termos do artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal (não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal).

"Alterar neste momento o cenário posto pela promotoria significaria modificar os fatos narrados, ou seja, incidiríamos em hipótese de mutatio libelli, manobra vedada nesta instância, de acordo com a Súmula nº 453 do STF", observou o desembargador Marcus Vinícius de Lacerda Costa, relator do recurso. Os desembargadores Jorge Wagih Massad e Maria José de Toledo Marcondes Teixeira seguiram o seu voto.

Previsto no artigo 384 do CPP, o instituto do mutatio libelli permite ao Ministério Público, se assim entender cabível e após o encerramento da instrução probatória, aditar a denúncia para alterar a definição jurídica do fato. A Súmula 453 do STF, por sua vez, veda a aplicação da regra processual penal em segunda instância, conforme a ressalva do acórdão do TJ-PR.

Sem dolo específico
A advogada Elisângela Estela Ferreira Prado expôs nas razões recursais que o MP "apenas presume que o apelante praticou o furto, mas não demonstra, não comprova o dolo de subtração, animus furandi, tampouco a intenção de apoderar-se definitivamente da coisa, animus rem sibi habendi, elementos essenciais para a configuração do delito, sendo que a ausência destes concerne em atipicidade de conduta".

A defensora reforçou a sua tese alegando que, além do elemento subjetivo do furto, caracterizado pelo dolo de subtração, é "essencial" ao agente também querer a coisa em definitivo, "e não somente usá-la temporariamente". A Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo conhecimento e provimento do apelo. No mesmo sentido, a 5ª Câmara Criminal decidiu: "A autoria é incerta, não sendo possível imputá-la ao réu".

O homem foi preso em flagrante no último dia 8 fevereiro, na Rodovia PR-323, no trecho de Cianorte (PR). Ele dirigia um caminhão que foi roubado em um posto de combustíveis no município de Umuarama. Após receber no celular um alerta do sistema de rastreamento de que o veículo estava em movimento, o seu dono avisou a Polícia Rodoviária e indicou a rota de fuga, possibilitando a detenção.

Em seus depoimentos judiciais, os dois policiais autores da prisão disseram que o acusado alegou ter sido contratado para dirigir o caminhão até Maringá, onde deveria deixá-lo em outro posto. O réu afirmou que receberia dinheiro para fazer essa tarefa, mas não ficou combinado qual o valor. Ele também informou que se deparou com o veículo já aberto e ligado. Na ignição havia uma chave falsa.

Apesar disso, o juízo da 2ª Vara Criminal de Umuarama (PR) se convenceu de que ele cometeu o crime descrito na denúncia e o condenou. Conforme o acórdão, porém, não há imagens de câmeras de segurança do local da subtração, testemunhas oculares ou quaisquer outros indícios que caracterizem o furto qualificado. "Resta clarividente que a conduta perpetrada pelo denunciado se trata de crime de receptação".

Processo 0001051-46.2022.8.16.0069

TRIBUNAL DO JÚRI

O Tribunal do Júri e os casos midiáticos: Sheppard v. Maxwell

Por  e 

Se a publicidade durante o processo ameaçar a equidade do julgamento, um novo julgamento deve ser ordenado. Mas devemos lembrar que as anulações dos julgamentos são apenas paliativos; a cura está nas medidas corretivas que impedirão o prejulgamento em seu início [1].

Nas semanas anteriores abordamos a fase investigativa do assassinato de Marilyn Sheppard (aqui) e o julgamento de Sam Sheppard (aqui). Hoje exploraremos a fase recursal, em especial, o julgamento pela Suprema Corte dos Estados Unidos, cuja decisão pode ser dividida em capítulos.

No primeiro deles, destacando o princípio geral de que a justiça não pode sobreviver atrás das paredes do silêncio, tratou-se da importância da publicidade dos atos jurisdicionais e de que uma imprensa responsável contribui para esse desiderato, pois, além de informar a sociedade a respeito do desenrolar dos casos, submete os agentes que atuam na persecução penal ao escrutínio e crítica pública. Diante disso, falando pela Corte, Mr. Justice Clark pontuou que o tribunal não está disposto a fazer quaisquer ingerências ou limitações diretas na liberdade de imprensa, eis que aquilo que é produzido num julgamento é propriedade pública. Colacionando alguns precedentes que enaltecem a liberdade de imprensa [2], o magistrado destacou que onde não houver ameaça ou perigo à integridade do julgamento sempre restou estabelecido que a imprensa tivesse carta branca, "embora às vezes deplorássemos o seu sensacionalismo" [3].

O segundo capítulo tratou da importância de que os veredictos estejam embasados fundamentalmente nas provas produzidas em contraditório e não em fontes externas, em especial, aquelas não admitidas pelo juízo. Além disso, a Corte pontuou que a mera afirmação feita pelos jurados de que poderiam decidir o caso única e exclusivamente com base nas provas produzidas nos autos — apesar de expostos a reportagens jornalísticas — não seria suficiente a garantir um veredito imparcial. Extrai-se deste capítulo, portanto, que os julgamentos não deveriam ser como eleições, as quais podem ser ganhas em comícios, rádio e jornais.

Em Patterson v. State of Colorado o Attorney General, Justice Holmes esclareceu uma das regras fundamentais para todo e qualquer julgamento: "A teoria do nosso sistema é que as conclusões a serem alcançadas em um caso serão induzidas apenas por evidências e argumentos em tribunal aberto, e não por qualquer influência externa, seja de conversa privada ou opinião pública" [4].

A falta de prova efetiva de que os jurados foram diretamente influenciados por elementos externos ao julgamento pode ser superada pela elevada probabilidade de sua ocorrência à luz do caso concreto [5], pois o sistema judicial deve estar afinado a combater a mera plausibilidade de um julgamento injusto [6].

Dessa forma, fazendo a subsunção da regra ao caso concreto, a Suprema Corte colacionou fatos que demonstram que Sheppard não teve um julgamento justo, destacando-se: 1) o indeferimento do pedido de desaforamento ou, ao menos, do adiamento do julgamento; 2) a ausência do isolamento do júri; 3) a falha do magistrado ao deixar de advertir corretamente e incisivamente o júri para se abstivesse de manter contato com reportagens a respeito do caso [7]; 4) a veiculação de fotos dos jurados com os seus endereços nos jornais, antes e durante o julgamento, o que contribuiu para que se tornassem alvo da opinião de amigos e estranhos, bem como, que recebessem cartas anônimas tratando do caso; 5) a virulenta publicidade do caso que inclusive destacava fatos que não foram debatidos durante o julgamento [8] e o indeferimento do pedido feito pela Defesa para que os jurados fossem questionados se tiveram contato com reportagens que valoravam o caso em prejuízo ao acusado; 6) a falta de controle quanto a presença e atuação da imprensa na sessão de julgamento [9], fato que, segundo a Corte, fizeram com que Sheppard fosse privado daquela serenidade e calma jurídica a que tinha direito [10].

Realmente, a principal falha no julgamento foi atribuída ao magistrado, o qual chegou a afirmar por diversas vezes que não tinha o poder suficiente para controlar a publicidade do caso, restringindo notícias prejudiciais ao acusado. A Corte pontuou que o magistrado poderia sim ter tomado providências para garantir um julgamento justo, limitando, por exemplo, a presença da mídia nas dependências do tribunal: "A atmosfera carnavalesca no julgamento poderia facilmente ter sido evitada, uma vez que a sala de audiências e as instalações do tribunal estão sujeitas ao controle do tribunal" [11].

Ademais, o magistrado deveria ter isolado as testemunhas, evitando que o seu depoimento fosse divulgado pela mídia antes mesmo de serem ouvidas em juízo. Ou seja, apesar das testemunhas serem impedidas de acompanhar presencialmente o desenrolar do julgamento, elas acabaram por conhecer o teor de outros depoimentos já prestados diretamente pela imprensa, tornando sem efeito a regra que impede que as testemunhas ouçam os depoimentos das outras.

É função do magistrado proibir que informações prejudiciais ao bom andamento do julgamento cheguem à imprensa por meio de relatos extrajudiciais advindos de advogados, partes, testemunhas e servidores do poder judiciário. No caso concreto, deveriam ter sido proibidos quaisquer comentários a respeito da recusa do acusado a se submeter a interrogatórios e testes de detector de mentiras; a identidade de possíveis testemunhas e o provável teor dos seus depoimentos; qualquer crença a respeito da culpa ou inocência do acusado, etc., o que poderia ter sido realizado mediante a aplicação do Código de Ética Profissional da American Bar Association, conforme anterior precedente [12].

As autoridades públicas também deveriam ter sido advertidas para que expedissem regulamentos controlando a maneira pela qual os seus funcionários poderiam divulgar informações a respeito do caso. Por fim, a própria imprensa deveria ter sido advertida para que deixasse de publicar material que não fizesse parte do processo, evitando que a opinião dos jurados passasse a ser formada por elementos alheios e desprovidos do necessário contraditório. "Se o juiz, os outros oficiais do tribunal e a polícia tivessem colocado o interesse da justiça em primeiro lugar, os meios de comunicação logo teriam aprendido a se contentar com a tarefa de relatar o caso à medida que ele se desenrolava no tribunal — e não a partir de declarações extrajudiciais" [13].

Diante do protagonismo da mídia, após o julgamento de Sheppard, vários magistrados passaram a se valer das chamadas gag-rules, emitindo ordens objetivando que a imprensa se abstenha de publicar certas informações a respeito de casos em andamento e cuja inobservância é suscetível de gerar um contempt of court (conduta que implica na desobediência de uma determinação judicial ou legal e é passível de multa ou prisão). Sua constitucionalidade, porém, é amplamente questionável, pois implica numa restrição prévia à liberdade de imprensa. A respeito do tema, sugerimos a busca do precedente: Nebraska Press Association v. Stuart, 427 U.S. 539 (1976) [14].

Retornando ao julgamento de Sheppard e, fazendo uma retrospectiva dos casos já julgados pela Suprema Corte, Justice Clark anotou ser cada vez mais comum a veiculação de comentários injustos e prejudiciais aos julgamentos. E pontuou: o "(...) devido processo exige que o acusado receba um julgamento por um júri imparcial livre de influências externas. Dada a abrangência das comunicações modernas e a dificuldade de apagar a publicidade prejudicial das mentes dos jurados, os tribunais de julgamento devem tomar medidas fortes para garantir que o equilíbrio nunca seja sopesado contra o acusado". Sem estipular uma regra que impeça que a imprensa divulgue os fatos que aconteçam durante o julgamento, quando o magistrado constatar que "há uma probabilidade razoável de que notícias prejudiciais antes do julgamento impeçam um julgamento justo, o juiz deve adiar o julgamento do caso até que a ameaça diminua, ou transferi-lo para outro condado não tão permeado de publicidade".

Ao final, em 6/6/1966, por oito votos contra um, a Suprema Corte anulou a condenação de Sam Sheppard e determinou que o acusado fosse colocado em liberdade, salvo se novamente fosse julgado em um prazo razoável. Então, Sheppard é levado a um novo julgamento e, em 16/11/1966, o júri anunciou a decisão: "Not Guilty".

O veredito absolutório não é o epílogo de um dos casos mais famosos e polêmicos da história norte-americana [15]. Inocente ou culpado pelo crime [16], a única certeza é que o julgamento mudou para sempre a vida de Sam Sheppard: em 7/1/1955 sua mãe cometeu suicídio; em 18/1/1955, seu pai morreu de câncer; após ser absolvido, Sheppard retornou a praticar a medicina, mas com as suas habilidades cirúrgicas comprometidas pelo tempo e somando-se ao alcoolismo, Sam acabou por matar dois pacientes; passou a fazer uso de barbitúricos e apresentava sintomas de cleptomania; em 1968, Ariane Tebbenjohanns [17] se divorciou de Sheppard alegando que ambos viviam um casamento conflituoso, que incluía ameaças e infidelidades de Sam; em 1969, Sheppard abandonou a medicina e, em agosto daquele mesmo ano, fez a sua estreia — pasmem! — como lutador profissional usando o nome de Killer Sheppard;. Em 6 de abril de 1970, aos 46 anos, Sam Sheppard desmaiou em sua cozinha, vomitando sangue. Os médicos chamados ao local não conseguiram reanimá-lo. O relatório do patologista listou a causa da morte como doença hepática [18].

A série de artigos sobre o caso Sheppard traz reflexões para debater a ponderação dos valores liberdade de imprensa e a garantia de um julgamento justo. O sensacionalismo midiático inexoravelmente afeta julgamentos criminais, particularmente no Tribunal do Júri, na medida que possui competência para o julgamento de casos que geram comoção, bem como o julgamento se dá por juízes leigos, sem fundamentação e com maior complexidade de elementos decisórios.

O enfrentamento pela Suprema Corte dos Estados Unidos na década de 1960 indica que não se trata de um tema novo. No entanto, ainda mais ao se considerar o avanço tecnológico e de disseminação de informações, faz-se cada vez mais importante discutir e desenvolver instrumentos que minimizem os efeitos de pré-julgamentos para proteção do Tribunal do Júri e, consequentemente, para que os julgamentos sejam, de fato, legítimos e justos.


[1] If publicity during the proceedings threatens the fairness of the trial, a new trial should be ordered. But we must remember that reversals are but palliatives; the cure lies in those remedial measures that will prevent the prejudice at its inception.

[2] Craig v. Harney, 331 U.S. 367374, 67 S.Ct. 1249, 1254, 91 L.Ed. 1546 (1947); Bridges v. State of California314 U.S. 252265, 62 S.Ct. 190, 195, 86 L.Ed. 192 (1941).

[3] Sheppard v. Maxwell, 384, U.S. (1966).

[4] Patterson v. State of Colorado ex rel. Attorney General205 U.S. 454462, 27 S.Ct. 556, 558, 51 L.Ed. 879 (1907): "The theory of our system is that the conclusions to be reached in a case will be induced only by evidence and argument in open court, and not by any outside influence, whether of private talk or public print".

[5] Estes v. State of Texas381 U.S. 53285 S.Ct. 1628, 14 L.Ed.2d 543 (1965).

[6] 349 U.S. 133136, 75 S.Ct. 623, 625, 99 L.Ed. 942 (1955).

[7] "Eu sugiro e aviso que você não leia nenhum jornal durante o andamento deste julgamento, que você não ouça comentários de rádio nem assista ou ouça comentários de televisão, no que diz respeito a este caso. Você se sentirá muito melhor à medida que o julgamento prosseguir. Estou certo de que todos nos sentiremos muito melhor se não nos permitirmos ler jornais ou ouvir quaisquer comentários sobre o assunto enquanto o caso estiver em andamento. Depois que tudo terminar, você pode ler tudo o que quiser".

[8] Grande parte do material impresso ou transmitido durante o julgamento nunca foi ouvido do banco de testemunhas, como as acusações de que Sheppard tinha impedido propositadamente a investigação do assassinato e deve ser culpado, uma vez que ele tinha contratado um advogado criminal proeminente; que Sheppard era um criminoso que ele teve relações sexuais com inúmeras mulheres; que sua esposa assassinada o caracterizou como um "Jekyll-Hyde"; que ele era "um mentiroso descarado" por causa de seu testemunho quanto ao tratamento policial; e, finalmente, que uma mulher condenada reivindicou Sheppard para ser o pai de seu filho ilegítimo. Conforme o julgamento progredia, os jornais resumiam e interpretavam as evidências, dedicando especial atenção ao material que incriminava Sheppard, e muitas vezes tiravam inferências injustificadas do testemunho. Em um ponto, uma foto de primeira página do travesseiro manchado de sangue da senhora Sheppard foi publicada depois de ser "adulterada" para mostrar mais claramente uma suposta impressão de um instrumento cirúrgico.

[9] "[T]he presence of the press at judicial proceedings must be limited when it is apparent that the accused might otherwise be prejudiced or disadvantaged".

[10] "Em uma mesa temporária a poucos metros da bancada do júri e da mesa dos advogados, estavam cerca de 20 repórteres olhando para Sheppard e fazendo anotações. A montagem de uma mesa de imprensa para repórteres dentro da área reservada para o julgamento (inside de bar) é inédita".

[11] "The carvinal atmosphere at trial could easlily have been avoided since the courtroom and courthouse premises are subject to control of the court".

[12] State v. Van Duyne, 43 N.J., 369, 389, 204 A.2d 841, 852 (1964)

[13] Sheppard v. Maxwell, 384, U.S. (1966).

[14] No julgamento, três juízes da Suprema Corte asseveraram todas que as regras de restrição à liberdade de imprensa seriam inconstitucionais; outros quatros destacaram que diante de algumas circunstâncias do caso concreto seria possível limitar o direito à liberdade de imprensa. Os últimos dois juízes indicaram a sua inclinação em concordar que todas as gag rules seriam inconstitucionais.

[15] Julgamento célebre a ponto de inspirar, entre outros, uma série televisiva "The Fugitive"; um filme — com o mesmo nome — protagonizado por Harrison Ford; e os livros Mockery of Justice (de Cynthia Cooper e Sam Reese Sheppard), The Sheppard Murder Case (de Paul Homes), The Wrong Man (de James Neff) e Dr. Sam Sheppard on Trial.

[16] Em abril do ano de 2000, após oito semanas de julgamento, a justiça julga improcedente a ação indenizatória proposta por Sam Reese Sheppard (filho de Sam Sheppard) na qual buscava a reparação pela prisão (supostamente) ilegal de seu genitor.

[17] A alemã Ariane Tebbenjohanns passou a se corresponder com Sheppard enquanto ele ainda estava preso. Ambos se apaixonam e acabam por se casar em 1964, logo após o juiz Carl Weinman ter revogado a prisão de Sam. Porém, para a "alegria" da imprensa, Ariane tinha uma irmã mais velha que foi casada com, nada mais nada menos, Joseph Goebbels, chefe da propaganda nazista.

[18] LINDER, Douglas O. Dr. Sam Sheppard Trials: An Account. In. Famous Trials. Disponível em https://bit.ly/3UnaVnr com acesso em 11/11/2022.


 é juiz de Direito, presidente do 2º Tribunal do Júri de Curitiba desde 2008, mestre em Direitos Fundamentais e Democracia (UniBrasil), professor de Processo Penal (FAE Centro Universitário, UTP e Emap), professor da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Tribunal do Júri (Nupejuri).

 é advogado criminalista, pós-doutor em Direito (UFPR), doutor pelo Programa Interdisciplinar em Neurociências (UFMG), mestre em Direito (UniBrasil), coordenador da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI, professor de Processo Penal da FAE e do programa de mestrado em Psicologia Forense da UTP.

 é defensor público, titular do 2º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Lisboa (Portugal), mestre em Ciências Criminais pela Ucam-RJ, investigador do Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Lisboa, membro Honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros e professor de Processo Penal.

Revista Consultor Jurídico, 3 de dezembro de 2022, 8h00

LIGAÇÕES PERIGOSAS

 Réus investigados com base apenas em interceptações são absolvidos pelo TRF-2

Por 

Sem provas suficientes da prática dos crimes, a 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região absolveu mais de 30 réus acusados de corrupção e quadrilha. As condenações diziam respeito a investigações datadas de 2006 envolvendo quadros de policiais, desembargadores e juízes.

TRF-2 aceitou tese de que não foram constatadas provas de corroboração
TRF-2

Dentre os absolvidos, um policial civil e um empresário eram clientes do escritório Luchione Advogados. Eles haviam sido condenados com base em ligações telefônicas, mas não foram constatadas provas de corroboração.

Sem prova robusta
O policial civil foi condenado em primeira instância por corrupção passiva e associação criminosa. Conversas telefônicas apontariam entrega de dinheiro, repasse de informações sigilosas, cooptação de policiais para atuarem na quadrilha e omissão na repressão a jogo ilegal. Em sua defesa, o agente alegou possuir apenas relação de amizade com outro policial com o qual manteve diálogos telefônicos.

A desembargadora Simone Schreiber, relatora do caso, não verificou prova robusta de solicitação, recebimento ou promessa de pagamento ao réu. Quanto à quadrilha, sequer houve menção a outros membros do grupo criminoso.

Segundo ela, não houve "prova inequívoca" de que os valores mencionados nos áudios estivessem relacionados ao pagamento de propina. "Os diálogos parecem se referir a um empréstimo a juros, pois o réu pegaria um valor menor e devolveria um valor maior, talvez não associado ao grupo criminoso", assinalou.

Na conversa entre os policiais também não houve referência a "termos rotineiramente utilizados para menção dissimulada a dinheiro". Assim, "remanesce dúvida sobre a efetiva entrega de valor em espécie" e "não há qualquer outra prova que corrobore o recebimento de vantagem indevida".

As interações entre o réu e o interlocutor poderiam ser interpretadas "no contexto do coleguismo ou da amizade entre os policiais", como alegado pela defesa.

Relacionamento com a irmã
Já o outro cliente do escritório foi condenado em primeiro grau por corrupção ativa. Ele teria oferecido propina a um escrivão e a um delegado da Polícia Federal para que confeccionassem um relatório sugerindo o arquivamento de um inquérito.

Os advogados alegaram que o empresário se encontrou com o escrivão porque tinha um relacionamento com sua irmã. Nesta oportunidade, conheceu rapidamente o delegado, sem saber do cargo que ocupava na Polícia Federal.

Simone também não observou "prova suficiente para embasar a manutenção da sentença". Os diálogos dos telefonemas interceptados indicariam somente que o escrivão teria vendido um veículo que era do empresário e que tinha sido informalmente dado a sua irmã, o que poderia explicar a aproximação entre os dois.

"Não há qualquer referência, nos telefonemas interceptados, ao oferecimento/promessa/recebimento de vantagem indevida em contrapartida à prática de ato de ofício, qual seja, a confecção de um relatório policial favorável, sugerindo o arquivamento do inquérito", ressaltou a magistrada.

Também não houve menção ao número do inquérito, a valores em dinheiro ou mesmo ao objetivo do encontro ocorrido. A PF efetuou diligência para acompanhar o encontro, mas não informou o motivo do episódio nem qualquer ato que indicasse o pagamento de propina.

O advogado Carlo Luchione diz que o "mito de condenações com base em interceptações telefônicas sem prova de corroboração finalmente caiu por terra, gerando diversas absolvições, embora tardias". Para ele, "nada irá reparar reputações e o longo tempo de prisão que vários amarguraram".

Processo 0806354-92.2007.4.02.5101

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

OPINIÃO

 O ANPP e o valor probatório da confissão: a posição do STJ

16 de outubro de 2022, 6h09  

Por Rômulo de Andrade Moreira

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus nº 756.907/SP, realizado na sessão do último dia 13 de setembro, e tendo como relator o ministro Rogerio Schietti, decidiu que se a sentença condenatória reconheceu a autoria delitiva exclusivamente com lastro em elementos produzidos na fase extrajudicial, especialmente na confissão do acusado feita no acordo de não persecução penal (ANPP), não confirmada durante a instrução criminal, impõe-se a absolvição do acusado.

Nos termos do voto do relator, "a assunção extrajudicial de culpa no ANPP é similar ao conteúdo de confissão da prática da infração penal perante autoridade policial ou ministerial, somente tendo valor probatório como dado extrajudicial, e somente podendo ser utilizada para subsidiar a denúncia 'caso exista descumprimento do acordo, levando o Ministério Público a oferecer denúncia' (CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do Acordo de Não Persecução Penal à luz da Lei 13.963/2019 — Pacote Anticrime. Salvador: JusPodivm, 2020. p. 113)".

Segundo o ministro Schietti, "por ser uma prova extrajudicial, seria retratável em juízo e não tem standard probatório para, exclusivamente, levar à condenação. Seja qual for a sua clareza, deve ser confrontada com outros elementos que possam confirmá-la ou contraditá-la, durante a instrução criminal. Se o celebrante do ANPP não figura no polo passivo da ação penal e a confissão formal não pode ser utilizada contra ele (na seara criminal) enquanto não descumprir o ato negocial, com muito mais razão essa prova extrajudicial carece de aptidão probatória para, per se, subsidiar a condenação de coautor do mesmo fato delituoso, atingido pelas declarações".

Consta, ainda, do voto do relator: "para que declaração do celebrante do ANPP possa respaldar o decreto condenatório é imprescindível sua reprodução em juízo, durante a ação penal, e a constatação de sua coerência com provas judicializadas, submetidas ao
contraditório, de forma a conferir ao réu o direito fundamental de efetiva
participação na formação da decisão judicial, em dualidade com o Ministério Público"
.

Assim, conclui o relator que, deixando "de ser observada a garantia do ar. 5º, LV, da Constituição Federal, a defesa não pôde refutar a prova produzida contra o acusado durante a confissão extrajudicial que antecedeu o ANPP, não reproduzida ao longo da instrução criminal. O Juiz deixou de ser assegurar à parte a paridade de tratamento em relação ao Ministério Público. No mais, a sentença faz referência a outros elementos informativos (depoimentos prestados ao Promotor de Justiça e
no âmbito de inquérito policial, durante as investigações) que também não
possuem valor para formar a convicção judicial, demonstrando-se ofensa ao artigo 155 do CPP, e impondo-se a absolvição do paciente nos termos do art. 386, VII, do CPP"
.

A decisão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça foi absolutamente correta e consentânea com o princípio do devido processo legal (e seus consectários), merecendo aplausos e observância como um importante precedente judicial a ser obrigatoriamente seguido, nos termos do artigo 315, § 2º, VI, do Código de Processo Penal.

Como se sabe, com a promulgação da Lei nº 13.964/19, que acrescentou ao Código de Processo Penal o artigo 28-A, passamos a ter possibilidade de um acordo de não persecução penal, a ser realizado entre o Ministério Público e o investigado.

Este acordo só poderá ocorrer se não for o caso de arquivamento do procedimento investigatório, pois se não houver justa causa ou faltarem os pressupostos processuais ou as condições para o exercício da ação penal, deve ser promovido o arquivamento, nos termos do artigo 28, Código de Processo Penal [1]. O acordo pode ser feito com qualquer investigado em um procedimento formal de natureza investigatória/criminal [2], seja instaurado na polícia (federal, militar ou civil) ou no próprio Ministério Público; a propósito, observa-se que a palavra utilizada no texto legal é sempre "investigado", e não "indiciado".

O pressuposto para a formalização do acordo é que se trate da investigação de uma infração penal (portanto, crime ou contravenção) praticada sem violência ou grave ameaça, cuja pena mínima seja inferior a 4 anos. Logo, não se admite tais acordos quando se trate de crime cuja pena mínima seja igual ou superior a 4 anos, ou, ainda que não o seja, tenha sido praticada com violência ou grave ameaça.

Segundo a lei, para aferição da pena mínima serão consideradas as causas de aumento e de diminuição aplicáveis ao caso concreto. Assim, poderá não ser possível a formalização do acordo caso a pena mínima seja de três anos, mas esteja prevista uma causa de aumento de pena de 1/3. Por outro lado, no crime com pena mínima igual ou superior a 4 anos admite-se o acordo, caso haja uma causa de diminuição de pena. Se a causa de aumento de pena é variável (de 1/3 a 2/3, por exemplo), deve-se levar em consideração o "aumento mínimo", pois é a pena mínima o pressuposto para o acordo. Ao contrário, existindo causa de diminuição de pena variável, aplicar-se-á o maior percentual, ou seja, "a diminuição máxima" [3]. Em relação às agravantes e às atenuantes, não devem ser levadas em consideração, pois são circunstâncias genéricas, cujo quantum não vem estabelecido aprioristicamente pela norma penal.

Além desse pressuposto, a lei exige alguns requisitos para a proposta de acordo, dentre os quais a confissão circunstancial (e não circunstanciada!) do investigado, e que esta confissão seja feita formalmente, ou seja, que esteja expressamente esclarecida nas cláusulas do acordo, que deve ser feito por escrito e na presença do defensor e do Ministério Público. A lei condiciona a homologação do acordo à realização de uma audiência (que deverá ser, por óbvio, pública e oral) na qual o Juiz deverá verificar a voluntariedade (não é necessária a espontaneidade) da aceitação do acordo, devendo, para isso, ser ouvido o investigado, na presença do seu defensor; nesta mesma audiência, o magistrado verificará a sua legalidade, isto é, se está presente o pressuposto, se estão preenchidos os requisitos legais e, finalmente, se as condições acordadas estão conforme a lei.

Esta confissão deve ser feita também circunstancialmente (e não circunstanciadamente!), atentando-se sempre para que tenha sido feita sem coação de nenhuma natureza, conforme exige o artigo 8º, 3, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

Se o investigado praticou, supostamente, duas ou mais infrações penais, tendo confessado apenas uma delas, o acordo somente poderá ser feito em relação ao fato admitido, devendo ser oferecida denúncia (caso haja justa causa) no que diz respeito ao outro fato.

Se o investigado confessa a autoria, mas indica fato que lhe favoreça (como, por exemplo, excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, ou mesmo eximentes de pena), não há obstáculo legal para a formalização do acordo. Neste sentido, observa-se que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a chamada "confissão qualificada" deve ensejar a aplicação da atenuante prevista no artigo 65, III, "d", do Código Penal. Ora, se ela serve para atenuar a pena, porque não serviria para admitir o acordo [4]?

Pois bem.

A questão enfrentada na decisão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça diz respeito à validade jurídica dessa confissão como elemento de prova para fundamentar uma sentença condenatória, caso o investigado, não tendo cumprido o que foi acordado, venha a ser denunciado. A questão não é de fácil solução, pois, nada obstante ter sido uma confissão feita fora dos autos do processo, de toda maneira, foi ratificada perante o Juiz (das Garantias, quando a norma contida no artigo 3º-B do CPP tiver eficácia), numa audiência pública, oral, na presença do defensor (constituído, dativo ou Público) e do membro do Ministério Público.

Nada obstante, entende-se que, não tendo havido ainda (quando foi feita a confissão) uma acusação formal, tampouco instrução criminal, não pode aquela confissão, em nenhuma hipótese, servir de base para uma sentença condenatória.

Em outras palavras: caso o investigado tenha confessado para fins do acordo, ainda que formal e circunstancialmente (ratificando-a na audiência prévia), mas, posteriormente, quando interrogado na audiência de instrução e julgamento, não confirmou a confissão, o juiz não poderá utilizar aquela confissão anterior como supedâneo para uma sentença condenatória; afinal, a confissão não foi realizada no bojo de uma ação penal. Aliás, como se sabe, nem mesmo a confissão feita durante o interrogatório é prova insofismável e irrefutável da autoria do crime [5].

Ademais, conforme já referido, quem tem competência para a homologação do acordo é o juiz das garantias (artigo 3º-B, XVII, Código de Processo Penal, ainda com a sua eficácia suspensa por liminar concedida pelo ministro Luiz Fux) e, conforme estabelece o artigo 3º-C, § 3º. (idem), os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias não são apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas não repetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado. Tais autos ficarão acautelados na secretaria do juízo das garantias à disposição do Ministério Público e da Defesa.



[1] Sobre o novo procedimento para o arquivamento de peças de informação, veja-se, por todos, o artigo de Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa (https://www.conjur.com.br/2020-jan-10/limite-penal-procede-arquivamento-modelo, acessado em 11 de janeiro de 2020).

[2] A nova lei também passou a permitir a celebração de acordo de não persecução cível (art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/92).

[3] Mutatis mutandis, veja-se a Súmula 723 do Supremo Tribunal Federal: trata-se da possibilidade de suspensão condicional do processo, cujo pressuposto também é a pena mínima; sendo o caso de continuidade delitiva (que implica em um aumento da pena de 1/6 a 2/3), a Suprema Corte determina a aplicação "do aumento mínimo"; é o mesmo raciocínio.

[4] Agravo Regimental no Recurso Especial nº. 1.198.354/ES. Neste julgado, ficou consignado na ementa que "a jurisprudência do STJ admite que mesmo a confissão dita qualificada enseje a aplicação da atenuante do art. 65, III, d, do Código Penal" (relator ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 16/10/2014, DJe 28/10/2014). Também, no mesmo sentido: "Nos moldes da Súmula nº 545/STJ, a atenuante da confissão espontânea deve ser reconhecida, ainda que tenha sido parcial ou qualificada, seja ela judicial ou extrajudicial, e mesmo que o réu venha a dela se retratar, quando a manifestação for utilizada para fundamentar a sua condenação, o que não ocorreu no caso em análise". (Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 626.728/SP, relator ministro Joel Ilan Paciornik, 5ª Turma, julgado em 25/5/2021, DJe 31/5/2021).

[5] A propósito, um levantamento feito nos EUA pelo Innocence Project "revelou que, de todos os prisioneiros libertados nos últimos anos com base em provas de DNA, 25% foram presos porque se incriminaram, fizeram confissões por escrito ou gravadas em fita cassete à polícia ou se declararam culpados. Estudos de casos mostram que essas confissões não derivaram de conhecimento dos réus sobre o caso, mas foram motivadas por influências externas" (disponível em https://www.conjur.com.br/2012-set-08/instituicao-estuda-porque-pessoas-confessam-crimes-nao-cometeram. Acesso em 19 de janeiro de 2018.

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

PARTICIPAÇÃO PONTUAL

 TRF-3 aplica tráfico privilegiado a casal acusado de ser "mula" em cruzeiro

12 de outubro de 2022, 7h31

Por Eduardo Velozo Fuccia

A função das "mulas" do tráfico é necessária para o êxito da cadeia logística do transporte de drogas, principalmente quando o destino dos entorpecentes for o exterior. Porém, isso nem sempre significa que elas integram a organização criminosa supostamente responsável pela remessa ilícita, sendo cabível o reconhecimento do tráfico privilegiado. 

A 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) adotou esse entendimento por unanimidade ao dar provimento ao recurso de apelação da defesa de um casal de argentinos. Os réus foram condenados por tráfico internacional, sem a aplicação da minorante do parágrafo 4º, do artigo 33, da Lei 11.343/2006.

Com a decisão, o colegiado reduziu a pena dos recorrentes de cinco anos, oito meses e um dia de reclusão para quatro anos, dez meses e dez dias. A diminuição da sanção refletiu no abrandamento do regime inicial de cumprimento da sanção, também requerido no recurso defensivo (indo do fechado para o semiaberto).

O advogado Diego dos Anjos Elias Antônio sustentou em seu recurso que os clientes fazem jus à diminuição da pena, de um sexto a dois terços, por preencherem os requisitos previstos na Lei de Drogas: ser primário, possuir bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas e nem integrar organização criminosa.

"Os réus são primários, não registram maus antecedentes e não há provas de que se dediquem a atividades criminosas, não se podendo afirmar que integrem, ainda que circunstancialmente, organização criminosa voltada ao tráfico transnacional de drogas. Trata-se de situação de 'mula' do tráfico", analisou o desembargador Nino Toldo.

Relator da apelação, Toldo classificou como imprescindível o papel das "mulas" na cadeia delitiva de uma organização criminosa. "Contudo, não se pode dizer que toda 'mula' integra tal organização, devendo haver análise caso a caso". Para o relator, na hipótese dos autos, tudo indica que o envolvimento dos réus tenha sido pontual.

O desembargador também ressalvou que, embora tenham importância na logística criminosa, as "mulas" são contratadas apenas para levar o tóxico, "sem ter nenhum poder de ingerência sobre como realizarão esse transporte, nem onde e de quem receberão a droga, cabendo-lhes obedecer a ordens e seguir roteiro previamente estabelecido".

Cruzeiro europeu
Com 5,5 quilos de cocaína presos com fita adesiva ao corpo, o casal tentou embarcar no navio MSC Preziosa, no terminal de passageiros do Porto de Santos, para um cruzeiro com destino final à Espanha, em abril. A droga foi descoberta durante fiscalização de rotina, sendo os apelantes presos em flagrante pela Polícia Federal.

Ao condenar o casal, no dia 6 de julho, o juiz Roberto Lemos dos Santos Filho, da 5ª Vara Federal de Santos, não reconheceu o tráfico privilegiado, "em razão da conduta ter se concretizado, por certo, em ação orquestrada e executada pelos acusados e terceiros não identificados, em ações próprias às desenvolvidas por organizações criminosas".

Segundo o advogado Diego Elias, não há prova nos autos de que os acusados se dediquem a atividades criminosas e integrem organização criminosa internacional, sendo “sensível e atenta” a análise do relator. "Os apelantes apenas foram contratados como 'mulas', sem maiores detalhes sobre o transporte e cabendo-lhes somente cumprir ordens prévias".

O argentino admitiu em juízo que ganharia US$ 1 mil (cerca de R$ 5,2 mil na cotação atual) para levar o entorpecente à Europa. Informou ter recebido a droga em Santos de um homem que identificou apenas por "Leandro". Ainda segundo ele, a sua namorada soube do transporte ilícito que faria apenas no momento da entrega da cocaína.

O réu alegou que aceitou a proposta de transportar a droga porque precisava de dinheiro para pagar a pensão alimentícia dos filhos. A acusada confirmou a versão do namorado e disse que aceitou participar do esquema "por amor". O homem e a mulher traziam presos aos corpos, respectivamente, 2,8 e 2,7 quilos de cocaína.


Processo 5002078-09.2022.4.03.6104