quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Provimento estabelece regras para retorno das audiências de custódia

 

JSP



A Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo e a Corregedoria Geral da Justiça editaram, ontem (28), o Provimento Conjunto nº 46/21, que estabelece regras para a realização de audiências de custódias, previstas para retornarem a partir do dia 4/10.

O provimento aborda pontos como horário de realização, composição das equipes e protocolo para presos que apresentem sintomas de Covid-19. As audiências de custódia serão realizadas por videoconferência (observado o artigo 19 da Resolução CNJ nº 329/20, com a redação dada pela Resolução CNJ nº 357/20 ). Nos dias úteis, nas comarcas sem a estrutura exigida, as audiências de custódia deverão ocorrer na forma presencial. Nos plantões de final de semana e feriados, que serão realizados na forma remota, a análise de prisão observará os termos dos artigos 8º e 8ª-A da Recomendação CNJ nº 62/20, com vigência prorrogada pela Recomendação CNJ nº 91/21, e do Comunicado CG nº 250/20.

Confira a íntegra do Provimento Conjunto nº 46/21,.

Supremo define percentual para progressão de regime em crime hediondo no caso de reincidência por crime comum

 

STF
 

O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou o entendimento de que o percentual a ser aplicado para a progressão de regime de condenado por crime hediondo ou equiparado, sem morte, que seja reincidente por crime comum é de 40%. A decisão se deu no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1327963, que teve repercussão geral reconhecida (Tema 1169) e mérito julgado no Plenário Virtual.

No caso concreto, trata-se de um condenado por tráfico de drogas que já tinha sido apenado pelo crime de furto. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou o cumprimento da fração de 60% da pena para a obtenção da progressão de regime.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) retificou o cálculo para 40%, previsto no artigo 112, inciso V, da Lei de Execução Penal (LEP). Contra essa decisão, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou o ARE ao Supremo.

Progressão

Em sua manifestação pelo reconhecimento da repercussão geral e pela reafirmação da jurisprudência, o relator, ministro Gilmar Mendes, explicou que o Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) alterou o artigo 112 da LEP em relação à progressão de regime de condenados, prevendo três situações relevantes. Uma é o caso de primário condenado por crime hediondo (40% para progressão); outra é referente aos primários condenados por crime hediondo ou equiparado, com resultado morte ou em posição de comando da organização criminosa (50% para progressão); por fim, a hipótese de reincidente específico na prática de crime hediondo, ou seja, pessoa condenada reiteradamente por crime hediondo (60% para progressão).

Omissão

No entanto, a lei não trata da situação de pessoa condenada anteriormente por crime não hediondo e, em seguida, por crime hediondo, ou seja, reincidente não específico. Não havendo previsão exata na norma, impõe-se a sua interpretação tendo em vista a primazia da posição mais favorável à defesa (no caso, 40%).

De acordo como o relator, a Constituição Federal (artigo 5º, incisos XXXIX e XL) estabelece que não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia imposição legal e que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. “Trata-se de postura inerente ao respeito da isonomia e da presunção de inocência, de modo que eventual tratamento mais benéfico concedido pelo Estado deve ser generalizado a todas as pessoas a quem possa ser aplicado”, salientou.

Tese

A tese fixada no julgamento foi a seguinte: “Tendo em vista a legalidade e a taxatividade da norma penal (artigo 5º, XXXIX, CF), a alteração promovida pela Lei 13.964/2019 no artigo 112 da LEP não autoriza a incidência do percentual de 60% (inciso VII) aos condenados reincidentes não específicos para o fim de progressão de regime. Diante da omissão legislativa, impõe-se a analogia in bonam partem, para aplicação, inclusive retroativa, do inciso V do artigo 112 da LEP (lapso temporal de 40%) ao condenado por crime hediondo ou equiparado sem resultado morte reincidente não específico”.

A decisão quanto ao reconhecimento da repercussão geral foi unânime. Já no mérito, a manifestação do relator, negando provimento ao RE do Ministério Público Federal e reafirmando a jurisprudência, foi seguida por maioria, vencido o presidente do STF, ministro Luiz Fux.


quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Tribunal Regional Federal da 6ª Região

 

Senado aprova criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, sem aumento de despesas

O Senado Federal aprovou nesta quarta-feira (22) a criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), com sede em Belo Horizonte, para atender Minas Gerais. O Projeto de Lei 5.919/2019 é de iniciativa do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e cria o novo tribunal sem aumentar as despesas com o Judiciário federal.

Segundo o presidente do STJ e do Conselho da Justiça Federal (CJF), ministro Humberto Martins, a iniciativa é um exemplo concreto de como racionalizar o funcionamento da Justiça. "O TRF6 está sendo criado sem novos gastos para o contribuinte e vai desafogar o tribunal mais sobrecarregado do país, que é o TRF1, responsável por uma demanda desumana de processos", avaliou Martins.

Inspiração para iniciativas futuras
O relator do projeto no Senado, Antonio Anastasia (PSD-MG), destacou o fato de a proposta não gerar custos adicionais e disse que o modelo adotado pode servir de inspiração para futuras iniciativas de descentralização da Justiça no Brasil.

"A criação da sede em Belo Horizonte significará não apenas uma tramitação mais célere de processos, que chegam a durar mais de uma década, mas o acesso das pessoas à Justiça", comentou o senador, lembrando que Minas Gerais responde por mais de 30% de todos os processos que tramitam no TRF1.

Pela manhã, o projeto foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, seguindo imediatamente para o plenário. Agora, o texto será remetido à sanção do presidente da República.

O presidente do STJ agradeceu o empenho dos senadores Antonio Anastasia e Davi Alcolumbre (DEM-AP) – este último, presidente da comissão – na tramitação do projeto.

Humberto Martins também agradeceu o trabalho do ministro João Otávio de Noronha, presidente do STJ de 2018 a 2020, pela criação do TRF6. O projeto foi apresentado durante a gestão de Noronha, e segundo o atual presidente, ele não mediu esforços para que o tribunal fosse criado. Martins afirmou que a nova corte regional poderá ser instalada ainda na atual gestão do STJ e do CJF.

Reorganização do CJF
Até aqui, a jurisdição federal de segunda instância em Minas Gerais era de competência do TRF1, responsável ainda por outras 13 unidades federativas (Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima, Tocantins e Distrito Federal).

Outro tema do projeto aprovado é uma reorganização do CJF, aumentando de três para quatro o número de ministros do STJ em sua composição, fora o presidente e o vice-presidente do tribunal, que são membros natos.

Humberto Martins informou que ainda neste ano, segundo entendimento firmado com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e outras lideranças políticas, deve ser aprovada a PEC da Relevância, proposta de mudança do artigo 105 da Constituição com o objetivo de criar mais um requisito de admissibilidade do recurso especial: a exigência de demonstração da relevância da questão federal discutida.

Conforme a proposta, a admissão do recurso somente poderá ser recusada pela manifestação de dois terços dos integrantes do colegiado competente para o julgamento. Na visão de Martins, essa alteração contribuirá de forma significativa para dar celeridade à Justiça.

Sobre o novo tribunal
Pelo projeto, o TRF6 abrangerá o estado de Minas Gerais e contará com 18 juízes, cujos cargos serão criados por transformação de outros 20 cargos vagos de juiz substituto do TRF1, e cerca de 200 cargos em comissão.

O TRF6 ficará, inicialmente, com a média de porcentagem do orçamento da seção judiciária de Minas Gerais nos últimos cinco anos, podendo haver um complemento até o limite do teto de gastos, de acordo com as regras da Emenda Constitucional 95.

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

TJSP exige comprovante de vacinação para entrada em prédios do tribunal

 Obrigação vale para todos que precisem ingressar nos prédios da corte, inclusive advogados, estagiários e público em geral

O presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), Geraldo Francisco Pinheiro Franco, determinou, em portaria que será publicada nesta terça-feira (21/9), a exigência de comprovante de vacinação contra a Covid-19 para entrar em prédios do tribunal a partir da próxima segunda-feira (27/9).

A obrigação será de, ao menos, a primeira dose da vacina — considerado o calendário de vacinação — e vale para todos: servidores, membros do Ministério Público, defensores públicos, advogados, estagiários, funcionários de restaurantes, bancos, lanchonetes e público em geral. A medida vale apenas para maiores de 18 anos.

Serão considerados válidos para a comprovação o certificado digital de vacina do Sistema Único de Saúde (disponível na plataforma Conecte SUS) e comprovante/caderneta/cartão de vacinação impresso em papel timbrado.

Nos casos de audiências ou outros atos processuais previamente designados, o magistrado responsável será imediatamente comunicado do impedimento de ingresso de quem deles participaria, definiu Franco.

O presidente determinou que caberá ao setor de administração predial a adoção das providências necessárias para cumprir o ato, controlando a entrada do público nas dependências do TJ mediante apresentação de comprovante vacinal juntamente com documento oficial com foto.

Se alguém tiver contraindicação à vacina, deverá apresentar relatório médico, justificando o motivo de não poder se vacinar, ordenou a portaria.


Posse de utensílios para cultivo de maconha destinada a consumo próprio não justifica ação penal


O artigo 34 da Lei 11.343/2006, que pune a posse de equipamentos para a fabricação de entorpecentes, está vinculado ao narcotráfico, e não pode ser aplicado contra quem possui utensílios usados no cultivo de plantas destinadas à produção de pequena quantidade de droga para uso pessoal.

Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou o trancamento parcial da ação penal contra um homem denunciado por possuir instrumentos usados no plantio de maconha e na extração de óleo de haxixe. Ele continuará a responder apenas pela posse de drogas para consumo próprio (artigo 28 da Lei de Drogas), pois tinha em depósito 5,8g de haxixe e oito plantas de maconha.

A ministra Laurita Vaz, relatora do recurso em habeas corpus, explicou que o artigo 34 da lei tem o objetivo de punir os atos preparatórios para o tráfico de drogas (descrito no artigo 33). Em consequência, o crime do artigo 34 é absorvido pelo do artigo 33 quando as ações são praticadas no mesmo contexto, mas, segundo a ministra, ele também pode se configurar de forma autônoma, desde que fique provado que os equipamentos em poder do réu se destinavam a produzir drogas para o tráfico, representando risco para a saúde pública.

MP não denunciou o réu por tráfico
No caso em julgamento, porém, a relatora apontou que o próprio Ministério Público entendeu que os entorpecentes encontrados no local se destinavam ao consumo pessoal – tanto que o réu foi denunciado pelo artigo 28, e não pelo 33.

Em seu voto, a ministra ainda ressaltou que o réu apresentou receita médica estrangeira com a prescrição de uso do óleo da maconha. Ainda que essa prescrição não torne lícita a conduta de cultivar a planta e extrair o óleo no Brasil, ela comentou que tal circunstância reforça a conclusão de que os instrumentos realmente se destinavam à produção para uso próprio.

Para Laurita Vaz, embora o delito do artigo 34 da Lei de Drogas possa subsistir de forma autônoma, não é possível que o agente responda por esse crime se a posse dos instrumentos constitui ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente, e não ao tráfico. A ministra destacou que o artigo 28 prevê tratamento mais brando para quem é usuário (advertência, prestação de serviços ou comparecimento a programa educativo), não se justificando punir com mais rigor as ações que antecedem o consumo pessoal.

"Se a própria legislação reconhece o menor potencial ofensivo da conduta do usuário que adquire drogas diretamente no mercado espúrio de entorpecentes, não há como evadir-se à conclusão de que também se encontra em situação de baixa periculosidade o agente que sequer fomentou o tráfico, haja vista ter cultivado pessoalmente a própria planta destinada à extração do óleo, para seu exclusivo consumo", afirmou.

Risco de um contrassenso jurídico
A ministra observou também que o parágrafo 1º do artigo 28 da Lei de Drogas manda aplicar as mesmas penalidades mais brandas a quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de droga para uso pessoal.

"Logo, considerando que as penas do artigo 28 da Lei de Drogas também são aplicadas para quem cultiva a planta destinada ao preparo de pequena quantidade de substância ou produto (óleo), seria um contrassenso jurídico que a posse de objetos destinados ao cultivo de planta psicotrópica, para uso pessoal, viesse a caracterizar um crime muito mais grave, equiparado a hediondo e punido com pena privativa de liberdade de três a dez anos de reclusão, além do pagamento de vultosa multa", disse a ministra.

Para a magistrada, quem cultiva uma planta, naturalmente, faz uso de ferramentas típicas de plantio, "razão pela qual se deve concluir que a posse de tais objetos está abrangida pela conduta típica prevista no parágrafo 1º do artigo 28 da Lei 11.343/2006 e, portanto, não é capaz de configurar delito autônomo".

RHC135617

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

 

STJ
 Proibição de substituição da pena por causa de reincidência só ocorre em crimes idênticos

O impedimento absoluto à substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, por causa de reincidência do réu (artigo 44, parágrafo 3º, do Código Penal), só é aplicável no caso da reincidência no mesmo crime (constante do mesmo tipo penal). Nos demais casos de reincidência – como em crimes de mesma espécie, que violam o mesmo bem jurídico, mas constam de tipos diferentes –, cabe ao Judiciário avaliar se a substituição é ou não recomendável em virtude da condenação anterior.

A tese foi estabelecida pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), superando entendimento anterior de que a reincidência em crimes da mesma espécie impediria, de forma absoluta, a substituição da pena privativa de liberdade.

De acordo com o artigo 44, parágrafo 3º, do Código Penal, se o condenado for reincidente, o juízo poderá aplicar a substituição da pena, desde que, diante da condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não esteja relacionada à prática do mesmo crime.

Interpretação da expressão "mesmo crime"
O relator do recurso julgado pela Terceira Seção, ministro Ribeiro Dantas, apontou que o princípio da vedação à analogia em prejuízo do réu (in malam partem) recomenda que não seja ampliado o conceito de "mesmo crime". O magistrado lembrou que toda atividade interpretativa parte da linguagem adotada no texto normativo – o qual, embora tenha ocasional fluidez ou vagueza em seus textos, apresenta "limites semânticos intransponíveis".

"Existe, afinal, uma distinção de significado entre 'mesmo crime' e 'crimes de mesma espécie'; se o legislador, no particular dispositivo legal em comento, optou pela primeira expressão, sua escolha democrática deve ser respeitada", afirmou, concluindo que "mesmo crime" deve ser interpretado como "crime do mesmo tipo penal".

Segundo o relator, se o artigo 44, parágrafo 3º, do Código Penal vedasse a substituição da pena de reclusão nos casos de reincidência específica, seria realmente defensável a ideia de que o novo cometimento de crime da mesma espécie impediria o benefício legal. Entretanto – ponderou –, o legislador utilizou a expressão "mesmo crime", em vez de "reincidência específica", criando na lei uma delimitação linguística que não pode ser ignorada.

Texto dá margem a situações incoerentes
Ribeiro Dantas reconheceu que a interpretação adotada até agora pelo tribunal evitava situações incoerentes, como na hipótese de um réu condenado por dois crimes de furto simples (artigo 155, caput, do CP), que não teria direito à substituição de pena por causa da vedação absoluta prevista no artigo 44, parágrafo 3º, do código; porém, se o segundo crime fosse um furto qualificado (artigo 155, parágrafo 4º), ele poderia ser beneficiado com a substituição, desde que a pena não ultrapassasse quatro anos.

"Em outras palavras, o cometimento de um segundo crime mais grave poderia, em tese, ser mais favorável ao acusado, em possível violação ao princípio constitucional da isonomia", apontou. No entanto, o ministro afirmou que essa incongruência da lei "é matéria político-legislativa, a ser corrigida mediante os meios e processos da democracia", e não por uma interpretação judicial contrária ao réu – "algo incabível no processo penal". No Poder Judiciário, disse ele, "impõe-se respeitar os limites lexicais dos textos normativos e assim aplicá-los".

No caso analisado pela Terceira Seção, o magistrado apontou que o réu foi condenado pelo crime de receptação, e, mesmo sendo a pena menor do que quatro anos de reclusão, a substituição foi negada pelo tribunal de origem em razão de crime anterior de roubo.

Nessa hipótese, embora a substituição fosse possível diante da nova orientação do colegiado, Ribeiro Dantas destacou que o crime de roubo tem a violência ou a grave ameaça como elemento típico objetivo, o que leva à conclusão – como também entendeu a corte estadual – de que o benefício não seria socialmente recomendável.

Leia o acórdão no AREsp 1.716.664.


AREsp1716664


Reconhecimento Pessoal em Processos Criminais

 

CNJ
 Grupo vai aprimorar reconhecimento pessoal em processos criminais

Sempre que uma pessoa inocente é acusada e condenada por um crime que não cometeu, ocorre uma dupla injustiça: a penalização da inocente e a impunidade da pessoa culpada. E as falhas no reconhecimento pessoal em processos criminais se incluem entre os principais fatores que concorrem para que esse tipo de injustiça seja recorrente nas prisões brasileiras.

Em estudo recente realizado em 10 estados, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) apurou que 60% dos casos de reconhecimento fotográfico equivocado em sede policial implicaram na decretação da prisão preventiva. O tempo médio dessas prisões foi de 281 dias – aproximadamente 9 meses.

O levantamento também revelou que, em 83% dos casos de reconhecimento equivocado, as pessoas apontadas eram negras. O levantamento conclui que o reconhecimento pessoal em processos criminais é marcado pela seletividade do sistema penal e pelo racismo estrutural que impera no país.

O tema estimulou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a agir para superar esses desafios. O grupo de trabalho instituído na terça-feira (31/8) vai traçar protocolos para evitar a condenação de pessoas inocentes. Constituído por 26 especialistas – representantes do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da segurança pública, da advocacia e de outras instituições -, o grupo vai realizar estudos e elaborar proposta de regulamentação de diretrizes e procedimentos para o reconhecimento pessoal em processos criminais.

A coordenação dos trabalhos caberá ao ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Machado Cruz, que avalia que os procedimentos para o reconhecimento pessoal em processos criminais, determinados pelo Código de Processo Penal (CPP), não são seguidos com rigor. Ele aponta que o CPP estabelece que a testemunha deve, antes de tudo, fornecer as características da pessoa que será reconhecida. Em seguida, ela deve ser levada a um local onde a pessoa suspeita estará ao lado de outras, se possível parecidas. E ali ela deve apontar a pessoa que é a suposta autora do fato.

“Na prática, o que se observava é que a pessoa não descreve antes, é levada a um local onde só está o suspeito para ser reconhecido. E esse suposto autor é praticamente indicado pela autoridade policial, que pergunta se é aquele indivíduo”, afirma. O ministro também cita casos de reconhecimentos em que uma pessoa negra é colocada entre pessoas brancas e de reconhecimentos fotográficos com o retrato do suspeito enviado por e-mail para a vítima, o que é uma prática indutora.

Schietti destaca que o Poder Judiciário percebeu que é elevado o número de pessoas que estão sendo condenadas apenas com base nessas provas. “Posteriormente, constatou-se, em revisões criminais, que cerca de 2/3 dos casos continham erros judiciais.”

Jurisprudência

Responsável pelo julgamento de um dos casos emblemáticos (HC nº 598.886 – SC) de revisão criminal em caso de reconhecimento pessoal, Schietti explica que o STJ resolveu ser literal na interpretação da lei e estabeleceu jurisprudência. No caso específico do HC, o cidadão foi condenado a 5 anos e 4 meses de prisão com base, exclusivamente, em reconhecimento fotográfico extrajudicial realizado pelas vítimas.

As vítimas indicaram que o autor praticou o assalto encapuzado e somente com os olhos descobertos e que ele teria altura de 1,70 m. O condenado, porém, possui 1,95 m de altura, 25 centímetros a mais do que o apontado pelas vítimas.

Para o ministro, se o reconhecimento não for feito de acordo com a lei, ele é inválido. “Não se pode sustentar uma condenação a menos que exista outras provas. Nós decidimos também que o reconhecimento fotográfico é mais falho ainda, porque ele quase sempre é feito a partir de fotos de prontuários policiais de catálogo de delegacias, que têm os suspeitos de sempre.”

Segundo o magistrado, o reconhecimento em que a vítima é chamada a olhar catálogos para ver se identifica alguém – e aponta quando encontra uma pessoa parecida -, cria uma instabilidade. “É uma insegurança muito grande, uma falibilidade da prova com reflexos traumáticos e definitivos, porque é a liberdade de alguém que acaba suprimida.”

Falhas

As falhas no reconhecimento pessoal em processos criminais, porém, não se restringem ao Brasil. Levantamento realizado pelo Innocence Project nos Estados Unidos indica que os reconhecimentos pessoais equivocados são a causa dos erros judiciais em 69% dos casos em que houve a revisão das condenações, após realização do exame de DNA.

Schietti ressalta que o Brasil tem uma tradição de provas muito pouco exigentes quanto ao que é classificado como standard probatório. “Nos contentamos, por exemplo, com reconhecimento com provas orais que poderiam ser confirmadas por uma perícia. E não exigimos que seja feita a perícia. O objetivo do grupo de trabalho é reavaliar essas questões.”

De acordo com ele, é preciso considerar que existem fatores psicológicos e emocionais que tornam essas provas questionáveis, do ponto de vista científico. Uma pessoa que foi vítima de um roubo está numa permanente tensão – em algumas situações estão até com medo de morrer. “Há casos em que ela pode estar com uma arma apontada para a cabeça e, geralmente, ela não pode ficar visualizando o rosto do réu, que manda ela olhar para outro lado, às vezes ele está de capuz ou está com algum disfarce.”

As ações criminosas, observa, precisam ter um processo de identificação rápido. “Semanas, ou até meses depois, essa pessoa é chamada numa delegacia para apontar alguém como tendo sido autor do fato. Isso é algo muito subjetivo, pois há interferência de emoções, há interferência da memória, que é falível. Além de induções. Tudo isso torna essa prova absolutamente frágil. É cientificamente frágil para sustentar uma condenação.”

O ministro também aponta que há uma tendência do ser humano em validar algum ato anterior, o que é explicado pela psicologia. “Se uma vítima aponta um suspeito na investigação, ela tende a confirmar, em juízo, que reconheceu aquela pessoa. O mesmo ocorre com o policial que efetua uma prisão. A tendência é manter a história de que ele prendeu naquelas circunstâncias que inicialmente narrou.”

Ações

Um dos produtos que será desenvolvido pelo grupo de trabalho é um Protocolo de Boas Práticas de Reconhecimento, com orientações sobre o tema. Também é objetivo criar ferramentas que estimulem as escolas da magistratura a desenvolverem ações de capacitação e aperfeiçoamento sobre reconhecimento pessoal. E especialistas serão convidados para dividir experiências e conhecimento, permitindo desenvolver novas rotinas e procedimentos que são mais adequados.

Schietti destaca que, apesar de a atuação normativa do colegiado ser endereçada à magistratura, acabará refletindo no Ministério Público e nas polícias, que se guiarão pelos mesmos princípios. “Quem avalia a prova é o juiz e é importante que ele possa ter a segurança que esse reconhecimento foi feito de acordo com as diretrizes que nós iremos estabelecer”, explica. Ele ressalta que os estudos vão esclarecer o que o CPP já prevê. “Precisamos de uma normatização cogente, de diretrizes que sirvam de orientação para todos que operam no sistema de Justiça Criminal.”

Jeferson Melo
Agência CNJ de Notícias

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

 

STF definirá elementos necessários para condenação por crime de redução a condição análoga à de escravo

O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá definir os elementos para que se configure o delito de redução a condição análoga à de escravo e quais são as provas necessárias para condenações por esse crime, previsto no artigo 149 do Código Penal. Por maioria de votos, o Plenário reconheceu a existência de repercussão geral (Tema 1158) da matéria, discutida no Recurso Extraordinário (RE) 1323708.

“Realidade rústica”

O recurso foi interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) contra decisão da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que absolveu um proprietário de fazendas no Pará do crime de redução de 43 trabalhadores a condição análoga à de escravo. Segundo o TRF-1, a produção de provas foi deficiente, diante da ausência de depoimentos das vítimas, e a acusação teria se valido de elementos “comuns na realidade rústica brasileira”, como alojamentos coletivos e precários e falta de água potável, de instalações sanitárias e de equipamentos de primeiros socorros.

Para o Tribunal Regional, a condenação só se justificaria em casos mais graves, em que o trabalhador seja efetivamente rebaixado na sua condição humana e submetido a constrangimentos econômicos, pessoais e morais inaceitáveis.

Condição degradante

No recurso, o MPF sustenta que as condições em que os trabalhadores foram encontrados não podem ser consideradas “mera realidade local” e se enquadram na conduta tipificada no artigo 149 do Código Penal, que equipara ao trabalho escravo aquele exercido em condições degradantes. A decisão do TRF-1, a seu ver, beneficia os trabalhadores urbanos e prejudica os rurais, que, mesmo que estejam em localidades distantes, onde a presença do Estado é mais difícil, não podem ser submetidos a condições laborais e de habitação menos civilizadas. Para o MPF, se as condições retratadas nos autos não forem reconhecidas como degradantes, o trabalho em condições análogas à de escravo não terá fim no meio rural.

Repercussão geral

O presidente do STF, ministro Luiz Fux, relator do recurso, observou que o caso diz respeito à diferenciação das condições necessárias à sua tipificação como degradantes em razão da realidade local em que o trabalho é realizado e, ainda, sobre o chamado standard probatório (quantidade de provas necessárias) para a condenação pelo crime. Assim, o STF terá de decidir a matéria com base nas normas constitucionais referentes à dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho, aos objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária e de redução das desigualdades sociais e regionais.

Segundo Fux, o Estado Democrático de Direito não deve demonstrar complacência diante dos “numerosos e inaceitáveis casos de violação aos direitos humanos” em relação a trabalhadores rurais e urbanos brasileiros. “Quase 132 anos após a abolição da escravatura no Brasil, situações análogas ao trabalho escravo ainda são registradas”, afirmou.

Dados

Segundo ele, o Ministério Público do Trabalho (MPT) tem, hoje, 1,7 mil procedimentos de investigação dessa prática e de aliciamento e tráfico de trabalhadores em andamento. Ainda de acordo com estatísticas do MPT, entre 2003 e 2018, cerca de 45 mil trabalhadores foram resgatados e libertados do trabalho análogo à escravidão no Brasil.

Jurisprudência

Fux citou também decisões do STF no sentido de que o crime previsto no artigo 149 do Código Penal está configurado no caso de situações de ofensa constante aos direitos básicos do trabalhador, como a submissão a trabalhos forçados, a jornada exaustiva e as condições degradantes de trabalho. Assim, não é necessário que haja o cerceamento da liberdade de ir e vir do trabalhador.