quarta-feira, 23 de junho de 2021

 

DECISÃO TOMADA

2ª Turma do STF diverge da 1ª em retroação da lei "anticrime" para estelionato

Por  e 


Previsão contida na lei "anticrime" (Lei 13.964/19), que exige manifestação da vítima para abertura de ação por estelionato, deve retroagir em benefício do réu. Esse entendimento foi adotado pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal em julgamento nesta terça-feira (22/6).

Ministro Fachin relatou o caso na 2ª Turma
Carlos Humberto/SCO/STF

A conclusão é oposta à que chegou a 1ª Turma sobre o mesmo tema em outubro do ano  passado, ao decidir que o dispositivo não retroage se a denúncia já tiver sido apresentada antes da vigência da lei — exatamente o caso dos autos analisados agora pela 2ª Turma.

No pedido de habeas corpus, que começou a ser votado por videoconferência no dia 15 deste mês, o relator, ministro Luiz Edson Fachin, entendeu que "a mudança privilegia a justiça consensual e os espaços de consenso, sobretudo em crimes de natureza patrimonial, em que a questão subjacente à violação à norma penal é o prejuízo ao patrimônio de terceiro".

Segundo ele, "diferentemente das normas processuais puras, orientadas pela regra do artigo 2º do CPP (segundo o qual lei processual penal não invalida os atos realizados sob a vigência da lei anterior), as normas, quando favoráveis ao réu, devem ser aplicadas de maneira retroativa, alcançando fatos do passado, enquanto a ação penal estiver em curso, regra que está em consonância com o princípio constitucional segundo o qual a lei penal não retroage, salvo para beneficiar o réu".

Para o relator, "a expressão lei penal prevista no artigo 5º da Constituição deve ser interpretada para abranger tanto as leis penais em sentido estrito quanto as leis penais processuais e, embora a lei de 2019 não contenha preceito literalmente idêntico, a jurisprudência é firme no sentido de que, em razão desse princípio constitucional, a modificação da natureza da ação pública para ação penal condicionada à representação deve retroagir e ter aplicação mesmo em ações penais já iniciadas", afirmando, outrossim, "que a aplicação da norma mais favorável ao réu não pode ser um ato condicionado à regulação legislativa, sendo o caso de se intimar a vítima para que diga se tem interesse no prosseguimento da ação, no prazo legal de 30 dias".

Também na sessão do dia 15, o ministro Gilmar Mendes, acompanhando o voto do relator, afirmou "que a norma que trata da ação penal tem natureza mista (material e processual), por acarretar reflexos nas duas esferas. Portanto, deve retroagir em benefício do réu, devendo ser aplicada em investigações e processos em andamento, ainda que iniciados antes da sua vigência".

O ministro Gilmar Mendes, em seu voto, disse que "a aplicação da regra inserida no parágrafo 5º do artigo 171 do CP a processos em curso na época da entrada em vigor da norma está em conformidade com a jurisprudência do Supremo, sedimentada na interpretação de modificações semelhantes realizadas anteriormente pela Lei 9.099/1995, em relação a lesão corporal leve e culposa".

O ministro Nunes Marques acompanhou Fachin e Gilmar, mas destacou que, no caso analisado, a ação penal deve ser trancada, porque a denúncia deixou de identificar e descrever todos os elementos essenciais do tipo penal, notadamente pela ausência de efetiva demonstração de qual teria sido o artifício ou outro meio fraudulento utilizado pelo acusado em sua conduta alegadamente criminosa.

Na sessão desta terça, a ministra Cármen Lúcia e o ministro Ricardo Lewandowski também seguiram o entendimento proposto, encerrando a votação por unanimidade.

O caso concreto envolve o dono de uma revendedora de automóveis acusado de estelionato (artigo 171 do Código Penal), por ter vendido para outra pessoa o carro deixado na loja por um vizinho, em regime de consignação. Ocorre que, na época dos fatos, o Ministério Público podia apresentar a denúncia independentemente da vontade da vítima (ação pública incondicionada).

Formação de jurisprudência
A única outra jurisprudência formada no Supremo sobre o assunto veio da 1ª Turma. No caso, o colegiado decidiu que a retroatividade da exigência de representação da vítima no crime de estelionato não deve ser aplicada nos casos em que o Ministério Público ofereceu a denúncia antes da entrada em vigor da lei "anticrime".

Por unanimidade, os ministros seguiram o relator, ministro Alexandre de Moraes, que afirmou que não se aplica a retroatividade nas ações penais em que houve oferecimento da denúncia, "porque naquele momento o ato jurídico perfeito se consubstanciou".

Debate no STJ
O pacote "anticrime" transformou a ação referente ao crime do artigo 171 do Código Penal de pública incondicionada para pública condicionada à representação — com algumas exceções descritas nos incisos do parágrafo 5º (conduta praticada contra administração pública, direta ou indireta; contra criança ou adolescente; e contra maior de 70 anos ou incapaz).

Essa mudança foi interpretada de formas diferentes pelas Turmas do Superior Tribunal de Justiça, até a questão ser pacificada pela 3ª Seção.

Para a 5ª Turma, a exigência de representação da vítima só retroage até o momento da denúncia, independentemente do momento da prática da infração penal. A exigência da representação seria condição de procedibilidade da representação e não de prosseguibilidade da ação penal.

Para a 6ª Turma, a norma retroage até o trânsito em julgado da ação por estelionato, mas não leva à imediata extinção da punibilidade. O colegiado entendeu que, na hipótese, a vítima deveria ser intimada para manifestar o interesse na continuação da persecução penal, no prazo de 30 dias, sob pena de decadência.

Ao uniformizar a jurisprudência, a 3ª Seção adotou a posição da 5ª Turma, menos abrangente e que evita que processos já em curso sejam afetados. Venceu o voto divergente do ministro Ribeiro Dantas, que coincide com a posição da única decisão colegiada tomada até então pelo Supremo, a da 1ª Turma.

HC 180.421

terça-feira, 15 de junho de 2021

 

Furto mediante uso de dispositivo eletrônico ou informático

Por 


Trata-se, inegavelmente, de uma tipificação esdrúxula, prolixa e mal constituída, como tem ocorrido frequentemente com as alterações criadas pelo atual legislador. Exige, a rigor, um grande esforço do intérprete para dissecar seus elementos constitutivos, inclusive os meios e modos utilizados pelo infrator na prática criminosa. O legislador, pelo que se depreende, motivado pelo acréscimo desse modus operandi adotado na subtração da coisa alheia móvel, qual seja, a utilização da eletrônica no crime de furto, decidiu "qualificar" essa conduta, considerada fraudulenta pelo legislador, na "subtração da coisa alheia móvel", elevando excessivamente a pena cominada, fixando-a entre quatro e oito anos de reclusão e multa. Criaram-se três subespécies da prática dessa qualificadora, utilizando-se sempre, como meio, dispositivo informático ou eletrônico, as quais passamos a examinar.

1.1. Furto mediante fraude cibernética
A primeira subespécie dessa qualificadora é a subtração da coisa alheia móvel praticada mediante fraude, com o uso de dispositivo eletrônico ou informático. É irrelevante, para a definição legal, que referido dispositivo esteja ou não conectado à rede de computadores e que haja ou não violação de mecanismo de segurança porventura existente. No entanto, a não conexão da rede de computadores diminui ou até elimina a sua periculosidade, posto que sem rede e sem conexão virtual reduz-se consideravelmente o dano que a gravidade dessa ação delituosa poderia produzir. Convém destacar que a gravidade da conduta estando conectado à internet (ou similar) é uma e, na sua ausência, será outra consideravelmente inferior. Pois, para o legislador a maior gravidade dessa conduta fraudulenta de subtrair coisa alheia móvel, ciberneticamente, reside exatamente na utilização da rede mundial de computadores ou similar, na comunicação virtual e instantânea, na maior facilidade de execução, quando o infrator se utiliza de meio eletrônico ou informático.

Em outros termos, a maior punição dessa forma qualificada de subtração da coisa alheia móvel fundamenta-se, principalmente, na utilização dessa tecnologia avançada para fraudar ou ludibriar a atenção da vítima, dificultando e, por vezes, até inviabilizando a autoproteção pessoal e patrimonial. Com efeito, nessas circunstâncias, qualquer vítima, fica totalmente vulnerável, a mercê da picardia, da habilidade e da maldade dos denominados "ladrões cibernéticos", justificando-se, na ótica do legislador, a punição desse tipo de crime, com uma pena de reclusão tão grave. A maior gravidade da conduta fraudulenta de subtrair coisa alheia móvel reside na utilização de meio eletrônico ou informático que, segundo a exposição de motivos"explodiram" no período pandêmico, com gravíssimos danos a grande quantidade de vítimas. Realmente, nessas circunstâncias, qualquer vítima fica totalmente vulnerável, a mercê da picardia, da habilidade e, porque não dizer, da maldade dos denominados "ladrões cibernéticos", justificando-se, na ótica do legislador, a qualificação desse tipo de crime.

A rigor, o texto legal não identifica com segurança a configuração de fraude no simples uso de dispositivo eletrônico informático, especialmente quando desconectada da rede mundial de computadores (ou similares), pois constituiria a mera utilização da tecnologia moderna, aliás, usada no quotidiano. Seria somente a utilização de um meio informático, já penalizada pela própria qualificadora. Essa definição demanda uma boa interpretação de nossos Tribunais, especialmente pela gravidade da punição, especialmente quando não conectado na rede mundial de computadores ou outras redes similares.

1.2. Com utilização de programa malicioso
Contudo, a valoração deve ser outra quando se examina a segunda subespécie dessa qualificadora, qual seja, com "a utilização de programa malicioso", porque aí, nessa modalidade, reside efetivamente o aspecto fraudulento, pois por tal descrição pode-se interpretar efetivamente como modo ou meio fraudulentosorrateiro, ardiloso ou algo semelhante ao uso de "artifício", justificando-se, inclusive, a equiparação, genérica de "qualquer outro meio fraudulento análogo", que o próprio texto legal utiliza. Essa elementar típica representada pela locução "com utilização de programa malicioso", constitui, digamos, uma espécie sui generis de modo de execução de subtração do patrimônio alheio, mas usando, necessariamente, o mesmo meio executório, qual seja, "dispositivo eletrônico ou informático". Muda-se somente o modo de execução: na primeira figura utiliza-se a "subtração mediante fraude", embora não identificada pela descrição legal em que consistiria tal fraude. Nesta segunda figura, mantém-se o mesmo "meio" — uso de dispositivo eletrônico ou informático — alterando-se o "modo" de sua execução, qual seja, "com utilização de programa malicioso".

Pelo que se depreende do contexto, "programa malicioso" foi utilizado pelo legislador para se referir à utilização de vírus que, na linguagem universal da internet, são denominados de programas maliciosos (malware), desenvolvidos com a finalidade de realizar ações danosas, viciadas, criminosas em um computador. Com a instalação de "códigos maliciosos" passam a acessar os dados armazenados em computadores alheios e podem, inclusive, executar ações em nome dos usuários, produzindo ou podendo causar danos incomensuráveis.  Daí a utilização adequada dessa terminologia, porque, realmente, de formas variadas, essa conduta pode fraudar não apenas pessoas desavisadas, mas qualquer do povo, com a malícia, habilidade e técnica desses criminosos cibernéticos. Assim, podem, das formas mais diversas, infectar ou comprometer computadores alheios. Esta subespécie de qualificadora realmente se justifica, ao contrário da anterior. Destaca-se alguns exemplos ardilosos ou maliciosos:

a) Pela exploração de vulnerabilidades existentes nos programas instalados;

b) Pela auto-execução de mídias removíveis infectadas, como pen-drives etc.;

c) Pelo acesso a páginas Web maliciosas, utilizando navegadores vulneráveis;

d) Pela ação direta de ataques que, após invadirem o computador, incluem arquivos contendo códigos "maliciosos";

e) Pela execução de arquivos previamente infectados, obtidos em anexos de mensagens eletrônicas, via mídias removíveis, em páginas Web ou diretamente de outros computadores [1].

Nesta figura, embora o texto não o diga expressamente, o infrator adota um comportamento ardiloso, sorrateiro ou de qualquer modo dissimulado, obtendo, inclusive, os "dados eletrônicos" da própria vítima ou de terceiro, embora, normalmente, acessem os aparelhos sorrateiramente, sem que a vítima perceba, inclusive à distância. No entanto, esta qualificadora — em suas três subespécies — 1) furto mediante fraude com uso de dispositivo eletrônico ou informático, 2) com a utilização de programa malicioso e 3) ou por qualquer outro meio fraudulento análogo — implicam no abuso da boa-fé da vítima, aliás, o modus operandi indica esse aspecto. Poder-se-ia afirmar que se trata de uma qualificadora que traz implícita a má-fé do infrator que age enganando, ludibriando a confiança, a atenção e o controle da vítima, configurando, mutatis mutandis, um certo status, digamos assim, de "furto-estelionato", pela forma ou modos em que a mesma é executada.

2. Por qualquer outro meio fraudulento análogo
Destaca-se, desde logo, o equívoco, pelo menos aparente, em que incorre o legislador ao tipificar um crime de furto como fraudulento, equiparando-o, conceitualmente, ao crime de estelionato. Com efeito, a utilização de artifício, ardil (espécies de fraudes) ou qualquer outra forma de manobra ou subterfúgio, mais ou menos elaborados, para enganar a vítima, é característica intrínseca do crime de estelionato. Não é do crime de furto, cuja característica especial ou intrínseca é o descuido ou a desatenção da vítima, segundo a tipologia adotada pelo Código Penal em vigor. Nesse sentido, lembramo-nos da lição de Magalhaes Noronha [2] relativamente a peculiaridade especial do crime de furto, verbis"o furto é, em geral, crime do indivíduo de casta íntima, do pária, destituído, em regra, de audácia e temibilidade para o roubo ou para a extorsão; de inteligência para o estelionato e desprovido de meios para a usurpação. Frequentemente é o crime do necessitado". Essa é a regra geral, com exceções evidentemente. Mudaram os tempos e também mudaram as habilidades, os hábitos e as necessidades sociais, mas as distinções entre furto continua imensa comparado aos crime de roubo, de extorsão e de estelionato, especialmente em relação a gravidade e a forma de execução dessas infrações penais.

De notar-se, por outro lado, que não será qualquer outra forma ou modo do crime de furto que poderá ser equiparado a esse furto cibernético, ao contrário do que ocorre na hipótese o crime de estelionato, porque o legislador, intencionalmente ou não, restringiu essa equiparação quando utilizou a locução "ou por qualquer outro meio fraudulento análogo". Observe-se que na definição do crime de estelionato na regra genérica similar — ou qualquer outro meio fraudulento — o vocábulo "análogo" não aparece, sendo, portanto, mais aberta no estelionato a equiparação de artifício e ardil com qualquer outro meio fraudulento. Logo, na novel qualificadora é mais restrita essa equiparação, exigindo que eventual outro meio fraudulento, seja análogo aos descritos nesta nova figura, na qual, é bom que se destaque, não se encontram os meios fraudulentos, "mediante artifício, ardil".

No entanto, resulta muito claro, pelo texto legal, que há a necessidade indispensável de que qualquer que seja "o outro meio fraudulento" utilizado na prática de um crime de furto cibernético, seja realizado por "meio de dispositivo eletrônico ou informático", caso contrário não será por "meio fraudulento análogo", aliás, até pode ser "outro meio fraudulento", mas se não for "análogo" não se enquadrará ao descrito no § 4º-B.

3. Novas causas especiais de aumento de pena no furto cibernético
O parágrafo (§4°-C, inciso I e II) acrescenta duas majorantes nesse furto qualificado, que incidem somente sobre a nova qualificadora (§4°-B): o inciso I determina o aumento de um a dois terços da pena aplicada, se o crime for "praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional"; o inciso II, por sua vez, determina o aumento de um terço até o dobro da pena aplicada, se o crime for "praticado contra idoso ou vulnerável". Como destacamos acima, é absolutamente desarrazoada a própria tipificação do § 4º-B (qualificadora) com previsão de quatro a oito anos de reclusão, além de multa, ainda sofre a incidência de duas absurdas causas especiais de aumento, as quais podem, inclusive, ocorrer simultaneamente no mesmo fato. Em outros termos, o crime pode ser praticado com a utilização de "servidor instalado fora do Brasil" e, ao mesmo tempo, "contra pessoa idosa", incidindo, simultaneamente, as duas majorantes, a despeito de o juiz poder aplicar só uma delas, no caso, a mais grave (artigo 68, parágrafo único do CP), por se tratar de majorante prevista na Parte Especial do Código Penal.

Trata-se de cominações penais absolutamente desproporcionais para um mero crime de furto, uma verdadeira insanidade essa forma brutal de cominação de penas de prisão, a exemplo do que ocorre com a previsão contida no artigo 273 deste Código Penal, com pena de dez a quinze anos de reclusão. Ademais, confunde-se, injustificadamente, o crime de furto com o crime de estelionato, que são estruturalmente distintos, especialmente em seus fundamentos político-jurídicos, metodológicos, filosóficos e político-criminais. De todos os crimes contra o patrimônio, os mais graves deles são os crimes de roubo e de extorsão porque são os únicos crimes patrimoniais praticados com violência contra a pessoa. A integridade física e saúde, para o legislador de 1940, são bens jurídicos muito mais valiosos que o patrimônio pessoal ou individual do cidadão.

A rigor, para justificar essa penalização abusiva e despropositada, sem qualquer razoabilidade, deveria o legislador, pelo menos, ter integrado na descrição do § 4°-B a primeira majorante (inciso I), qual seja, "praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional", para torná-la menos desarrazoada e, quiçá, ponderável essa penalização. Mas, contrariamente, se fez questão de excluir, como elemento especial negativo do tipo [3], essa possibilidade, exatamente para poder agravar ainda mais o seu delírio punitivista, com as previsões das causas de aumento, que são absolutamente supérfluas ante a gravidade exagerada das penas cominadas no § 4º. A duplicação da pena prevista para quando se tratar de vítima idosa ou vulnerável (II), também é absolutamente desproporcional. Admitimos que até seria razoável, nessas hipóteses, a previsão de uma majorante, por exemplo, de até um terço da pena aplicada quando se tratar de vítima idosa ou vulnerável. Por outro lado, essas majorantes previstas não são facultativas ou opcionais, mas obrigatórias, pois determinam, compulsoriamente, os respectivos aumentos. Trata-se de um verdadeiro penduricalho na cominação de penas, incidindo sobre uma qualificadora já exacerbada as duas causas de aumentos, as quais podem, inclusive, ocorrer simultaneamente, no mesmo fato delituoso.

Atende-se com essa criminalização específica, é bom que se destaque, demanda dos denominados "líderes em segurança contra fraudes", em uma espécie de, digamos, "entrega em domicílio", como se o Congresso Nacional atendesse pedidos "a la carte", em uma espécie de fast food, que sai rapidinho. A rigor, o § 4º-C inovou com o acréscimo de duas causas especiais e específicas de aumento sobre uma qualificadora, digamos, uma espécie sui generis, de "direito penal de duas velocidades", ou, melhor, majorantes em dois graus de acréscimos.

Em outros termos, o crime pode ser praticado com a utilização de "servidor instalado fora do Brasil" e, ao mesmo tempo, "contra pessoa idosa" ou vulnerável, incidindo, simultaneamente, as duas majorantes na prática do mesmo fato delituoso, que já é qualificado. Por outro lado, regra geral, as pessoas não têm conhecimento e, normalmente, nem podem tê-lo sobre a instalação do "servidor", se no Brasil ou no exterior, o que constitui, não raro, autêntica responsabilidade penal objetiva, inadmissível em um direito penal da culpabilidade de um Estado democrático de direito [4].

 

[1] https://cartilha.cert.br/malware/, consultado dia 09 de junho de 2021, as 18hs.

[2] Magalhães Noronha. Direito Penal, Parte Especial, 15ª ed., São Paulo, Saraiva, 1979, vol. 2, p 221.

[3] "conectado ou não à rede de computadores, com ou sem a violação de mecanismo de segurança"

[4].  Conferir em Cezar Roberto Bitencourt. Tratado de Direito Penal — Parte Geral, 26ª ed. Ed. Saraivajur, São Paulo, 2.020, fls. 839/40, vol. 1.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

 

TJSP
 Delegacia Eletrônica disponibiliza serviço para vítimas de violência doméstica

Para romper o ciclo de violência, que pode ser potencializado em períodos como o da atual pandemia, é vital que os agressores sejam denunciados. Há alguns serviços que as mulheres podem acessar para reportar a violência. Um deles é a Delegacia Eletrônica, disponibilizada pela Polícia Civil de São Paulo. A vítima deve clicar em “Comunicar Ocorrência” e, em seguida, selecionar “Outras Ocorrências”. Depois, basta informar os dados requeridos, como data e hora do fato e local da ocorrência. A Polícia Civil elaborou manual com o passo a passo para preenchimento. Veja aqui.

Importante destacar que o BO eletrônico não tem um campo específico sobre medidas protetivas de urgência, mas a mulher pode registrar o pedido no item “Histórico”. Entre as possibilidades estão o afastamento do agressor do lar e a proibição de que ele se aproxime ou mantenha contato com a vítima. Também é possível escrever a solicitação de forma genérica, como por exemplo: “Solicito a concessão de medidas protetivas”.

A mulher também pode receber as intimações do processo por WhatsApp, mas precisa registrar essa autorização no BO. Basta informar no campo “Histórico” que concorda com o envio das intimações pelo aplicativo.

A partir do Comunicado CG nº 259/20, da Corregedoria Geral da Justiça, não é necessário apresentar boletim de ocorrência (BO) para a instauração de processos no âmbito da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Mesmo assim, se a vítima desejar registrar a ocorrência, pode fazê-lo pela internet, sem necessidade de comparecimento à delegacia. Vale lembrar que somente a vítima pode registrar o BO.

sexta-feira, 11 de junho de 2021


STF
 Estudante poderá responder em liberdade a processo por tráfico de drogas

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, de ofício, Habeas Corpus (HC 199601) para que uma estudante responda, em liberdade, a processo criminal por tráfico de drogas, mediante a aplicação de medidas cautelares previstas a serem estabelecidas pelo juízo da 4ª Vara Criminal de Bauru (SP). A decisão, unânime, foi tomada na tarde desta terça-feira (8), na análise de um agravo regimental interposto pela defesa da estudante.

O caso

Residente em Porto Alegre (RS), D. S. W. foi contratada por R$ 2.500 para transportar 29 tijolos de maconha, totalizando 15 kg, de Dourados (MS) até Belo Horizonte (MG), de ônibus. Em 6/8/2020, ela foi presa em flagrante pela Polícia Militar Rodoviária do Estado de São Paulo, que fazia fiscalização de rotina na Rodovia Marechal Rondon, na altura de Bauru (SP). Interrogada, ela admitiu o transporte interestadual da droga.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o HC para a revogação da prisão, alegando risco para a ordem pública, em razão da elevada quantidade de entorpecentes apreendida. O relator do caso no STF, ministro Ricardo Lewandowski, em decisão monocrática, manteve a prisão preventiva, argumentando que a jurisprudência da Corte admite que a periculosidade, evidenciada pela acentuada quantidade de droga apreendida e pelo receio de reiteração delitiva, é fundamento idôneo para a decretação da custódia cautelar. Contra essa decisão, a defesa interpôs o agravo julgado hoje.

Prisão no tráfico privilegiado

O HC foi julgado na sessão telepresencial em razão de pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes no Plenário Virtual. O colegiado deu continuidade à discussão iniciada em outros processos e que envolve mudança de posicionamento da Turma sobre a dispensa da prisão preventiva, mediante a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP), como o uso de tornozeleira eletrônica, quando admitida a existência do tráfico privilegiado.

O tráfico privilegiado, previsto na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006, parágrafo 4º, artigo 33), consiste na diminuição da pena aos condenados por tráfico de drogas quando forem primários, tiverem bons antecedentes e não integrarem organização criminosa. O dispositivo também permite regime prisional mais brando.

Concessão de ofício

Inicialmente, a maioria dos ministros acompanhou o voto do ministro Ricardo Lewandowski, pelo desprovimento do agravo. Contudo, ao verificar que a estudante foi condenada, em abril, a seis anos de prisão em regime inicial fechado, o relator sugeriu a concessão da ordem de ofício, caso ela não esteja presa por outro crime. Lewandowski considerou necessária a aplicação de medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP), a serem estabelecidas pela primeira instância. A proposta do relator foi seguida por unanimidade.

quarta-feira, 9 de junho de 2021

 


STJ
 Agravamento de regime por uma só circunstância negativa se enquadra na discricionariedade do juiz

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu o entendimento de que a presença de uma única circunstância judicial negativa pode justificar o agravamento do regime inicial de cumprimento da pena e a vedação da pena substitutiva, a depender da análise do caso pelo julgador.

Segundo o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, a lei reservou uma margem de discricionariedade para o magistrado, que, considerando o tamanho da pena e alguma das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, pode manter ou agravar o regime inicial de cumprimento, bem como avaliar se a substituição por penas restritivas de direitos é cabível no caso, diante dos critérios do artigo 44, III.

Acompanhando o voto do relator, o colegiado negou os embargos de divergência opostos por um condenado por crime de responsabilidade contra acórdão da Quinta Turma, o qual – mesmo excluindo duas das três circunstâncias negativas e reduzindo a pena para dois anos, cinco meses e dez dias – manteve o regime inicial semiaberto e a vedação da pena substitutiva.

Nos embargos, a defesa alegava que a Sexta Turma teria solução diversa para casos em que há apenas uma circunstância negativa, com julgados nos quais não se agravou o regime inicial, nem se vedou a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Discricionariedade

O ministro Sebastião Reis Júnior lembrou que o artigo 33, parágrafo 3º, do Código Penal dispõe que a determinação do regime inicial de cumprimento da pena observará os critérios estabelecidos no artigo 59, ou seja, terá por base as circunstâncias judiciais.

"O que se verifica é um espaço conferido pelo legislador à discricionariedade do magistrado, que, considerando a pena e as circunstâncias judiciais, deve fixar um regime mais adequado ao apenado, de modo a individualizar a pena", declarou.

Diante da existência de circunstância judicial avaliada negativamente na primeira fase do cálculo da pena – ressaltou o ministro –, a jurisprudência do STJ tem considerado válidos tanto "o agravamento do regime inicial de pena para aquele imediatamente mais gravoso" como a fixação do regime com base no tamanho da pena, conforme a escala prevista na legislação, "ainda que a segunda solução seja bem menos usual, pois geralmente verificada quando a conclusão da instância ordinária é no sentido da suficiência do regime estipulado".

Individualização da pena
Segundo o ministro, o mesmo entendimento pode ser verificado com relação à substituição da prisão por penas restritivas de direitos.

Ele apontou que, além dos pressupostos objetivos previstos nos incisos I e II do artigo 44 do Código Penal, o legislador conferiu um espaço de discricionariedade ao magistrado, especificadamente no inciso III (requisito subjetivo), estabelecendo a necessidade de serem consideradas as circunstâncias judiciais para se verificar se a substituição da pena é recomendável ou suficiente no caso.

Ao rejeitar os embargos de divergência, o relator afirmou que a orientação adotada no acórdão da Quinta Turma – pela legalidade do recrudescimento do regime e da vedação da pena substitutiva com base na valoração negativa do vetor culpabilidade – e aquela extraída dos julgados da Sexta Turma não se excluem, mas coexistem na jurisprudência do STJ, pois encontram guarida na discricionariedade que a lei assegura ao magistrado e estão em harmonia com o princípio da individualização da pena.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

terça-feira, 1 de junho de 2021

 

STJ
 Nulidade do interrogatório por inversão da ordem é relativa e exige prova de prejuízo para o réu

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que a nulidade decorrente da inversão da ordem do interrogatório – prevista no artigo 400 do Código de Processo Penal (CPP) – é relativa, sujeita à preclusão e demanda a demonstração do prejuízo sofrido pelo réu.

O colegiado negou o pedido de revisão criminal de acórdão da Sexta Turma que, por não observar nenhuma nulidade, manteve em 12 anos de reclusão a condenação de um réu acusado de abuso sexual contra sua sobrinha de nove anos.

Para a defesa, houve nulidade absoluta na condenação, uma vez que o réu foi interrogado antes da vítima e das testemunhas de acusação.

STF
O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, ressaltou que o STJ, acompanhando o entendimento do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do HC 127.900, estabeleceu que o rito processual para o interrogatório, previsto no artigo 400 do CPP, deve ser aplicado a todos os procedimentos regidos por leis especiais.

Segundo o magistrado, a Quinta Turma do STJ tem precedentes no sentido de que, para se reconhecer nulidade pela inversão da ordem de interrogatório, "é necessário que o inconformismo da defesa tenha sido manifestado tempestivamente, ou seja, na própria audiência em que realizado o ato, sob pena de preclusão. Além disso, é necessária a comprovação do prejuízo que o réu teria sofrido com a citada inversão".

No entanto, ele lembrou que a Sexta Turma já se posicionou pela desnecessidade da demonstração do prejuízo decorrente da inversão da ordem do interrogatório do réu, em processo no qual foi condenado, visto que a condenação já corresponderia ao prejuízo. No mesmo julgado, os ministros consideraram que, por se tratar de prejuízo implícito (ou presumido), não haveria preclusão para a arguição da nulidade referente à inobservância do artigo 400 do CPP.

Provas independentes
De acordo com Reynaldo Soares da Fonseca, a concretização do interrogatório antes da oitiva de testemunhas e da vítima priva o acusado do acesso à informação, já que se manifestará antes da produção de parcela importante das provas. "A inversão do interrogatório, portanto, promove nítido enfraquecimento dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa – indevido, ao meu ver, no âmbito da persecução penal", declarou.

Na avaliação do magistrado, porém, não se pode considerar presumido o prejuízo decorrente da inversão da ordem do interrogatório do réu, unicamente em virtude da superveniência de condenação. Para ele, há que se verificar, no mínimo, se a condenação se amparou em provas independentes, idôneas e suficientes para determinar a autoria e a materialidade do delito, mesmo que desconsiderados os depoimentos das testemunhas, "pois não há utilidade em anular uma sentença que, de toda forma, se manteria com base em outros fundamentos independentes".

O relator também afirmou que o argumento da desnecessidade de arguição do vício processual na audiência de instrução e julgamento "transmuta a nulidade relativa em nulidade absoluta, essa sim que pode ser reconhecida e declarada, mesmo de ofício, em qualquer grau de jurisdição e que não admite a convalidação ou repetição do ato procedimental". Contudo, o ministro lembrou que, para a jurisprudência do STF, a inversão na ordem do interrogatório do réu constitui nulidade relativa e sujeita à preclusão.

No caso em análise, Reynaldo Soares da Fonseca verificou que o acórdão submetido à revisão criminal não destoa da jurisprudência, pois entendeu que a questão relativa à nulidade processual estaria preclusa, já que não foi alegada pela defesa tempestivamente na própria audiência em que houve o interrogatório, mas apenas em embargos de declaração na apelação; além disso, não houve a demonstração de efetivo prejuízo ao réu.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.