segunda-feira, 31 de maio de 2021

 

STJ: competência para processar e julgar crime de tráfico de drogas por via postal é do Juízo de destino do entorpecente

Atendendo a pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que a competência para processar e julgar crime de tráfico internacional de drogas por via postal é do Juízo local do destino do entorpecente, sempre que seja possível identificar o destinatário da encomenda. A decisão altera o entendimento da Súmula 528 do STJ, que estabelecia que a competência era do local de apreensão da droga.

Em sustentação oral na sessão dessa quarta-feira (26) da Terceira Seção do STJ, a subprocuradora-geral da República Julieta Albuquerque explicou que o entendimento até então vigente estaria a causar enorme entrave na persecução deste tipo de crime, gerando impunidade. Isso porque a logística adotada pelos Correios remete ao centro de distribuição em Curitiba (PR) – local onde geralmente as apreensões de drogas ocorrem – todas as encomendas de até dois quilos. Julieta explica que isso ocasiona uma situação em que apenas um estado está sendo responsável por apurar a grande maioria de crimes dessa natureza.

Ainda de acordo com a subprocuradora-geral, o julgamento no foro de domicílio do investigado favorece a coleta de provas e o exercício da ampla defesa pelo acusado. "Assim sendo, em casos como o presente em que se verifica a remessa da mercadoria objeto do tráfico de entorpecente pela via postal, entendemos que o domicílio do investigado, e não o lugar da apreensão da mercadoria, é o melhor critério para a definição da competência, pois, além de prestigiar os princípios da duração razoável do processo, da ampla defesa e do contraditório, confere, de fato, concretude à proteção eficiente dos direitos fundamentais consagrados na Constituição", argumentou.

A Terceira Seção do STJ, à unanimidade, acatou o entendimento do MPF, e decidiu por alterar a Súmula 528, de modo a estabelecer, como critério para o processamento e julgamento do crime de tráfico de drogas por via postal, a competência do Juízo local do destino do entorpecente e não mais o local de apreensão.

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Recente Alteração no Código Penal - LEI Nº 14.155, DE 27 DE MAIO DE 2021

 

Presidência da República
Secretaria-Geral
Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 14.155, DE 27 DE MAIO DE 2021

 

Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tornar mais graves os crimes de violação de dispositivo informático, furto e estelionato cometidos de forma eletrônica ou pela internet; e o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para definir a competência em modalidades de estelionato.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º  Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 154-A. Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

..........................................................................................................

§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se da invasão resulta prejuízo econômico.

§ 3º .................................................................................................

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

..........................................................................................................” (NR)

“Art. 155. .........................................................................................

..........................................................................................................

§ 4º-B. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se o furto mediante fraude é cometido por meio de dispositivo eletrônico ou informático, conectado ou não à rede de computadores, com ou sem a violação de mecanismo de segurança ou a utilização de programa malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.

§ 4º-C. A pena prevista no § 4º-B deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso:

I – aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional;

II – aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é praticado contra idoso ou vulnerável.

..........................................................................................................” (NR)

“Art. 171. .........................................................................................

..........................................................................................................

Fraude eletrônica

§ 2º-A. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se a fraude é cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.

§ 2º-B. A pena prevista no § 2º-A deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso, aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional.

..........................................................................................................

Estelionato contra idoso ou vulnerável

§ 4º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é cometido contra idoso ou vulnerável, considerada a relevância do resultado gravoso.

..........................................................................................................” (NR)

Art. 2º O art. 70 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte § 4º:

“Art. 70. ..........................................................................................................

.........................................................................................................................

§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção.” (NR)

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília,  27  de maio  de 2021; 200o da Independência e 133o da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO

Anderson Gustavo Torres

Este texto não substitui o publicado no DOU de 28.5.2021.


segunda-feira, 24 de maio de 2021

Bens e valores de criminosos podem ser bloqueados de forma sigilosa


A Justiça passa a dispor de mais uma ferramenta para o combate a ilícitos como crime organizado, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, corrupção e evasão de divisas. Desde o início de maio, está em operação a Indicação de Ordem Sigilosa no Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud). A funcionalidade que permite manter sob confidencialidade as operações de bloqueios de bens e valores que requerem segredo de Justiça.


A Indicação de Ordem Sigilosa foi desenvolvida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a pedido das equipes do Judiciário, que consideram importante dispor de uma ferramenta que assegura a confidencialidade em ordens de bloqueios de bens e valores em operações criminais. A juíza auxiliar da Presidência do CNJ Dayse Starling, que integra a equipe de aperfeiçoamento do Sisbajud, informa que, nesta fase inicial de implantação, a nova funcionalidade está sendo monitorada para verificar se serão necessários ajustes.

No formato usual de bloqueio judicial de valores pelo Sisbajud, as ordens de rastreamento de bens autorizadas por decisão judicial são vistas e acompanhadas pelos servidores das respectivas unidades em que são emitidas. Agora, nas situações em que houver a indicação de confidencialidade, somente a autoridade que emitiu a ordem de bloqueio poderá monitorar – ou delegar essa tarefa a uma pessoa específica – a operação de rastreamento de bens ou valores das pessoas envolvidas em processos ou investigações criminais, em medida adicional de segurança das operações.

Teimosinha

Em outro aperfeiçoamento feito pelo CNJ ao Sisbajud, está em operação desde abril a “Teimosinha”. A funcionalidade permite que as ordens judiciais de bloqueio de valores de devedores sejam repetidas automaticamente pelo sistema até que se cumpra integralmente o valor da dívida para pagamento.

Na maioria dos casos, as ordens de bloqueio não conseguem rastrear valores integrais das dívidas nas contas dos devedores no dia em que é efetuada. Na busca recorrente por ativos para dar efetividade às execuções, era necessário fazer a emissão de novas ordens ou renovar ordens judiciais existentes na tentativa de se chegar aos valores integrais das dívidas.

A Teimosinha coloca um fim a essas emissões repetitivas de ordens. Conforme explicou Dayse Starling, uma mesma ordem de rastreamento será automaticamente renovada pelo Sisbajud por várias vezes a fim de manter ininterrupta essa busca. A funcionalidade entrou em operação com a possibilidade de que a ordem seja repetida ao longo de 30 dias úteis, mas esse prazo de repetição automática deve passar a ser de 60 dias a partir de junho.

Os procedimentos para a emissão da Teimosinha e as orientações para o acompanhamento das ordens de repetição automática serão incluídos, ainda neste mês, no Manual do Sisbajud. Juntamente com a Indicação de Ordem Sigilosa, a Teimosinha busca aumentar a eficiência do Sisbajud como instrumento do Judiciário para melhorar o nível das execuções judiciais.

Bloqueios na pandemia
Os números do Sisbajud deste ano mostram que, mesmo com o agravamento da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), a Justiça tem conseguido ampliar o volume de bloqueios e de transferência para pagamento a credores nos processos julgados. Entre janeiro e abril de 2021, os bloqueios judiciais resultaram em R$ 881 milhões a mais em transferências para o pagamento de dívidas judiciais em comparação a igual período do ano passado.

São valores destinados ao pagamento de dívidas diversas, como passivos trabalhistas e pensões alimentícias atrasadas. Do total bloqueado no primeiro quadrimestre de 2021, R$ 6,2 bilhões foram convertidos em transferências para o pagamento aos credores, ante R$ 5,4 bilhões transferidos nos primeiros quatro meses de 2020.

Os dados mostram que, no primeiro quadrimestre deste ano, o volume de bloqueios em contas de devedores foi de R$ 12,4 bilhões, um desempenho superior aos R$ 12,1 bilhões rastreados em igual período de 2020, quando os efeitos da pandemia ainda não se faziam sentir de forma plena.

Dos valores transferidos entre janeiro e abril deste ano, R$ 3,6 bilhões foram para credores que acionaram a Justiça Estadual, R$ 1,8 bilhão foram usados para cobrir dívidas trabalhistas, R$ 874 milhões tiveram por destino a cobertura de dívidas no âmbito da Justiça Federal e o restante dividido em operações da Justiça Eleitoral e Militar.

Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias

quarta-feira, 19 de maio de 2021

STJ Sexta Turma considera ilegal redirecionamento de comunicações do investigado para os telefones da polícia

 


Ao contrário da interceptação telefônica, em que apenas são captados os diálogos entre o alvo interceptado e outras pessoas, a substituição do chip do investigado por um chip da polícia, sem o seu conhecimento, tornaria o investigador um participante das conversas, podendo interagir com o interlocutor e gerenciar todas as mensagens – hipótese de investigação que não tem previsão na Constituição nem na Lei 9.296/1996.

O entendimento foi fixado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que considerou ilegal uma determinação judicial para que a operadora redirecionasse temporariamente, para os telefones da polícia, as chamadas e mensagens dirigidas aos chips dos celulares dos investigados.

De acordo com o TJSP, essa transferência – autorizada em liminar, a pedido da polícia – não tem respaldo no artigo 5º, inciso XII, da Constituição, tampouco na Lei 9.296/1996, que regula a interceptação de telecomunicações em investigações criminais. Para o tribunal, além de constituir uma forma ilícita de interceptação, esse procedimento acarretaria a suspensão indevida da comunicação telefônica e telemática dos investigados.

Em recurso ao STJ, o Ministério Público Federal sustentou que esse tipo de interceptação não seria ilegal e alegou que a medida judicial permitiria aos investigadores obter, em tempo real, os dados enviados aos telefones dos investigados – como as chamadas recebidas e as mensagens por meio de aplicativos como WhatsApp e Telegram.

Acesso irrestrito
A ministra Laurita Vaz, relatora do recurso, explicou que a substituição dos chips dos investigados por terminais da polícia permitiria aos investigadores, de fato, o acesso irrestrito a todo o conteúdo das comunicações, inclusive com a possibilidade de envio de novas mensagens pelo WhatsApp e exclusão de outras.

"Se não bastasse, eventual exclusão de mensagem enviada ou de mensagem recebida não deixaria absolutamente nenhum vestígio e, por conseguinte, não poderia jamais ser recuperada para servir de prova em processo penal, tendo em vista que, em razão da própria característica do serviço, feito por meio de encriptação ponta a ponta, a operadora não armazena em nenhum servidor o conteúdo das conversas dos usuários", afirmou a magistrada.

Laurita Vaz destacou que a hipótese dos autos é diferente de precedente do STJ no qual se reconheceu a legalidade da obtenção de conversas já registradas em aplicativo de mensagens instantâneas – situação semelhante ao acesso autorizado a conversas realizadas por e-mail, que tem previsão legal.

Ampliação ilegal
A magistrada também lembrou que, exatamente por falta de previsão legal, em outro precedente, a Sexta Turma reconheceu a ilegalidade do espelhamento, feito pela polícia, de conversas trocadas por investigados por meio do WhatsApp.

Ao negar o recurso do Ministério Público, a relatora considerou correto o entendimento do TJSP no sentido de que, por ser uma exceção à garantia constitucional da inviolabilidade das comunicações, a interceptação telefônica e telemática só pode ser autorizada nos estritos limites da lei, não se admitindo a ampliação das hipóteses previstas ou a criação de procedimento investigatório diferente.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

terça-feira, 18 de maio de 2021

 

FIM DO INDICIAMENTO

Associação de policiais federais apresenta propostas para novo CPP

A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) apresentou uma nota técnica com propostas para a modernização do novo Código de Processo Penal. Com a divulgação, a entidade espera que algum parlamentar encampe a proposta, apresentado-a como substitutivo ao formulado pelo relator do PL 8.045, deputado João Campos (Republicanos-GO).

Entidade de classe de policiais federais apresenta propostas para o novo CPP

Um dos principais pontos da nota técnica diz respeito ao fim do indiciamento — declaração formal feita pela autoridade policial no sentido de apontar a pessoa suspeita ou investigada como autora de um delito. O nome do indiciado e demais dados referentes à investigação passam a constar de sua folha de antecedentes criminais. Para a Fenapef, o indiciamento pode servir  a "propósitos dos mais diversos, inclusive como pressão a políticos que tenham exercido ou concorram a cargos do poder executivo".

"Da mesma forma, a exposição dos eventuais “indiciados” servirá a um estranho propósito de condenação prévia das pessoas investigadas, uma vez que, a depender da função pública que exerce o alvo da investigação, grande espaço na imprensa se abrirá para a propagação dessa nova condição. O tribunal dos sites de busca ganhará mais acessos e, caso não haja denúncia ou condenação na sequência, o prejuízo já terá ocorrido", diz a nota técnica.

A entidade acompanha os debates sobre a reforma no CPP desde o início e as sugestões para o relatório foram apresentadas em comissões anteriores que debatiam o novo código. "Infelizmente, nossas propostas, entregues ao deputado João Campos em mãos em 2019, foram ignoradas", lamenta o presidente da Fenapef, Luís Antônio Boudens.

Na nota técnica, a Fenapef também critica a discussão sobre a substituição do termo "autoridade policial" pela palavra "delegado". "A individualização, e consequente absorção completa da prerrogativa de autoridade policial pelo delegado de polícia, transforma (negativamente) toda a relação dos policiais brasileiros com a sociedade, pois praticamente todas as ações policiais deverão passar pelo crivo discricionário de outro cargo da própria polícia. Um cenário surreal para um Brasil tão carente de segurança e justiça", diz trecho do texto.

A entidade ainda defende que informações iniciais sobre investigações sejam coletadas por meio eletrônico (áudio), sem a necessidade de oitiva ou indiciamento do suspeito. "Diferente de modelos policiais como o norte-americano ou o alemão, onde a colheita de informações probatórias ou indiciárias é realizada sem protocolos cartoriais, priorizando a qualidade dos elementos probatórios em detrimento da forma, a estrutura de investigação criminal de nosso país não tem dado a resposta que a sociedade brasileira precisa e merece".

segunda-feira, 17 de maio de 2021

TRIBUNAL DO JÚRI TJ-SP anula decisão de pronúncia que ignorou intenção do réu e pedido da defesa

14 de maio de 2021, 20h19

Por 

Por constatar que a magistrada de origem desconsiderou a necessidade de animus necandi e o pedido de desclassificação feito pela defesa, a 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou uma decisão que havia pronunciado réu para ser julgado pelo Tribunal do Júri.

Um homem havia sido denunciado por tentar matar outro após uma discussão em uma festa na área de lazer de um condomínio. A decisão de pronúncia, proferida pela juíza Marta Rodrigues Maffeis, da 1ª Vara do Júri e das Execuções Criminais de Ribeirão Preto (SP), constatou indícios de autoria e materialidade. O réu recorreu.

No TJ-SP, o desembargador-relator Alberto Anderson Filho lembrou que, quando o caso é de tentativa de homicídio, é necessária também a análise do animus necandi — a intenção de matar. Sem esse requisito, o caso não é de crime contra a vida, e por isso não é de competência do Tribunal do Júri. Segundo o relator, a magistrada de origem não dedicou sequer uma linha para discutir a tentativa e a intenção.

O desembargador reconheceu que a juíza havia mencionado os dispositivos do Código Penal nos quais o réu havia sido enquadrado. Mas ressaltou que o réu "se defenderá daquilo que consta da pronúncia e não do artigo de lei nela mencionado, pois é a pronúncia que estabelece os limites da acusação". Sem que a decisão mencionasse a tentativa, todo o julgamento estaria viciado.

Além disso, a defesa, feita pela advogada Jéssica Nozé, pedia a desclassificação do crime de homicídio para outro de competência do juiz singular. Porém, o relator percebeu que a juíza em nenhum momento fundamentou a decisão para afastar a tese, o que configurou cerceamento de defesa.

"Tivesse a magistrada analisado o animus necandi e concluído que ele está presente, desnecessário seria falar especificamente sobre o pedido de desclassificação, pois, se considerasse que o réu agiu com intenção de matar, obviamente não seria caso de desclassificação. Como não o fez, necessariamente teria de analisar a tese da defesa relativa à desclassificação e como isso não foi feito, há evidente cerceamento de defesa", explicou o desembargador.

Clique aqui para ler o acórdão
1500813-85.2018.8.26.0530

 

TRIBUNAL DO JÚRI

O júri para além do que vemos nas redes sociais

Por  e 

Dependendo da vertente histórica, as raízes do julgamento popular podem ser rastreadas em milhares de anos (Grécia, Roma e, mais recentemente, Inglaterra). Modernamente, o júri pode ser compreendido como o "meridiano jurídico da civilização[1], determinando "a situação da liberdade individual no seio de cada povo" [2]. Trata-se de uma forma direta de participação democrática na administração da Justiça e, ao mesmo tempo, o reconhecimento que a sociedade é capaz de decidir sobre o fato criminoso, longe do chamado "calo profissional" [3] que muitas vezes insensibiliza.


Conforme já descrito por Binder [4], há uma série de vantagens do julgamento por jurados em relação à Justiça profissional, principalmente sobre a legitimidade, quantidade de julgadores e produção imediatas de provas. Mas nem sempre o júri aparece nas notícias de forma positiva, por mais que a grande maioria dos julgamentos corram de maneira regular e sem percalços.

Recentemente nos deparamos com algumas notícias de julgamentos que chamaram atenção por diversas situações que tangenciam as teses jurídicas. Talvez na mais impactante delas, a atuação de um advogado que simulou uma agressão com uma advogada mulher em um caso de feminicídio e, em um caso passado, um profissional acabou realizando uma manobra acrobática em plenário. Não faremos qualquer juízo de valor sobre os casos citados [5], mas, sim, pontuaremos quais as possíveis consequências de atos excepcionais a partir de perspectivas para: 1) os jurados do caso; e 2) a própria instituição do Tribunal do Júri.

1) Pela perspectiva dos jurados, "os debates" constituem o momento em que a oralidade e o contraditório são exercidos em sua excelência. Após a instrução (em que as partes apresentam as provas — mormente testemunhais), acusação e defesa têm a oportunidade de contribuir diretamente para a formação da convicção dos julgadores.

Nessa fase a acusação normalmente visa a convencer o Conselho de Sentença a julgar procedente a hipótese acusatória e as circunstâncias admitidas pelo magistrado na decisão de pronúncia. Por outro lado, a defesa objetiva convencer os jurados que a tese contrária deve ser reconhecida. Nem sempre a tese defensiva é a absolutória, podendo ainda ser voltada para adequação da imputação com a realidade fática e/ou correção da pena. Contudo, ambas as partes concatenam seus argumentos e ações para contribuírem na formação da decisão dos jurados a partir do caso concreto apresentado.

Pesquisas demonstram que os jurados levam a sério as funções de julgar. Que prestam atenção nas falas e nas condutas das partes. Por isso é importante que tanto os advogados, quanto os promotores, atuem sempre de forma ética, respeitosa e cordial com os envolvidos [6].

Debates, conflitos e altercações não são incomuns em plenário. Isso se deve à discordância com a parte adversa, com o juiz presidente e até com quem está sendo ouvido como testemunha. Claro que cada tribuno (advogado ou promotor) tem seu estilo próprio. Alguns são mais agressivos, outros mais polidos. Uns gritam, outros falam naturalmente mais baixo. Ademais, muitas vezes o comportamento é modulado pelo próprio caso, pela outra parte, pelo público. São muitos os fatores. Não existe aprioristicamente o certo ou o errado, mas o dinamismo que o caso e as circunstâncias demandam.

No entanto, alguns estudos empíricos já encontraram evidências de que o jurado inconscientemente considera a simpatia pela pessoa do advogado e do promotor no decorrer do julgamento. Chamado de escala de likeability, algo como "gostabilidade". Isso não é apenas do júri, claro. Na nossa vida social também é assim. Quando gostamos de alguém, ficamos receptivos às suas ideias ou comportamentos. É natural. Sendo assim, os oradores devem evitar conflitos desnecessários, demonstrações de arrogância e desrespeito, pois no júri "não é possível errar, o discurso é dito uma só vez, não se repete, não se corrige" [7]. Veja que sequer estamos falando de regras deontológicas, mas sim de que o respeito e a empatia com todos os envolvidos pode, sim, influenciar no resultado final do julgamento. Sempre lembremos que a atuação das partes tem um fim precípuo: a realização de um julgamento justo e os seus efeitos regulares.

2) Pela perspectiva do Tribunal do Júri como instituição, jamais se pode olvidar os ataques constantes sofridos contra o julgamento popular. E são inúmeros. Inúmeros juristas acreditam que a Justiça togada é melhor que o júri, em um pensamento elitista e classista e, acriticamente, cientificista. Por outro lado, sempre defendemos a instituição. Por inúmeros motivos. Talvez o principal é o fato de que não existe nenhuma outra forma de julgamento no Brasil em que as partes participam tão ativamente e diretamente na formação da convicção e, portanto, da decisão dos julgadores. Quem atua no júri consegue perceber que efetivamente os jurados prestam atenção nas provas e nos argumentos, antes de decidirem. Isso nem sempre acontece perante a justiça togada, onde a prevalência do modelo escrito contribui não apenas para um julgamento mais demorado, como também para potencialmente violar o princípio do juiz natural, da ampla defesa, do contraditório, da oralidade/imediatividade — balizas do sistema acusatório.

Apesar disso, quando durante um julgamento ocorre um fato excepcional, como o eventual comportamento inadequado de um dos envolvidos ou mesmo um resultado indesejado pela mídia, as garantias fundamentais e o próprio instituto do júri são atacados frontalmente.

Em épocas de forte pressão pelo punitivismo, que coincide com uma tentativa antidemocrática de reforma do Código de Processo Penal em direção à violação do sistema acusatório previsto na Constituição, tais fatos isolados são utilizados para justificar a desvirtuação do Tribunal do Júri. Aliás, como já bem alertado por Rui Barbosa sobre a instituição do júri, "(...) os seus inimigos dissimulam sob a aparência atenuante de reformas os artifícios imaginados para lhe operar a supressão" [8].

Sendo assim, ganha relevância o papel dos participantes do julgamento, os quais obrigatoriamente precisam atuar pautados na ética profissional, institucional e pessoal. Nesse sentido, perceba-se que: 1) o artigo 1º do Código de Ética da Magistratura determina que o exercício da magistratura seja norteada pelos princípios da "independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro"; 2) o artigo 43 da Lei Orgânica do Ministério Público exige que os promotores mantenham conduta pública e particular ilibada, bem como que tratem as partes, testemunhas, funcionários e auxiliares da Justiça com urbanidade; 3) o Código de Ética e Disciplina da OAB assinala que os membros devem observar "nas suas relações com os colegas de profissão, agentes políticos, autoridades, servidores públicos e terceiros em geral, o dever de urbanidade, tratando a todos com respeito e consideração". O Código ainda prevê que o advogado tem de atuar com decoro, lealdade, dignidade, boa-fé, defendendo os direitos humanos e as garantias fundamentais. Diversas leis complementares que regulamentam a Defensoria Pública nos estados determinam como dever institucional "respeitar as partes e tratá-las com urbanidade".

Cremos necessário também considerar a evolução do pensamento ético e de valores pela sociedade. O que era aceitável socialmente há 50, 20 ou dez anos pode ser que hoje não seja. Essa evolução positiva que protege e objetiva alcançar igualdades de gênero, raça e minorias, precisa ser internalizada pelos profissionais de direito.

Em conclusão, o Tribunal do Júri é competente para o julgamento de crimes dolosos contra a vida. São os crimes que mais chocam, ferem e assustam a sociedade. A violência e as tragédias humanas são intrínsecas aos casos que são julgados. Destarte, os que atuam no júri precisam ter consciência das suas incumbências éticas e legais.

Deve-se entender que o júri, para além de uma cláusula pétrea, constitui o sistema democrático participativo na administração da justiça por excelência, merecendo os esforços para o seu aperfeiçoamento e proteção.

O verdadeiro Tribunal do Júri não é aquele que vemos e lemos nas redes sociais. A realidade é que a (vasta) maioria daqueles que atuam na acusação e na defesa representam suas posições com seriedade, responsabilidade e respeito. O júri sempre será a casa democrática da justiça. Jamais um teatro ou palco para autopromoção, pois a importância do ato é a solução dos infortúnios encontros entre a vítima e o acusado: esses são e devem ser considerados os infelizes protagonistas no Plenário.

 

[1] BARBORA, Rui. O júri sob todos os aspectos. Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito, 1950, p. 78.

[2] Idem.

[3] Hélio Tornaghi, Curso de Processo Penal, 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, vol. 2, p. 11.

[4] BINDER, Alberto M. Crítica a la justicia profesional. Revista Derecho Penal. Ano I, n. 3, p. 61-67.

[5] As condutas citadas acima ou a ponderação sobre se certas ações precisam ser limitadas a partir do princípio da plenitude de defesa não constituem o objetivo deste artigo.

[6] Este ponto já era tratado desde o século passado. Ao discorrer especificamente sobre a fala da defesa, Whitaker expressou que: "A defesa deve ser calma, imparcial, moderada e séria. O jury é estranho aos sentimentos de ódio e vingança. As alegações devem ser expostas com clareza, lealdade e lógica, baseando-se em provas convincentes. A verdade não precisa dos artifícios da palavra, nem da astúcia que a rabulice geralmente emprega. As divagações da oratória acadêmica, as perorações que resvalam para o pathetico, as invocações à misericórdia e os finos sentimentos dos jurados, são inadequadas, pois a defesa dirige-se à razão e não ao coração dos juízes. WHITAKER, Firmino. Jury. Estado de S. Paulo. Seção de obras d’O Estado de S. Paulo: 1926, p. 92-93).

[7] LINS E SILVA, Evandro. A defesa tem a palavra, 2ª. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Aide Editora: 1984, p. 17

[8] BARBORA, Rui. O júri sob todos os aspectos. Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito, 1950, p. 79.

 é advogado criminalista, pós-doutorando em Direito (UFPR), doutor pelo Programa Interdisciplinar em Neurociências (UFMG), mestre em Direito (UniBrasil), professor de Processo Penal (FAE) e de Tribunal do Júri em pós-graduações (AbdConst, Curso Jurídico, UniCuritiba, FAE) e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Tribunal do Júri (Nupejuri).

 é juiz de Direito, presidente do 2º Tribunal do Júri de Curitiba desde 2008, mestre em Direitos Fundamentais e Democracia (UniBrasil), professor de Processo Penal (FAE Centro Universitário, UTP e Emap) e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Tribunal do Júri (Nupejuri).

 é defensor público, titular do 2º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Lisboa, Portugal, mestre em Ciências Criminais pela Ucam/RJ e professor de Processo Penal.

RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO - TJ-SP nega recurso do MP e concede remição de pena por leitura

 15 de maio de 2021, 14h00

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É viável a concessão da remição por atividades não expressas na lei, dentre as quais a leitura, diante de uma interpretação extensiva in bonam partem do artigo 126 da Lei de Execução Penal. Com base nesse entendimento, a 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu remição de pena a um detento em razão da leitura de livros e produção de resenhas. 

Reprodução
TJ-SP nega recurso do MP e concede remição de pena por leitura

O pedido já havia sido deferido pelo juízo de Execução Penal. Mas o Ministério Público recorreu ao TJ-SP contra a concessão do benefício e sustentou a falta de amparo legal do programa de remição pela leitura.

Ao negar provimento ao recurso, o relator, desembargador Sérgio Ribas, disse que, diante da ausência de previsão expressa na Lei de Execução Penal, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação 44, de 26 de novembro de 2013, pronunciando-se favoravelmente à remição pela leitura.

Igualmente, Ribas destacou que a Corregedoria-Geral da Justiça Federal e o Departamento Penitenciário Nacional editaram a Portaria Conjunta de 276/2012 em que se manifestam pela possibilidade da remição por leitura. Ele também citou precedente do Superior Tribunal de Justiça que permite o benefício com a finalidade de readaptação e ressocialização do preso, além de incentivar o bom comportamento e a disciplina.

"Desse modo, passei a adotar o entendimento de que a remição pela leitura dever ser interpretada extensivamente à remição do estudo. Com efeito, tal medida contribui no processo de reinserção social do apenado, já que agrega valores ético-morais à sua formação", afirmou o magistrado. 

A decisão se deu por maioria de votos. Ficou vencido o segundo juiz, desembargador Marco Antônio Cogan, que dava provimento ao recurso do Ministério Público.

Clique aqui para ler o acórdão
0000446-90.2021.8.26.0996

terça-feira, 11 de maio de 2021

 

TJ-SP mantém decisão do júri que reconheceu autoria mas absolveu ré

Por 

Com base no princípio da soberania dos vereditos do júri, a 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão de Conselho de Sentença que absolveu uma mulher dos crimes de homicídio qualificado, sequestro e ocultação de cadáver, mesmo tendo reconhecido sua autoria.

Desembargador pontuou que júri pode absolver com base em qualquer fundamento

A mulher era acusada de planejar o assassinato da ex-babá de seus filhos, que havia engravidado de seu marido. A jovem foi mantida em cativeiro na casa da mãe da acusada e morta após uma tentativa de fuga. O marido e o irmão da ré foram condenados a 18 anos de reclusão por terem executado o plano.

O Ministério Público recorreu, alegando que a decisão dos jurados quanto à mulher seria contraditória e que seria necessário novo julgamento. A defesa, feita pelo advogado Helder Augusto Cordeiro Ferreira Piedade, alegou que nada impediria a absolvição por clemência, em quesito genérico, pelo Conselho de Sentença.

Depoimentos de testemunhas apontavam que a mulher teria se referido ao crime em discussões com seu marido, e assim teria ciência do ocorrido. Mas o relator, desembargador Vico Mañas, apontou que a prova seria meramente circunstancial, já que os indícios não indicavam necessariamente prévio ajuste com os demais para assassinato da jovem, nem que ela tivesse instigado o marido a matá-la.

"Possível que simplesmente tenha intervindo a posteriori, ao tomar ciência do acontecido, para acudir o marido e o irmão. Nesse contexto de conhecimento tardio, perfeitamente plausível encaixar a discussão com o marido por ter inserido o irmão na empreitada criminosa", indicou.

O magistrado considerou que o júri pode ter sido induzido à decisão pela fragilidade dos indícios, ou mesmo por identificar participação de menor importância da mulher nos crimes. "Seja qual for a causa que conduziu a tal desfecho, não enseja, no caso, a realização de novo julgamento, havendo sustentáculo mínimo para absolvição, uma vez que o Tribunal Popular pode absolver por qualquer fundamento, inclusive, reitere-se, por misericórdia", destacou.

0000769-43.2016.8.26.0294

terça-feira, 4 de maio de 2021

 

AGÊNCIA BRASIL - JUSTIÇA
 Fux critica impedimento de audiência de custódia por videoconferência

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luiz Fux, criticou na sexta-feira (30) a decisão do Congresso Nacional que derrubou a efetivação das audiências de custódia por videoconferência. A crítica do ministro foi feita durante evento do conselho para aprimoramento das audiências.

Na semana passada, o Congresso derrubou vetos do presidente Jair Bolsonaro a dispositivos do Pacote Anti Crime. Com a decisão dos parlamentares, a formalização legal das audiências de custódia virtuais não foi aprovada.

Para Fux, as audiências são uma garantia fundamental do preso, no entanto, diante da pandemia de covid-19, o CNJ estabeleceu regras para as audiências por videoconferência durante o período.

Segundo o presidente, a derrubada do veto foi ocasionada por um movimento de advogados criminais.

“O Congresso Nacional entendeu de derrubar a audiência de custódia, e o que é mais lamentável é que a derrubada da audiência de custódia por videoconferência vai impedir que essa audiência se realize. Com isso, o que está por detrás é a bastardia da ideia originária, que é não deixar realizar a audiência de custódia para mais tarde afirmar que a audiência de custódia por videoconferência não foi realizada e solicitar-se habeas corpus, obtendo liberdade para criminosos perigosíssimos, líderes de organizações criminosas, e essa nossa causa de profunda indignação”, afirmou Fux.

Desde 2015, a realização da audiência de custódia presencial é obrigatória. Dessa forma, o preso deve ser levado ao juiz responsável pelas audiências no prazo de 24 horas após a prisão pela polícia. O magistrado avalia a necessidade da manutenção da prisão e poderá determinar que o preso seja solto e cumpra uma medida cautelar, como o uso de tornozeleira eletrônica.

André Richter - Repórter da Agência Brasil - Brasília
Edição: Aline Leal

 

TEM QUE JUSTIFICAR

STJ invalida reconhecimento que não seguiu procedimentos previstos no CPP

O artigo 226 do Código de Processo Penal prevê que, durante o reconhecimento, é desejável apresentar outras pessoas parecidas com o suspeito ao lado dele, sempre que possível. Diante dessa ressalva, contida no inciso II, a eventual impossibilidade de seguir esses parâmetros precisa ser justificada, sob pena de nulidade do ato.

Com esse entendimento, 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, alinhou-se ao posicionamento firmado pela 6ª Turma e decidiu que o reconhecimento fotográfico ou presencial feito pela vítima na fase do inquérito policial, sem a observância dos procedimentos descritos no artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP), não é evidência segura da autoria do delito.

No entender do relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, o reconhecimento fotográfico do suspeito é uma prova inicial, que deve ser ratificada pelo reconhecimento presencial e, mesmo havendo confirmação em juízo, não pode servir como prova única da autoria do crime.

"No caso de uma ou ambas as formas de reconhecimento terem sido efetuadas, em sede inquisitorial, sem a observância (parcial ou total) dos preceitos do artigo 226 do CPP e sem justificativa idônea para o descumprimento do rito processual, ainda que confirmado em juízo, o reconhecimento falho se revelará incapaz de permitir a condenação, como regra objetiva e de critério de prova, sem corroboração do restante do conjunto probatório produzido na fase judicial", afirmou o magistrado.

Absolvição
Ao adotar esse entendimento, os ministros da 5ª Turma decidiram, por unanimidade, absolver um réu acusado de roubo. A autoria do crime foi imputada a ele com base exclusivamente em reconhecimento fotográfico e pessoal feito pela vítima na delegacia de polícia, sem a observância dos preceitos do artigo 226 do CPP.

O habeas corpus foi impetrado no STJ pela Defensoria Pública de Santa Catarina, após a condenação do réu em segunda instância.

Reynaldo Soares da Fonseca ressaltou que a identificação do acusado, embora tenha sido ratificada em juízo, não encontrou amparo em provas independentes e idôneas produzidas na fase judicial, com contraditório e ampla defesa.

Falsa memória
"Configura induzimento a uma falsa memória o fato de ter sido o marido da vítima, que é delegado, o responsável por chegar à primeira foto do suspeito, supostamente a partir de informações colhidas de pessoas que trabalhavam na rua em que se situava a loja assaltada, sem que tais pessoas jamais tenham sido identificadas ou mesmo chamadas a testemunhar", declarou o ministro.

"Tampouco o reconhecimento pessoal em sede policial pode ser reputado confiável se, além de ter sido efetuado um ano depois do evento, com a apresentação apenas do réu, a descrição do delito demonstra que ele durou poucos minutos, que a vítima não reteve características marcantes da fisionomia ou da compleição física do réu e teve suas lembranças influenciadas tanto pelo decurso do tempo quanto pelo trauma que afirma ter sofrido com o assalto", acrescentou.

Ao conceder a ordem de habeas corpus, o relator concluiu que, "tendo a autoria do delito sido estabelecida com base unicamente em questionável reconhecimento fotográfico e pessoal feito pela vítima, deve o réu ser absolvido". Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

HC 652.284