Dependendo da vertente histórica, as raízes do julgamento popular podem ser rastreadas em milhares de anos (Grécia, Roma e, mais recentemente, Inglaterra). Modernamente, o júri pode ser compreendido como o "meridiano jurídico da civilização" [1], determinando "a situação da liberdade individual no seio de cada povo" [2]. Trata-se de uma forma direta de participação democrática na administração da Justiça e, ao mesmo tempo, o reconhecimento que a sociedade é capaz de decidir sobre o fato criminoso, longe do chamado "calo profissional" [3] que muitas vezes insensibiliza.
Conforme já descrito por Binder [4], há uma série de vantagens do julgamento por jurados em relação à Justiça profissional, principalmente sobre a legitimidade, quantidade de julgadores e produção imediatas de provas. Mas nem sempre o júri aparece nas notícias de forma positiva, por mais que a grande maioria dos julgamentos corram de maneira regular e sem percalços.
Recentemente nos deparamos com algumas notícias de julgamentos que chamaram atenção por diversas situações que tangenciam as teses jurídicas. Talvez na mais impactante delas, a atuação de um advogado que simulou uma agressão com uma advogada mulher em um caso de feminicídio e, em um caso passado, um profissional acabou realizando uma manobra acrobática em plenário. Não faremos qualquer juízo de valor sobre os casos citados [5], mas, sim, pontuaremos quais as possíveis consequências de atos excepcionais a partir de perspectivas para: 1) os jurados do caso; e 2) a própria instituição do Tribunal do Júri.
1) Pela perspectiva dos jurados, "os debates" constituem o momento em que a oralidade e o contraditório são exercidos em sua excelência. Após a instrução (em que as partes apresentam as provas — mormente testemunhais), acusação e defesa têm a oportunidade de contribuir diretamente para a formação da convicção dos julgadores.
Nessa fase a acusação normalmente visa a convencer o Conselho de Sentença a julgar procedente a hipótese acusatória e as circunstâncias admitidas pelo magistrado na decisão de pronúncia. Por outro lado, a defesa objetiva convencer os jurados que a tese contrária deve ser reconhecida. Nem sempre a tese defensiva é a absolutória, podendo ainda ser voltada para adequação da imputação com a realidade fática e/ou correção da pena. Contudo, ambas as partes concatenam seus argumentos e ações para contribuírem na formação da decisão dos jurados a partir do caso concreto apresentado.
Pesquisas demonstram que os jurados levam a sério as funções de julgar. Que prestam atenção nas falas e nas condutas das partes. Por isso é importante que tanto os advogados, quanto os promotores, atuem sempre de forma ética, respeitosa e cordial com os envolvidos [6].
Debates, conflitos e altercações não são incomuns em plenário. Isso se deve à discordância com a parte adversa, com o juiz presidente e até com quem está sendo ouvido como testemunha. Claro que cada tribuno (advogado ou promotor) tem seu estilo próprio. Alguns são mais agressivos, outros mais polidos. Uns gritam, outros falam naturalmente mais baixo. Ademais, muitas vezes o comportamento é modulado pelo próprio caso, pela outra parte, pelo público. São muitos os fatores. Não existe aprioristicamente o certo ou o errado, mas o dinamismo que o caso e as circunstâncias demandam.
No entanto, alguns estudos empíricos já encontraram evidências de que o jurado inconscientemente considera a simpatia pela pessoa do advogado e do promotor no decorrer do julgamento. Chamado de escala de likeability, algo como "gostabilidade". Isso não é apenas do júri, claro. Na nossa vida social também é assim. Quando gostamos de alguém, ficamos receptivos às suas ideias ou comportamentos. É natural. Sendo assim, os oradores devem evitar conflitos desnecessários, demonstrações de arrogância e desrespeito, pois no júri "não é possível errar, o discurso é dito uma só vez, não se repete, não se corrige" [7]. Veja que sequer estamos falando de regras deontológicas, mas sim de que o respeito e a empatia com todos os envolvidos pode, sim, influenciar no resultado final do julgamento. Sempre lembremos que a atuação das partes tem um fim precípuo: a realização de um julgamento justo e os seus efeitos regulares.
2) Pela perspectiva do Tribunal do Júri como instituição, jamais se pode olvidar os ataques constantes sofridos contra o julgamento popular. E são inúmeros. Inúmeros juristas acreditam que a Justiça togada é melhor que o júri, em um pensamento elitista e classista e, acriticamente, cientificista. Por outro lado, sempre defendemos a instituição. Por inúmeros motivos. Talvez o principal é o fato de que não existe nenhuma outra forma de julgamento no Brasil em que as partes participam tão ativamente e diretamente na formação da convicção e, portanto, da decisão dos julgadores. Quem atua no júri consegue perceber que efetivamente os jurados prestam atenção nas provas e nos argumentos, antes de decidirem. Isso nem sempre acontece perante a justiça togada, onde a prevalência do modelo escrito contribui não apenas para um julgamento mais demorado, como também para potencialmente violar o princípio do juiz natural, da ampla defesa, do contraditório, da oralidade/imediatividade — balizas do sistema acusatório.
Apesar disso, quando durante um julgamento ocorre um fato excepcional, como o eventual comportamento inadequado de um dos envolvidos ou mesmo um resultado indesejado pela mídia, as garantias fundamentais e o próprio instituto do júri são atacados frontalmente.
Em épocas de forte pressão pelo punitivismo, que coincide com uma tentativa antidemocrática de reforma do Código de Processo Penal em direção à violação do sistema acusatório previsto na Constituição, tais fatos isolados são utilizados para justificar a desvirtuação do Tribunal do Júri. Aliás, como já bem alertado por Rui Barbosa sobre a instituição do júri, "(...) os seus inimigos dissimulam sob a aparência atenuante de reformas os artifícios imaginados para lhe operar a supressão" [8].
Sendo assim, ganha relevância o papel dos participantes do julgamento, os quais obrigatoriamente precisam atuar pautados na ética profissional, institucional e pessoal. Nesse sentido, perceba-se que: 1) o artigo 1º do Código de Ética da Magistratura determina que o exercício da magistratura seja norteada pelos princípios da "independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro"; 2) o artigo 43 da Lei Orgânica do Ministério Público exige que os promotores mantenham conduta pública e particular ilibada, bem como que tratem as partes, testemunhas, funcionários e auxiliares da Justiça com urbanidade; 3) o Código de Ética e Disciplina da OAB assinala que os membros devem observar "nas suas relações com os colegas de profissão, agentes políticos, autoridades, servidores públicos e terceiros em geral, o dever de urbanidade, tratando a todos com respeito e consideração". O Código ainda prevê que o advogado tem de atuar com decoro, lealdade, dignidade, boa-fé, defendendo os direitos humanos e as garantias fundamentais. Diversas leis complementares que regulamentam a Defensoria Pública nos estados determinam como dever institucional "respeitar as partes e tratá-las com urbanidade".
Cremos necessário também considerar a evolução do pensamento ético e de valores pela sociedade. O que era aceitável socialmente há 50, 20 ou dez anos pode ser que hoje não seja. Essa evolução positiva que protege e objetiva alcançar igualdades de gênero, raça e minorias, precisa ser internalizada pelos profissionais de direito.
Em conclusão, o Tribunal do Júri é competente para o julgamento de crimes dolosos contra a vida. São os crimes que mais chocam, ferem e assustam a sociedade. A violência e as tragédias humanas são intrínsecas aos casos que são julgados. Destarte, os que atuam no júri precisam ter consciência das suas incumbências éticas e legais.
Deve-se entender que o júri, para além de uma cláusula pétrea, constitui o sistema democrático participativo na administração da justiça por excelência, merecendo os esforços para o seu aperfeiçoamento e proteção.
O verdadeiro Tribunal do Júri não é aquele que vemos e lemos nas redes sociais. A realidade é que a (vasta) maioria daqueles que atuam na acusação e na defesa representam suas posições com seriedade, responsabilidade e respeito. O júri sempre será a casa democrática da justiça. Jamais um teatro ou palco para autopromoção, pois a importância do ato é a solução dos infortúnios encontros entre a vítima e o acusado: esses são e devem ser considerados os infelizes protagonistas no Plenário.
Rodrigo Faucz Pereira e Silva é advogado criminalista, pós-doutorando em Direito (UFPR), doutor pelo Programa Interdisciplinar em Neurociências (UFMG), mestre em Direito (UniBrasil), professor de Processo Penal (FAE) e de Tribunal do Júri em pós-graduações (AbdConst, Curso Jurídico, UniCuritiba, FAE) e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Tribunal do Júri (Nupejuri).
Daniel Ribeiro Surdi de Avelar é juiz de Direito, presidente do 2º Tribunal do Júri de Curitiba desde 2008, mestre em Direitos Fundamentais e Democracia (UniBrasil), professor de Processo Penal (FAE Centro Universitário, UTP e Emap) e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Tribunal do Júri (Nupejuri).
Denis Sampaio é defensor público, titular do 2º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Lisboa, Portugal, mestre em Ciências Criminais pela Ucam/RJ e professor de Processo Penal.