ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO
Ainda há dúvidas sobre o uso do Alexa como prova em julgamentos nos EUA
Milhões de pessoas no mundo apreciam o assistente virtual Alexa, que vem embutido no dispositivo Echo da Amazon, por sua capacidade de cumprir tarefas sob um comando de voz. Mas nem tanta gente sabe que o Alexa também pode ser assistente da polícia, em investigações criminais, e da promotoria, em juízo, como prova documental ou como testemunha.
Algumas autoridades e jornais preferem se referir ao Alexa como possível testemunha em processos criminais. Mas essa seria uma situação curiosa. Ao contrário de cônjuges e parentes que convivem com o réu sob o mesmo teto e são legalmente impedidos de testemunhar, o Alexa vive dentro da casa do réu, mas não é impedido de testemunhar – a não ser que se mude o Código de Processo Civil para incluir dispositivos da Internet das Coisas.
Além disso, os réus têm direito a confrontar testemunhas da acusação, através da inquirição cruzada no tribunal do júri. Ou podem ser inqueridas pelo juiz. Como vai ser isso no caso da testemunha Alexa? Como fica o juramento de dizer a verdade (...)?”
Mas, na condição de prova documental, o Alexa poderá ser uma nova figura nas salas de julgamento – além de “informante” da polícia. Aliás, isso já aconteceu nos EUA, pelo menos em dois casos. Em um deles, James Andrew Bates foi acusado de matar Victor Collins, porque o Alexa o colocou dentro de casa na hora do crime. Em outro, o Alexa ajudou os promotores a acusar Adam Crespo de assassinar a namorada, em um caso em que o réu alegou que a morte dela aconteceu por acidente. Mas o Alexa dava uma ideia diferente.
O papel que se prevê para o Alexa nas cortes também poderá ser exercido por outros tantos dispositivos eletrônicos, incluindo os que estão “espionando” tudo dentro de casa, uma vez conectados à Internet das Coisas. O Google Home, concorrente do Echo, o Siri da Apple, a geladeira, a campainha eletrônica da porta, sistemas de segurança, todos podem servir de “espiões” silenciosos dentro de casa, assim como o GPS, a tornozeleira eletrônica e as dashcams o fazem nas ruas.
O Echo integra uma variedade de dispositivos inteligentes de automação residencial. Assim, há um grande potencial de informações que a polícia pode encontrar nos aparelhos da casa e que os promotores podem usar na acusação. Por exemplo, no caso Bates, em que Victor Collins foi encontrado morto em uma banheira, o medidor inteligente de uso de água da casa forneceu informações úteis à polícia e aos promotores.
Alexa é a palavra padrão que aciona o Echo (embora os consumidores possam mudá-la). Uma vez ativado por esse comando, o dispositivo obedece a comandos, tais como acender (ou apagar) luzes, tocar música de um certo cantor, informar a temperatura, dar uma receita culinária etc.
Os comandos – ou perguntas – dos usuários são então enviados a servidores de nuvem da Amazon, onde as palavras gravadas passam por um sistema de reconhecimento de comandos de voz por redes neurais. Nesse ponto, a resposta ao comando ou pergunta do usuário é retornada através do Echo. Isso é, essencialmente, uma simulação por computação, do cérebro humano (ou inteligência artificial)
Como o próprio dispositivo não tem espaço suficiente em seu disco rígido para guardar muita coisa, essa função cabe à Amazon. Mas, a Amazon não entrega facilmente os dados a investigadores ou promotores, em nome da privacidade dos usuários de seus dispositivos. Para obtê-los, a polícia e a Promotoria, precisam de uma ordem judicial – ou a um mandado de busca.
Tudo isso, é muito complicado para leigos nessas tecnologias que, muitas vezes, ocupam o banco de jurados. Portanto, os jurados não terão uma ideia clara sobre como o Alexa, o Siri, o Google Home e a Internet das Coisas funcionam e o que podem fazer e ainda como o sistema foi acionado.
Nesse caso, eles precisam de uma explicação didática. Só assim poderão considerar se esses sistemas podem servir de prova confiável para condenar um réu – ou de prova para um advogado defender a inocência do réu.
Por isso, irá entrar em cena, em cenários de julgamento, um novo profissional, que não só irá prestar esses esclarecimentos, mas também irá assegurar aos jurados que a interpretação dos dados, em posse da corte, é correta. Esse profissional será um perito em tecnologia ativada por voz e/ou perito em ciência da computação, segundo o Expert Institute.
Provavelmente, o perito terá de expedir um certificado de autenticidade dos dados, para o juiz considerar a questão da admissibilidade da prova. E ao promotor caberá estabelecer a confiabilidade da prova, de uma perspectiva da ciência da computação, se realmente surgir alguma coisa que ajude a elucidar o crime, diz o Expert Institute.
Há mais uma questão para os advogados de defesa examinarem em julgamento que envolve provas fornecidas por parafernália eletrônica. Como esses aparelhos exercem uma variedade de funções, que podem rastrear e monitorar a vida dentro da casa, os advogados de defesa podem levantar questões de violação de privacidade.
É preciso considerar que a sociedade está se aproximando, progressivamente, da situação descrita no livro 1984, de George Orwell, que criou a figura do “Big Brother”, que vigia a todos em favor de um regime totalitário.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 3 de abril de 2021, 17h21
Nenhum comentário:
Postar um comentário