terça-feira, 27 de abril de 2021

 


CNJ
 Tribunal do Júri inova para seguir julgando crimes dolosos contra a vida em meio à pandemia

O primeiro ano da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) reinventou o tribunal do júri – às vésperas de seu bicentenário -, ao modernizar uma das marcas do julgamento, que é tradicionalmente realizado de forma presencial. Impossibilitados de migrar os julgamentos de pessoas acusadas de homicídios e de tentativas de assassinato para o ambiente virtual, como ocorreu com os demais casos no Poder Judiciário durante a pandemia, tribunais e equipes da justiça criminal incorporaram o protocolo de cuidados sanitários do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e recorreram à tecnologia para ouvir réus e rés presas de dentro de penitenciárias e transmitir sessões de julgamento ao vivo pela internet.

Mudar a rígida sistemática foi a solução encontrada para retomar os julgamentos que haviam sido interrompidos, como todas as demais atividades presenciais nas dependências do Judiciário, em 19 de março de 2020. Oito dias depois da declaração pública de pandemia da Covid-19 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o CNJ instalou o regime de Plantão Extraordinário nos tribunais brasileiros. Ficava instituído o trabalho remoto para tentar frear o contágio da nova versão do coronavírus, à época recém-descoberta. A suspensão do trabalho presencial nas unidades judiciárias impossibilitou as sessões do tribunal do júri.

Sem as sessões do júri, no entanto, começaram a se acumular os casos de homicídios e tentativas de homicídio, principais demandas levadas a júri popular no Brasil. Por ano, essas varas recebem cerca de 31 mil novos casos, de acordo com a série histórica iniciada em 2014 pelo CNJ. Em 15 de junho, depois de quase três meses de isolamento social, o CNJ autorizou a retomada de alguns julgamentos presenciais, considerados mais urgentes – entre eles os do tribunal do júri. A reabertura das instalações foi condicionada a uma série de medidas para evitar que os fóruns da Justiça se tornassem focos de disseminação da doença, que já matou mais de 300 mil brasileiros.

Salão do júri
A aplicação do protocolo sanitário no tribunal do júri mudou a disposição tanto das salas de audiência onde são ouvidas as testemunhas, na primeira fase do julgamento, quanto a dos plenários, onde ocorrem as sessões do júri, a última fase do processo. A exigência de distanciamento mínimo entre as pessoas implicou afastar fisicamente juiz e promotor, tradicionalmente posicionados lado a lado. O limite máximo de pessoas no mesmo ambiente também resultou na retirada do público das sessões, que sempre foram abertas à participação de qualquer membro da comunidade. As cadeiras até então destinadas ao público acabaram sendo ocupadas pelos jurados e juradas, que antes acompanhavam o julgamento agrupados em bancada própria, localizada na lateral do plenário.

No Brasil, o tipo de julgamento que mais preserva a história do Poder Judiciário existe desde 1832, quando foi regulamentado pelo Código de Processo Criminal. De acordo com o estudo retrospectivo do historiador Murillo Carlêto Rodrigues Moreira sobre as origens e a evolução do júri popular, os 12 membros do “Jury de Sentença” examinavam provas para formar suas convicções a respeito do crime e do acusado, depois de ouvir testemunhas e o ritual de oratória de defesa e acusação. No Brasil de 2021, a obrigação de usar máscaras nas sustentações orais, para evitar o contágio pela respiração, gerou um incômodo unânime nas sessões.

Ao final do julgamento, os jurados do Código de 1832 respondiam um questionário com perguntas sobre questões, como o “gráo de culpa” do réu e se o crime comportava pagamento de “indemnização”, a partir do qual o réu seria absolvido ou condenado. Quase 200 anos depois, um grupo de cidadãos e cidadãs ainda julga seus pares respondendo questionários semelhantes, mas com cédulas de votação que são regularmente higienizadas, para se evitar a contaminação pelas superfícies. O mesmo é feito com móveis e equipamentos que precisam ser compartilhados por testemunhas, como microfones e cadeiras.

Julgamentos seguem públicos
Em Curitiba (PR), o Plenário do Tribunal do Júri foi fechado para evitar aglomerações na plateia. Os julgamentos agora são transmitidos pelo canal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) no YouTube. As sessões atingiram a marca de 60 mil visualizações mensais, de acordo com o juiz da 2ª Vara Privativa do Tribunal do Júri do Foro Central de Curitiba, Daniel Ribeiro Surdi de Avelar.

Ao cumprir a exigência constitucional da publicidade dos julgamentos, as sessões transmitidas atualmente podem alcançar uma audiência muito maior do que as 300 pessoas que ocupavam os assentos do auditório antes da pandemia. O júri exibido em tempo real pode até evitar que os julgamentos sejam anulados no futuro, pois ficam armazenados no provedor de vídeos – à exceção dos trechos que são excluídos para preservar o direito à intimidade de alguma testemunha sigilosa.

No tribunal do júri, a defesa pode pedir a anulação de todo o julgamento sob a alegação de que alguma fala do Ministério Público, um olhar de jurado para a pessoa ré ou outro detalhe tenha comprometido o direito de defesa e influenciado o veredito, por exemplo. O pedido de nulidade é endereçado primeiro ao juiz ou juíza e, em caso de negativa, pode recorrer a instâncias superiores. Em um julgamento convencional, não gravado, o magistrado pode ter dúvidas em reconhecer ou não o motivo do pedido. Ao seu lado, só tem a própria memória da sessão (ou de um momento da sessão) ou a ata que documenta o que houve de mais importante no julgamento.

“Recentemente, em uma sessão, eu pude retroceder o vídeo da sessão e reassisti ao trecho da sessão cinco vezes para identificar o que foi dito e a forma de expressão. Não reconheci a nulidade. Uma palavra pode ter plúrimos (múltiplos) sentidos. Esse recurso possibilita até aos tribunais superiores verificarem nulidades que a ata do julgamento não pode absorver”, afirmou o juiz Daniel Ribeiro Surdi de Avelar. À frente da vara da capital paranaense desde 2008, o magistrado afirma que, mesmo com as mudanças na rotina da vara, a média de quatro julgamentos semanais realizados já foi restabelecida.

Prioridade para julgamento de réus presos

Uma das atividades essenciais do Poder Judiciário que justificou a retomada de alguns julgamentos presenciais em junho de 2020 foi o volume de processos do júri. Atualmente, são 229.852 ações penais de competência do júri em andamento, de acordo com levantamento preliminar do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ em fase de validação pelos tribunais de Justiça. Pode parecer pouco diante dos 77,1 milhões de processos que tramitam na Justiça brasileira, mas cada processo levado a júri popular tem consequências definitivas, tanto para os sobreviventes de uma tentativa de assassinato quanto para familiares, amigos e a memória de quem foi morto.

Atendendo à norma do CNJ que determinou a volta do trabalho presencial no Poder Judiciário, foram julgadas primeiro as ações que envolvessem pessoas presas. Embora minoria no universo de processos que vão a júri popular, as ações em que acusados ou acusadas estão detidos podem acabar por reverter uma prisão injusta. Em alguns casos, tratam de alguém que será inocentado e tirado de uma unidade prisional. A prioridade a esse tipo de processo é uma recomendação que o CNJ faz historicamente à Justiça Estadual e foi incorporada pelos tribunais de Justiça desde 2017 no Mês Nacional do Júri, mutirão nacional de sessões do júri realizado anualmente.

No país campeão mundial de homicídios, trata-se também de uma estratégia para conter a impunidade. Em 2020, apesar do distanciamento social causado pela pandemia, 43.892 pessoas foram assassinadas de forma violenta no Brasil – 5% a mais em relação ao ano anterior –, de acordo com o Monitor da Violência, iniciativa do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do portal de notícias G1. Quando foi criado em 1822, pelo então Príncipe Regente Dom Pedro I, sob o nome “Juizes de Facto”, o júri popular era formado por “24 cidadãos escolhidos de entre os homens bons, honrados, inteligentes e patriotas” e se dedicava apenas aos abusos de liberdade de imprensa, “auctores” de pasquins e proclamações incendiarias.

Videoconferência
Para viabilizar o retorno dos julgamentos de acusados de homicídios, em julho do ano passado o Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) editou norma que restringiu as sessões apenas a pessoas presas ou que tinham processo com data de prescrição próxima. No mesmo ato, determinou que videoconferências seriam usadas em processos de qualquer matéria “especialmente nos processos que envolvam réus presos e adolescentes em conflito com a lei em situação de internação”. No período entre a decretação da fase vermelha no estado de São Paulo (grau máximo de isolamento social), agosto de 2020 e fevereiro de 2021, foram realizadas 1.006 sessões do júri nas 169 comarcas do TJSP.

Introduzido no Código Penal em 2009, o uso da videoconferência em processos do tribunal do júri já era recomendado às cortes de Justiça pelo CNJ desde 2019 como forma de dar mais celeridade aos julgamentos. No entanto, a tecnologia de comunicação só ganhou espaço definitivamente no tribunal do júri em 2020. Com as restrições de mobilidade impostas pela pandemia, escoltas policiais de acusados presos entre penitenciária e fórum ficaram inviabilizadas e a videoconferência mostrou-se a alternativa para seguir com julgamentos de homicídios – tentados ou cometidos.

De acordo com o juiz auxiliar da Presidência do TJSP, Genofre Martins, alguns juízes têm introduzido soluções tecnológicas para a condução de uma sessão do júri. “A orientação foi para privilegiar ao máximo os atos virtuais, mas nos casos de audiências híbridas, recebo feedback de técnicas que os colegas estão aplicando no dia a dia. Por exemplo, alguns juízes estão fazendo a sessão do júri no plenário e com o réu no Centro de Detenção Provisória (CDP – presídio para quem foi preso e aguarda julgamento). Reserva-se uma sala, com o equipamento e conexão necessários, e o réu participa do julgamento desde uma sala virtual, mas mantém o direito (que teria na modalidade presencial) a entrevista pessoal com o seu advogado”, afirma Martins. São Paulo é o estado com a maior população carcerária do país, com 218 mil presos – 45 mil sem julgamento, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional.

O CNJ regulamentou o uso da videoconferência no tribunal do júri e na justiça criminal em geral para preservar o direito da defesa e assegurar a viabilidade técnica da audiência por vídeo. A defesa, por exemplo, será intimada da videoconferência 10 dias antes da audiência. Caso não tenha condições técnicas de participar, basta informar o magistrado do impedimento que a audiência não será realizada por vídeo. No caso de réus presos, cabe ao magistrado assegurar que a sala oferecida pela administração da unidade prisional para o preso seja “ambiente livre de intimidação, ameaça ou coação”, com fiscalização dos “corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público, Defensoria Pública e pela Ordem dos Advogados do Brasil”.

Mudanças definitivas
Em Joinville, maior comarca do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), cerca de 75 julgamentos tiveram de ser adiados com a paralisação dos julgamentos presenciais em função da Covid-19. No entanto, desde que foram retomados os trabalhos, em agosto do ano passado, apenas uma sessão do júri precisou ser adiada – um advogado contraiu a Covid-19. O mérito pela volta do fluxo “normal” de julgamentos é devido, em parte, à tecnologia da informação e da comunicação.

A adoção do sistema de videoconferências, de acordo com o juiz Gustavo Henrique Aracheski, que comandou a Vara do Tribunal do Júri de Joinville durante o primeiro ano de pandemia, independe de grandes alterações na lei. “Com a concordância da defesa, tornou-se possível o julgamento com a presença virtual do acusado, especialmente o réu preso. Com o traslado entre longas distâncias prejudicado ou dificultado por causa da pandemia, a transmissão simultânea do julgamento para o réu preso fora da comarca por meio virtual é uma alternativa muito interessante.”

Para o juiz do 1º Tribunal do Júri de Belo Horizonte – unidade do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) -, Marcelo Fioravante, a eficiência proporcionada pelas audiências virtuais “deu um dinamismo para a justiça criminal com o qual não se convivia antes”. Fioravante conduz a primeira fase do júri, em que se busca ouvir acusados e testemunhas para obter indícios que permitam apontar a materialidade e a autoria dos crimes praticados.

Na sua carreira, enviou muitas cartas precatórias pedindo providências de juízes em outros estados por causa de presos “em trânsito” e intimações de testemunhas de paradeiro móvel. Ambas demoravam a alcançar os destinatários. Hoje, esses “atos processuais” assumiram a forma virtual de e-mails e até de mensagem instantânea que surgem na tela do celular. Graças à modernização dos procedimentos do júri, a média de agendamento mensal de sessões do júri nos três plenários de Belo Horizonte manteve-se em 88 julgamentos.

A segurança exigida de uma operação de escolta de réus presos que deixam o complexo penitenciário para prestar um depoimento inicial no fórum encarece o processamento de uma ação penal do júri. “Fui diretor do Foro da Comarca de Belo Horizonte entre 2016 e 2018. Só o Fórum Criminal recebia, em média, de 80 a 100 presos por dia. Tínhamos de manter uma estrutura de carceragem, agentes prisionais e uma Companhia da Polícia Militar dentro do fórum”, afirmou. Durante a pandemia, as oitivas na modalidade virtual e híbrida (com alguns depoimentos tomados no fórum e outros, a distância) permitiram ao juiz colher todos os depoimentos em 90% das audiências.

No Rio de Janeiro, o juiz do 3º Tribunal do Júri da Capital, Alexandre Abrahão, destaca a importância da tomada de testemunhos à distância para a conclusão dos julgamentos. “O reflexo foi altamente positivo porque permitiu que as pessoas não se afastassem dos seus afazeres durante um dia inteiro para dar seus testemunhos. Essa herança seria bem-vinda, mas há de se ter em mente que as salas de audiências e plenários precisam, com urgência, de adequação tecnológica, pois o que se tem feito tem sido na base do improviso. Nesse ponto uma intervenção seria, a nosso ver, altamente positiva”, afirmou o juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).

A tecnologia modernizou uma instituição mais antiga que a República, mas só o tempo dirá quais mudanças serão incorporadas às práticas diárias das centenas de varas do tribunal do júri do país. Um ano após o início dos efeitos da pandemia no Poder Judiciário, os julgamentos nos tribunais do júri dos magistrados ouvidos nesta reportagem foram novamente suspensos, desta vez por causa do recrudescimento da Covid-19 nos estados do Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias


sexta-feira, 23 de abril de 2021

 LIMITAÇÕES À LIBERDADE

Tempo de recolhimento domiciliar com tornozeleira pode ser descontado da pena

22 de abril de 2021, 10h59

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, definiu ser possível o benefício da detração no caso de cumprimento da medida cautelar de recolhimento domiciliar cumulada com fiscalização eletrônica. Segundo o artigo 42 do Código Penal, é permitido descontar da pena privativa de liberdade o tempo de prisão provisória cumprida no Brasil ou no exterior.

O colegiado entendeu que, embora o recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga, juntamente com o uso de tornozeleira eletrônica — previstos no artigo 319, incisos V e IX, do Código de Processo Penal (CPP) —, não constituam pena privativa de liberdade, as limitações a que a pessoa fica submetida se assemelham ao cumprimento de pena em regime prisional semiaberto.

"Interpretar a legislação que regula a detração de forma que favoreça o sentenciado harmoniza-se com o princípio da humanidade, que impõe ao juiz da execução penal a especial percepção da pessoa presa como sujeito de direitos", afirmou a relatora do processo, ministra Laurita Vaz.

Por sugestão do ministro Rogerio Schietti Cruz, que alertou para o fato de que o recolhimento noturno, diferentemente da prisão preventiva, tem restrições pontuais ao direito de liberdade, a seção decidiu que o cálculo da detração considerará a soma da quantidade de horas efetivas de recolhimento domiciliar com monitoração eletrônica, as quais serão convertidas em dias para o desconto da pena.

Assim, o tempo a ser aferido para fins de detração é somente aquele em que o acautelado se encontra obrigatoriamente recolhido em casa, não sendo computado o período em que lhe é permitido sair.

Mesma razão, mesma regra

Ao proferir seu voto, a relatora destacou que impedir a detração no caso de apenado que foi submetido às cautelares de recolhimento domiciliar noturno e em dias não úteis e monitoração eletrônica significaria sujeitá-lo a excesso de execução, "em razão da limitação objetiva à liberdade concretizada pela referida medida".

Para a ministra, a medida cautelar, que impede o indivíduo de sair de casa após o anoitecer e em dias não úteis, tem efeito semelhante ao do regime semiaberto, pois o obriga a se recolher. "Onde existe a mesma razão fundamental, aplica-se a mesma regra jurídica", afirmou.

A magistrada lembrou ainda que a jurisprudência do STJ admite, quando presentes os requisitos do artigo 312 do CPP, que a condenação em regime semiaberto produza efeitos antes do trânsito em julgado da sentença. Dessa forma, ponderou que seria "incoerente" impedir que o recolhimento domiciliar com fiscalização eletrônica, que pressupõe a saída de casa apenas durante o dia e para trabalhar, fosse descontado da pena.

Além disso, a relatora salientou que, conforme orientação sedimentada na Quinta Turma do STJ, as hipóteses do artigo 42 do Código Penal não são taxativas, motivo pelo qual não há violação do princípio da legalidade. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

HC 455.097

 

RÉU REINCIDENTE

Tráfico privilegiado não afasta natureza de crime hediondo, diz TJ-SP

22 de abril de 2021, 18h30

A incidência da causa de diminuição de pena do artigo 33, §4º, da Lei de Drogas, não afasta a natureza de crime hediondo ou equiparado, tampouco exclui a tipicidade, do crime de tráfico de drogas. A visão de que o delito de tráfico de drogas minorado seria "crime comum" não tem amparo legal, e, respeitando-se o pensar diverso, nega o direito posto.

Tráfico privilegiado não afasta natureza de crime hediondo, decide TJ-SP

Com base nesse entendimento, a 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo cassou decisão de primeiro grau que havia concedido livramento condicional a um homem condenado a 5 anos e 10 meses de prisão por tráfico de drogas. 

O juízo de origem considerou que a condenação anterior do réu, por tráfico privilegiado, não caracterizava reincidência específica em crimes hediondos, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal. O Ministério Público recorreu ao TJ-SP, que concordou com a tese de que o condenado é, sim, reincidente em crime equiparado a hediondo.

No voto, o relator, desembargador Alcides Malossi Junior, citou o julgamento do Habeas Corpus 118.533, em que o Supremo concluiu que o crime tráfico de drogas, "quando incidente a minorante prevista no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, não se reveste de hediondez". Porém, o desembargador considerou que a decisão não possui eficácia vinculante.

"Tal entendimento, entrementes, não obstante todo o respeito que mereça a v. decisão colegiada, por ser proferido incidentalmente, não possui eficácia vinculante, com possibilidade de não aplicação, por juízo monocrático ou colegiado, no caso concreto, tal como na espécie, sem dar azo ao ajuizamento de reclamação", afirmou.

Assim, ele aplicou ao caso o entendimento da Câmara no sentido de que o tráfico privilegiado deve ser equiparado a crime hediondo: "A motivação do delito, incidente ou não sua forma 'privilegiada', é exatamente a mesma, podendo-se justificar a possibilidade de aplicação de pena mais branda tão somente por questão de política criminal, que, jamais, por possuir a mesma gravidade exacerbada, desnatura a hediondez da infração".

O desembargador também citou a Súmula 512 do Superior Tribunal de Justiça, que já foi cancelada em 2019 pela própria Corte. A Súmula dizia que a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime. Tal entendimento foi revisto pelo STJ e o enunciado já não tem mais validade.

Mesmo assim, Junior considerou que o cancelamento da Súmula 512 não afasta a avaliação das repetidas decisões que a teriam justificado, "cujos argumentos, com todo o respeito, ainda permanecem, sendo possível avalia-la, para motivar, destarte, ainda assim, o caráter hediondo do delito praticado naquelas circunstâncias". 

"Pertinente registrar que já existem, nesse E. Tribunal de Justiça, precedentes que deixaram de aplicar o entendimento sufragado pela douta maioria dos E. Ministros do C. Supremo Tribunal Federal, considerando, no caso concreto, a hediondez do delito de tráfico de drogas, ainda que incidente a minorante prevista no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06", completou o relator. 

Assim, em se tratando de réu reincidente em crime hediondo, o magistrado afirmou ser vedado o livramento condicional, nos termos do artigo 83, inciso V, do Código Penal e artigo 44, parágrafo único, da Lei 11.343/06, "surgindo imperiosa a cassação integral da r. decisão, com afastamento da concessão do livramento condicional". A decisão se deu por unanimidade.

Processo 0001820-88.2020.8.26.0637

Revista Consultor Jurídico, 22 de abril de 2021, 18h30

quinta-feira, 22 de abril de 2021

STF Ministra anula condenação de casal em situação de rua por tentativa de furto em supermercado


A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a absolvição de um casal de Joinville (SC) em situação de rua, condenado à pena de quatro meses de reclusão e ao pagamento de multa, por tentativa de furto qualificado de produtos de um supermercado que somavam R$ 155,88. Ao dar provimento ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 196850, apresentado pela Defensoria Pública da União (DPU), a ministra aplicou ao caso o princípio da insignificância (ou bagatela).

A tentativa de furto recaiu sobre um conjunto de roupa infantil, um creme facial, um shampoo, um sabonete em gel, um pacote de macarrão, um pedaço de bacon e um par de chinelos de borracha. Os produtos foram restituídos ao estabelecimento, depois que câmeras de vídeo flagraram a ação do casal.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o habeas corpus havia sido negado, sob o argumento de que o concurso de pessoas demonstra maior reprovabilidade da conduta e afasta a aplicação do princípio da insignificância.

Em sua decisão, a ministra Cármen Lúcia lembrou que o STF fixou vetores para a aplicação desse princípio: a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

No caso dos autos, ela verificou que os fatos envolveram pessoas em inquestionável situação de vulnerabilidade econômica e social, o que atesta o reduzido o grau de reprovabilidade da conduta. Também é inexpressiva a lesão jurídica, pois a vítima é pessoa jurídica que dispõe de aparato para inibir furtos e roubos, e os itens foram devolvidos em decorrência das medidas de precaução.

Quanto aos meios e modos de realização da conduta, não houve emprego de violência ou ameaça à integridade física de funcionários e seguranças do supermercado. Por fim, não houve desfalque ou redução do patrimônio da vítima nem ampliação dos bens do caso.

A ministra também citou precedentes da Segunda Turma no sentido de que o concurso de pessoas no crime de furto, isoladamente considerado, não afasta o reconhecimento da atipicidade material da conduta, que deve ser aferida em cada caso.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

 

RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO

Sem indícios de autoria, denúncia contra acusado de assalto a bancos é rejeitada

Por 

A imputação de um crime baseada somente em presunções não pode servir como alicerce para comprovação da autoria de um delito. O entendimento é do juiz Antonio Carlos Schiebel Filho, da 11ª Vara Criminal de Curitiba, ao rejeitar uma denúncia, por ausência de justa causa, contra um homem por assalto a duas agências bancárias. O acusado foi reconhecido por foto por uma das vítimas.

Reprodução
Sem indícios de autoria, denúncia contra acusado de assalto a bancos é rejeitada

A defesa, patrocinada pelo escritório Hugo Leonardo Advogados, sustentou a nulidade do reconhecimento fotográfico do acusado, em razão da inobservância do previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal, além de inexistência de indícios de autoria, pedindo a rejeição da denúncia por ausência de justa causa.

O parecer do Ministério Público também foi pela ausência de justa causa. Segundo o MP, não foram produzidos indícios capazes de demonstrar a autoria do crime por parte do denunciado, restando somente o reconhecimento fotográfico feito por uma testemunha.

O magistrado também concluiu pela fragilidade do conjunto probatório, destacando que o acusado foi reconhecido por foto por uma única pessoa. "A única vítima que realizou o reconhecimento do denunciado por fotografia relatou que não viu a tentativa de roubo, de forma que os indícios de autoria revelam-se frágeis", disse.

Segundo o juiz, não há nenhuma informação nos autos de como a polícia chegou ao nome do acusado ou o motivo pelo qual sua fotografia foi apresentada às vítimas, "ressaltando-se que não consta nenhuma indicação de que a autoridade policial tenha, ao menos, diligenciado na tentativa de intimar o acusado para que fosse formalmente qualificado, interrogado e reconhecido".

Além disso, Filho destacou a ausência de imagens das câmeras de segurança das agências bancárias que poderiam indicar se o acusado seria mesmo um dos autores dos assaltos. Diante disso, o juiz não vislumbrou os indícios mínimos de autoria que devem estar presentes para a continuidade da persecução penal.

"O conteúdo das diligências já realizadas é insuficiente a alicerçar juízo minimamente indícios de autoria e materialidade, elementos constitutivos da justa causa necessária ao oferecimento de denúncia e prosseguimento da ação penal, nos termos do artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal", completou.

Por fim, o magistrado ressaltou a necessidade de um suporte mínimo da materialidade do fato delituoso para respaldar a acusação: "Faltando indícios mínimos, somente conjecturas não são suficientes para o prosseguimento da ação penal, tendo-se como solução mais justa rejeitar a denúncia contra si oferecida".

Processo 0013133-93.2016.8.16.0013

 é repórter da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 10 de abril de 2021, 16h43

 

AGÊNCIA BRASIL - GERAL
 Nova lei de trânsito entra em vigor nesta segunda-feira

As alterações promovidas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) entram em vigor a partir desta segunda-feira (12). As mudanças foram sancionadas pelo presidente Jair Bolsonaro em outubro do ano passado, quando ficou definido que a vigência passaria a ocorrer 180 dias após a sanção.

A partir de agora, os motoristas devem ficar atentos aos novos prazos de renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), ao número de pontos que podem gerar a suspensão de dirigir e à punição de quem causar uma morte ao conduzir o veículo após ter ingerido bebida alcoólica ou ter usado drogas.

Os exames de aptidão física e mental para renovação da CNH não serão mais realizados a cada cinco anos. Agora, a validade será de dez anos para motoristas com idade inferior a 50 anos; cinco anos para motoristas com idade igual ou superior a 50 anos e inferior a 70 e três anos para motoristas com idade igual ou superior a 70 anos.

Sobre a pontuação, a lei agora estabelece uma gradação de 20, 30 ou 40 pontos em 12 meses conforme haja infrações gravíssimas ou não. Atualmente, a suspensão ocorre com 20 pontos, independentemente do tipo de infração.

Dessa forma, o condutor será suspenso com 20 pontos se tiver cometido duas ou mais infrações gravíssimas; com 30 pontos se tiver uma infração gravíssima; e com 40 pontos se não tiver cometido infração gravíssima no período de 12 meses.

Os condutores que exercem atividades remuneradas terão seu documento suspenso com 40 pontos, independentemente da natureza das infrações. Essa regra atinge motoristas de ônibus ou caminhões, taxistas, motoristas de aplicativo ou moto-taxistas. Se esses condutores participarem de curso preventivo de reciclagem ao atingir 30 pontos, em 12 meses, toda a pontuação será zerada.

As novas regras proíbem que condutores condenados por homicídio culposo ou lesão corporal sob efeito de álcool ou outro psicoativo tenham pena de prisão convertida em alternativas.

Cadeirinhas
O uso de cadeirinhas no banco traseiro passa a ser obrigatório para crianças com idade inferior a 10 anos que não tenham atingido 1,45 metro de altura. Pela regra antiga, somente a idade da criança era levada em conta.

Recall
Nos casos de chamamentos pelas montadoras para correção de defeitos em veículos (recall), o automóvel somente será licenciado após a comprovação de que houve atendimento das campanhas de reparo.

Motociclistas
Para os motociclistas, a nova lei restringe a circulação de crianças na garupa das motos. Antes, a legislação permitia que crianças maiores de sete anos podiam ir na garupa. Agora, a idade mínima para levar uma criança na moto é 10 anos.

Andar com o farol da motocicleta apagado passará a ser considerada infração média, sujeita a multa de R$ 130,16. Antes, isso era considerado como infração gravíssima, sujeita a multa e apreensão da CNH e até suspensão do direito de pilotar.

Pilotar motocicleta sem viseira ou óculos de proteção ou com a viseira levantada passa ser uma infração média, com multa de R$ 130,16. Antes, era considerada infração gravíssima andar sem viseira e infração leve pilotar com viseira levantada ou danificada.

Pedro Rafael Vilela - Repórter da Agência Brasil - Brasília
Edição: Pedro Ivo de Oliveira

quinta-feira, 8 de abril de 2021

 

STJ
 Terceira Seção vai decidir sobre retroatividade das alterações do Pacote Anticrime para progressão de regime

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai submeter a julgamento, sob o rito dos recursos repetitivos, a questão referente ao "reconhecimento da retroatividade das alterações promovidas pela Lei 13.964/2019 nos lapsos para progressão de regime, previstos na Lei de Execução Penal, dada a decorrente necessidade de avaliação da hediondez do delito, bem como da ocorrência ou não do resultado morte e a primariedade, a reincidência genérica ou, ainda, a reincidência específica do apenado".

Cadastrada como Tema 1.084, a controvérsia tem relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz. O colegiado optou por não suspender o trâmite dos processos que tratam da mesma matéria, pois o julgamento dos repetitivos deve ocorrer em breve.

No REsp 1.910.240 e no REsp 1.918.338 – representativos da controvérsia –, o Ministério Público de Minas Gerais e o de Mato Grosso, respectivamente, pedem a reelaboração dos cálculos de pena de dois homens, após as alterações promovidas pela Lei 13.964/2019.

Recursos repetitivos
O Código de Processo Civil de 2015 regula, nos artigos 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros.

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica.

No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como saber a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações.



REsp1910240


REsp1918338

quarta-feira, 7 de abril de 2021

 

REGRA DO CPP

Juiz não pode iniciar inquirição de testemunhas em processo penal, diz STF


A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que o juiz não pode ser protagonista na inquirição de testemunhas em um processo penal. Por maioria de votos, o colegiado deferiu o pedido feito em Habeas Corpus, anulando os atos processuais feitos a partir da audiência de inquirição de testemunhas, pois entenderam que a postura de uma juíza teria induzido respostas e prejudicado o réu.

Julgamento foi retomado nesta terça, com voto-vista da ministra Rosa Weber
TSE

O julgamento começou na sessão do dia 23 de março, mas foi interrompido por pedido de vista da ministra Rosa Weber. Na ocasião, o relator, ministro Marco Aurélio, acolheu os argumentos da defesa, patrocinada pelos advogados Alberto Toron e Renato Martins, no sentido de que a juíza teria se portado como integrante da acusação ao iniciar as inquirições. Ela teria desobedecido a nova regra do Código de Processo Penal (artigo 212), que atribui ao juiz apenas o papel de complementar as perguntas e esclarecer dúvidas. Os ministros Alexandre de Moraes e Roberto Barroso divergiram, sob o entendimento de que a atuação da magistrada não causou prejuízo ao réu.

Em seu voto-vista, a ministra Rosa Weber observou que a Lei 11.690/2008, que alterou o artigo 212 do CPP, modificou o procedimento de inquirição de testemunhas, estabelecendo que as partes, em primeiro lugar, formularão perguntas diretamente às testemunhas. De acordo com a ministra, a regra possibilita ao juiz atuar de forma a sanar dúvidas e esclarecer aspectos relevantes, mas sem que seja o protagonista da audiência ou o primeiro questionador.

Rosa Weber observou que a defesa solicitou a observância estrita do artigo 212, mas a julgadora negou, entendendo que sua interpretação da regra processual não causaria prejuízo. Para a ministra, houve descumprimento deliberado de uma regra processual de cumprimento obrigatório (norma cogente) em prejuízo do réu, o que provoca a nulidade dos atos praticados em seguida. "No campo processual penal, são inadmissíveis interpretações criativas, aditivas e muito menos contrárias à finalidade da lei", afirmou.

Em relação ao alegado prejuízo para o réu, a ministra ressaltou que a análise dos autos mostra que, na audiência de inquirição de testemunhas, a magistrada atuou diretamente na produção probatória, violando o devido processo legal e o sistema acusatório.

Segundo ela, além de iniciar a inquirição, a magistrada fez perguntas capazes de induzir as respostas, sugestionando, por exemplo, o nome do acusado e sua forma de atuação, "em nítido prejuízo ao acusado".

Esse entendimento foi seguido pelo ministro Dias Toffoli, formando maioria para o deferimento do HC e a anulação dos atos processuais posteriores à audiência de inquirição, inclusive a condenação do réu a 73 anos de reclusão por formação de organização criminosa, extorsão e lavagem de valores. Com informações da assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal.

HC 187.035

Revista Consultor Jurídico, 6 de abril de 2021, 20h53

terça-feira, 6 de abril de 2021

 


CNJ
 Audiências com testemunhas ou partes deverão ser gravadas pela Justiça

Por unanimidade, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou recomendação dirigida a todos os tribunais para que passem a gravar integralmente as audiências e atos processuais, tanto remotos como presenciais. A medida tem como foco principalmente os julgamentos, assim como os depoimentos de testemunhas e partes tomadas de maneira oral.

A proposta do processo n. 0000670-33.2021.2.00.0000 foi votado durante a 83ª Sessão do Plenário Virtual do órgão, encerrada na terça-feira (30/3). A conselheira Flávia Pessoa, relatora do processo, afirmou que as gravações – em áudio e imagem, por meio digital ou analógico, desde que assegure o rápido acesso das partes e dos órgãos julgadores – deverão contribuir para dar maior transparência e publicidade aos atos do Judiciário.

A proposta foi formulada pela seccional de Santa Catarina da Ordem dos Advogados do Brasil, para que fosse determinada “a gravação integral de todos os atos processuais praticados”, objetivando aperfeiçoar a prestação jurisdicional, e “que deve fazer uso da tecnologia nos limites que não venham em prejuízo do devido processo legal, da ampla defesa e do respeito aos direitos humanos”.

A decisão tomada pelo CNJ vem ao encontro de outra medida – aprovada pela Câmara dos Deputados – em relação à integridade das vítimas de estupro ou de importunação sexual. A iniciativa foi uma reação ao caso de Mariana Ferrer, que alega ter recebido tratamento desrespeitoso durante audiência em processo criminal movido pelo Ministério Público estadual contra um homem acusado da prática de suposto crime de estupro de vulnerável contra ela. O comportamento do juiz no caso está, inclusive, em análise pela Corregedoria Nacional de Justiça.

O projeto de lei aprovado obriga juízes e juízas a preservarem a integridade de vítimas em audiências e julgamentos desses crimes. E proíbe nas audiências judiciais o uso de linguagem, informações ou material que ofenda a dignidade da vítima ou de testemunhas.

Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias

 

MP NO DEBATE

No Tribunal do Júri, o feminicídio e a soberania dos veredictos


"Artigo 5º da Constituição Federal:
(...)
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida".

Em julgamento de Habeas Corpus [1] realizado no Supremo Tribunal Federal, no final do ano passado, a 1ª Turma decidiu, por maioria [2], que o Ministério Público não pode recorrer das decisões do Tribunal do Júri se o réu tiver sido absolvido, diante da norma constitucional que prevê a soberania dos veredictos. Uma vez absolvido, estará absolvido e ponto final, mesmo que esse réu tenha matado uma pessoa ou tentado matar, e não haja nenhuma dúvida quanto a isso.

A vida humana não tem valor ou o Tribunal do Júri é perfeito, nunca erra?

Com a alegação de que o veredicto dos jurados é soberano, impediram o Ministério Público de requerer um novo julgamento sob o argumento de que a decisão dos jurados era injusta e estava em contradição evidente às provas do processo.

A Justiça é perfeita ou precisa de mecanismos de correção e revisão? Os jurados, por serem escolhidos na sociedade, não estão sujeitos a erros? Suas decisões devem ser mantidas sempre, mesmo que estejam em contradição com as provas?

É óbvio que não. Infelizmente, na vida, muita vez, é preciso demonstrar o óbvio.

Os órgãos de imprensa publicam quaisquer textos ou notícias sem passar por um revisor ou editor? A indústria automobilística coloca seus carros à venda sem passar por controle de qualidade? A indústria farmacêutica pode vender seus medicamentos sem antes testá-los? É claro que não. E por quais razões esses cuidados? Para que o resultado seja o melhor possível, para que erros graves não ocorram ou possam ser corrigidos.

Afinal, sempre que se realiza um serviço importante ou bens relevantes estão em situação de risco é preciso tomar extremo cuidado para que não pereçam. Esse cuidado exige obrigatoriamente a fixação de protocolos definidos, a partir da experiência acumulada, para evitar erros, ao menos, erros graves. Isso implica na criação de mecanismos de revisão ou substituição, se necessário.

O duplo grau de jurisdição, de que muitos ouvem falar, mas não sabem bem do que se trata, nada mais é que um sistema de revisão das decisões no sistema de Justiça. Um sistema de controle de qualidade. O juiz julga, mas suas decisões estão sujeitas a revisão de outro juiz (em regra, mais experiente) ou de um colegiado de juízes (as turmas dos tribunais).

Claro, nada garante que o juiz revisor ou a turma de juízes não possam errar. Afinal, a perfeição é um objetivo almejado, mas nem sempre alcançado.

Na eterna busca por decisões justas e tecnicamente perfeitas, o sistema de Justiça e o Direito foram criando inúmeros protocolos, inúmeros procedimentos a serem observados para que o objetivo ideal seja alcançado. Claro, o melhor ou pior desempenho sempre dependerá, em parte, dos profissionais envolvidos.

Bons juízes, bons promotores, bons advogados, asseguram uma Justiça de qualidade superior. Maus profissionais sempre irão comprometer o resultado do processo, as chances de injustiça crescem assombrosamente.

Na tentativa de assegurar padrão mínimo de qualidade, o sistema de Justiça criou o duplo grau de jurisdição, ou seja, a possibilidade de que um julgamento possa ser revisto sempre que tiver desobedecido os protocolos (nulidades processuais) ou sempre que a decisão for injusta, isto é, o mérito da decisão estiver em desacordo com as provas ou em desacordo com o direito e os valores sociais consagrados na Constituição Federal.

Estabelece o Código de Processo Penal faz muitas décadas:

"Artigo 593  Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:
III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.
3º. Se a apelação se fundar no no III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação". (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948).

Não é apenas o duplo grau de jurisdição que garante uma Justiça de qualidade superior, mas esse princípio é um elemento importante nessa busca pela decisão correta, que esteja de acordo com os fatos e com o Direito.

Existem inúmeras outras regras estabelecidas pela legislação visando a atingir esse objetivo de processo justo, chamado de devido processo legal. Entre outras exigências, é necessário haver imparcialidade do julgador (não estar impedido, nem ser suspeito); o contraditório e a ampla defesa, inclusive com assistência de defesa técnica (advogado); a possibilidade de produção e conhecimento das provas; e muitas outras exigências, inclusive a possibilidade de recorrer de decisões errôneas, injustas ou equivocadas, o que gera a necessidade do duplo grau de jurisdição. O Brasil, em matéria de processo criminal, chega a conhecer terceiro e quarto graus de jurisdição, representados por Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, que fundamentalmente foram criados para garantir a unidade de interpretação das leis e da Constituição; mas, nos casos criminais, foram transformados em novos graus de jurisdição através dos recursos especiais e extraordinários, sem considerar os Habeas Corpus.

Ao longo da história, a humanidade foi criando uma série de procedimentos visando a assegurar resultados melhores na vida em sociedade, isso se reflete nas diversas áreas do conhecimento, seja na saúde, nas engenharias, nas ciências exatas ou sociais, inclusive no Direito.

Não dá para querer ficar reinventando a roda, a cada nova geração; embora muitos, por vezes, tentem fazê-lo.

Pois bem, o que estão sustentando recentemente, sob a falácia da soberania dos veredictos, é o julgamento único pelo Tribunal do Júri, querem abolir o duplo grau de jurisdição nos julgamentos do tribunal popular, mas com um detalhe relevante, apenas quando o réu for absolvido. Se for condenado, aí tem a possibilidade de novo julgamento. Ou seja, o advogado pode recorrer das decisões dos jurados para obter um novo julgamento no caso de ter ocorrido uma injustiça; mas o promotor não poderá recorrer nessas mesmas circunstâncias.

Dois pesos, duas medidas, duas Justiças. Para os réus tudo, para as vítimas nada, pois os promotores, nos julgamentos do júri, falam em nome das vítimas.

Vão dizer que é melhor "um culpado solto que um inocente preso", um slogan de propaganda muito usado para assegurar privilégios aos acusados. Culpado solto e inocente preso são duas injustiças que cumpre corrigir obrigatoriamente, ou haverá apenas ficção de Justiça.

A defesa do acusado já leva inúmeras vantagens processuais em relação ao Ministério Público, vou citar apenas algumas delas, existem outras: Habeas Corpus (ação exclusiva da defesa contra prisões ilegais, a qual pode ser impetrada inúmeras vezes), ação revisional (outra ação exclusiva da defesa contra decisão final injusta ou ilegal), isso sem contar os inúmeros recursos permitidos ao longo do processo: recurso em sentido estrito, recurso de apelação, embargos infringentes, recursos especiais e extraordinários. Em suma, as possibilidades de revisão de decisão injusta para o réu e a defesa são inúmeras. Agora, para a vítima e para o Ministério Público não querem permitir nenhuma possibilidade, nem a apelação quando a decisão é manifestamente contrária às provas do processo. Ou seja, nem quando a decisão é aberrante, nem assim querem permitir à promotoria a possibilidade de um segundo julgamento. Não é o direito assegurado ao segundo julgamento, é apenas a possibilidade de segundo julgamento se presentes os pressupostos legais.

Em suma, se a decisão for a favor do réu, a favor do acusado, a favor da defesa, mesmo que seja um homicida, mesmo que seja um assassino confesso, mesmo que seja um homem que tenha matado uma mulher indefesa, nos julgamentos pelo Tribunal do Júri, essa decisão não será revista, nunca.

Foi isso que a 1ª Turma do STF decidiu no processo em que o marido tentou matar a mulher, com diversos golpes de faca, mas foi absolvido pelos jurados, numa decisão absolutamente contrária às provas do processo.

Esse recurso de apelação pelo Ministério Público é permitido pela legislação brasileira faz décadas, pois, está previsto num artigo do Código de Processo Penal, cuja redação data de 1948, mas estão querendo mudar as regras do jogo.

Se fosse permitido fazer uma analogia com as competições esportivas, diríamos que na decisão do campeonato o Ministério Público teria direito de fazer um único arremesso em direção à cesta ou chutar um única vez em direção ao gol, só uma oportunidade, um júri; já para o acusado e seu defensor (advogado) seriam permitidas diversas oportunidades: o júri, a apelação, o segundo júri, o recurso especial, o recurso extraordinário, a revisão; isso sem falar nos Habeas Corpus e outros recursos. A desproporção é evidente e fora de qualquer razoabilidade.

Aprendemos em Filosofia do Direito que um dos critérios de justiça é o princípio da igualdade. Se a solução do problema é igual para todos, ela é considerada justa. É óbvio que esse não é o único critério e que há casos em que é preciso tratar de forma desigual, mas as desigualdades precisam ser justificadas pelos fatos, pelas circunstâncias, e serem razoáveis.

No caso do recurso de apelação, nos processos julgados erroneamente pelos jurados, não há nenhum motivo que justifique o tratamento desigual entre as partes no que tange à possibilidade de um segundo julgamento. Decisão injusta precisa ser corrigida, revista, refeita. E o sistema jurídico sempre permitiu isso. Não há motivo para retroceder nesse ponto.

Não há violação da soberania dos veredictos porque o segundo julgamento também é realizado pelo Tribunal do Júri (CPP, artigo 593 § 3º), haverá um segundo veredicto que se sobrepõe, substitui ao primeiro. Quando o 2º Grau julga procedente à apelação do Ministério Público contra o julgamento dos jurados, o tribunal não condena o réu que fora absolvido injustamente; o tribunal apenas anula o julgamento injusto e manda fazer de novo: determina a realização de novo júri. Assim, preserva-se plenamente a soberania dos veredictos.

Estabelece o artigo 593 do Código de Processo Penal, no seu:

"3º. Se a apelação se fundar no nº III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação". (Incluído pela Lei nº 263, de 23.2.1948).

Isso quer dizer que se o erro for repetido ele se tornará incorrigível, pois, "não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação" (§ 3º do artigo593 do CPP); mas, ao menos, será possível tentar corrigir o erro. Desistir de fazê-lo antecipadamente, é uma péssima solução, um péssimo exemplo, e transmite a sociedade a impressão de que matar outra pessoa pode não ser proibido.

Cumpre registrar, ainda, que a recente decisão do Supremo Tribunal proibindo a utilização da tese da legítima defesa da honra, nos julgamentos do tribunal popular, não resolve esse problema conforme demonstrado por Valderez Deusdedit Abbud, no artigo "Supremo Tribunal Federal, Feminicídio e legítima defesa da honra" [3]. Aliás, é da essência do sistema jurídico: todo direito precisa de uma garantia, um instrumento processual que assegure sua eficácia, do contrário, não terá como ser exigido.

Observo, também, que a própria 1ª Turma tinha decisão anterior em sentido contrário:

"Ressalte-se, portanto, que essa possibilidade não é incompatível com a Constituição Federal, pois não conflita com o princípio constitucional da soberania dos veredictos, uma vez que a nova decisão também será dada, obrigatoriamente, pelo Tribunal do Júri, em que pese, por um novo Conselho de Sentença" (Alexandre de Moraes, RHC 170.559-MT [4]).

Esperemos, pois, que em julgamento pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, com a participação de todos os ministros, seja corrigida essa grave distorção do sistema processual penal brasileiro provocada no julgamento da 1ª Turma. Afinal, "a soberania do Tribunal do Júri não implica necessariamente um único Conselho de Sentença" (voto vencido do ministro Alexandre de Moraes, HC 178.777-MG).

 

[1] HC 178.777-MG, julgado em 29.09.2020, e acórdão publicado em 14/12/2020, Rel. Min. Marco Aurélio.

[2] Votos vencedores dos ministros Marco Aurélio (relator), Dias Toffoli e Rosa Weber. Votaram vencidos os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.

[4] Votos vencedores dos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. Vencidos nesta ocasião os ministros Marco Aurélio e Rosa Weber.

ustiça aposentado, presidente do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático e professor de Direito com mestrado em Processo Penal. Foi promotor do júri por uma década, tendo atuado no 1º Tribunal do Júri de São Paulo.

Revista Consultor Jurídico, 5 de abril de 2021, 17h18

segunda-feira, 5 de abril de 2021

 

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Manutenção de preventiva após sentença é incompatível com regimes aberto ou semi

Por 

A manutenção da prisão preventiva é incompatível com a fixação de regime inicial semiaberto ou aberto na sentença condenatória. A detenção só pode ser reafirmada em casos excepcionais, como situações da prática de novos crimes ou de violência de gênero.

Ministro Gilmar Mendes disse que prisão preventiva após a sentença só deve ocorrer em casos excepcionais
Reprodução

Com esse entendimento, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes declarou, na sexta-feira (26/3), a ilegalidade da execução provisória da pena de um condenado, em primeira instância, por associação ao tráfico de drogas (artigo 35 da Lei 11.343/2006) e organização criminosa (artigo 2º da Lei 12.850/2013).

Em janeiro, o homem, que está preso preventivamente desde agosto de 2017, foi condenado pela Justiça do Ceará a seis anos de reclusão em regime aberto. O juízo rejeitou o direito de apelar em liberdade.

A Defensoria Pública do Ceará apresentou reclamação contra tal decisão. Segundo o órgão, a Justiça cearense desrespeitou o entendimento do STF de que só é possível executar a pena após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Com base na proporcionalidade e na presunção de inocência, Gilmar Mendes apontou que a manutenção da prisão preventiva é incompatível com a fixação de regime inicial semiaberto ou aberto na sentença condenatória. Ele também disse que, na realidade, não é possível executar a prisão provisória em estabelecimento compatível com o regime aberto, determinado na sentença.

Fixada tal regra, destacou o ministro, é possível admitir, em casos excepcionais, a manutenção da prisão preventiva em situações de prática de novos crimes ou, por exemplo, violência de gênero.

Para Gilmar, é desproporcional a manutenção da prisão preventiva do acusado após a sentença condenatória que fixou regime aberto para o cumprimento de sua pena.

Ao ministro declarar a ilegalidade de execução provisória da pena, o ministro estabeleceu que a Justiça do Ceará poderá impor medidas cautelares alternativas à prisão.


Rcl 46.326

 

PRISÃO EM FLAGRANTE

Por ser crime permanente, tráfico permite entrada forçada na casa de suspeito, diz TJ-SP

O tráfico de drogas é um crime permanente, sendo possível a entrada forçada na casa do suspeito. Com base nesse entendimento, a 6ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedido para anular a prisão em flagrante de um homem acusado por tráfico de drogas.

123RF
Por ser crime permanente, tráfico permite entrada forçada em domicílio, diz TJ-SP

Consta dos autos que dois policiais militares entraram na casa do paciente após a suspeita de que ele estaria envolvido com tráfico de drogas. Os PMs dizem que revistaram o local na presença de outra moradora e acabaram apreendendo maconha e cocaína. A prisão em flagrante do homem foi convertida para preventiva em audiência de custódia.

A defesa impetrou Habeas Corpus alegando que a prisão em flagrante foi ilegal em razão da invasão de domicílio do acusado sem autorização judicial. No entanto, em votação unânime, a turma julgadora negou provimento ao recurso.

Segundo o relator, desembargador Machado de Andrade, não houve invasão de domicílio. Para o magistrado, o ingresso na casa foi totalmente legal, decorrente de flagrante delito, uma vez que os policiais alegam ter abordado uma pessoa que chegava ao local para comprar drogas.

"Em se tratando de delito de tráfico ilícito de entorpecentes, enquanto o agente possuir entorpecentes, a pessoa pode ser presa em flagrante, pois se trata de crime permanente, podendo, inclusive, ocorrer a violabilidade de domicílio, haja vista configurar uma das hipóteses constitucionalmente previstas, qual seja, a ocorrência de flagrante delito dentro da residência, nos termos previstos no artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal", disse.

Andrade afirmou que, em razão do estado de flagrância em que o paciente se encontrava, "excepcionada está a garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio, devendo ser, portanto, afastada a alegação de irregularidade da diligência policial". Além disso, ele ressaltou que eventuais irregularidades no inquérito policial não têm o condão de causar nulidade na ação penal.

Boi na linha
O Superior Tribunal de Justiça tem vasta jurisprudência oposta à da Corte paulista. As turmas do STJ já decidiram, por exemplo, que é ilegal invadir domicílio sem mandado mesmo quando há venda de drogas na frente de casa; após abordagem no quintal; se a vítima tem fama de traficante; com base em informação de vizinho; se o acusado fugiu após denúncia anônima; se correu do portão ao ver uma viatura; se um cão farejador levou os policiais ao local; ou se o suspeito tentou fugir, só para ficar nos precedentes mais recentes.

Por outro lado, é lícita quando há autorização do morador ou em situações já julgadas, como quando o ninguém mora no local, se há denúncia de disparo de arma de fogo na residência ou se o policial, de fora da casa, sente cheiro de maconha, por exemplo.

Ainda em março, o STJ decidiu que a autorização do morador para entrar na residência deve ser gravada pelos policiais.

Processo 2275261-55.2020.8.26.0000

 

PERSEGUIÇÃO REITERADA

Tipificação do crime de "stalking" moderniza a legislação, dizem juristas

sanção da Lei 14.132/2021, que tipifica o crime de perseguição, prática também conhecida como "stalking", é uma medida de modernização necessária para o Código Penal. É a opinião de advogados criminalistas consultados pela ConJur.

Perseguição tem pena de seis meses a dois anos, após alteração legislativa
Fabio Formaggio/123RF

O texto, aprovado pelo Senado em 9 de março, foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro na quarta-feira (1/4) e insere o artigo 147-A no Código Penal. Tentativas persistentes de aproximação física, recolhimento de informação sobre terceiro, envio repetido de mensagens, bilhetes, e-mails e aparições nos locais frequentados pela vítima passam a ser punidos com pena de prisão que vai de seis meses a dois anos, além de multa.

A alteração também prevê que a pena pode ser aumentada se a perseguição for cometida contra criança, adolescente, idoso, mulheres, mediante concurso de duas ou mais pessoas ou com uso de arma de fogo.

Para o advogado criminalista Daniel Bialski, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim) e sócio do Bialski Advogados, a nova lei vai ajudar a prevenir prática muito comum em tempos de pandemia e redes sociais, especialmente em casos de término de relacionamento amoroso.

“A modernidade e a mudança da vida cotidiana impõem, sempre, atualizações da lei. Mais salutar seria uma ampla reforma na legislação penal e no processual penal. Contudo, essa implementação vem em boa hora, porque esta nova lei serve para punir quem infringir e perseguir essas vítimas nas redes sociais e, por conta da pandemia, o nosso mundo virtual está acalorado e muito mais habitado”, opinou.

O criminalista André Galvão, sócio do Bidino & Tórtima Advogados, também aprovou a mudança, destacando que diversos elementos desse novo crime, como o constrangimento e a ameaça, já eram punidos individualmente por meio de tipos penais específicos.

“O que se vê, no entanto, é que o legislador resolveu criminalizar de forma específica a prática dessas condutas quando realizadas sob a forma de perseguição reiterada, revogando expressamente, ainda, a contravenção penal que punia, mais genericamente, a 'perturbação de tranquilidade'”, disse.

“A tipificação da perseguição reiterada, por qualquer meio, criminaliza também o cyberstalking”, ressaltou o advogado Rafael Ariza, do escritório Daniel Gerber Advocacia Penal. “Embora se trate de uma lei penal que dependa de complemento valorativo (tipo penal aberto), a tipificação da conduta era necessária, especialmente em razão das demandas da modernidade”.

Em artigo publicado na ConJur, o advogado criminalista André Callegari, sócio do escritório Callegari Advocacia Criminal, destacou também o fato de ser um tipo penal aberto. "Acreditamos que deva ocorrer uma sucessão de condutas por parte do autor, não havendo o crime quando as condutas forem isoladas, podendo remanescer o delito de ameaça se for o caso", comentou.

Revista Consultor Jurídico, 2 de abril de 2021, 12h25