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Carlos Gianfardoni Advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo, sob o nº 96.337, com atuação na defesa de Crimes Empresariais e Crimes Contra a Vida; Professor de Direito Penal e Processo Penal na Escola de Direito - Pós-graduado em Direito Tributário; Mestre em Educação na USCS
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LIMITAÇÕES À LIBERDADE
Tempo de recolhimento domiciliar com
tornozeleira pode ser descontado da pena
22 de
abril de 2021, 10h59
A 3ª Seção do Superior Tribunal
de Justiça, por unanimidade, definiu ser possível o benefício da detração no
caso de cumprimento da medida cautelar de recolhimento domiciliar cumulada com
fiscalização eletrônica. Segundo o artigo 42 do Código
Penal, é permitido descontar da pena privativa de liberdade o tempo de prisão
provisória cumprida no Brasil ou no exterior.
O colegiado entendeu que, embora o recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga, juntamente com o uso de tornozeleira eletrônica — previstos no artigo 319, incisos V e IX, do Código de Processo Penal (CPP) —, não constituam pena privativa de liberdade, as limitações a que a pessoa fica submetida se assemelham ao cumprimento de pena em regime prisional semiaberto.
"Interpretar a legislação que
regula a detração de forma que favoreça o sentenciado harmoniza-se com o
princípio da humanidade, que impõe ao juiz da execução penal a especial
percepção da pessoa presa como sujeito de direitos", afirmou a relatora do
processo, ministra Laurita Vaz.
Por sugestão do ministro Rogerio
Schietti Cruz, que alertou para o fato de que o recolhimento noturno,
diferentemente da prisão preventiva, tem restrições pontuais ao direito de
liberdade, a seção decidiu que o cálculo da detração considerará a soma da
quantidade de horas efetivas de recolhimento domiciliar com monitoração
eletrônica, as quais serão convertidas em dias para o desconto da pena.
Assim, o tempo a ser aferido para
fins de detração é somente aquele em que o acautelado se encontra
obrigatoriamente recolhido em casa, não sendo computado o período em que lhe é
permitido sair.
Mesma razão, mesma regra
Ao proferir seu voto, a relatora
destacou que impedir a detração no caso de apenado que foi submetido às
cautelares de recolhimento domiciliar noturno e em dias não úteis e monitoração
eletrônica significaria sujeitá-lo a excesso de execução, "em razão da
limitação objetiva à liberdade concretizada pela referida medida".
Para a ministra, a medida cautelar,
que impede o indivíduo de sair de casa após o anoitecer e em dias não úteis,
tem efeito semelhante ao do regime semiaberto, pois o obriga a se recolher.
"Onde existe a mesma razão fundamental, aplica-se a mesma regra
jurídica", afirmou.
A magistrada lembrou ainda que a
jurisprudência do STJ admite, quando presentes os requisitos do artigo 312 do
CPP, que a condenação em regime semiaberto produza efeitos antes do trânsito em
julgado da sentença. Dessa forma, ponderou que seria "incoerente"
impedir que o recolhimento domiciliar com fiscalização eletrônica,
que pressupõe a saída de casa apenas durante o dia e para
trabalhar, fosse descontado da pena.
Além disso, a relatora salientou que,
conforme orientação sedimentada na Quinta Turma do STJ, as hipóteses do artigo
42 do Código Penal não são taxativas, motivo pelo qual não há violação do
princípio da legalidade. Com informações da assessoria de imprensa do
Superior Tribunal de Justiça.
HC 455.097
RÉU REINCIDENTE
Tráfico privilegiado não afasta natureza de crime hediondo, diz TJ-SP
22 de
abril de 2021, 18h30
A incidência da causa de diminuição de pena do
artigo 33, §4º, da Lei de Drogas, não afasta a natureza de crime hediondo
ou equiparado, tampouco exclui a tipicidade, do crime de tráfico de drogas. A
visão de que o delito de tráfico de drogas minorado seria "crime
comum" não tem amparo legal, e, respeitando-se o pensar diverso, nega o
direito posto.
Tráfico privilegiado não afasta natureza de crime hediondo, decide TJ-SP
Com base nesse entendimento, a 9ª Câmara de
Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo cassou decisão de
primeiro grau que havia concedido livramento condicional a um homem
condenado a 5 anos e 10 meses de prisão por tráfico de drogas.
O juízo de origem considerou que a condenação
anterior do réu, por tráfico privilegiado, não caracterizava reincidência
específica em crimes hediondos, conforme entendimento do Supremo Tribunal
Federal. O Ministério Público recorreu ao TJ-SP, que concordou com a
tese de que o condenado é, sim, reincidente em crime equiparado
a hediondo.
No voto, o relator, desembargador Alcides
Malossi Junior, citou o julgamento do Habeas Corpus 118.533, em que o
Supremo concluiu que o crime tráfico de drogas, "quando incidente a
minorante prevista no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, não se reveste de
hediondez". Porém, o desembargador considerou que a decisão não
possui eficácia vinculante.
"Tal entendimento, entrementes, não obstante
todo o respeito que mereça a v. decisão colegiada, por ser proferido
incidentalmente, não possui eficácia vinculante, com possibilidade de não
aplicação, por juízo monocrático ou colegiado, no caso concreto, tal como na
espécie, sem dar azo ao ajuizamento de reclamação", afirmou.
Assim, ele aplicou ao caso o entendimento da
Câmara no sentido de que o tráfico privilegiado deve ser equiparado a
crime hediondo: "A motivação do delito, incidente ou não sua forma
'privilegiada', é exatamente a mesma, podendo-se justificar a possibilidade de
aplicação de pena mais branda tão somente por questão de política criminal,
que, jamais, por possuir a mesma gravidade exacerbada, desnatura a hediondez da
infração".
O desembargador também citou a Súmula 512 do
Superior Tribunal de Justiça, que já foi cancelada em 2019 pela própria Corte.
A Súmula dizia que a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no
artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime. Tal
entendimento foi revisto pelo STJ e o
enunciado já não tem mais validade.
Mesmo assim, Junior considerou que o cancelamento
da Súmula 512 não afasta a avaliação das repetidas decisões que a teriam
justificado, "cujos argumentos, com todo o respeito, ainda permanecem,
sendo possível avalia-la, para motivar, destarte, ainda assim, o caráter
hediondo do delito praticado naquelas circunstâncias".
"Pertinente registrar que já existem, nesse E.
Tribunal de Justiça, precedentes que deixaram de aplicar o entendimento
sufragado pela douta maioria dos E. Ministros do C. Supremo Tribunal Federal,
considerando, no caso concreto, a hediondez do delito de tráfico de drogas,
ainda que incidente a minorante prevista no artigo 33, § 4º, da Lei
11.343/06", completou o relator.
Assim, em se tratando de réu reincidente em
crime hediondo, o magistrado afirmou ser vedado o livramento condicional, nos
termos do artigo 83, inciso V, do Código Penal e artigo 44, parágrafo único, da
Lei 11.343/06, "surgindo imperiosa a cassação integral da r. decisão, com
afastamento da concessão do livramento condicional". A decisão se deu por
unanimidade.
Processo 0001820-88.2020.8.26.0637
Revista Consultor Jurídico, 22 de abril
de 2021, 18h30
A
ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a
absolvição de um casal de Joinville (SC) em situação de rua, condenado à pena
de quatro meses de reclusão e ao pagamento de multa, por tentativa de furto
qualificado de produtos de um supermercado que somavam R$ 155,88. Ao dar
provimento ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 196850, apresentado
pela Defensoria Pública da União (DPU), a ministra aplicou ao caso o
princípio da insignificância (ou bagatela). |
A imputação de um crime baseada somente em presunções não pode servir como alicerce para comprovação da autoria de um delito. O entendimento é do juiz Antonio Carlos Schiebel Filho, da 11ª Vara Criminal de Curitiba, ao rejeitar uma denúncia, por ausência de justa causa, contra um homem por assalto a duas agências bancárias. O acusado foi reconhecido por foto por uma das vítimas.
A defesa, patrocinada pelo escritório Hugo Leonardo Advogados, sustentou a nulidade do reconhecimento fotográfico do acusado, em razão da inobservância do previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal, além de inexistência de indícios de autoria, pedindo a rejeição da denúncia por ausência de justa causa.
O parecer do Ministério Público também foi pela ausência de justa causa. Segundo o MP, não foram produzidos indícios capazes de demonstrar a autoria do crime por parte do denunciado, restando somente o reconhecimento fotográfico feito por uma testemunha.
O magistrado também concluiu pela fragilidade do conjunto probatório, destacando que o acusado foi reconhecido por foto por uma única pessoa. "A única vítima que realizou o reconhecimento do denunciado por fotografia relatou que não viu a tentativa de roubo, de forma que os indícios de autoria revelam-se frágeis", disse.
Segundo o juiz, não há nenhuma informação nos autos de como a polícia chegou ao nome do acusado ou o motivo pelo qual sua fotografia foi apresentada às vítimas, "ressaltando-se que não consta nenhuma indicação de que a autoridade policial tenha, ao menos, diligenciado na tentativa de intimar o acusado para que fosse formalmente qualificado, interrogado e reconhecido".
Além disso, Filho destacou a ausência de imagens das câmeras de segurança das agências bancárias que poderiam indicar se o acusado seria mesmo um dos autores dos assaltos. Diante disso, o juiz não vislumbrou os indícios mínimos de autoria que devem estar presentes para a continuidade da persecução penal.
"O conteúdo das diligências já realizadas é insuficiente a alicerçar juízo minimamente indícios de autoria e materialidade, elementos constitutivos da justa causa necessária ao oferecimento de denúncia e prosseguimento da ação penal, nos termos do artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal", completou.
Por fim, o magistrado ressaltou a necessidade de um suporte mínimo da materialidade do fato delituoso para respaldar a acusação: "Faltando indícios mínimos, somente conjecturas não são suficientes para o prosseguimento da ação penal, tendo-se como solução mais justa rejeitar a denúncia contra si oferecida".
Processo 0013133-93.2016.8.16.0013
Tábata Viapiana é repórter da revista Consultor Jurídico
Revista Consultor Jurídico, 10 de abril de 2021, 16h43
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As alterações promovidas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) entram em vigor a partir desta segunda-feira (12). As mudanças foram sancionadas pelo presidente Jair Bolsonaro em outubro do ano passado, quando ficou definido que a vigência passaria a ocorrer 180 dias após a sanção. |
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A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai submeter a julgamento, sob o rito dos recursos repetitivos, a questão referente ao "reconhecimento da retroatividade das alterações promovidas pela Lei 13.964/2019 nos lapsos para progressão de regime, previstos na Lei de Execução Penal, dada a decorrente necessidade de avaliação da hediondez do delito, bem como da ocorrência ou não do resultado morte e a primariedade, a reincidência genérica ou, ainda, a reincidência específica do apenado". |
A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que o juiz não pode ser protagonista na inquirição de testemunhas em um processo penal. Por maioria de votos, o colegiado deferiu o pedido feito em Habeas Corpus, anulando os atos processuais feitos a partir da audiência de inquirição de testemunhas, pois entenderam que a postura de uma juíza teria induzido respostas e prejudicado o réu.
O julgamento começou na sessão do dia 23 de março, mas foi interrompido por pedido de vista da ministra Rosa Weber. Na ocasião, o relator, ministro Marco Aurélio, acolheu os argumentos da defesa, patrocinada pelos advogados Alberto Toron e Renato Martins, no sentido de que a juíza teria se portado como integrante da acusação ao iniciar as inquirições. Ela teria desobedecido a nova regra do Código de Processo Penal (artigo 212), que atribui ao juiz apenas o papel de complementar as perguntas e esclarecer dúvidas. Os ministros Alexandre de Moraes e Roberto Barroso divergiram, sob o entendimento de que a atuação da magistrada não causou prejuízo ao réu.
Em seu voto-vista, a ministra Rosa Weber observou que a Lei 11.690/2008, que alterou o artigo 212 do CPP, modificou o procedimento de inquirição de testemunhas, estabelecendo que as partes, em primeiro lugar, formularão perguntas diretamente às testemunhas. De acordo com a ministra, a regra possibilita ao juiz atuar de forma a sanar dúvidas e esclarecer aspectos relevantes, mas sem que seja o protagonista da audiência ou o primeiro questionador.
Rosa Weber observou que a defesa solicitou a observância estrita do artigo 212, mas a julgadora negou, entendendo que sua interpretação da regra processual não causaria prejuízo. Para a ministra, houve descumprimento deliberado de uma regra processual de cumprimento obrigatório (norma cogente) em prejuízo do réu, o que provoca a nulidade dos atos praticados em seguida. "No campo processual penal, são inadmissíveis interpretações criativas, aditivas e muito menos contrárias à finalidade da lei", afirmou.
Em relação ao alegado prejuízo para o réu, a ministra ressaltou que a análise dos autos mostra que, na audiência de inquirição de testemunhas, a magistrada atuou diretamente na produção probatória, violando o devido processo legal e o sistema acusatório.
Segundo ela, além de iniciar a inquirição, a magistrada fez perguntas capazes de induzir as respostas, sugestionando, por exemplo, o nome do acusado e sua forma de atuação, "em nítido prejuízo ao acusado".
Esse entendimento foi seguido pelo ministro Dias Toffoli, formando maioria para o deferimento do HC e a anulação dos atos processuais posteriores à audiência de inquirição, inclusive a condenação do réu a 73 anos de reclusão por formação de organização criminosa, extorsão e lavagem de valores. Com informações da assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal.
HC 187.035
Revista Consultor Jurídico, 6 de abril de 2021, 20h53
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Por unanimidade, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou recomendação dirigida a todos os tribunais para que passem a gravar integralmente as audiências e atos processuais, tanto remotos como presenciais. A medida tem como foco principalmente os julgamentos, assim como os depoimentos de testemunhas e partes tomadas de maneira oral. |
Em julgamento de Habeas Corpus [1] realizado no Supremo Tribunal Federal, no final do ano passado, a 1ª Turma decidiu, por maioria [2], que o Ministério Público não pode recorrer das decisões do Tribunal do Júri se o réu tiver sido absolvido, diante da norma constitucional que prevê a soberania dos veredictos. Uma vez absolvido, estará absolvido e ponto final, mesmo que esse réu tenha matado uma pessoa ou tentado matar, e não haja nenhuma dúvida quanto a isso.
Com a alegação de que o veredicto dos jurados é soberano, impediram o Ministério Público de requerer um novo julgamento sob o argumento de que a decisão dos jurados era injusta e estava em contradição evidente às provas do processo.
A Justiça é perfeita ou precisa de mecanismos de correção e revisão? Os jurados, por serem escolhidos na sociedade, não estão sujeitos a erros? Suas decisões devem ser mantidas sempre, mesmo que estejam em contradição com as provas?
É óbvio que não. Infelizmente, na vida, muita vez, é preciso demonstrar o óbvio.
Os órgãos de imprensa publicam quaisquer textos ou notícias sem passar por um revisor ou editor? A indústria automobilística coloca seus carros à venda sem passar por controle de qualidade? A indústria farmacêutica pode vender seus medicamentos sem antes testá-los? É claro que não. E por quais razões esses cuidados? Para que o resultado seja o melhor possível, para que erros graves não ocorram ou possam ser corrigidos.
Afinal, sempre que se realiza um serviço importante ou bens relevantes estão em situação de risco é preciso tomar extremo cuidado para que não pereçam. Esse cuidado exige obrigatoriamente a fixação de protocolos definidos, a partir da experiência acumulada, para evitar erros, ao menos, erros graves. Isso implica na criação de mecanismos de revisão ou substituição, se necessário.
O duplo grau de jurisdição, de que muitos ouvem falar, mas não sabem bem do que se trata, nada mais é que um sistema de revisão das decisões no sistema de Justiça. Um sistema de controle de qualidade. O juiz julga, mas suas decisões estão sujeitas a revisão de outro juiz (em regra, mais experiente) ou de um colegiado de juízes (as turmas dos tribunais).
Claro, nada garante que o juiz revisor ou a turma de juízes não possam errar. Afinal, a perfeição é um objetivo almejado, mas nem sempre alcançado.
Na eterna busca por decisões justas e tecnicamente perfeitas, o sistema de Justiça e o Direito foram criando inúmeros protocolos, inúmeros procedimentos a serem observados para que o objetivo ideal seja alcançado. Claro, o melhor ou pior desempenho sempre dependerá, em parte, dos profissionais envolvidos.
Bons juízes, bons promotores, bons advogados, asseguram uma Justiça de qualidade superior. Maus profissionais sempre irão comprometer o resultado do processo, as chances de injustiça crescem assombrosamente.
Na tentativa de assegurar padrão mínimo de qualidade, o sistema de Justiça criou o duplo grau de jurisdição, ou seja, a possibilidade de que um julgamento possa ser revisto sempre que tiver desobedecido os protocolos (nulidades processuais) ou sempre que a decisão for injusta, isto é, o mérito da decisão estiver em desacordo com as provas ou em desacordo com o direito e os valores sociais consagrados na Constituição Federal.
Estabelece o Código de Processo Penal faz muitas décadas:
Não é apenas o duplo grau de jurisdição que garante uma Justiça de qualidade superior, mas esse princípio é um elemento importante nessa busca pela decisão correta, que esteja de acordo com os fatos e com o Direito.
Existem inúmeras outras regras estabelecidas pela legislação visando a atingir esse objetivo de processo justo, chamado de devido processo legal. Entre outras exigências, é necessário haver imparcialidade do julgador (não estar impedido, nem ser suspeito); o contraditório e a ampla defesa, inclusive com assistência de defesa técnica (advogado); a possibilidade de produção e conhecimento das provas; e muitas outras exigências, inclusive a possibilidade de recorrer de decisões errôneas, injustas ou equivocadas, o que gera a necessidade do duplo grau de jurisdição. O Brasil, em matéria de processo criminal, chega a conhecer terceiro e quarto graus de jurisdição, representados por Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, que fundamentalmente foram criados para garantir a unidade de interpretação das leis e da Constituição; mas, nos casos criminais, foram transformados em novos graus de jurisdição através dos recursos especiais e extraordinários, sem considerar os Habeas Corpus.
Ao longo da história, a humanidade foi criando uma série de procedimentos visando a assegurar resultados melhores na vida em sociedade, isso se reflete nas diversas áreas do conhecimento, seja na saúde, nas engenharias, nas ciências exatas ou sociais, inclusive no Direito.
Não dá para querer ficar reinventando a roda, a cada nova geração; embora muitos, por vezes, tentem fazê-lo.
Pois bem, o que estão sustentando recentemente, sob a falácia da soberania dos veredictos, é o julgamento único pelo Tribunal do Júri, querem abolir o duplo grau de jurisdição nos julgamentos do tribunal popular, mas com um detalhe relevante, apenas quando o réu for absolvido. Se for condenado, aí tem a possibilidade de novo julgamento. Ou seja, o advogado pode recorrer das decisões dos jurados para obter um novo julgamento no caso de ter ocorrido uma injustiça; mas o promotor não poderá recorrer nessas mesmas circunstâncias.
Dois pesos, duas medidas, duas Justiças. Para os réus tudo, para as vítimas nada, pois os promotores, nos julgamentos do júri, falam em nome das vítimas.
Vão dizer que é melhor "um culpado solto que um inocente preso", um slogan de propaganda muito usado para assegurar privilégios aos acusados. Culpado solto e inocente preso são duas injustiças que cumpre corrigir obrigatoriamente, ou haverá apenas ficção de Justiça.
A defesa do acusado já leva inúmeras vantagens processuais em relação ao Ministério Público, vou citar apenas algumas delas, existem outras: Habeas Corpus (ação exclusiva da defesa contra prisões ilegais, a qual pode ser impetrada inúmeras vezes), ação revisional (outra ação exclusiva da defesa contra decisão final injusta ou ilegal), isso sem contar os inúmeros recursos permitidos ao longo do processo: recurso em sentido estrito, recurso de apelação, embargos infringentes, recursos especiais e extraordinários. Em suma, as possibilidades de revisão de decisão injusta para o réu e a defesa são inúmeras. Agora, para a vítima e para o Ministério Público não querem permitir nenhuma possibilidade, nem a apelação quando a decisão é manifestamente contrária às provas do processo. Ou seja, nem quando a decisão é aberrante, nem assim querem permitir à promotoria a possibilidade de um segundo julgamento. Não é o direito assegurado ao segundo julgamento, é apenas a possibilidade de segundo julgamento se presentes os pressupostos legais.
Em suma, se a decisão for a favor do réu, a favor do acusado, a favor da defesa, mesmo que seja um homicida, mesmo que seja um assassino confesso, mesmo que seja um homem que tenha matado uma mulher indefesa, nos julgamentos pelo Tribunal do Júri, essa decisão não será revista, nunca.
Foi isso que a 1ª Turma do STF decidiu no processo em que o marido tentou matar a mulher, com diversos golpes de faca, mas foi absolvido pelos jurados, numa decisão absolutamente contrária às provas do processo.
Esse recurso de apelação pelo Ministério Público é permitido pela legislação brasileira faz décadas, pois, está previsto num artigo do Código de Processo Penal, cuja redação data de 1948, mas estão querendo mudar as regras do jogo.
Se fosse permitido fazer uma analogia com as competições esportivas, diríamos que na decisão do campeonato o Ministério Público teria direito de fazer um único arremesso em direção à cesta ou chutar um única vez em direção ao gol, só uma oportunidade, um júri; já para o acusado e seu defensor (advogado) seriam permitidas diversas oportunidades: o júri, a apelação, o segundo júri, o recurso especial, o recurso extraordinário, a revisão; isso sem falar nos Habeas Corpus e outros recursos. A desproporção é evidente e fora de qualquer razoabilidade.
Aprendemos em Filosofia do Direito que um dos critérios de justiça é o princípio da igualdade. Se a solução do problema é igual para todos, ela é considerada justa. É óbvio que esse não é o único critério e que há casos em que é preciso tratar de forma desigual, mas as desigualdades precisam ser justificadas pelos fatos, pelas circunstâncias, e serem razoáveis.
No caso do recurso de apelação, nos processos julgados erroneamente pelos jurados, não há nenhum motivo que justifique o tratamento desigual entre as partes no que tange à possibilidade de um segundo julgamento. Decisão injusta precisa ser corrigida, revista, refeita. E o sistema jurídico sempre permitiu isso. Não há motivo para retroceder nesse ponto.
Não há violação da soberania dos veredictos porque o segundo julgamento também é realizado pelo Tribunal do Júri (CPP, artigo 593 § 3º), haverá um segundo veredicto que se sobrepõe, substitui ao primeiro. Quando o 2º Grau julga procedente à apelação do Ministério Público contra o julgamento dos jurados, o tribunal não condena o réu que fora absolvido injustamente; o tribunal apenas anula o julgamento injusto e manda fazer de novo: determina a realização de novo júri. Assim, preserva-se plenamente a soberania dos veredictos.
Estabelece o artigo 593 do Código de Processo Penal, no seu:
"3º. Se a apelação se fundar no nº III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação". (Incluído pela Lei nº 263, de 23.2.1948).
Isso quer dizer que se o erro for repetido ele se tornará incorrigível, pois, "não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação" (§ 3º do artigo593 do CPP); mas, ao menos, será possível tentar corrigir o erro. Desistir de fazê-lo antecipadamente, é uma péssima solução, um péssimo exemplo, e transmite a sociedade a impressão de que matar outra pessoa pode não ser proibido.
Cumpre registrar, ainda, que a recente decisão do Supremo Tribunal proibindo a utilização da tese da legítima defesa da honra, nos julgamentos do tribunal popular, não resolve esse problema conforme demonstrado por Valderez Deusdedit Abbud, no artigo "Supremo Tribunal Federal, Feminicídio e legítima defesa da honra" [3]. Aliás, é da essência do sistema jurídico: todo direito precisa de uma garantia, um instrumento processual que assegure sua eficácia, do contrário, não terá como ser exigido.
Observo, também, que a própria 1ª Turma tinha decisão anterior em sentido contrário:
"Ressalte-se, portanto, que essa possibilidade não é incompatível com a Constituição Federal, pois não conflita com o princípio constitucional da soberania dos veredictos, uma vez que a nova decisão também será dada, obrigatoriamente, pelo Tribunal do Júri, em que pese, por um novo Conselho de Sentença" (Alexandre de Moraes, RHC 170.559-MT [4]).
Esperemos, pois, que em julgamento pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, com a participação de todos os ministros, seja corrigida essa grave distorção do sistema processual penal brasileiro provocada no julgamento da 1ª Turma. Afinal, "a soberania do Tribunal do Júri não implica necessariamente um único Conselho de Sentença" (voto vencido do ministro Alexandre de Moraes, HC 178.777-MG).
[1] HC 178.777-MG, julgado em 29.09.2020, e acórdão publicado em 14/12/2020, Rel. Min. Marco Aurélio.
[2] Votos vencedores dos ministros Marco Aurélio (relator), Dias Toffoli e Rosa Weber. Votaram vencidos os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.
[3] https://www.conjur.com.br/2021-mar-22/mp-debate-supremo-tribunal-federal-feminicidio-legitima-defesa-honra.
[4] Votos vencedores dos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. Vencidos nesta ocasião os ministros Marco Aurélio e Rosa Weber.
ustiça aposentado, presidente do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático e professor de Direito com mestrado em Processo Penal. Foi promotor do júri por uma década, tendo atuado no 1º Tribunal do Júri de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 5 de abril de 2021, 17h18
A manutenção da prisão preventiva é incompatível com a fixação de regime inicial semiaberto ou aberto na sentença condenatória. A detenção só pode ser reafirmada em casos excepcionais, como situações da prática de novos crimes ou de violência de gênero.
Com esse entendimento, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes declarou, na sexta-feira (26/3), a ilegalidade da execução provisória da pena de um condenado, em primeira instância, por associação ao tráfico de drogas (artigo 35 da Lei 11.343/2006) e organização criminosa (artigo 2º da Lei 12.850/2013).
Em janeiro, o homem, que está preso preventivamente desde agosto de 2017, foi condenado pela Justiça do Ceará a seis anos de reclusão em regime aberto. O juízo rejeitou o direito de apelar em liberdade.
A Defensoria Pública do Ceará apresentou reclamação contra tal decisão. Segundo o órgão, a Justiça cearense desrespeitou o entendimento do STF de que só é possível executar a pena após o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Com base na proporcionalidade e na presunção de inocência, Gilmar Mendes apontou que a manutenção da prisão preventiva é incompatível com a fixação de regime inicial semiaberto ou aberto na sentença condenatória. Ele também disse que, na realidade, não é possível executar a prisão provisória em estabelecimento compatível com o regime aberto, determinado na sentença.
Fixada tal regra, destacou o ministro, é possível admitir, em casos excepcionais, a manutenção da prisão preventiva em situações de prática de novos crimes ou, por exemplo, violência de gênero.
Para Gilmar, é desproporcional a manutenção da prisão preventiva do acusado após a sentença condenatória que fixou regime aberto para o cumprimento de sua pena.
Ao ministro declarar a ilegalidade de execução provisória da pena, o ministro estabeleceu que a Justiça do Ceará poderá impor medidas cautelares alternativas à prisão.
O tráfico de drogas é um crime permanente, sendo possível a entrada forçada na casa do suspeito. Com base nesse entendimento, a 6ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedido para anular a prisão em flagrante de um homem acusado por tráfico de drogas.
Consta dos autos que dois policiais militares entraram na casa do paciente após a suspeita de que ele estaria envolvido com tráfico de drogas. Os PMs dizem que revistaram o local na presença de outra moradora e acabaram apreendendo maconha e cocaína. A prisão em flagrante do homem foi convertida para preventiva em audiência de custódia.
A defesa impetrou Habeas Corpus alegando que a prisão em flagrante foi ilegal em razão da invasão de domicílio do acusado sem autorização judicial. No entanto, em votação unânime, a turma julgadora negou provimento ao recurso.
Segundo o relator, desembargador Machado de Andrade, não houve invasão de domicílio. Para o magistrado, o ingresso na casa foi totalmente legal, decorrente de flagrante delito, uma vez que os policiais alegam ter abordado uma pessoa que chegava ao local para comprar drogas.
"Em se tratando de delito de tráfico ilícito de entorpecentes, enquanto o agente possuir entorpecentes, a pessoa pode ser presa em flagrante, pois se trata de crime permanente, podendo, inclusive, ocorrer a violabilidade de domicílio, haja vista configurar uma das hipóteses constitucionalmente previstas, qual seja, a ocorrência de flagrante delito dentro da residência, nos termos previstos no artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal", disse.
Andrade afirmou que, em razão do estado de flagrância em que o paciente se encontrava, "excepcionada está a garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio, devendo ser, portanto, afastada a alegação de irregularidade da diligência policial". Além disso, ele ressaltou que eventuais irregularidades no inquérito policial não têm o condão de causar nulidade na ação penal.
Por outro lado, é lícita quando há autorização do morador ou em situações já julgadas, como quando o ninguém mora no local, se há denúncia de disparo de arma de fogo na residência ou se o policial, de fora da casa, sente cheiro de maconha, por exemplo.
Ainda em março, o STJ decidiu que a autorização do morador para entrar na residência deve ser gravada pelos policiais.
Processo 2275261-55.2020.8.26.0000
A sanção da Lei 14.132/2021, que tipifica o crime de perseguição, prática também conhecida como "stalking", é uma medida de modernização necessária para o Código Penal. É a opinião de advogados criminalistas consultados pela ConJur.
O texto, aprovado pelo Senado em 9 de março, foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro na quarta-feira (1/4) e insere o artigo 147-A no Código Penal. Tentativas persistentes de aproximação física, recolhimento de informação sobre terceiro, envio repetido de mensagens, bilhetes, e-mails e aparições nos locais frequentados pela vítima passam a ser punidos com pena de prisão que vai de seis meses a dois anos, além de multa.
A alteração também prevê que a pena pode ser aumentada se a perseguição for cometida contra criança, adolescente, idoso, mulheres, mediante concurso de duas ou mais pessoas ou com uso de arma de fogo.
Para o advogado criminalista Daniel Bialski, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim) e sócio do Bialski Advogados, a nova lei vai ajudar a prevenir prática muito comum em tempos de pandemia e redes sociais, especialmente em casos de término de relacionamento amoroso.
“A modernidade e a mudança da vida cotidiana impõem, sempre, atualizações da lei. Mais salutar seria uma ampla reforma na legislação penal e no processual penal. Contudo, essa implementação vem em boa hora, porque esta nova lei serve para punir quem infringir e perseguir essas vítimas nas redes sociais e, por conta da pandemia, o nosso mundo virtual está acalorado e muito mais habitado”, opinou.
O criminalista André Galvão, sócio do Bidino & Tórtima Advogados, também aprovou a mudança, destacando que diversos elementos desse novo crime, como o constrangimento e a ameaça, já eram punidos individualmente por meio de tipos penais específicos.
“O que se vê, no entanto, é que o legislador resolveu criminalizar de forma específica a prática dessas condutas quando realizadas sob a forma de perseguição reiterada, revogando expressamente, ainda, a contravenção penal que punia, mais genericamente, a 'perturbação de tranquilidade'”, disse.
“A tipificação da perseguição reiterada, por qualquer meio, criminaliza também o cyberstalking”, ressaltou o advogado Rafael Ariza, do escritório Daniel Gerber Advocacia Penal. “Embora se trate de uma lei penal que dependa de complemento valorativo (tipo penal aberto), a tipificação da conduta era necessária, especialmente em razão das demandas da modernidade”.
Em artigo publicado na ConJur, o advogado criminalista André Callegari, sócio do escritório Callegari Advocacia Criminal, destacou também o fato de ser um tipo penal aberto. "Acreditamos que deva ocorrer uma sucessão de condutas por parte do autor, não havendo o crime quando as condutas forem isoladas, podendo remanescer o delito de ameaça se for o caso", comentou.
Revista Consultor Jurídico, 2 de abril de 2021, 12h25