sexta-feira, 26 de março de 2021

 

AGÊNCIA BRASIL - DIREITOS HUMANOS
 Depen suspende visitas presenciais em penitenciárias federais

O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) suspendeu as visitas presenciais a presos custodiados nas penitenciárias federais. A Portaria com a decisão foi publicada ontem (25) no Diário Oficial da União. A Portaria suspende também atividades presenciais de educação, trabalho e de assistência religiosa.

Estão mantidas apenas as visitas virtuais feitas pela Defensoria Pública da União, além de visitas presenciais de advogados.

A medida foi adotada após a reclassificação de fases e a implementação de medidas de restrição para combate à pandemia de covid-19, levando em conta a necessidade de emprego urgente de medidas de prevenção e controle de riscos, danos e agravos à saúde de presos, servidores, prestadores de serviços, colaboradores e autoridades.

No caso das visitas presenciais de advogados, os atendimentos ficarão limitados a quatro agendamentos por dia, com duração de 30 minutos, sem prejuízo dos casos urgentes. Caberá às penitenciárias manterem os procedimentos operacionais de controle e prevenção à pandemia, reforçando a frequência de higienização dos locais destinados a esses atendimentos e visitas.

Pedro Peduzzi - Repórter da Agência Brasil - Brasília
Edição: Denise Griesinger

 

NOVA PLATAFORMA

Balcão Virtual do STJ atende advogados e público em geral por videoconferência

O Superior tribunal de Justiça lança, nesta quinta-feira (25/3), o Balcão Virtual, uma plataforma online que permite a interação do tribunal com o público, em tempo real, para a prestação de informações e a solução de dúvidas sobre os seus diversos serviços e sistemas.

TST
Balcão Virtual do STJ atende advogados e público em geral por videoconferência

O Balcão Virtual foi regulamentado pela Instrução Normativa STJ 18/2021, que segue o disposto na Resolução 372/2021 do Conselho Nacional de Justiça. O novo serviço é direcionado ao atendimento de advogados, partes e quaisquer outros cidadãos interessados nos processos judiciais em trâmite no tribunal.

"O Balcão Virtual é mais um esforço do STJ para oferecer soluções que aprimorem o atendimento das pessoas, seja de maneira presencial, seja de maneira online. Reafirmamos, assim, nosso compromisso com a ideia de um tribunal conectado às mudanças e necessidades sociais, focado no desenvolvimento de soluções tecnológicas e preocupado em oferecer, cada vez mais, uma prestação jurisdicional rápida e efetiva", afirma o presidente do STJ, ministro Humberto Martins.

Salas temáticas
O Balcão Virtual não presta consultoria jurídica nem pode ser utilizado para solicitar protocolo de petições ou intermediar contatos com os gabinetes dos ministros. Cada gabinete informará os meios de contato disponíveis para atendimento.

A interação por meio do novo serviço acontece em salas virtuais, que podem ser acessadas de segunda a sexta-feira (exceto feriados), das 13h às 18h.

São quatro salas para a comunicação por vídeo, dedicadas a assuntos diferentes: sala 1 – Central do Processo Eletrônico, peticionamento eletrônico e protocolo judicial; sala 2 – Navegação e serviços oferecidos pelo portal, consulta processual, Sistema Push e certidões; sala 3 – Sessões de julgamento, sustentação oral, preferências de julgamento e memoriais; e sala 4 – Despesas e custas processuais, GRU Cobrança, andamento e fluxo dos processos.

Quando o usuário se identifica e inicia a conexão, ele ingressa em uma sala de acolhimento, a partir da qual será redirecionado para uma das salas temáticas individuais. O consultor do STJ encarregado do atendimento pode recorrer a outras áreas do tribunal para a resolução de demandas específicas.

Cada atendimento tem duração máxima de 30 minutos, mas as respostas que exigirem contato com outras unidades poderão ser complementadas por e-mail, em até 24 horas.

Sem agendamento
Para ser atendido, é recomendável que o usuário instale o aplicativo de chamada de vídeo Zoom. Não é preciso agendar horário, pois o Balcão Virtual funciona de maneira similar ao atendimento presencial no Espaço do Advogado do STJ, por ordem de chegada e sem marcação prévia. Para tirar dúvidas sobre a nova plataforma, foi criada uma página de Perguntas frequentes.

O público tem à disposição diversas outras opções para conhecer os serviços do tribunal e obter esclarecimentos. Na Central de Ajuda do Balcão Virtual, por exemplo, estão disponíveis conteúdos sobre a Central do Processo Eletrônico, a ferramenta de consulta processual e o Sistema Push.

O desenvolvimento do Balcão Virtual foi fruto de parceria entre a Secretaria Judiciária (SJD), a Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação (STI) e a Secretaria de Comunicação Social (SCO). Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Revista Consultor Jurídico, 25 de março de 2021, 20h15

 

NÚMERO PREOCUPANTE

Mortes por Covid-19 em unidades prisionais aumentam segundo o CNJ


O CNJ divulgou números preocupantes sobre o aumento de mortes provocadas por Covid-19 em estabelecimentos prisionais e unidades socioeducativas em todo o país. Em fevereiro, o número de óbitos registrou um aumento de 17,6%, totalizando 334 registros oficiais de óbitos de pessoas privadas de liberdade e servidores e servidoras.

O aumento é mais que o dobro identificado no mês anterior, de 8,4%. Nos primeiros 67 dias deste ano, a quantidade de mortes pela doença foi 190% superior ao registrado no último bimestre de 2020.

Número de mortes por Covid-19 em unidades de privação de liberdade aumenta
Reprodução

Conforme dados do CNJ, o sistema prisional registra 67.262 casos confirmados de contaminação pelo novo coronavírus: 49.946 entre pessoas presas e 17.316 entre funcionários e funcionárias. No socioeducativo, 1.716 adolescentes em cumprimento de medidas já contraíram a doença, assim como 5.781 servidores. O número de mortes por Covid-19 nessas instituições é de 41, todas entre servidores e servidoras.

O CNJ acompanha a situação das unidades de privação de liberdade desde junho de 2020 por meio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), a partir de dados disponibilizados pelas autoridades locais.

Nesta semana, as orientações do CNJ ao Judiciário para o combate à doença nos ambientes de privação de liberdade foram aprovadas em plenário, incluindo item que trata da priorização dessa população na vacinação.

Clique aqui para ler a recomendação do CNJ

quinta-feira, 25 de março de 2021

 

AÇÃO PÚBLICA CONDICIONADA

Retroação da lei "anticrime" em estelionato só vale até a denúncia, diz STJ

Por 

A mudança apresentada pelo pacote "anticrime" (Lei 13.964/2019) no delito de estelionato, que passou a exigir representação da vítima para tramitação da ação penal, não pode ser aplicada retroativamente para beneficiar o réu em processos cuja denúncia já foi oferecida pelo Ministério Público.

Ministro Ribeiro Dantas abriu divergência vencedora no caso enfrentando pelo STJ
Emerson Leal

Com esse entendimento, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão, motivo de divergência entre as turmas que julgam matéria penal. Prevaleceu a posição da 5ª Turma, menos abrangente e que evita que processos já em curso sejam afetados.

O pacote "anticrime" transformou a ação referente ao crime do artigo 171 do Código Penal de pública incondicionada para pública condicionada à representação — com algumas exceções descritas nos incisos do parágrafo 5º (conduta praticada contra administração pública, direta ou indireta; contra criança ou adolescente; e contra maior de 70 anos ou incapaz).

Venceu o voto divergente do ministro Ribeiro Dantas, que coincide com a posição da única decisão colegiada tomada pelo Supremo Tribunal Federal até agora, pela 1ª Turma.

O julgamento foi encerrado nesta quarta-feira (24/3), com a leitura de voto-vista do ministro Felix Fischer, que acompanhou a divergência. Formaram maioria com eles os ministros Antonio Saldanha Palheiro, Laurita Vaz e João Otávio de Noronha.

Ficaram vencidos o relator, ministro Nefi Cordeiro, que antes de se aposentar votou pela posição mais benéfica com o réu adotada pela 6ª Turma: a ideia de que a mudança retroage até o trânsito em julgado da ação por estelionato, mas não leva à imediata extinção da punibilidade.

Assim, seria o caso de intimar a vítima para manifestar o interesse na continuação da persecução penal, no prazo de 30 dias, sob pena de decadência. Ficaram vencidos com o relator os ministros Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti.

Em voto-vista, ministro Fischer apontou que representação é condição de procedibilidade da ação e não atinge processos já em curso
Gustavo Lima

Condição de procedibilidade
O posicionamento vencedor na 3ª Seção indica que a exigência da representação incluída na lei pelo pacote “antocrime” é condição de procedibilidade — e não de prosseguibilidade — da ação penal. Assim, a retroatividade da representação deve se restringir à fase policial, não alcançando processo em curso.

Ao abrir a divergência, em 10 de fevereiro, o ministro Ribeiro Dantas criticou o alcance indeterminado que a retroação da norma pode ganhar. "Imagine alguém que foi julgado e condenado, que a decisão transitou em julgado, agora ter que voltar e perguntar à vítima se ela queria o processo. Não se pode saber o tamanho da Caixa de Pandora que vai se abrir com a retroatividade", disse, ao propor marcos temporais bem definidos.

No voto vencido, o já aposentado ministro Nefi Cordeiro defendeu que embora a alteração da lei "anticrime" tenha criado uma condição a mais para a ação penal, a norma tem natureza penal porque afeta o direito do Estado de punir. Assim, deve retroagir em benefício do réu.

Ministro Nefi Cordeiro havia votado por permitir a retroação até o trânsito em julgado das ações por estelionato
Rafael Luz/STJ

Citou também que a menor retroação feriria a isonomia jurídica e geraria insegurança, pois poderia criaria desigualdade de tratamento entre réus que praticaram o mesmo crime, mas que tiveram a denúncia oferecida em momentos distintos.

"Normas de cunho abolicionista, ainda que em formato de diminuição da pena ou condicionamento para ação penal, devem sempre ser interpretadas em sentido mais amplo, que traga algum benefício, mormente em país cujo sistema penitenciário já foi reconhecido como estado de coisas inconstitucional", reforçou o ministro Rogério Schietti, ao votar vencido nesta quarta.

Definição anticrime
Trata-se do segundo tema referente à lei “anticrime” a ser pacificado pela 3ª Seção do STJ recentemente. Em fevereiro, o colegiado definiu que a norma torna absolutamente inviável que o juiz, de ofício, converta em preventiva a prisão em flagrante. Ela só pode ocorrer a requerimento do Ministério Público ou por representação da autoridade policial.

HC 610.201

segunda-feira, 22 de março de 2021

 

CADA UM NA SUA

Com inspiração no Dipo, ministros do STJ vão propor criação de varas de inquérito

Por 

Um grupo de ministros do Superior Tribunal de Justiça vai encaminhar ao presidente da corte, Humberto Martins, e a Jorge Mussi, corregedor-geral da Justiça federal, uma proposta que visa a criar varas especializadas de inquérito. 

Com a medida, um juiz ficaria responsável pelo inquérito e outro, pela sentença

A ideia é separar, nas ações penais, o juiz que atua na investigação daquele que prolata a sentença. Com isso, o trabalho seria dividido, evitando a concentração de poder nas mãos de um só magistrado. 

A iniciativa, se aprovada, passará a funcionar em todas as subseções judiciárias federais com mais de uma vara criminal. Conforme apurou a ConJur, uma primeira minuta da proposta já foi elaborada, mas o grupo que assumiu a empreitada quer aperfeiçoar a medida na próxima semana, antes de encaminhá-la a Martins e Mussi. 

Embora o projeto se pareça com o juiz das garantias — inserido pela lei "anticrime" (Lei 13.964/19), mas suspenso por decisão liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal —, a inspiração é outra: vem do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) de São Paulo. 

De acordo com o STJ, a proposta não criará nenhuma despesa ao Judiciário, já que ela se valerá apenas de magistrados já empossados e varas já existentes. Os juízes assumirão funções fixas: quem atuar em uma vara de inquérito ficará sempre responsável apenas pelas investigações.

Diferentemente do juiz das garantias, que valeria em todo o país, a separação feita com a criação das varas de inquérito será mais restrita, com competência limitada à Justiça federal e apenas nas subseções com mais de uma vara criminal. 

Muso inspirador
O Dipo, inspirador do grupo do STJ, foi criado em 1984 e funciona apenas na cidade de São Paulo. Nele, 13 juízes ficam responsáveis por 85 mil inquéritos. Os magistrados decretam medidas como prisões, buscas e apreensões e conduzem audiências. Em seguida, o caso vai para outro juiz, que fica responsável pela sentença. 

Uma grande diferença entre o juiz das garantias e os do Dipo — e que pode ser inserida na proposta do STJ — é que o primeiro pode atuar na fase de recebimento da denúncia, o que não acontece com os magistrados do departamento paulistano. 

A Lei Complementar 1.208, de 23 de julho de 2013, previa a criação do Departamento Estadual de Inquéritos Policiais, ou seja, o Dipo seria ampliado para todo o estado, com uma unidade regional em cada uma das dez regiões administrativas judiciárias de São Paulo.

A ampliação, porém, não andou. À ConJur, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Geraldo Pinheiro Franco, disse no ano passado que o motivo é a falta de recursos


terça-feira, 16 de março de 2021

 

SEM FECHAR OS OLHOS

STJ estabelece critérios para validade de citação por aplicativo em ações penais

Como ocorre no processo civil, é possível admitir, na esfera penal, a utilização de aplicativo de mensagens como o WhatsApp para o ato de citação, desde que sejam adotados todos os cuidados para comprovar a identidade do destinatário. Essa autenticação deve ocorrer por três meios principais: o número do telefone, a confirmação escrita e a foto do citando.

O entendimento foi fixado pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, embora reconhecendo a possibilidade de comunicação judicial via WhatsApp, anulou uma citação realizada por meio do aplicativo sem nenhum comprovante de autenticidade da identidade da parte. A decisão foi unânime.

Segundo o relator do habeas corpus, ministro Ribeiro Dantas, a citação do acusado é um dos atos mais importantes do processo, pois é por meio dele que a pessoa toma conhecimento das imputações que o Estado lhe direciona e, assim, passa a poder apresentar seus argumentos contra a versão da acusação. Esse momento, destacou, aperfeiçoa a relação jurídico-processual penal que garante o contraditório e a ampla defesa, por meio do devido processo legal.

"Não se pode prescindir, de maneira alguma, da autêntica, regular e comprovada citação do acusado, sob pena de se infringir a regra mais básica do processo penal, qual seja a da observância ao princípio do contraditório", disse o ministro.

Sem fechar os olhos
Ribeiro Dantas ressaltou que vários obstáculos poderiam ser alegados contra a citação via WhatsApp — por exemplo, a falta de previsão legal, a possível violação de princípios que norteiam o processo penal e até mesmo o fato de que só a União tem competência para legislar sobre matéria processual.

Entretanto, o relator declarou que não é possível "fechar os olhos para a realidade", excluindo, de forma peremptória, a possibilidade de utilização do aplicativo para a prática de comunicação processual penal. O ministro enfatizou que não se trata de permitir que os tribunais criem normas processuais, mas de reconhecer que, em tese, a adoção de certos cuidados pode afastar prejuízos e nulidades nas ações penais.

"A tecnologia em questão permite a troca de arquivos de texto e de imagens, o que possibilita ao oficial de Justiça, com quase igual precisão da verificação pessoal, aferir a autenticidade da identidade do destinatário", afirmou.

Situações possíveis
Para exemplificar, Ribeiro Dantas disse que seria possível validar uma situação na qual o oficial de Justiça, após se identificar pelo WhatsApp, pedisse ao acusado o envio da foto de seu documento e de um termo de ciência da citação, assinado de próprio punho — quando o agente público possuísse meios de comparar a assinatura, ou outra forma de se assegurar sobre a identidade do interlocutor.

O ministro ponderou, todavia, que a mera confirmação escrita da identidade pelo usuário do WhatsApp não é suficiente para se considerar o acusado ciente da imputação penal, especialmente quando não houver foto individual no aplicativo.

Além disso, mesmo nos casos em que os riscos forem mitigados pela verificação daqueles três elementos — número do telefone, confirmação escrita e foto —, o relator ressalvou o direito da parte de comprovar eventual nulidade, relacionada, por exemplo, a furto ou roubo do celular.

Sem foto
No caso analisado pelo colegiado, o ministro apontou que há nos autos certidão de citação via WhatsApp, bem como imagem da conversa entre o oficial de Justiça e o acusado. Contudo, o relator enfatizou que o citando não possui foto, que diminuiria os riscos de uma citação inválida, nem há outra prova incontestável de sua identidade.

"Diante da ausência de dado concreto que autorize deduzir tratar-se efetivamente do citando, não se pode aferir com certeza que o indivíduo com quem se travou o diálogo via WhatsApp era o acusado. Destaque-se que a presunção de fé pública não se revela suficiente para o ato", concluiu o ministro, considerando "imperiosa" a decretação de nulidade da citação. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

HC 641.877

 

OPINIÃO

A adequação de igrejas e instituições religiosas à LGPD

Por  e 

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi sancionada em 2018 e entrou em vigor no dia 18/9/2020. Seu objetivo é "proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural". Na prática significa dizer que aqueles que utilizam dados pessoais em sua atividade profissional deverão restringir a coleta e utilização às hipóteses previstas em lei, bem como adotar padrões de segurança e medidas adequadas para garantir a proteção destes dados.

Conforme disposto no artigo 3ª, a LGPD "aplica-se a qualquer operação de tratamento realizada por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, independentemente do meio, do país de sua sede ou do país onde estejam localizados os dados". Nesse contexto, e considerando a inexistência de hipótese de exclusão, sem sombras de dúvidas a lei se aplica a todas as instituições religiosas do Brasil, especialmente aquelas que mantêm registros de dados pessoais de seus membros, para finalidades diversas.

Como bem sabemos, a atividade religiosa naturalmente requer a coleta de inúmeras informações pessoais, tanto de seus fiéis quanto de seu corpo administrativo, prestadores de serviços e pastoreio.

Pela LGPD, o tratamento, além de estar alinhado aos princípios da lei, deve possuir um fundamento claro e específico, o qual chamamos de "base legal" ou "hipóteses de tratamento".

De acordo com o artigo 7º da LGPD, são dez as hipóteses de tratamento, sem ordem de prioridade, entre elas: 1) consentimento; 2) cumprimento de obrigação legal; 3) execução de contrato; 4) exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral; e 5) legítimo interesse.

À primeira vista, o assunto pode parecer facilmente resolvido, basta estabelecer que todo o tratamento de dados ocorrido no contexto da atividade religiosa será fundamentado no "consentimento livre e inequívoco" dos titulares de dados (pessoa natural a quem se referem os dados pessoais que são objeto de tratamento), afinal a expressão de fé naturalmente deriva do consentimento.

Em um país laico como o Brasil — não ateu, mas que permite a expressão de diferentes crenças e religiões, o que inclusive é garantido como direito fundamental pela Constituição Federal —, é evidente que os indivíduos são livres para escolher sua fé e sua vinculação a um conjunto estabelecido de crenças.

No entanto, além de não ser a mais adequada, sob o prisma da LGPD, a utilização da base do consentimento requer especial atenção, isso porque ele pode ser revogado a qualquer tempo pelo titular de dados, colocando em "cheque" toda a operação de tratamento de dados. Desse modo, sem sombras de dúvidas, a escolha do consentimento não é a melhor solução! Por outro lado, a definição da base legal adequada a cada tratamento é essencial para estar em compliance com a LGPD, então como resolver isso?

Em que pese a costumeira primazia dos livros e preceitos considerados sagrados em sua respectiva comunidade, as instituições religiosas, como instituições civis organizadas, são regidas por estatutos e regimentos internos, os quais devem ser seguidos para fiel cumprimento das atividades propostas.

Nesse cenário, embora, inegavelmente, o relacionamento com as igrejas e denominações diversas comece, na massacrante maioria dos casos, com o consentimento inequívoco do interessado, como qualquer contrato de natureza cível, o vínculo somente se concretiza e perpetua pela declaração de vontade estabelecida contratualmente.

Sob a ótica jurídica, contratos são acordos de vontades que estabelecem, em muitos casos, obrigações bilaterais, podendo ou não ser escritos. Para que sejam válidos, o Direito Civil estabelece requisitos objetivos — objeto lícito, possível e determinável ou determinado — e subjetivos — capacidade das partes, declaração de vontade livre e pluralidade de partes. Quanto à forma, ela será exigida apenas se houver previsão legal específica.

Dito isso, ainda que seja verbal — ou seja, sem forma específica —, o contrato pode ser válido, inclusive no contexto das instituições religiosas, podendo servir de base legal para o tratamento de dados pessoais.

É claro que há desafios a essa lógica, como vícios de consentimento decorrentes de imposição familiar e/ou social, bem como o tratamento de dados pessoais de recém nascidos, menores e/ou pessoas incapazes civilmente. Porém, ainda assim, a base legal de execução pode ser a principal na maioria das situações, deixando apenas limitada margem para se argumentar pelo consentimento.

Vale dizer, ademais, que outro caso de exceção à execução de contrato pode ser obrigação legal ou regulatória, aplicável a situações de casamentos religiosos com efeitos civis, Direito Canônico (naquilo que há internalização via tratado internacional), bem como tratamento de dados de prestadores de serviços de funcionários registrado, por exemplo.

De qualquer forma, é importante ressaltar que o consentimento — em qualquer caso, inclusive no tratamento de dados pessoais por instituições religiosas — apresenta desafios, decorrentes dos impactos da sua revogação e do pedido de exclusão pelo titular.

Pois bem. Uma vez superada a questão da base legal, devemos considerar ainda a análise da sensibilidade dos dados relativos à convicção religiosa.

O artigo 5º, II, da LGPD considera como dado pessoal sensível aqueles relativos à "origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural" (grifos das autoras).

Como se pode observar, a lei é clara quanto à classificação da convicção ou afiliação religiosa como dado pessoal sensível. Por outro lado, os dados dessa categoria só poderão ser tratados nas hipóteses previstas no artigo 11 da LGPD, quais são: 1) consentimento específico e destacado para finalidade específica; 2) cumprimento de obrigação legal; 3) execução de políticas públicas previstas em lei ou regulamentos, pela Administração Pública; 4) realização de estudo por órgão de pesquisa; 5) exercício regular de direito previsto em contrato ou processo judicial; 6) proteção da vida; 7) tutela da saúde; e 8) garantia de prevenção à fraude.

Desse modo, sendo a convicção religiosa um dado sensível, a igreja ou instituição religiosa deve tomar especial cuidado com o tratamento e, principalmente, no compartilhamento de informações pessoais.

Isso porque, em que pese a sustentabilidade do tratamento de dados pessoais, inclusive os sensíveis, possa ser garantida com a definição da base legal "execução de contrato", devemos nos atentar ao fato de que qualquer informação emitida por ela a respeito de determinada pessoa, automaticamente revelará sua convicção religiosa e/ou filiação a organização religiosa.

Em outras palavras, o tratamento de dados pessoais realizado "porta adentro" (que podem ser sensíveis ou não) deve ser cuidadosamente mapeado e enquadrado nos fundamentos da LGPD. No entanto, o tratamento realizado "porta afora", ou seja, o compartilhamento de documentos que contenham informações pessoais (certidões, comprovantes de pagamentos, compartilhamento de informações entre Igreja e demais instituições), automaticamente deverá receber o tratamento de dados pessoais sensíveis. 

Como visto, os desafios são imensos, contudo, a adequação a uma lei de aplicação compulsória pode ser vista como uma excelente oportunidade para difundir uma eficiente e verdadeira cultura de respeito e proteção aos direitos fundamentais dos seres humanos, valores altamente correlatos aos princípios religiosos.


 é advogada na área de Direito Digital e Proteção de Dados no Assis e Mendes Advogados, especialista em Direito Público e Lei Geral de Proteção de Dados e pós-graduanda em Governança de Tecnologia da Informação pela Unicamp.

 é advogada da equipe de Privacidade e Proteção de Dados do Assis e Mendes, especialista em Direito Continental pela Fondation pour le Droit Continental/Université Paris II (Sorbonne) e em Proteção de Dados Pessoais no Brasil, atuando diretamente em projetos de adequação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Revista Consultor Jurídico, 15 de março de 2021, 17h05

terça-feira, 9 de março de 2021

 

STF
 Mantida regra que permite remuneração de presos em 3/4 do salário mínimo

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou recepcionado pela Constituição Federal de 1988 dispositivo da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984 - LEP) que fixa o valor de 3/4 do salário mínimo como remuneração mínima para o trabalho do preso. Na sessão virtual encerrada em 26/2, a maioria dos ministros julgou improcedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 336, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Na ação, a PGR sustentava que o pagamento pelo trabalho realizado por preso em valor inferior ao salário mínimo violaria os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana, além da garantia, a todos os trabalhadores urbanos e rurais, do direito ao salário mínimo (artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal).

Situação peculiar

Prevaleceu, no julgamento, o voto do relator, ministro Luiz Fux, presidente do STF, que destacou diversas razões que conferem legitimidade à política pública estabelecida pela lei. Segundo ele, o trabalho do preso tem natureza e regime jurídico distintos da relação de emprego regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Além disso, as peculiaridades da situação do preso constituem prováveis barreiras à sua inserção no mercado de trabalho.

Estímulo à contratação

Para o relator, é razoável que o legislador reduza o valor mínimo de remuneração pela sua mão-de-obra, com o intuito de promover as chances da sua contratação. Essa medida, a seu ver, estimula empregadores a escolher detentos em detrimento de indivíduos não inseridos no sistema penitenciário e “deixa incólume a dignidade humana do preso contratado”.

Finalidades educativa e produtiva

Fux observou que, nos termos da LEP, o trabalho do condenado constitui um dever, que é obrigatório na medida de suas aptidões e capacidades. Também salientou suas finalidades educativa e produtiva, “em contraste com a liberdade para trabalhar e prover o seu sustento garantida aos que não cumprem pena prisional”.

Ressarcimento ao Estado

Ainda segundo o presidente do STF, o salário mínimo, nos termos do artigo 7º, inciso IV, da Constituição, visa satisfazer as necessidades vitais básicas do trabalhador e as de sua família com moradia, alimentação, educação e saúde, entre outras. No caso do preso, porém, conforme previsão da LEP, boa parte dessas necessidades já são atendidas pelo Estado.

Garantia não uniforme

Por fim, o ministro Luiz Fux observou que o STF já definiu que a Constituição não estendeu a garantia de salário mínimo de maneira uniforme a toda e qualquer mão-de-obra. Ele citou o julgamento do RE 570177, no qual o Plenário, por unanimidade, assentou que não há lesão aos princípios da dignidade humana e da isonomia na fixação de soldo para o serviço militar obrigatório inferior ao salário mínimo. Esse entendimento foi reproduzido na Súmula Vinculante 6.

O voto do presidente do STF pela improcedência da ação foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Nunes Marques e Luís Roberto Barroso.

Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes e as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber. Primeiro a divergir, Fachin ressaltou que o sentido da proteção constitucional ao salário mínimo foi estabelecer a retribuição mínima para todo e qualquer trabalhador.

segunda-feira, 8 de março de 2021

 

NOVO JUIZADO

TJ-RS instala vara especializada em feminicídios nesta segunda-feira

Serão instaladas nesta segunda-feira (8/3) a 4ª Vara do Júri especializada em feminicídio e o 2º Juizado da 3ª Vara do Júri da Comarca de Porto Alegre. A cerimônia acontecerá de maneira virtual no Dia Internacional da Mulher e contará com a presença do presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Voltaire de Lima Moraes. 

A iniciativa está em conformidade com a Resolução nº 1291/2020, do Conselho de Magistratura (Comag), estabelecendo que competirá à 4ª Vara, com exclusividade, a apreciação dos feitos criminais e medidas correlatas referentes aos crimes de feminicídio que estejam tramitando nas demais Varas do Tribunal do Júri da Comarca de Porto Alegre, à exceção dos que já estiverem julgados ou com o plenário de Júri designado.

A Resolução do Comag também determina que serão distribuídos para o 2º Juizado da 3ª Vara do Júri da Comarca de Porto Alegre os processos até então atribuídos ao regime de exceção implantado pelo Edital nº 20/2019-CGJ, na referida unidade e cujo prazo será considerado encerrado na data da instalação do novo Juizado. Com informações da assessoria do TJ-RS.

Revista Consultor Jurídico, 7 de março de 2021, 14h14

quinta-feira, 4 de março de 2021

 


STJ
 Falta de confirmação de testemunhos em juízo leva Quinta Turma a despronunciar acusados de homicídio

Em razão da ausência de confirmação, na fase judicial, dos depoimentos testemunhais prestados durante o inquérito policial, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para despronunciar três réus acusados de homicídio.

Na despronúncia, é revertida a decisão judicial que havia reconhecido os indícios de autoria de crime doloso contra a vida e mandado o réu ao tribunal do júri. O ato é diferente da impronúncia, quando a denúncia é julgada improcedente.

Para o colegiado, caso fosse mantida, a pronúncia dos acusados significaria admitir que a prova produzida no inquérito é suficiente para submeter um réu ao tribunal do júri – sem a necessidade de confirmar nenhum elemento de prova na fase judicial do processo.

"Significa inverter a ordem de relevância das fases da persecução penal, conferindo maior juridicidade a um procedimento administrativo realizado sem as garantias do devido processo legal, em detrimento do processo penal, o qual é regido por princípios democráticos e por garantias fundamentais", afirmou o relator do habeas corpus, ministro Ribeiro Dantas.

Dois depoimentos
Segundo os autos, a pronúncia dos acusados foi fundamentada em dois depoimentos extrajudiciais: no primeiro, a testemunha não confirmou em juízo as suas alegações à polícia; no segundo, a testemunha não foi localizada para que as declarações fossem repetidas.

Apesar disso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a pronúncia, considerando suficientes os indícios de participação dos acusados no crime.

Devido processo legal
O ministro Ribeiro Dantas apontou que, no Estado Democrático de Direito, a convicção do magistrado deve ser extraída das provas submetidas ao contraditório e à ampla defesa.

"Isso porque o mínimo flerte com decisões despóticas não é tolerado, e a liberdade do cidadão só pode ser restringida após a superação do princípio da presunção de inocência, medida que se dá por meio de procedimento realizado sob o crivo do devido processo legal", afirmou. Para ele, a prova produzida extrajudicialmente é formada sem o devido processo legal.

Segundo o ministro, diante da possibilidade da perda de um dos bens mais caros ao cidadão – a liberdade –, o Código de Processo Penal submeteu o início dos trabalhos do tribunal do júri a uma "cognição judicial antecedente". Apesar do caráter preliminar desse momento, o relator ressaltou que ele possui estrutura mínima para proteger o cidadão do arbítrio e do uso do aparelho repressor do Estado para satisfação do anseio popular por vingança cega, desproporcional e injusta.

Provas mais robustas
Citando lições do direito comparado, Ribeiro Dantas afirmou que o conjunto probatório relativo à pronúncia deve ser mais elevado que o de uma decisão qualquer – com exceção da condenação de mérito. Por isso, enfatizou, a pronúncia exige um padrão de prova mais rigoroso e uma cognição mais aprofundada, não podendo se contentar unicamente com elementos que não foram submetidos ao contraditório.

"Estando a pronúncia calcada apenas em provas inquisitivas, sem a devida confirmação em juízo, ou seja, sem o devido contraditório, razão assiste à defesa", concluiu o ministro ao despronunciar os acusados.

Leia o acórdão.

HC560552

terça-feira, 2 de março de 2021

 

AGÊNCIA SENADO
 Projeto criminaliza compra e venda de dados obtidos por hackers

Quem negociar dados provenientes de interceptações telefônicas, de informática ou telemática estará sujeito à pena de dois a quatro anos de reclusão. É o que estabelece o recém-apresentado Projeto de Lei (PL) 615/2021, da senadora Daniella Ribeiro (PP-PB).

O texto altera a Lei 9.296, de 1996, que criminaliza a interceptação ilegal do fluxo de comunicações, como forma de punir a ação dos atravessadores e beneficiários dessa prática ilícita.

Autora do projeto, Daniella Ribeiro explica que a lei já pune com reclusão de dois a quatro anos quem realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Ocorre que, na maioria das vezes, os dados ilegalmente obtidos acabam negociados no mercado clandestino, sem a punição dos responsáveis pela divulgação ilícita das informações, que podem envolver desde situações como um mero desentendimento conjugal à divulgação de segredos empresariais ou até mesmo a prática de crimes graves ainda desconhecidos das autoridades.

— Na lei vigente, a ação dos “atravessadores” e “beneficiários” da prática ilícita simplesmente não é crime. Com a presente proposição legislativa, queremos sanar essa lacuna e responsabilizar criminalmente quem adquire, oferece, negocia, comercializa ou, de qualquer forma, participa da divulgação ou disseminação, com intuito de lucro, dos dados obtidos através da interceptação ilegal de comunicações telefônicas, de informática ou telemática — conclui a senadora.

 


STJ
 Descoberta de drogas com suspeito não autoriza polícia a entrar em sua casa sem consentimento

A apreensão de drogas na posse de uma pessoa não é motivo suficiente para que a polícia invada sua residência sem a autorização dos moradores, caso não tenha havido uma investigação prévia que indique a prática de crime permanente de tráfico no local.

O entendimento foi firmado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao conceder habeas corpus para absolver um homem condenado a cinco anos de reclusão pelo crime de tráfico de drogas. O colegiado reconheceu a violação de domicílio e, em consequência, a ilicitude da apreensão de entorpecentes no interior da residência.

De acordo com o processo, os policiais receberam denúncia anônima de que uma pessoa estaria vendendo drogas em um conhecido ponto de tráfico na região. Ao chegarem em um bar, os agentes abordaram o homem e, durante a revista, encontraram um pino de cocaína.

Após a descoberta, os policiais foram até a residência do suspeito e encontraram outros nove pinos de cocaína, além de nove porções de pasta-base da mesma droga.

Indícios razoáveis
No pedido de habeas corpus, a defesa alegou que não houve consentimento do suspeito ou de outro morador da casa para que os policiais pudessem entrar de forma legal, mesmo porque ninguém estava ali no momento. Ainda assim, eles pularam o muro da propriedade.

O relator, ministro Nefi Cordeiro, lembrou que, segundo a jurisprudência do STJ, é preciso haver indícios razoáveis da existência de crime permanente para que se afaste a necessidade de autorização para ingresso na residência.

No caso em julgamento, entretanto, o relator apontou que, apesar de ter sido encontrado um pino de cocaína com o réu, não foram realizadas investigações prévias, nem foram apresentados elementos concretos que indicassem a ocorrência de tráfico dentro da residência.

Ao conceder o habeas corpus, o ministro entendeu que o fato de ter sido encontrada droga com o paciente não basta para justificar a ação da polícia, "sendo ilícita a prova obtida com a invasão de domicílio sem a indicação de fundadas razões".

Leia o acórdão.

HC611918

segunda-feira, 1 de março de 2021

 

STF
 Liminar impede uso da tese de legítima defesa da honra em crimes de feminicídio

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu parcialmente medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779 para firmar o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. A ação foi ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).

Em sua decisão, que deverá ser submetida a referendo do Plenário em 5/3, o ministro dá interpretação conforme a Constituição a dispositivos do Código Penal e do Código de Processo Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa. A decisão impede que advogados de réus sustentem, direta ou indiretamente, a legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais e perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.

Na ação, o PDT afirma que a matéria envolve controvérsia constitucional relevante, pois há decisões de Tribunais de Justiça que ora validam, ora anulam vereditos do Tribunal do Júri em que se absolvem réus processados pela prática de feminicídio com fundamento na tese da legítima defesa da honra. O partido aponta, também, divergências de entendimento sobre o tema entre o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Para o ministro Toffoli, “a chamada legítima defesa da honra não encontra qualquer amparo ou ressonância no ordenamento jurídico”. De acordo com ele, não se pode confundir “legítima defesa da honra” com “legítima defesa”, pois somente a segunda constitui causa de excludente de ilicitude.

O ministro afirmou que, para evitar que a autoridade judiciária absolva o agente que agiu movido por ciúme ou outras paixões e emoções, foi inserida no atual Código Penal a regra do artigo 28, no sentido de que a emoção ou a paixão não excluem a imputabilidade penal. “Portanto, aquele que pratica feminicídio ou usa de violência, com a justificativa de reprimir um adultério, não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e criminosa”, afirmou. Em sua decisão, ele também afirma que o argumento da prática de um crime em razão da legítima defesa da honra constituiu, na realidade, recurso argumentativo/retórico “odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo imensamente para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no Brasil”.


 

BONS ANTECEDENTES

Se acusado for "mula", quantidade de droga não justifica prisão preventiva, diz STF

Por 

Quantidade expressiva de droga apreendida com alguém não afasta, por si só, a causa de diminuição da pena do tráfico privilegiado (artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006) se houver a suspeita de que o acusado atuasse como "mula", ou seja, entregador de entorpecentes.

Homem foi preso transportando 188,8 quilos de cocaína no estado de São Paulo
dolgachov

Com esse entendimento a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, negou, na terça-feira (23/2), agravo da Procuradoria-Geral da República e manteve decisão do ministro Gilmar Mendes que substituiu a prisão preventiva de um homem por medidas cautelares alternativas.

O homem foi preso em flagrante em fevereiro de 2020 por tráfico de drogas ao ser pego transportando 188,8 quilos de cocaína. A prisão foi convertida em preventiva. O advogado dele, João Vitor Barros Martins de Souza, coordenador da área criminal do escritório Martins e Barros Advogados Associados, impetrou Habeas Corpus.

Em decisão de dezembro, Gilmar Mendes afirmou que, aparentemente, o acusado é "mula" e que, por isso, deve se enquadrar no tráfico privilegiado.

"Trata-se de réu primário e de bons antecedentes. Embora efetivamente a quantidade de droga apreendida seja expressiva, nos termos da jurisprudência da 2ª Turma deste STF, isso, por si só, não afasta a aplicação do redutor de tráfico privilegiado, se o caso caracterizar uma situação de 'mula', o que pode ser a hipótese dos autos. Assim, resta desproporcional a imposição de prisão preventiva", disse o ministro, ao substituir sua detenção por medidas cautelares alternativas.

A PGR interpôs agravo regimental, argumentando que, recentemente, o réu foi condenado por tráfico de drogas. Gilmar votou por negar o pedido. Ele lembrou que a jurisprudência do Supremo se consolidou no sentido de que a liberdade de um suspeito só pode ser restringida se houver decisão judicial devidamente fundamentada, "amparada em fatos concretos e não apenas em hipóteses ou conjecturas, na gravidade do crime ou em razão de seu caráter hediondo".

De acordo com o magistrado, o fato de o réu ter sido condenado, com a imposição de regime fechado, não o impede de recorrer em liberdade. O voto do relator foi seguido por todos os demais integrantes da 2ª Turma.

Clique aqui para ler a decisão HC 195.990

Revista Consultor Jurídico, 28 de fevereiro de 2021, 9h22

 

STJ
 Após Pacote Anticrime, juiz não pode converter prisão em flagrante em preventiva sem pedido prévio

Com a vigência da Lei 13.964/2019 (conhecida como Pacote Anticrime), não é mais possível a conversão da prisão em flagrante em preventiva sem provocação do Ministério Público, da autoridade policial, do assistente ou do querelante, mesmo nas situações em que não é realizada a audiência de custódia.

O entendimento foi fixado por maioria de votos pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao conceder habeas corpus a um homem preso em flagrante sob acusação de tráfico de drogas. Na decisão, além de considerar ilegal a conversão da prisão em flagrante em preventiva, o colegiado entendeu ter havido ilegalidade na obtenção das provas, devido à forma de ingresso dos policiais na residência do suspeito.

Segundo o relator do recurso em habeas corpus, ministro Sebastião Reis Júnior, o artigo 282, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal – na redação dada pelo Pacote Anticrime – vincula a decretação de medida cautelar pelo juiz ao requerimento das partes ou, durante a investigação, à representação da autoridade policial ou ao pedido do MP.

No mesmo sentido, o magistrado destacou que o artigo 311 do CPP (também alterado pela Lei 13.964/2019) é expresso ao vincular a decretação da prisão preventiva à solicitação do MP, do querelante ou do assistente, ou à representação da autoridade policial.

Para o relator, não há diferença entre a conversão do flagrante e a decretação da preventiva como primeira prisão. "A prisão preventiva não é uma consequência natural da prisão em flagrante; logo, é uma situação nova que deve respeitar o disposto, em especial, nos artigos 311 e 312 do CPP", explicou.

Vedação absoluta
Sebastião Reis Júnior considerou que o juiz pode converter a prisão em flagrante em preventiva desde que, atendidas as hipóteses do artigo 312 e não sendo possível adotar medidas cautelares mais brandas, haja pedido expresso por parte do MP, da polícia, do assistente ou do querelante.

Em seu voto, o ministro citou precedentes no sentido de que a Lei 13.964/2019, ao suprimir a expressão "de ofício" que havia no artigo 282, parágrafo 2º, e no artigo 311 do CPP, vedou, de forma absoluta, a decretação da preventiva sem prévia solicitação das partes legitimadas – não sendo mais possível, portanto, a atuação de ofício do juiz em matéria de privação legal da liberdade.

Ao conceder o habeas corpus, o relator apontou que, ainda que não tenha sido realizada a audiência de custódia – ou que o MP não tenha participado do ato –, a prisão não pode ser decretada de ofício, já que o pedido respectivo deve ser feito independentemente da audiência.

Segundo o magistrado, as novas disposições trazidas pela Lei 13.964/2019 criam para o Ministério Público e a polícia "a obrigação de se estruturarem de modo a atender os novos deveres que lhes foram impostos".?

RHC131263

 

STF
 Segunda Turma confirma decisão que permite progressão antecipada da pena em razão da pandemia

Por unanimidade de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) referendou a liminar concedida pelo ministro Edson Fachin em que determinou a magistrados do país que reavaliem a situação de detentos do regime semiaberto e verifiquem os que podem ser beneficiados pela Recomendação 62/2020, editada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o objetivo de reduzir os riscos epidemiológicos e a disseminação da Covid-19 nas prisões, enquanto durar a pandemia. A confirmação da decisão monocrática ocorreu na sessão virtual do colegiado finalizada em 23/2.

Fachin acolheu parcialmente pedido das Defensorias Públicas da União (DPU) e do Estado do Rio de Janeiro (DPU-RJ) nos autos do Habeas Corpus coletivo (HC) 188820, impetrado em favor de todas as pessoas presas em locais acima da sua capacidade que sejam integrantes de grupos de risco para a Covid-19 e não tenham praticado crimes com violência ou grave ameaça.

Diante da persistência agravada do quadro pandêmico, Fachin determinou que os juízes verifiquem os presos que preenchem esses requisitos. Em caso positivo, devem determinar progressão antecipada da pena aos condenados que estejam no regime semiaberto para o regime aberto em prisão domiciliar. A recomendação não vale para delitos listados na recomendação do CNJ, como lavagem ou ocultação de bens, crimes contra a administração pública, crimes hediondos ou crimes de violência doméstica contra a mulher. A decisão também determina aos juízes e aos tribunais que, ao emitirem ordem de prisão cautelar, concedam prisão domiciliar ou liberdade provisória, ainda que cumuladas com medidas diversas da segregação.