10 de fevereiro de 2021, 19h00
A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça começou a pacificar, nesta quarta-feira (10/2), a questão sobre até que ponto o chamado pacote "anticrime" pode retroagir no que diz respeito às mudanças aplicadas ao crime de estelionato.
A Lei 13.964/2019 entrou em vigor em 24 de janeiro e transformou a ação referente ao crime do artigo 171 do Código Penal de pública incondicionada para pública condicionada à representação — com algumas exceções descritas nos incisos do parágrafo 5º (conduta praticada contra administração pública, direta ou indireta; contra criança ou adolescente; e contra maior de 70 anos ou incapaz).
Conforme publicou a ConJur, a mudança legislativa abriu divergência entre os colegiados que julgam direito penal. Para a 5ª Turma, a exigência de representação da vítima só retroage até o momento do oferecimento da denúncia, independentemente do momento da prática da infração penal. Assim, processos em curso não seriam afetados.
Esse entendimento é o mesmo apontado na única decisão colegiada tomada pelo Supremo Tribunal Federal até agora, pela 1ª Turma.
Para a 6ª Turma, a norma retroage até o trânsito em julgado da ação por estelionato, mas não leva à imediata extinção da punibilidade. O colegiado entendeu que, na hipótese, a vítima deveria ser intimada para manifestar o interesse na continuação da persecução penal, no prazo de 30 dias, sob pena de decadência.
Colegiado que uniformiza essa discussão, a 3ª Seção ainda não chegou a uma conclusão porque o ministro Felix Fischer pediu vista para melhor analisar a matéria. Três votos foram proferidos, em que já há divergência.
Para ele, embora a alteração da lei "anticrime" tenha criado uma condição a mais para a ação penal, a norma tem natureza penal porque afeta o direito do Estado de punir. Assim, deve retroagir em benefício do réu. Citou ainda o risco de ofensa ao princípio da isonomia. Duas pessoas que tenham cometido o crime no mesmo dia podem ter resultados drasticamente diferentes.
Por fim, apontou o princípio finalístico da lei. Se a lei exige a representação da vítima para a ação penal, o autor, ao saber dessa possibilidade, pode negociar a reparação do dano. Assim, consegue-se a pacificação social. "A vítima é reparada, o autor sente os efeitos da ação estatal por ter que reparar os danos, e a sociedade é atendida, porque não vê suas cadeiras mais lotadas", disse.
Para ele, não há como o Judiciário concluir que a norma da lei "anticrime" é de direito material penal, simplesmente porque o Congresso, ao editá-la, não concluiu da mesma forma. Também criticou o alcance indeterminado que a retroação da norma pode ganhar.
"Imagine alguém que foi julgado e condenado, que a decisão transitou em julgado, agora ter que voltar e perguntar à vítima se ela queria o processo. Não se pode saber o tamanho da Caixa de Pandora que vai se abrir com a retroatividade. Ou então que se estabeleça algum parâmetro. Pelo menos proteja a coisa julgada", disse.
Terceiro a votar, o ministro Antonio Saldanha Palheiro seguiu a divergência. "Entendo que a questão da retroatividade da norma penal, ainda que mais benéfica ao réu, tem que observar marcos temporais. Não optaria pelo oferecimento da denúncia. Mas a denúncia recebida, ela forma e consolida a relação processual", destacou.
HC 610.201
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