Carlos Gianfardoni Advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo, sob o nº 96.337, com atuação na defesa de Crimes Empresariais e Crimes Contra a Vida; Professor de Direito Penal e Processo Penal na Escola de Direito - Pós-graduado em Direito Tributário; Mestre em Educação na USCS
quinta-feira, 28 de janeiro de 2021
OPINIÃO
Stalking é violência psicológica que autoriza uso da Lei Maria da Penha
Por Murilo Alan Volpi e Matheus Tauan Volpi
A Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) constitui um marco na historia do Direito. Como bem aponta Valéria Diez Scarance Fernandes [1], "essa lei rompeu com a noção de que o processo tradicional era suficiente para que a mulher vencesse séculos de inferioridade, discriminação e violência. Mais do que uma lei repressiva, a Lei Maria da Penha recriou o processo penal, dotando-o de mecanismos para proteger a mulher, recuperar o agressor, romper o ciclo da violência nas famílias e assim promover a pacificação social".
Nesse contexto, a reflexão acerca do stalking, prática cada vez mais presente [3], é fundamental, notadamente para o fim de reconhecer que a mulher vítima dessa espécie de conduta também pode se valer dos mecanismos de proteção da Lei Maria da Penha.
A expressão stalking pode ser traduzida como "perseguição persistente". De acordo com Damásio de Jesus [4], "stalking é uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou do trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, frequência no mesmo local de lazer, em supermercados etc. O stalker, às vezes, espalha boatos sobre a conduta profissional ou moral da vítima, divulga que é portadora de um mal grave, que foi demitida do emprego, que fugiu, que está vendendo sua residência, que perdeu dinheiro no jogo, que é procurada pela Polícia etc. Vai ganhando, com isso, poder psicológico sobre o sujeito passivo, como se fosse o controlador geral dos seus movimentos".
A prática do stalking configura a contravenção penal de perturbação da tranquilidade (artigo 65 do Decreto-Lei nº 3.688/41 [5]) e, além disso, permite a aplicação da Lei Maria da Penha [6], uma vez que caracteriza violência psicológica contra a mulher, nos termos do artigo 5º, inciso III, e 7º, inciso II, da Lei nº 11.340/2006.
Mesmo nos casos em que a mulher vítima do stalking não possua vínculo pretérito com o autor das condutas, é possível a aplicação da Lei Maria da Penha, desde que evidenciado, ainda que de forma putativa, a presença de uma relação íntima de afeto entre autor e vítima (artigo 5º, III, da Lei nº 11.343/06).
Dessa forma, é preciso reconhecer que o stalking também constitui forma de violência psicológica contra a mulher, autorizando a vítima a se valer das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha. O deferimento de medidas protetivas nesses casos é uma forma proteger a mulher, de recuperar o agressor, de romper o ciclo da violência e promover a pacificação social, objetivos últimos da Lei nº 11.340/06.
[1] FERNANDES, Valéria Diez Scarance. Lei Maria da Penha: O Processo Penal no Caminho da Efetividade. Grupo GEN, 2015.
[2] “A Lei Maria da Penha utilizou o termo “violência” como uma violação a direito da mulher. Assim, a tradicional distinção entre “ameaça” e “violência” (física) deixa de existir quando se trata de violência doméstica e familiar. Essa violência pode ser física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral (art. 7o). Elaborada com base em instrumentos internacionais, a Lei Maria da Penha ampliou as formas de violência definidas na Convenção de Belém do Pará. Nesse instrumento, previa-se tão somente as violências física, se- xual e psicológica, enquanto a Lei Maria da Penha prevê mais duas formas: a moral e a patrimonial”. (FERNANDES, Valéria Diez Scarance. Lei Maria da Penha: O Processo Penal no Caminho da Efetividade. Grupo GEN, 2015. p. 48).
[3] “Estima-se que, nos Estados Unidos, cerca de 1 milhão de mulheres e 400 mil homens foram vítimas de stalking em 2002. Na Inglaterra, a cada ano, 600 mil homens e 250 mil mulheres são perseguidos. Em Viena, desde 1996, existem informes da ocorrência de 40 mil casos; em 2004, em um grupo de mil mulheres entrevistadas por telefone, pelo menos uma em cada quatro foi molestada dessa forma” (JESUS, Damásio E. de. Stalking. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1655, 12 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10846. Acesso em: 20 jan. 2021).
[4] JESUS, Damásio E. de. Stalking. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1655, 12 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10846. Acesso em: 20 jan. 2021.
[5] Idem.
[6] REIS, Rodrigo A. O stalking no ordenamento jurídico brasileiro e a Lei Maria da Penha. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-11/rodrigo-reis-stalking-ordenamento-juridico-brasileiro#:~:text=Muito%20embora%20o%20stalking%20n%C3%A3o,restri%C3%A7%C3%A3o%20da%20liberdade%20da%20v%C3%ADtima
BOM COMPORTAMENTO NA PRISÃO
Inadimplemento de multa, por si só, não impede progressão de regime
O simples descumprimento da pena de multa não constitui óbice ao deferimento da progressão da regime. Com esse entendimento, a 14ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo negou recurso do Ministério Público e autorizou a progressão de regime de um preso mesmo sem o pagamento da multa imposta na sentença.
O preso foi autorizado a progredir para o regime aberto por preencher os requisitos legais, conforme decisão do juízo de origem. O MP contestou a decisão porque não houve o pagamento da multa. Ao TJ-SP, a Promotoria alegou que, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, quitar a multa, ainda que de forma parcelada, passou a ser requisito para a progressão de regime.
Contudo, o relator, desembargador, Fernando Torres Garcia, afirmou que a Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal), ao criar o sistema progressivo de cumprimento de pena, estabeleceu, em seu artigo 112, apenas dois critérios para a progressão: o objetivo (cumprimento de certo tempo da pena) e o subjetivo (bom comportamento carcerário).
"Nada, absolutamente nada foi consignado, como requisito legal à promoção, em relação à satisfação da reprimenda pecuniária", disse o desembargador, lembrando que não cabe ao Poder Judiciário a tarefa constitucional de legislar.
Além disso, Garcia observou que o simples descumprimento da pena de multa não impede a progressão de regime, o que ocorre apenas quando o inadimplemento é deliberado: "Apenas o sentenciado que propositadamente, segundo o Supremo Tribunal Federal, frustrar o pagamento da multa estaria impedido de progredir de regime".
E, segundo o relator, cabe ao Ministério Público a prova desse proposital ou deliberado inadimplemento, o que, no caso dos autos, "nem de longe se viu". "Aliás, no presente caso, nem mesmo se preocupou o agravante em tecer comentários outros a respeito dos verdadeiros requisitos legalmente estabelecidos, limitando-se a enaltecer, sob sua ótica distorcida, a decisão do Colendo Supremo Tribunal Federal", completou.
Por fim, o magistrado destacou que o preso não ostenta qualquer apontamento negativo em seu boletim informativo ou no atestado de comportamento carcerário, o que justifica a progressão para o regime aberto. A decisão se deu por unanimidade.
Processo 0003583-21.2020.8.26.0154
ORIENTAÇÃO DO STF
STJ readequa tese e proíbe extinção da punibilidade sem pagamento de multa
O não pagamento da pena de multa impede o reconhecimento da extinção da punibilidade do réu que já cumpriu a pena privativa de liberdade. O entendimento é da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que fez uma readequação de tese sobre a matéria, em julgamento em 2 de dezembro de 2020.
O caso foi levado ao colegiado por sugestão da Comissão Gestora de Precedentes do STJ, que reconheceu no quantitativo de recursos sobre o tema uma oportunidade de revisar uma tese fixada em recursos repetitivos julgados em 2015.
Na ocasião, a 3ª Seção tinha pacificado o entendimento de que o réu que cumpre a pena privativa de liberdade tem a extinção da punibilidade decretada mesmo se ainda não pagou a pena de multa.
Apesar da obrigatoriedade de seguir a tese, ela sempre foi contestada nas instâncias ordinárias. Em dezembro de 2018, o Supremo Tribunal Federal decidiu a matéria em controle concentrado de constitucionalidade (ADI 3.150) em sentido contrário.
A partir daí, ambas as turmas do STJ fizeram adequação para negar a extinção da punibilidade do réu que ainda não pagou a pena de multa. Ainda assim, os recursos continuaram subindo para julgamento, inclusive com pedidos de modulação da chamada "jurisprudência maléfica".
Em dezembro, a 3ª Seção apenas adequou a tese fixada em repetitivos e que, portanto, deveria orientar as decisões das instâncias ordinárias.
Relador, o ministro Rogério Schietti acolheu a tese no sentido de que "na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade".
Ou seja, direito de punir do Estado terminaria ao fim da execução da pena privativa de liberdade ou da restritiva de direitos e não englobaria a pena de multa.
Relator da ADI 3.150 no Supremo Tribunal Federal, o ministro Luís Roberto Barroso esclareceu esse ponto: não há como equiparar o valor resultante de uma pena de multa criminal com um débito comum na Fazenda Pública.
Destacou também que a alteração legislativa nem sequer poderia cogitar de retirar da sanção pecuniária o seu caráter de resposta penal, uma vez que a Constituição, ao cuidar da individualização da pena, faz menção expressa à multa, ao lado da privação da liberdade e de outras modalidades de sanção penal.
Presos em flagrante são soltos devido ao prazo de encaminhamento dos autos
Em razão do não cumprimento das normas de audiência de custódia, a 3ª Vara Criminal de Taubaté (SP) determinou a soltura de dois homens presos em flagrante, cujos autos não foram encaminhados ao Juízo competente dentro de 24 horas.
Os homens foram presos na manhã da última sexta-feira (22/1), por transportarem 47 pinos de cocaína e 14 porções de maconha. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo só recebeu contato do cartório judicial ao anoitecer do dia seguinte.
O defensor Saulo Dutra de Oliveira peticionou o relaxamento da prisão em flagrante, já que o Código de Processo Penal prevê o encaminhamento dos autos em até 24 horas. Ele apontou que os custodiados foram mantidos em condições ilegais de aprisionamento e citou também resolução do Conselho Nacional de Justiça e norma correcional do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o tema.
O juiz Anderson da Silva Almeida acolheu os argumentos da Defensoria e concedeu a soltura no mesmo sábado. Além do descumprimento do CPP, o magistrado apontou que "a ausência de apreciação do flagrante no prazo de 24 horas, sem que haja razão excepcional justificável, implica descumprimento das obrigações assumidas pelo Estado brasileiro ao aderir às disposições previstas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos". Com informações da assessoria de imprensa da Defensoria Pública de São Paulo.
1500203-21.2021.8.26.0625
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O Projeto de Lei 5353/20, de autoria do deputado Carlos Jordy (PSL-RJ), revoga o artigo 115 do Código Penal, que estabelece que o prazo de prescrição da pena será reduzido pela metade quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 anos ou, na data da sentença, maior de 70 anos. A proposta está em discussão na Câmara dos Deputados. |
terça-feira, 26 de janeiro de 2021
STJ suspende cumprimento de pena pelo princípio da insignificância
Um homem que furtou
objetos avaliados em R$ 55,10 teve o cumprimento da pena suspenso por decisão
do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto
Martins, que levou em conta os precedentes da Corte sobre a aplicação do
princípio da insignificância. O réu furtou de uma
residência uma lâmpada, uma tomada, um desinfetante e um sabonete. Foi
condenado a dois anos, oito meses e 15 dias de reclusão, em regime inicial
semiaberto. A sentença destacou que ele é reincidente, possuindo outras nove
condenações pelo crime de furto. Contra a decisão, a
Defensoria Pública de Rondônia impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça
estadual, que não conheceu do pedido. Para a Defensoria, a reincidência não
impede o reconhecimento da atipicidade material da conduta. Em novo habeas
corpus, desta vez no STJ, a defesa requereu a absolvição do réu ou a
suspensão da condenação até o julgamento final do pedido. O presidente do STJ
destacou que a conduta do réu não conteve agressividade e que ele praticou um
furto de bagatela.
O mérito do habeas
corpus será examinado pela Sexta Turma, sob a relatoria da ministra Laurita
Vaz. |
TRF1 permite a aplicação de prova emprestada para assegurar o direito ao contraditório
A 4ª Turma do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) deferiu o pedido de um
investigado para juntar aos autos prova testemunhal produzida em outro
processo. O habeas corpus foi impetrado buscando a reforma da decisão que
indeferiu o pedido de compartilhamento de prova testemunhal produzida em
outro processo que versa sobre os mesmos fatos.
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AASP 19/01/2021. TJSC - Nenhum direito é absoluto, decide juíza ao autorizar acesso a dados de celular apreendido
Sob o entendimento de
que nenhum direito é absoluto e de que o interesse público se sobrepõe ao
interesse particular, a Justiça da Capital autorizou o manuseio e perícia de
um aparelho celular apreendido pela polícia em uma ocorrência de tráfico de
drogas. A decisão é da juíza Érica Lourenço de Lima Ferreira, da 3ª Vara
Criminal da Capital, definida na audiência em que homologou a prisão em
flagrante de uma suspeita detida com porções de entorpecentes como crack e
cocaína. Conforme observou a
magistrada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem precedente no sentido de
que, se o telefone celular foi apreendido em busca e apreensão determinada
por decisão judicial, não há óbice para que a autoridade policial acesse o
conteúdo armazenado no aparelho, inclusive as conversas de Whatsapp. Assim,
para que seja feita a análise e utilização desses dados, não é necessária
nova autorização judicial. "O direito à
intimidade e à vida privada não pode servir de salvaguarda a condutas
criminosas. Até porque nenhum direito é absoluto. O interesse público, aqui
compreendido no direito a uma persecução penal efetiva, se sobrepõe ao
interesse particular, o que sugere nesse caso o afastamento episódico de tais
direitos fundamentais, sobretudo por haver indícios de envolvimento dos
investigados nos crimes de tráfico de drogas", escreveu a juíza. |
Por que é necessário tornar o feminicídio um crime autônomo?
25 de janeiro de 2021, 6h36
Segundo a Lei nº
13.104/2015, feminicídio é a circunstância qualificadora do crime de
homicídio consistente em matar uma mulher por razões da condição de sexo
feminino — isto é, quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou o
menosprezo ou a discriminação à condição de mulher. A despeito dos
incontestáveis avanços trazidos pela citada norma, a vinculação desse crime ao
tipo de homicídio tem se mostrado insuficiente em face da premência que o tema
demanda.
Na condição de
tecnologia social, o Direito deve atender à função de pacificar as relações
sociais e promover a justiça. Quando se observa a criminalização do assassinato
de mulheres em razão de seu gênero, temos que a atual legislação é insuficiente
para coibir a prática de feminicídio no país.
Baseado nisso, foi
apresentado o Projeto de Lei nº 4.196/2020, pelos deputados Fábio Trad
(PSD/MS), Santini (PTB/RS) e Pedro Lucas Fernandes (PTB/MA), que pretende
tornar o crime de feminicídio tipo penal autônomo.
Em síntese, a
inciativa é meritória porque representa importante avanço tanto no âmbito
global de enfrentamento à discriminação de gênero quanto no aperfeiçoamento dos
instrumentos jurídicos aptos a coibir a prática desse delito. A necessidade da
medida ressai, sobretudo, porque: 1) o feminicídio, por sua própria essência e
natureza, se diferencia substancialmente do homicídio, devendo a lei refletir
essa distinção; 2) estatisticamente, a tipificação do feminicídio enquanto
circunstância qualificadora do homicídio prejudica a sua quantificação; e 3)
operacionalmente, a legislação atual impede resposta sancionatória a que fazem
jus os "feminicídios qualificados".
A tipificação do
feminicídio não é fenômeno isolado do Brasil: apenas na América Latina, outros
15 países [1] possuem
em suas legislações dispositivos específicos que punem o assassinato de
mulheres por razões da condição do gênero feminino.
Em sua origem, o
termo foi concebido para definir o assassinato de mulheres precedido por
um continuum de terror antifeminino, que inclui uma ampla
variedade de abusos verbais e físicos [2].
Isso significa que o feminicídio não é um ato singular, mas representa o
trágico desfecho de uma história de violência, agressões e discriminação. Ao
contrário das demais hipóteses de homicídio, que, de tão amplas, podem ocorrer
com diversas circunstâncias e motivações, o feminicídio possui peculiaridades que
se reproduzem.
De acordo com
pesquisa realizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo [3] sobre
os feminicídios cometidos no Estado, o autor do crime, em 70% dos casos, era
convivente ou ex-convivente da vítima; em 79% dos registros, o instrumento do
crime eram objetos ou meio de fácil acesso nas residências (arma branca,
instrumentos domésticos ou o uso das próprias mãos); o local do crime,
para duas em cada três, era a própria casa da vítima; e as motivações mais
comuns eram separação do casal, pedido de rompimento, ciúmes, sentimento
de posse ou machismo.
Esses fatos revelam
que, na prática, o feminicídio não se limita a um homicídio "mais
grave". O crime representa, na verdade, um atentado à própria condição da
mulher, afetando, de forma geral, todas as mulheres da sociedade — o que atrai
o interesse público específico na sua capitulação como crime autônomo. Enquanto
o país figura na amarga posição de quinto país [4] com
maior proporção de feminicídios, não se pode acreditar que sua ocorrência é
meramente o prematuro fim da vida de determinada mulher, mas, sim, que se está
diante de quadro sintomático de uma estrutura social que vitima mulheres em
várias dimensões.
O cenário clama,
portanto, que o Direito reconheça essas especificidades na forma de um tipo
penal autônomo, imprimindo um efeito simbólico que repercutirá, inclusive, na
maior reprovabilidade social do crime.
Além disso, deve-se
atentar à necessidade de quantificar os feminicídios praticados, tendo em vista
que a elaboração de estatísticas robustas é o primeiro passo para a criação de
políticas públicas efetivas de enfrentamento ao crime. Todavia, a classificação
do feminicídio como circunstância qualificadora do homicídio dificulta a sua
efetiva contabilização em âmbito nacional.
Isso porque não
há uma estatística unificada acerca da razão dos óbitos no país. Os dados
utilizados pelo Fórum Nacional de Segurança Pública, por exemplo, são gerados
pelo Sistema de Informações de Mortalidades do Ministério da Saúde
(SIM/Datasus), que não incorpora tipificação legal ou motivação da agressão
para registrar os óbitos. As únicas informações estatísticas disponíveis sobre
o feminicídio se baseiam nos registros de ocorrência disponibilizados pelas
Secretarias de Segurança Pública estaduais.
Ocorre, contudo, que,
da forma como atualmente está previsto o crime de feminicídio, é possível que a
autoridade policial enquadre uma possível ocorrência de feminicídio como
homicídio, ou que os protocolos de registro em determinado Estado também
considerem esse crime (e a sua investigação) como suspeita de homicídio.
O processo pedagógico
de incorporação da perspectiva de gênero por parte das delegacias de polícia, a
propósito, é uma das razões pelas quais os pesquisadores do Anuário Brasileiro
de Segurança Pública constatam o progressivo aumento na quantidade de
feminicídios registrados desde 2015 também por causa "do processo
de aprendizagem por parte das polícias em relação à adequada identificação e ao
registro do feminicídio" [5].
Tornando feminicídio
tipo penal autônomo, será mais evidente — e simbólica — a mensagem do
legislador aos órgãos que atuam diariamente na apuração de infrações penais de
que o feminicídio guarda peculiaridades em relação ao homicídio e assim merece
ser abordado.
Por fim, convém
adentrar em questão mais técnica e operacional de nosso sistema jurídico.
Circunstância qualificadora significa dado acidental ao crime, que serve apenas
para estabelecer novos limites mínimo e máximo para a pena do autor. Em outros
termos, segundo a dogmática jurídica, as razões de gênero no feminicídio são
apenas um elemento acessório para a punição do agente que o comete [6].
O uso desse instituto
jurídico, todavia, impede, operacionalmente, que outras circunstâncias
qualificadoras sejam utilizadas para elevar os limites das penas de
feminicídio, porque o Direito brasileiro, do ponto de vista técnico, não
emprega a figura dos "crimes duplamente qualificados". Sendo assim,
ainda que o feminicídio não se confunda com motivo torpe ou o emprego de
asfixia, o fato de esses elementos serem qualificadoras do crime de homicídio
permite que sejam igualmente considerados para a dosimetria da pena.
Isso leva à conclusão
de que, na dosimetria da pena dos feminicidas, o emprego de outras
qualificadoras é sopesado pelo juiz na forma de mais uma agravante ou
circunstância judicial negativa, não sendo previstos novos limites mínimo e
máximo para fixação da pena. Por meio da previsão do crime de feminicídio
enquanto tipo penal autônomo, será possível a conjugação mais harmônica da
aplicação da pena para aqueles que cometem esse tão grave crime em conjunto com
circunstâncias qualificadoras do homicídio.
Com efeito, não se
pode negar a importância da Lei nº 11.304/2015 para o enfrentamento da
violência de gênero em nosso país. Entretanto, para o aprofundamento desse
combate, é necessário que se avance sobre o tema, tendo a aprovação do PL
4.196/2020 o potencial para cumprir o papel da atividade legiferante
de estar sempre atenta à realidade social e às demandas que ela imprime.
[1] COMPROMISSO E ATITUDO. Legislações
da América Latina que penalizam o feminicídio. Disponível em: http://www.compromissoeatitude.org.br/legislacoes-da-america-latina-que-penalizam-o-feminicidio/.
[2] RADFORD, Jill; RUSSELL, Diana
E. H. Femicide: The Politics of Woman Killing. Nova Iorque: Twayne, 1992, p.
15. Tradução livre.
[3] FERNANDES, Valéria Diez
Scarance; et al. Raio X do feminicídio em São Paulo: É possível evitar a morte.
Ministério Público do Estado de São Paulo. Disponível em:
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Nucleo_de_Genero/Feminicidio/RaioXFeminicidioC.PDF.
Acesso em 29 de outubro de 2020.
[4] Taxa de feminicídios no
Brasil é quinta maior do mundo; diretrizes nacionais buscam solução. Organização
das Nações Unidas. 01 de março de 2017. Disponível em: http://themis.org.br/onu-taxa-de-feminicidios-no-brasil-e-quinta-maiordo-mundo-diretrizes-nacionais-buscam-solucao/.
[5] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA
PÚBLICA – FBSP. Anuário brasileiro de segurança pública. Edição
XIV. São Paulo, 2020, p. 119.
[6] BITTENCOURT, Cezar
Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. 24. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 824.
STJ revoga prisão após reconhecimento por fotografia feito por WhatsApp
25 de janeiro de 2021, 12h44
Ainda que a jurisprudência brasileira admita o reconhecimento por meio fotográfico, mesmo quando não forem observadas todas as formalidades do artigo 226 do Código de Processo Penal, é preciso que o ato seja corroborado por outros elementos de prova para justificar a imposição de prisão cautelar.
Vítimas argentinas receberam foto
dos suspeitos de crime no litoral catarinense
Com esse entendimento, a 6ª Turma
do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a recurso em Habeas Corpus para
revogar a prisão preventiva de um réu por roubo cujo reconhecimento foi feito
por fotografias, enviadas pelo aplicativo WhatsApp às vítimas.
A decisão foi
unânime, em caso julgado em 15 de dezembro de 2020. O acórdão foi publicado no
dia 18 do mesmo mês.
O reconhecimento foi
feito dessa maneira porque o crime foi cometido no litoral catarinense contra
turistas argentinos, que voltaram para casa no dia seguinte ao roubo.
Eles registraram
boletim de ocorrência em que descreveram como três criminosos invadiram o local
alugado, com os rostos cobertos por bonés e lenços tapando boca e nariz,
armados com revólveres e uma faca. À polícia, mensuraram idade e altura dos
envolvidos, e citaram características físicas.
As investigações
levaram à apreensão de dois dos envolvidos. O terceiro foi reconhecido porque,
na busca e apreensão, encontrou-se um cartão bancário com o nome do suspeito,
cujas características batiam com a descrição das vítimas: altura elevada, os
olhos verdes, moreno e braços peludos. À polícia, uma das pessoas que residia
no local disse já ter se relacionado com o suspeito.
Para o Tribunal de
Justiça de Santa Catarina, a prisão estava bem justificada porque não houve o
envio de fotos aleatórias, já que existiu uma prévia investigação que
identificou alguns suspeitos. Já a 6ª Turma entendeu que não ficou demonstrado
que o reconhecimento foi corroborado por outros elementos de prova.
Relator, o ministro
Sebastião Reis Júnior destacou que o crime foi cometido por pessoas com rosto
parcialmente coberto e que, ainda que o suspeito reconhecido por foto tenha
histórico criminal, consta apenas a apreensão de um cartão bancário em seu
nome.
A apreensão ocorreu
no local onde foi realizada diligência que resultou na prisão de um dos
corréus, sendo que há suposto vínculo de afetividade acusado com algumas
pessoas que lá residiam, já tendo uma delas, inclusive, relacionado-se com o
réu.
“Portanto, no caso, o
reconhecimento fotográfico com inobservância das regras procedimentais do
artigo 226 do Código de Processo Penal, realizado exclusivamente pelo envio de
fotografias ao telefone celular das vítimas por meio de aplicativo de mensagens
— WhatsApp —, não corroborado posteriormente por mais elementos capazes de
demonstrar o envolvimento do recorrente aos fatos, não é suficiente para
validar a custódia cautelar que lhe foi imposta”, concluiu.
Precedente do STJ
O tema do reconhecimento por fotografia é
controverso na jurisprudência brasileira
e foi, recentemente, abordado em precedente da 6ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça. Em outubro, o colegiado decidiu que a exibição de
fotos deve ser etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal.
O acórdão relatado
pelo ministro Rogério Schietti fixa diretrizes a serem seguidas e reforça o
disposto no artigo 226 do Código de Processo Penal. Há duas premissas
objetivas: que a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento descreva a pessoa
que deva ser reconhecida; e que o suspeito seja colocado, se possível, ao lado
de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de
fazer o reconhecimento a apontá-la.
RHC 133.408
Medidas cautelares não podem ser computadas para detração, diz TJ-SP
25 de janeiro de 2021, 17h40
A legislação
brasileira não prevê a detração para as medidas cautelares diversas da
prisão. Com esse entendimento, a 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal
de Justiça de São Paulo negou um pedido de detração pelo período em que a
ré estava em liberdade provisória, cumulada com medidas cautelares.
Medidas cautelares não podem ser computadas para detração, diz TJ-SP
Ao TJ-SP, ela pediu a
detração do tempo que cumpriu recolhimento domiciliar noturno porque a
medida comprometeria o "status libertatis" e, portanto, deveria
contar como pena efetivamente cumprida. No entanto, segundo o relator,
desembargador Edison Brandão, não é possível equiparar a
prisão preventiva às medidas cautelares.
O magistrado afirmou
que o artigo 42 do Código Penal deixa claro que o que se computa
à pena corporal ou medida de segurança é o tempo de prisão provisória, que não
se confunde com qualquer das cautelares previstas no artigo 319 do CPP,
"que, aliás, como o próprio nome diz, são alternativas à prisão, e visam
justamente evitar a imposição desta".
"Daí porque,
conforme corretamente decidido pelo magistrado singular, inexiste previsão
legal para o que se pretende, uma vez que as medidas cautelares não comprometem
a plena liberdade do réu, além de que, embora tivesse o dever de cumprir certas
condições para permanecer usufruindo o benefício da liberdade provisória, não
cumpria efetivamente pena", completou Brandão. A decisão foi por
unanimidade.
Processo 0005957-06.2020.8.26.0026
Agressão contra mulher transexual deve tramitar em Vara de Violência Domésti
25 de janeiro de 2021,
A Câmara
Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, diante de conflito de competência
suscitado no caso de uma mulher transexual agredida pelo companheiro, decidiu
que o processo deve tramitar na Vara do Foro Central de Violência Doméstica e
Familiar Contra a Mulher de São Paulo.
Segundo decisão do TJ-SP, na
apuração das supostas lesões sofridas deve incidir a Lei Maria da Penha
istockphoto
Consta dos autos que
a vítima, biologicamente do sexo masculino, mas que se identifica como mulher e
ostenta nome social feminino, teria sido agredida por seu namorado após
uma crise de ciúmes. Foram constatados elementos que indicam motivação de
gênero no crime, que ocorreu em âmbito doméstico, já que vítima e agressor
moravam juntos.
De acordo com o
relator, desembargador Sulaiman Miguel, a jurisprudência do TJ-SP vem
decidindo pela aplicação das medidas protetivas da Lei Maria da Penha a
indivíduo biologicamente do sexo masculino, mas com nome social feminino, em
caso de agressões de ex-companheiro. Por isso, o caso deve tramitar em vara
especializada em violência doméstica, e não em vara criminal comum.
"Prestigiando o
princípio da dignidade da pessoa humana, deve ser reconhecida sua identificação
com o gênero feminino e a consequente vulnerabilidade no relacionamento
amoroso, compatível com a ratio legis invocada, vivenciando a
dominação do gênero masculino sobre o feminino, fazendo incidir, na apuração
das supostas lesões sofridas, a Lei Maria da Penha", disse. A decisão foi
unânime.
Com informações da
assessoria de imprensa do TJ-SP.