quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Presidente do STF determina imediato cumprimento das penas aplicadas aos condenados pelo caso da boate Kiss

 O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, determinou o imediato cumprimento das penas aplicadas aos quatro condenados no caso da boate Kiss. O ministro acolheu pedido do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP-RS) apresentado na Suspensão de Liminar (SL) 1504.


No STF, o MP gaúcho pediu a suspensão da decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) que concedeu liminar em habeas corpus para impedir a execução imediata da pena proferida pelo Tribunal do Júri. Um dos argumentos apresentados é de que, encerrado o julgamento, os condenados devem ser presos para o cumprimento das sanções impostas. Na última sexta-feira (10), quatro réus foram condenados pela prática de homicídios e tentativas de homicídio decorrentes do incêndio na boate Kiss, ocorrido em 27/1/2013 em Santa Maria (RS).

Soberania dos vereditos
Para o ministro Luiz Fux, a manutenção da decisão do TJ-RS geraria grave comprometimento à ordem e à segurança pública. Isso porque, segundo ele, uma vez atestada a responsabilidade penal dos réus pelo Tribunal do Júri, deve prevalecer a soberania de seu veredito, conforme o artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea "c”, da Constituição Federal, com "a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, ante o interesse público na execução da condenação"

O presidente do STF verificou também que a decisão questionada desconsiderou previsão do Código de Processo Penal (CPP), introduzida pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), segundo a qual a apelação contra decisão do Tribunal do Júri, nos casos de pena igual ou superior a 15 anos, não suspende os efeitos da condenação.

Credibilidade das instituições públicas
Ainda segundo Fux, não se pode desconsiderar a “altíssima reprovabilidade social” das condutas dos réus, a dimensão e a extensão dos fatos criminosos, além dos impactos para as comunidades local, nacional e internacional. "Ao impedir a imediata execução da pena imposta pelo Tribunal do Júri, ao arrepio da lei e da jurisprudência, a decisão impugnada abala a confiança da população na credibilidade das instituições públicas, bem como o necessário senso coletivo de cumprimento da lei e de ordenação social", concluiu.

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Superlotação: pessoas presas em presídio de Porto Alegre vão ter pena contada em dob

 

CNJ
 

Uma decisão tomada no dia 4 de novembro pode mudar a situação de quem cumpre pena em uma das maiores penitenciárias do país, o Presídio Central de Porto Alegre (RS). A Justiça vai contar em dobro cada dia de pena cumprido na cadeia superlotada, sob condições degradantes e desumanas, para calcular quanto tempo ainda falta para poder deixar a prisão. A decisão não vale para presos condenados ou acusados de crime contra a vida, integridade física ou delito sexual.

A juíza da 1ª Vara de Execuções Criminais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), Sonáli da Cruz Zluhan, seguiu jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). O Presídio Central é um dos casos monitorados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que criou em janeiro deste ano a Unidade de Monitoramento e Fiscalização de decisões e deliberações da Corte Interamericana de Direitos Humanos para fiscalizar o cumprimento das decisões da Corte IDH, às quais o Brasil está sujeito desde 2002.

Em 22 de novembro de 2018, a Corte IDH determinou que cada dia de pena cumprido no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, uma das unidades do Complexo de Gericinó (RJ), fosse contabilizado em dobro para todos os presos, exceto aqueles que cometeram crime sexual, contra a vida ou a integridade física de outra pessoa. A decisão foi uma resposta da Corte IDH ao descumprimento pelo poder público brasileiro das determinações que a maior autoridade em direitos humanos nas Américas fez em 2017 para reduzir a superlotação da unidade e recuperar o controle das galerias que fora tomado pelos presos.

A decisão da Justiça gaúcha sobre o Presídio Central se baseou nos mesmos princípios da Resolução de 2018. Embora se refiram à presídios diferentes, as violações à Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) foram cometidas tanto no presídio do Rio de Janeiro como no de Porto Alegre. “A situação é exatamente como a do Presídio Central. Existem medidas cautelares determinadas pela Corte IDH, em 2013, que nunca foram cumpridas. A taxa de ocupação média é de cerca de 178%, havendo galerias em que ultrapassa os 300%”, afirmou a magistrada, ao fundamentar a decisão sobre o presídio de Porto Alegre. Na última contagem informada pela administração, em julho havia 3.460 presos cumprindo pena ou aguardando julgamento em instalações com vagas para somente 1.824 pessoas.

Superlotação
A juíza Sonáli Zluhan determinou que as galerias do presídio de Porto Alegre com taxa de ocupação superior a 120% serão identificadas como superlotadas, seguindo o percentual de “superpopulação crítica” definido pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Os índices de ocupação serão informados pela administração prisional, de acordo com a decisão da justiça gaúcha.

O representante legal da pessoa presa deverá pleitear à juíza responsável pela execução penal a contagem em dobro do tempo de pena cumprido no Presídio Central. Cada caso será analisado separadamente.

A realidade do presídio viola o trecho do artigo quinto do Pacto de São José (Direito à Integridade Pessoal) segundo o qual se vedam tortura, penas ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes a qualquer um e se prevê que as pessoas presas sejam tratadas com o “respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”. A magistrada do TJRS usou, como medida da superlotação, o espaço que cada preso ocupa no presídio, em média. Para propor a Ação Civil Pública que o Ministério Público do Rio Grande do Sul moveu contra o estado em 2006, o órgão inspecionou o presídio e concluiu que cada preso ocupava em média 1,71 metro quadrado – em algumas celas, o espaço disponível era de 0,45 metro quadrado por pessoa.

“Já faz 15 anos desde aquela inspeção; o quadro de degradação, no entanto, segue o mesmo, tanto em termos de superlotação, quanto em termos de desrespeito às decisões judiciais. O espaço continua sendo próximo ao de uma mesa do Tribunal para que um ser humano desenvolva todos os aspectos da vida humana e, também, para que absorva as qualidades necessárias para um dia sair de lá com a mente sã e ‘ressocializada’”, afirmou Sonáli.

Insalubridade
A superlotação de unidade prisional viola outro trecho da Convenção Americana de Direitos Humanos que trata do objetivo das penas de privação de liberdade: a reforma e a readaptação social das pessoas condenadas. A exemplo de outros estados, a falta de vagas no sistema prisional do Rio Grande do Sul também é um problema recorrente.

De acordo com a dissertação de mestrado de Mariana Py Muniz, defensora pública e especialista na história do presídio, a própria criação do Presídio Central, em 1959, foi uma tentativa de resolver o problema de outra unidade prisional superlotada, o Cadeião do Gasômetro, principal cadeia do estado à época. Uma rebelião na unidade, então localizada no Centro da capital, apressou a inauguração do Presídio Central, que recebeu os presos da antiga unidade sem a construção da nova prisão ter sido concluída.

A obra iniciada nos anos 1950 jamais foi concluída. Com o tempo, parte de um pavilhão começou a apresentar desgaste na estrutura e foi demolido em 2014. Desde então, não houve mais intervenções significativas de engenharia na casa prisional. Restos da demolição, inclusive, permanecem no pátio da cadeia até hoje. Para piorar, além de depósito de entulho, o mesmo espaço onde prisioneiros recebem suas famílias nas visitas semanais tornou-se o escoadouro do esgoto da população prisional.

Como a lotação só crescia com o passar dos anos, o projeto original com celas individuais e banheiros coletivos teve de ser adaptado. As paredes que separavam celas e o corredor da ala foram postas abaixo e banhos turcos, instalados no chão. Sem manutenção adequada, a tubulação que ligaria os sanitários à rede de esgoto da cidade começou a infiltrar na laje das galerias a ponto de gerar uma goteira pingando na cela do andar de baixo uma mistura de água, urina e fezes dos presos do andar de cima. Para se proteger, os presos continham a goteira com sacos plásticos que, uma vez cheios, eram amarrados nas grades da janela ou arremessados no pátio.

Descontrole
Em decorrência da superlotação crítica, as celas não conseguiram mais conter tanta gente e a solução foi abrir a porta das celas. Hoje, assim como as celas, os corredores das alas também estão apinhados de presos. Da porta da galeria para dentro, quem manda é a facção criminosa que dominou o espaço. Segundo a defensora pública Mariana Py Muniz, a superlotação é a “mãe de todas as mazelas do sistema prisional” que fomenta um ciclo de violação de direitos, inclusive a atuação das facções.

“Quando um preso ingressa no sistema, não tem um pote para comer. Se ele não tem um familiar para levar sacola (mantimentos), acaba que ele vai para a galeria, dividida por facção. É ela que vai fornecer, mas para isso, vai ter de pagar – e vai ter de dar conta. Se não, vai comer com a mão. No Brasil inteiro, presos comem em saco plástico”, afirmou a especialista, que hoje atua na Unidade de Monitoramento e Fiscalização de decisões e deliberações da Corte Interamericana de Direitos Humanos do CNJ.

De acordo com a sentença da juíza Sonáli da Cruz Zluhan, a decisão terá efeitos – na contagem de tempo que falta para a progressão de regime fechado para o semiaberto, por exemplo – a partir do momento em que transitar em julgado, não permitindo mais recursos. No entanto, a expectativa é de que o Ministério Público do Rio Grande do Sul recorra à instância superior contra a decisão. É o que o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) fez em relação ao cômputo em dobro das penas cumpridas no Instituto Plácido de Sá. O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que em junho passado decidiu pela legitimidade da aplicação da sentença da Corte IDH nas prisões brasileiras.

O Brasil passou a seguir as decisões da Corte IDH sobre a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) em 2002, quando reconheceu por meio de decreto presidencial a competência do tribunal para arbitrar conflitos que envolvam a Convenção. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso do MPRJ e confirmou decisão anterior do ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Aplicou-se o princípio da fraternidade, que, entre duas interpretações discordantes de tribunais sobre matéria de direitos humanos, determina que prevaleça a interpretação mais favorável à pessoa mantida encarcerada em ambiente degradante.

De acordo com o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, cabe a todos os magistrados brasileiros aplicar o que determina a Convenção Americana de Direitos Humanos em julgamentos que discutam direitos humanos. “Os juízes nacionais devem agir como juízes interamericanos e estabelecer o diálogo entre o direito interno e o direito internacional dos direitos humanos, até mesmo para diminuir violações e abreviar as demandas internacionais”, afirmou o ministro no seu voto.

Desde essa decisão, juízes responsáveis pela execução penal de presídios em diferentes locais do Brasil já proferiram decisões semelhantes, permitindo a contagem em dobro do tempo preso em meio a condições desumanas em um estabelecimento penal.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

 

TRF1
 Habeas Corpus não é adequado a cidadãos que queiram optar pelo cultivo doméstico de cannabis para fins medicinais

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) deu provimento à remessa oficial e não conheceu de habeas corpus impetrado por cidadão portador de retinose pigmentar, doença que afeta a visão e possui efeitos progressivos, e que faz tratamento medicinal com óleo de Cannabis sativa, para importação e cultivo da planta.

Na sentença o Juízo Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária do Acre confirmou a liminar anteriormente concedida e a ordem de habeas corpus para o paciente, determinando que as autoridades coatoras — Diretor do Departamento de Polícia Federal do Estado do Acre, Secretário de Segurança Pública do Acre e Comandante de Polícia Militar do Estado do Acre — se abstenham de adotar medidas que possam ferir sua liberdade na ocasião da importação de sementes, suficientes para cultivo de 6 plantas para extração do óleo, com fins exclusivamente medicinais, sendo que tal cultivo poderá ser fiscalizado pelas autoridades policiais e interrompido em caso de descumprimento. Também foi autorizado o transporte para realização de parametrização laboratorial, desde que comunicado à Polícia Federal com antecedência, pois é notório o risco de o paciente ser preso em flagrante pela prática de crimes previstos na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).

O processo chegou ao Tribunal por meio de remessa oficial, instituto do Código de Processo Civil (artigo 496), também conhecido como reexame necessário ou duplo grau obrigatório, que exige que o juiz encaminhe o processo ao tribunal de segunda instância, havendo ou não apelação das partes, sempre que a sentença for contrária a algum ente público.

O relator, desembargador federal Cândido Ribeiro, ressaltou que o enfermo conseguiu autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importação de produtos à base de Canabidiol (CBD). Todavia, em razão da burocracia, excessiva demora na entrega do medicamento e do alto custo, o homem almejava a concessão do salvo-conduto para importação e cultivo de sementes de Cannabis sativa, visando a extração doméstica do óleo para tratamento da doença.

Porém, o magistrado esclareceu que a autorização pretendida neste habeas corpus configura tentativa de obter, por via oblíqua, o atendimento de questão que sequer foi suscitada perante os órgãos administrativos competentes, o que não pode ser admitido, pois a importação de sementes de cannabis e seu cultivo requerem autorização do órgão administrativo competente, cabendo a quem pretenda fazer a importação e cultivo requerer a permissão. Caso ocorra a negativa, abrir-se-ia a possibilidade de o Poder Judiciário decidir sobre eventual direito à pretendida importação e cultivo, porém, nessa hipótese, a questão seria resolvida na esfera cível e não na esfera criminal.

Assim, o desembargador federal entendeu que o habeas corpus não deve ser conhecido, pois a ação visa a garantir a importação e cultivo de sementes de Cannabis sativa, direito que não é protegido pela via do habeas corpus, instrumento processual que se destina, de forma estrita, à proteção da liberdade de ir e vir.

A decisão do colegiado foi unânime.

Processo 1000396-49.2019.4.01.3000

terça-feira, 16 de novembro de 2021

 

Associação para o tráfico não impede progressão mais benéfica para mães, decide Quinta Turma

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), seguindo orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), entendeu pela impossibilidade de extensão do conceito de organização criminosa e manteve a progressão especial de regime de pena concedida a uma condenada que tem filho menor de 12 anos. A relatoria foi do ministro Reynaldo Soares da Fonseca.

O colegiado negou provimento a recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra decisão que garantiu à mulher, condenada pelo crime de associação para o tráfico de drogas, o direito à prisão domiciliar com base na progressão especial prevista no artigo 112, parágrafo 3°, da Lei de Execução Penal (LEP).

O MPF alegou que o crime de associação para o tráfico seria equiparado ao de organização criminosa, só não incidindo a Lei 12.850/2013, mas a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), em razão do princípio da especialidade. Dessa forma, a condenada não teria direito ao benefício da progressão especial, que permite à mulher gestante, ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, a mudança de regime após o cumprimento de um oitavo da pena no regime anterior, desde que – entre outras condições – ela não tenha integrado organização criminosa.

O MPF invocou precedentes do STJ que equipararam a associação para o tráfico à organização criminosa, para fins de progressão do regime penal.

Respeito ao princípio da taxatividade
Em seu voto, o relator destacou que os crimes de organização criminosa e de associação para o tráfico têm definições legais diferentes, devendo-se respeitar o princípio da taxatividade, não podendo haver interpretação extensiva em prejuízo do réu (in malam partem).

Segundo o artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 12.580/2013, organização criminosa é a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informal, com o objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Por sua vez, a associação para o tráfico de drogas, cuja tipificação se encontra no artigo 35, caput, da Lei 11.343/2006, é a associação de duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e parágrafo 1º, e 34 da mesma lei.

O ministro ressaltou que, no caso em julgamento, a condenação foi pelo crime de associação para o tráfico – o que não impede, por si só, a concessão do benefício da progressão especial, já que o artigo 112, parágrafo 3º, inciso V, da LEP faz referência a "organização criminosa". Para o magistrado, a interpretação desse dispositivo deve ser restritiva, de modo que só há organização criminosa na hipótese de condenação nos termos da Lei 12.850/2013.

Reynaldo Soares da Fonseca reconheceu que o STJ tem precedentes na linha defendida pelo MPF, mas essas decisões não têm sido confirmadas pelo STF, o qual, recentemente, no HC 200.630, declarou que o crime de organização criminosa tem definição autônoma e limites próprios, não sendo intercambiável com a associação para o tráfico nem com a associação criminosa descrita no artigo 288 do Código Penal – confirmando a tese da interpretação não ampliativa do termo "organização criminosa".

Leia o acórdão no HC 679.715.

HC 679715

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

 

STF
 Injúria racial é crime imprescritível, decide STF

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (28), que o crime de injúria racial configura um dos tipos penais de racismo e é imprescritível. Por maioria de votos, o colegiado negou o Habeas Corpus (HC) 154248, em que a defesa de uma mulher condenada por ter ofendido uma trabalhadora com termos racistas pedia a declaração da prescrição da condenação, porque tinha mais de 70 anos quando a sentença foi proferida.

Injúria qualificada
L.M.S., atualmente com 80 anos, foi condenada, em 2013, a um ano de reclusão e 10 dias-multa pelo juízo da Primeira Vara Criminal de Brasília (DF) por ter ofendido uma frentista de posto de combustíveis, chamando-a de “negrinha nojenta, ignorante e atrevida”. A prática foi enquadrada como crime de injúria qualificada pelo preconceito (artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal). Ao analisar recurso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o crime de injúria racial seria uma categoria do crime de racismo, que é imprescritível.

Equivalência
Em voto apresentado em novembro de 2020, o relator do HC, ministro Edson Fachin, concordou com o entendimento do STJ e negou o habeas corpus. Segundo o ministro, com a alteração legal que tornou pública condicionada (que depende de representação da vítima) a ação penal para processar e julgar os delitos de injúria racial, o crime passou a ser equivalente ao de racismo e, portanto, imprescritível, conforme previsto na Constituição Federal (artigo 5º, inciso LXII).

Prescrição
Único a divergir, o ministro Nunes Marques considerou que os crimes de racismo e injúria racial não se equiparam, o que possibilita a decretação da prescrição.

Crime inafiançável
Em voto-vista apresentado nesta tarde, o ministro Alexandre de Moraes observou que a Constituição é explícita ao declarar que o racismo é crime inafiançável, sem fazer distinção entre os diversos tipos penais que configuram essa prática. O ministro lembrou que, segundo os fatos narrados nos autos, a conduta praticada por L.M.S. foi uma manifestação ilícita, criminosa e preconceituosa em relação à condição de negra da vítima. “Como dizer que isso não é a prática de racismo?”, indagou.

Inferiorização da vítima
Segundo ele, não é possível reconhecer a prescrição em um caso em que foi demonstrado que a agressora pretendeu, claramente, inferiorizar sua vítima. Ele considera necessário interpretar de forma plena o que é previsto pela Constituição quanto ao crime de racismo, incluindo a imprescritibilidade, para produzir resultados efetivos para extirpar essa prática, “promovendo uma espécie de compensação pelo tratamento aviltante dispensado historicamente à população negra no Brasil e viabilizando um acesso diferenciado à responsabilização penal daqueles que, tradicionalmente, vêm desrespeitando os negros”, afirmou.

Racismo estrutural
No mesmo sentido, o ministro Luís Roberto Barroso observou que, embora com atraso, o país está reconhecendo a existência do racismo estrutural. Ele salientou que não são apenas as ofensas, pois muitas vezes a linguagem naturalizada embute um preconceito. “Não podemos ser condescendentes com essa continuidade de práticas e de linguagem que reproduzem o padrão discriminatório”, disse.

Também para a ministra Rosa Weber, as ofensas decorrentes da raça, da cor, da religião, da etnia ou da procedência nacional se inserem no âmbito conceitual do racismo e, por este motivo, são inafiançáveis e imprescritíveis.

Dignidade
No mesmo sentido, a ministra Cármen Lúcia considera que, nesse caso, o crime não é apenas contra a vítima, pois a ofensa é contra a dignidade do ser humano. Ela ressaltou que, de acordo com o Atlas da Violência, em 2018, os negros foram 75,7% das vítimas de homicídio. “Vivemos numa sociedade na qual o preconceito é enorme, e o preconceito contra pessoas negras é muito maior”, apontou.

Tratados internacionais
O ministro Ricardo Lewandowski salientou que a Constituição, ao estabelecer que a prática de racismo é imprescritível, não estipulou nenhum tipo penal. Segundo ele, isso ocorre porque, ao longo do tempo, essas condutas criminosas se diversificam e é necessário que os delitos específicos sejam definidos pelo Congresso Nacional. Lewandowski também lembrou que o Brasil é signatário de tratados e convenções internacionais em que se compromete a combater o racismo.

O ministro Dias Toffoli também acompanhou o entendimento pela imprescritibilidade do delito de injúria racial.

Efetividade das normas
Para o ministro Luiz Fux , presidente do STF, a discussão sobre a questão racial veio se desenvolvendo para assegurar proteção às pessoas negras e vem passando por uma série de mutações, alcançando uma dimensão social, e não meramente biológica. “As normas constitucionais dessa sociedade, que já foi escravocrata durante 400 anos e um péssimo exemplo para todo o mundo, só se podem tornar efetivas através não só da previsão em abstrato, mas da punição”, afirmou.

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Falta de realização de audiências de custódia

 


STF
 2ª Turma do STF concede HCs em razão da falta de realização de audiências de custódia

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deu provimento a agravos regimentais apresentados nos Habeas Corpus (HCs) 202579 e 202700, de relatoria do ministro Nunes Marques, para assentar o entendimento de que a realização da audiência de instrução e julgamento e a eventual prolação de sentença condenatória não afastam a ilegalidade resultante da não realização de audiência de custódia.

Em seu voto, o relator reiterou seu entendimento de que os atos posteriores tornam superada a alegação de ausência de audiência de custódia. Para o ministro Gilmar Mendes, que abriu a divergência, a não realização da audiência de custódia caracteriza ilegalidade, já que ela funciona como mecanismo essencial de controle legal e de abusos de autoridades policiais, evitando prisões ilegais.

Finalidades distintas
Segundo ele, a audiência de custódia e a de instrução e julgamento têm finalidades distintas e não podem ser confundidas. Em sua opinião, a relativização da necessidade de sua realização acabaria por esvaziar o cumprimento efetivo do direito fundamental do preso e, implicitamente, poderia passar a mensagem inadequada aos operadores do sistema criminal, no sentido de sua dispensa. Mendes votou, assim, para determinar a realização do procedimento em 24 horas, a contar da comunicação do julgamento.

A divergência foi acompanhada pelo ministro Ricardo Lewandowski. Para ele, não é possível afastar a exigência da realização da audiência de custódia, não só porque se trata de ato completamente distinto, em natureza jurídica e finalidade, dos que disciplinam a instrução criminal, como, também, por ser medida que assegura a higidez da prisão cautelar e o respeito aos direitos fundamentais da pessoa submetida à custódia do Estado.

Circunstâncias específicas
O ministro Edson Fachin acompanhou o relator, por considerar que, nos dois casos, há circunstâncias específicas que devem ser analisadas em cotejo com o princípio da duração razoável do processo, já que houve audiências de instrução e julgamento, interrogatórios dos réus e, em um deles, prolação de sentença condenatória. Como houve empate, a decisão adotada foi a mais benéfica aos réus.



Processo relacionado: HC 202579

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

 

STJ
 Período de livramento condicional deve ser computado no cálculo de extinção da pena

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o prazo de livramento condicional deve ser computado para a extinção da pena, observado o tempo máximo de cumprimento previsto no artigo 75 do Código Penal, independentemente de a condenação ter sido menor ou maior do que esse limite. "Um dia em livramento condicional corresponde a um dia em cumprimento de pena privativa de liberdade, exceto em hipótese de revogação", afirmou o ministro Joel Ilan Paciornik, relator do caso julgado.

O colegiado manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que, computando o período de condicional, declarou extinta a pena de um condenado por latrocínio, por ter alcançado o limite de 30 anos previsto pelo artigo 75 do CP na época dos fatos (antes do Pacote Anticrime).

Em recurso ao STJ, o Ministério Público estadual alegou que o cômputo do prazo para a extinção da pena deveria considerar apenas o período em que o apenado esteve recolhido ao sistema prisional, ou seja, não abrangeria o tempo que passou em condicional.

Segundo o MP, o apenado iniciou em 7 de agosto de 1992 o cumprimento da pena total de 34 anos e seis meses de reclusão, mas não chegou a cumprir a pena carcerária por 30 anos, pois está em condicional desde 2 de julho de 2011.

Prazo do livramento condicional é o restante da pena
O relator, ministro Joel Ilan Paciornik, explicou que o livramento condicional é regulado no Código Penal (artigos 83 a 90) e na Lei de Execução Penal – LEP (artigos 131 a 146), e deve ser aplicado ao apenado para que ele fique solto, mediante condições, por tempo determinado, denominado "período de prova" (artigo 26, II, da LEP). Ultrapassado o período de prova, ou seja, se o livramento condicional não for revogado, encerra-se seu período, sendo extinta a pena privativa de liberdade, conforme o CP e a LEP.

De acordo com o magistrado, embora a lei não traga previsão expressa do prazo de duração da condicional, é pacífica a compreensão de que o tempo do benefício corresponderá ao mesmo tempo restante da pena privativa de liberdade a ser cumprida.

"Assim, exemplificando, o apenado em 15 anos de reclusão que obtiver o livramento condicional após dez anos de cumprimento da pena privativa de liberdade terá período de prova estipulado em cinco anos. Cumpridos cinco anos de livramento condicional sem revogação, a pena privativa de liberdade será extinta", disse.

Efeitos da condicional devem ser os mesmos para todos
No caso em análise, o relator verificou que o condenado teve a pena estabelecida em montante superior ao limite de 30 anos admissível para cumprimento de pena vigente ao tempo dos fatos (artigo 75 do CP). O livramento condicional foi concedido após, aproximadamente, 19 anos de cumprimento.

A controvérsia, ressaltou, estava em definir se o período de prova deveria ser de 11 anos (observando-se o limite legal para a privação de liberdade) ou prazo superior (observando-se a pena total).

Para o ministro, por não haver resposta expressa no regramento legal, a solução requer a aplicação dos princípios da isonomia e da razoabilidade. Com base neles, o relator concluiu que "o instituto do livramento condicional deve produzir os mesmos efeitos para quaisquer dos apenados que nele ingressem, e tais efeitos não devem ser alterados no decorrer do período de prova, ressalvado o regramento legal a respeito da revogação, devendo o término do prazo do livramento condicional coincidir com o alcance do limite do artigo 75 do CP".

Benefício é forma de cumprimento da pena
Paciornik observou ainda que o Código Penal trata do livramento condicional em capítulo específico (Capítulo V) ao discorrer a respeito das penas (Título V), de forma desvinculada das penas privativas de liberdade (Capítulo I, Seção I). Entretanto, a LEP trata do livramento condicional na Seção V, dentro do Capítulo I, que é relativo às penas privativas de liberdade.

"Essa análise ampara uma interpretação no sentido de que o livramento condicional configura forma de cumprimento das penas privativas de liberdade, embora as condicionantes sejam restritivas de liberdade, consoante dispõe o artigo 132 da LEP", destacou.

Leia o acórdão no REsp 1.922.012.

REsp1922012

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Extradição após Pacote Anticrime

 

STF
 1ª Turma do STF firma entendimento a respeito de extradição após Pacote Anticrime

Por maioria dos votos, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que, para fins de extradição, o estado estrangeiro se comprometa a estabelecer pena máxima de 30 anos para o cumprimento de pena de extraditandos que praticaram crimes até 24/12/2019, quando o Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) foi sancionado. O artigo 75 do Código de Penal (CP) previa que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não poderia ser superior a 30 anos. Com o advento da Lei 13.964/2019, este prazo foi ampliado para 40 anos.

Irretroatividade

O entendimento foi fixado nesta terça-feira (19) no julgamento da Extradição (EXT) 1652. O pedido foi formulado pelo Governo do Chile contra o seu nacional Francisco Javier Zavala Díaz, acusado dos crimes de roubo e falsificação de documento praticados em 2016 e 2017.

A relatora, ministra Rosa Weber, verificou a existência dos requisitos necessários ao deferimento da extradição: a dupla tipicidade e a dupla punibilidade (a conduta ser considerada crime nos dois países). Com fundamento no princípio constitucional da irretroatividade da lei mais gravosa, a ministra observou que o tempo máximo de cumprimento da pena deve ser definido em 30 anos, uma vez que os fatos pelos quais o extraditando está sendo investigado ocorreram antes da alteração do Pacote Anticrime, em 2019.

Ao votar pelo deferimento da extradição, a ministra Rosa Weber condicionou a entrega do chileno à extinção de ação penal em curso na justiça brasileira, ressalvada eventual manifestação expressa do presidente da República em sentido contrário e observados os compromissos previstos no artigo 96 da Lei de Migração (Lei 13.445/2017), assumidos pelo Governo do Chile.

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

 

STJ
 Para Quinta Turma, configuração do crime tentado exige início da ação prevista no verbo do tipo penal

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que, para se configurar a modalidade tentada de um crime, é necessário que o agente comece a praticar a ação descrita pelo verbo correspondente ao núcleo do tipo penal.

Com esse entendimento, os ministros negaram provimento ao recurso em que o Ministério Público do Tocantins buscava a condenação de dois homens por tentativa de roubo. Eles foram flagrados pela polícia com uma arma de fogo, após romperem o cadeado e destruírem a fechadura de uma residência com o objetivo de roubá-la.

Para o colegiado, no entanto, a ação dos dois configurou meros atos preparatórios – o que impede a condenação por tentativa de roubo circunstanciado, uma vez que não iniciaram a ação de "subtrair", núcleo verbal do artigo 157 do Código Penal.

Divergência sobre a configuração do crime tentado
O relator, ministro Ribeiro Dantas, destacou que, segundo o artigo 14, II, do Código Penal, o crime é considerado tentado quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. "O texto legal é muito aberto, não trazendo maior clareza ou precisão a respeito de algo que concretamente possa indicar quando a execução de um crime é iniciada, talvez por não se tratar de uma missão humanamente simples, sendo ela objeto de debates também em outros países", ponderou.

Segundo o magistrado, a doutrina de Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli entende que o problema mais crítico da tentativa é determinar a diferença entre os atos executivos e os preparatórios. Os autores, afirmou, adotam o chamado critério objetivo-individual, para o qual a tentativa começa com a atividade do agente que, segundo o seu plano concretamente delitivo, se aproxima da realização.

Outra vertente, explicou Ribeiro Dantas, é uma variante do critério objetivo-individual que requer "comportamento manifestado em execução específica do tipo, segundo o plano do autor, numa conexão ou semelhança muito grande com a teoria objetivo-formal, que exige o início da realização do núcleo da norma penal incriminadora". De acordo com o relator, nessa perspectiva, seriam condutas meramente preparatórias dirigir-se ao local da subtração patrimonial (ainda que portando armas), montar mecanismo de arrombamento no local etc.

Não há jurisprudência dominante sobre o tema
Apesar de não haver jurisprudência dominante a respeito da questão, o ministro apontou precedente em que a Terceira Seção analisou o caso de duas pessoas que foram presas, armadas, em frente a uma agência dos Correios e confessaram a intenção de cometer um assalto, depois de terem observado o ponto por alguns dias para saber o horário dos malotes de uma instituição financeira. Por não reconhecer a tentativa de roubo à agência da empresa pública, a seção afastou a competência da Justiça Federal.

Naquele julgamento, destacou Ribeiro Dantas, o colegiado consignou que não se poderia imputar aos réus a prática de roubo circunstanciado tentado, pois em nenhum momento ocorreu o início da conduta tipificada no artigo 157 do Código Penal.

"A despeito da controvérsia doutrinária e da abertura legal, o que afasta a existência de uma única resposta certa para fixar o entendimento jurídico sobre a matéria, parece ser possível empregar o mesmo raciocínio do julgado acima transcrito, entendendo que esta corte tem a tendência de seguir a corrente objetivo-formal, exigindo o início da prática do verbo correspondente ao núcleo do tipo penal para a configuração da tentativa", concluiu.

Leia o acórdão no AREsp 974.254.

AREsp974254

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

 

STJ
 É incabível a realização de interrogatório virtual de réu foragido, decide Sexta Turma

A Sexta Tuma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, denegou habeas corpus impetrado por um réu que alegou nulidade do processo por falta de interrogatório, após o indeferimento de sua inquirição de forma virtual enquanto estava foragido.

Relator do habeas corpus, o ministro Sebastião Reis Júnior afirmou que não se aplica ao caso analisado o artigo 220 do Código de Processo Penal – que estabelece que pessoas impossibilitadas por enfermidade ou velhice sejam inquiridas onde estiverem –, pois, como destacado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), isso significaria "premiar a condição de foragido".

O réu teve a prisão preventiva decretada ainda durante o inquérito, sob a acusação de latrocínio e associação criminosa. Além da nulidade, a defesa requereu a revogação da prisão preventiva por excesso de prazo para a conclusão da instrução processual, afirmando que a audiência de instrução e julgamento – quando o réu já estava preso – teve de ser desmarcada três vezes, por falta de transporte.

Em petição na qual comunicou a prisão do acusado, durante a tramitação do habeas corpus, a defesa alegou que o ato seria ilegal devido à não realização de audiência de custódia.

Réu constava como procurado desde a decretação da prisão
Ao proferir seu voto, Sebastião Reis Júnior observou que, desde a decretação da prisão preventiva, o réu não mais havia sido localizado, passando a constar como procurado. No entender do ministro, não é possível aplicar à sua situação o artigo 220 do CPP, já que ele não se enquadra nas hipóteses de incidência da norma – velhice ou enfermidade.

Acerca do excesso de prazo, o relator disse que o TJSP considerou justificada a remarcação de audiências e afastou a alegada desídia do juízo de primeiro grau. Para o ministro, os fundamentos da prisão cautelar já foram exaustivamente examinados e mantidos em outros habeas corpus, inclusive com base na gravidade concreta do crime supostamente praticado.

Ao negar o habeas corpus, Sebastião Reis Júnior observou ainda que as alegações de nulidade da prisão, por falta da audiência de custódia, "devem ser suscitadas em autos próprios, perante o juízo competente".


Leia o acórdão no HC 640.770.

 

STF
 Ministro Gilmar Mendes determina soltura de condenado apenas com base em reconhecimento fotográfico

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a soltura de R.R.S., condenado por roubo tendo como prova apenas o reconhecimento fotográfico realizado, inicialmente, por meio do aplicativo WhatsApp. A decisão liminar foi proferida no Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 206846.

WhatsApp

De acordo com os autos, quatro pessoas tiveram um par de óculos, uma carteira, um aparelho celular, um relógio e R$ 100 roubados por três homens numa avenida em São Paulo (SP). Uma hora após o crime, R.R.S. foi abordado por um policial, que o fotografou e, pelo WhatsApp, enviou a imagem aos policiais que estavam com as vítimas, que o reconheceram. Em seguida, ele foi levado à delegacia, onde foi feito o reconhecimento pessoal, renovado em juízo, o que resultou em sua condenação a oito anos, dez meses e 20 dias de reclusão, por roubo com arma de fogo e em concurso de agentes.

Presunção de inocência

Após a condenação, a Defensoria Pública da União (DPU) apresentou habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que indeferiu o pedido. No recurso apresentado ao STF, a DPU sustenta que o condenado, em momento nenhum, foi tratado como investigado. “Desde a abordagem policial, fora dado por culpado e teve furtado de si o constitucional pressuposto da presunção de inocência”, argumenta.

Situação de dúvida

Em sua decisão, o ministro observou que, embora se trate de um RHC substitutivo de revisão criminal, a liminar deve ser deferida, em razão da aparente ilegalidade verificada no reconhecimento fotográfico pré-processual. Ainda que seja possível que os agentes tenham se separado e dispensado os objetos roubados e a arma antes da chegada da polícia, o ministro ressaltou que nenhum outro elemento corrobora as declarações das vítimas, que afirmaram reconhecer o suspeito, inicialmente, por foto recebida via WhatsApp.

Mendes também destacou que não há nos autos nenhuma explicação para que R.R.S. tenha sido fotografado na abordagem, já que nada fora encontrado com ele. A falta de outros elementos que corroborem os depoimentos das vítimas, a seu ver, gera “uma situação de dúvida”.

Reconhecimento viciado

Segundo o ministro, o caso é semelhante a um precedente julgado na Primeira Turma do STF (RHC 176025), em que o colegiado decidiu que o reconhecimento fotográfico, mesmo quando confirmado em juízo, não é prova idônea para fundamentar uma condenação se não houver outros elementos probatórios. No seu entendimento, a DPU tem razão ao afirmar que, no caso concreto, o reconhecimento judicial está viciado pelo reconhecimento fotográfico realizado por WhatsApp, somado ao fato de que não há nenhuma outra prova que confirme a autoria do delito.

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

 


STJ
 Baseada em novo entendimento, Sexta Turma anula provas obtidas em invasão policial na casa do suspeito

Com fundamento em recente precedente do colegiado, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as provas obtidas pela polícia após a invasão do domicílio de um suspeito de tráfico de drogas. Por unanimidade, os ministros acolheram o pedido da defesa, segundo a qual a polícia entrou na casa sem autorização.

De acordo com o entendimento da Sexta Turma no Habeas Corpus 598.051, a autorização do morador para ingresso em domicílio, quando não houver mandado judicial, deve ser registrada pelos policiais em áudio e vídeo, para não haver dúvida acerca desse consentimento nem da legalidade da ação. Além disso, a entrada deve ter fortes razões que a justifiquem, não bastando a referência à desconfiança policial ou mera atitude suspeita.

Segundo o processo, a polícia foi até a residência do suspeito a partir de denúncias anônimas de que ele estaria traficando e cultivando maconha no local. Os policiais alegaram ter avistado uma estufa por cima do muro de uma casa vizinha e sentido forte cheiro de maconha.

Essa foi a justificativa para a entrada na residência do vizinho, a partir da qual a polícia acessou o imóvel do suspeito. Os policiais apreenderam mudas e plantas grandes de maconha, sacolas de planta já seca e uma balança de precisão, entre outros objetos – provas que fundamentaram a condenação por tráfico de drogas.

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) considerou legal o ingresso da polícia nas residências, a partir da informação de que os agentes teriam sido autorizados pelos moradores e agido em situação de flagrância de crime permanente.

Polícia teve a oportunidade de solicitar mandado judicial
O ministro Antonio Saldanha Palheiro, relator no STJ, afirmou que essas razões não sustentam o ingresso forçado na casa onde foram apreendidas as drogas, pois, diante das denúncias, seria possível que a polícia solicitasse um mandado judicial.

"Conforme declarado pelos próprios agentes, houve diversas denúncias de que na residência se praticava o tráfico de drogas, além de ser possível visualizar a estufa de fora da casa, circunstâncias que demonstram ser plenamente possível a solicitação de mandado judicial para busca e apreensão, o que não ocorreu" – observou o relator, considerando que nada indicava a urgência do ingresso no imóvel.

Para o magistrado, a decisão do TJPR foi contrária ao mais recente entendimento da Sexta Turma do STJ, segundo o qual o consentimento para ingresso dos policiais sem mandado deve ser comprovado pelo Estado. Além disso, não se verificou a justa causa para a ação policial, pois, em conformidade com aquele precedente, a invasão domiciliar sem mandado exige uma situação anterior que leve à conclusão sobre a ocorrência de crime no local e sobre a necessidade de sua interrupção imediata.

Ao reforçar o entendimento pela anulação das provas, Antonio Saldanha Palheiro destacou que os policiais também entraram na residência vizinha sem o consentimento comprovado do morador – fato que, por si só, já seria suficiente para gerar a nulidade de todos os atos seguintes, em razão da teoria dos frutos da árvore envenenada.

Leia o acórdão no HC 561.988.

HC561988

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Provimento estabelece regras para retorno das audiências de custódia

 

JSP



A Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo e a Corregedoria Geral da Justiça editaram, ontem (28), o Provimento Conjunto nº 46/21, que estabelece regras para a realização de audiências de custódias, previstas para retornarem a partir do dia 4/10.

O provimento aborda pontos como horário de realização, composição das equipes e protocolo para presos que apresentem sintomas de Covid-19. As audiências de custódia serão realizadas por videoconferência (observado o artigo 19 da Resolução CNJ nº 329/20, com a redação dada pela Resolução CNJ nº 357/20 ). Nos dias úteis, nas comarcas sem a estrutura exigida, as audiências de custódia deverão ocorrer na forma presencial. Nos plantões de final de semana e feriados, que serão realizados na forma remota, a análise de prisão observará os termos dos artigos 8º e 8ª-A da Recomendação CNJ nº 62/20, com vigência prorrogada pela Recomendação CNJ nº 91/21, e do Comunicado CG nº 250/20.

Confira a íntegra do Provimento Conjunto nº 46/21,.

Supremo define percentual para progressão de regime em crime hediondo no caso de reincidência por crime comum

 

STF
 

O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou o entendimento de que o percentual a ser aplicado para a progressão de regime de condenado por crime hediondo ou equiparado, sem morte, que seja reincidente por crime comum é de 40%. A decisão se deu no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1327963, que teve repercussão geral reconhecida (Tema 1169) e mérito julgado no Plenário Virtual.

No caso concreto, trata-se de um condenado por tráfico de drogas que já tinha sido apenado pelo crime de furto. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou o cumprimento da fração de 60% da pena para a obtenção da progressão de regime.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) retificou o cálculo para 40%, previsto no artigo 112, inciso V, da Lei de Execução Penal (LEP). Contra essa decisão, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou o ARE ao Supremo.

Progressão

Em sua manifestação pelo reconhecimento da repercussão geral e pela reafirmação da jurisprudência, o relator, ministro Gilmar Mendes, explicou que o Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) alterou o artigo 112 da LEP em relação à progressão de regime de condenados, prevendo três situações relevantes. Uma é o caso de primário condenado por crime hediondo (40% para progressão); outra é referente aos primários condenados por crime hediondo ou equiparado, com resultado morte ou em posição de comando da organização criminosa (50% para progressão); por fim, a hipótese de reincidente específico na prática de crime hediondo, ou seja, pessoa condenada reiteradamente por crime hediondo (60% para progressão).

Omissão

No entanto, a lei não trata da situação de pessoa condenada anteriormente por crime não hediondo e, em seguida, por crime hediondo, ou seja, reincidente não específico. Não havendo previsão exata na norma, impõe-se a sua interpretação tendo em vista a primazia da posição mais favorável à defesa (no caso, 40%).

De acordo como o relator, a Constituição Federal (artigo 5º, incisos XXXIX e XL) estabelece que não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia imposição legal e que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. “Trata-se de postura inerente ao respeito da isonomia e da presunção de inocência, de modo que eventual tratamento mais benéfico concedido pelo Estado deve ser generalizado a todas as pessoas a quem possa ser aplicado”, salientou.

Tese

A tese fixada no julgamento foi a seguinte: “Tendo em vista a legalidade e a taxatividade da norma penal (artigo 5º, XXXIX, CF), a alteração promovida pela Lei 13.964/2019 no artigo 112 da LEP não autoriza a incidência do percentual de 60% (inciso VII) aos condenados reincidentes não específicos para o fim de progressão de regime. Diante da omissão legislativa, impõe-se a analogia in bonam partem, para aplicação, inclusive retroativa, do inciso V do artigo 112 da LEP (lapso temporal de 40%) ao condenado por crime hediondo ou equiparado sem resultado morte reincidente não específico”.

A decisão quanto ao reconhecimento da repercussão geral foi unânime. Já no mérito, a manifestação do relator, negando provimento ao RE do Ministério Público Federal e reafirmando a jurisprudência, foi seguida por maioria, vencido o presidente do STF, ministro Luiz Fux.


quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Tribunal Regional Federal da 6ª Região

 

Senado aprova criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, sem aumento de despesas

O Senado Federal aprovou nesta quarta-feira (22) a criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), com sede em Belo Horizonte, para atender Minas Gerais. O Projeto de Lei 5.919/2019 é de iniciativa do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e cria o novo tribunal sem aumentar as despesas com o Judiciário federal.

Segundo o presidente do STJ e do Conselho da Justiça Federal (CJF), ministro Humberto Martins, a iniciativa é um exemplo concreto de como racionalizar o funcionamento da Justiça. "O TRF6 está sendo criado sem novos gastos para o contribuinte e vai desafogar o tribunal mais sobrecarregado do país, que é o TRF1, responsável por uma demanda desumana de processos", avaliou Martins.

Inspiração para iniciativas futuras
O relator do projeto no Senado, Antonio Anastasia (PSD-MG), destacou o fato de a proposta não gerar custos adicionais e disse que o modelo adotado pode servir de inspiração para futuras iniciativas de descentralização da Justiça no Brasil.

"A criação da sede em Belo Horizonte significará não apenas uma tramitação mais célere de processos, que chegam a durar mais de uma década, mas o acesso das pessoas à Justiça", comentou o senador, lembrando que Minas Gerais responde por mais de 30% de todos os processos que tramitam no TRF1.

Pela manhã, o projeto foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, seguindo imediatamente para o plenário. Agora, o texto será remetido à sanção do presidente da República.

O presidente do STJ agradeceu o empenho dos senadores Antonio Anastasia e Davi Alcolumbre (DEM-AP) – este último, presidente da comissão – na tramitação do projeto.

Humberto Martins também agradeceu o trabalho do ministro João Otávio de Noronha, presidente do STJ de 2018 a 2020, pela criação do TRF6. O projeto foi apresentado durante a gestão de Noronha, e segundo o atual presidente, ele não mediu esforços para que o tribunal fosse criado. Martins afirmou que a nova corte regional poderá ser instalada ainda na atual gestão do STJ e do CJF.

Reorganização do CJF
Até aqui, a jurisdição federal de segunda instância em Minas Gerais era de competência do TRF1, responsável ainda por outras 13 unidades federativas (Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima, Tocantins e Distrito Federal).

Outro tema do projeto aprovado é uma reorganização do CJF, aumentando de três para quatro o número de ministros do STJ em sua composição, fora o presidente e o vice-presidente do tribunal, que são membros natos.

Humberto Martins informou que ainda neste ano, segundo entendimento firmado com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e outras lideranças políticas, deve ser aprovada a PEC da Relevância, proposta de mudança do artigo 105 da Constituição com o objetivo de criar mais um requisito de admissibilidade do recurso especial: a exigência de demonstração da relevância da questão federal discutida.

Conforme a proposta, a admissão do recurso somente poderá ser recusada pela manifestação de dois terços dos integrantes do colegiado competente para o julgamento. Na visão de Martins, essa alteração contribuirá de forma significativa para dar celeridade à Justiça.

Sobre o novo tribunal
Pelo projeto, o TRF6 abrangerá o estado de Minas Gerais e contará com 18 juízes, cujos cargos serão criados por transformação de outros 20 cargos vagos de juiz substituto do TRF1, e cerca de 200 cargos em comissão.

O TRF6 ficará, inicialmente, com a média de porcentagem do orçamento da seção judiciária de Minas Gerais nos últimos cinco anos, podendo haver um complemento até o limite do teto de gastos, de acordo com as regras da Emenda Constitucional 95.

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

TJSP exige comprovante de vacinação para entrada em prédios do tribunal

 Obrigação vale para todos que precisem ingressar nos prédios da corte, inclusive advogados, estagiários e público em geral

O presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), Geraldo Francisco Pinheiro Franco, determinou, em portaria que será publicada nesta terça-feira (21/9), a exigência de comprovante de vacinação contra a Covid-19 para entrar em prédios do tribunal a partir da próxima segunda-feira (27/9).

A obrigação será de, ao menos, a primeira dose da vacina — considerado o calendário de vacinação — e vale para todos: servidores, membros do Ministério Público, defensores públicos, advogados, estagiários, funcionários de restaurantes, bancos, lanchonetes e público em geral. A medida vale apenas para maiores de 18 anos.

Serão considerados válidos para a comprovação o certificado digital de vacina do Sistema Único de Saúde (disponível na plataforma Conecte SUS) e comprovante/caderneta/cartão de vacinação impresso em papel timbrado.

Nos casos de audiências ou outros atos processuais previamente designados, o magistrado responsável será imediatamente comunicado do impedimento de ingresso de quem deles participaria, definiu Franco.

O presidente determinou que caberá ao setor de administração predial a adoção das providências necessárias para cumprir o ato, controlando a entrada do público nas dependências do TJ mediante apresentação de comprovante vacinal juntamente com documento oficial com foto.

Se alguém tiver contraindicação à vacina, deverá apresentar relatório médico, justificando o motivo de não poder se vacinar, ordenou a portaria.


Posse de utensílios para cultivo de maconha destinada a consumo próprio não justifica ação penal


O artigo 34 da Lei 11.343/2006, que pune a posse de equipamentos para a fabricação de entorpecentes, está vinculado ao narcotráfico, e não pode ser aplicado contra quem possui utensílios usados no cultivo de plantas destinadas à produção de pequena quantidade de droga para uso pessoal.

Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou o trancamento parcial da ação penal contra um homem denunciado por possuir instrumentos usados no plantio de maconha e na extração de óleo de haxixe. Ele continuará a responder apenas pela posse de drogas para consumo próprio (artigo 28 da Lei de Drogas), pois tinha em depósito 5,8g de haxixe e oito plantas de maconha.

A ministra Laurita Vaz, relatora do recurso em habeas corpus, explicou que o artigo 34 da lei tem o objetivo de punir os atos preparatórios para o tráfico de drogas (descrito no artigo 33). Em consequência, o crime do artigo 34 é absorvido pelo do artigo 33 quando as ações são praticadas no mesmo contexto, mas, segundo a ministra, ele também pode se configurar de forma autônoma, desde que fique provado que os equipamentos em poder do réu se destinavam a produzir drogas para o tráfico, representando risco para a saúde pública.

MP não denunciou o réu por tráfico
No caso em julgamento, porém, a relatora apontou que o próprio Ministério Público entendeu que os entorpecentes encontrados no local se destinavam ao consumo pessoal – tanto que o réu foi denunciado pelo artigo 28, e não pelo 33.

Em seu voto, a ministra ainda ressaltou que o réu apresentou receita médica estrangeira com a prescrição de uso do óleo da maconha. Ainda que essa prescrição não torne lícita a conduta de cultivar a planta e extrair o óleo no Brasil, ela comentou que tal circunstância reforça a conclusão de que os instrumentos realmente se destinavam à produção para uso próprio.

Para Laurita Vaz, embora o delito do artigo 34 da Lei de Drogas possa subsistir de forma autônoma, não é possível que o agente responda por esse crime se a posse dos instrumentos constitui ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente, e não ao tráfico. A ministra destacou que o artigo 28 prevê tratamento mais brando para quem é usuário (advertência, prestação de serviços ou comparecimento a programa educativo), não se justificando punir com mais rigor as ações que antecedem o consumo pessoal.

"Se a própria legislação reconhece o menor potencial ofensivo da conduta do usuário que adquire drogas diretamente no mercado espúrio de entorpecentes, não há como evadir-se à conclusão de que também se encontra em situação de baixa periculosidade o agente que sequer fomentou o tráfico, haja vista ter cultivado pessoalmente a própria planta destinada à extração do óleo, para seu exclusivo consumo", afirmou.

Risco de um contrassenso jurídico
A ministra observou também que o parágrafo 1º do artigo 28 da Lei de Drogas manda aplicar as mesmas penalidades mais brandas a quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de droga para uso pessoal.

"Logo, considerando que as penas do artigo 28 da Lei de Drogas também são aplicadas para quem cultiva a planta destinada ao preparo de pequena quantidade de substância ou produto (óleo), seria um contrassenso jurídico que a posse de objetos destinados ao cultivo de planta psicotrópica, para uso pessoal, viesse a caracterizar um crime muito mais grave, equiparado a hediondo e punido com pena privativa de liberdade de três a dez anos de reclusão, além do pagamento de vultosa multa", disse a ministra.

Para a magistrada, quem cultiva uma planta, naturalmente, faz uso de ferramentas típicas de plantio, "razão pela qual se deve concluir que a posse de tais objetos está abrangida pela conduta típica prevista no parágrafo 1º do artigo 28 da Lei 11.343/2006 e, portanto, não é capaz de configurar delito autônomo".

RHC135617

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

 

STJ
 Proibição de substituição da pena por causa de reincidência só ocorre em crimes idênticos

O impedimento absoluto à substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, por causa de reincidência do réu (artigo 44, parágrafo 3º, do Código Penal), só é aplicável no caso da reincidência no mesmo crime (constante do mesmo tipo penal). Nos demais casos de reincidência – como em crimes de mesma espécie, que violam o mesmo bem jurídico, mas constam de tipos diferentes –, cabe ao Judiciário avaliar se a substituição é ou não recomendável em virtude da condenação anterior.

A tese foi estabelecida pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), superando entendimento anterior de que a reincidência em crimes da mesma espécie impediria, de forma absoluta, a substituição da pena privativa de liberdade.

De acordo com o artigo 44, parágrafo 3º, do Código Penal, se o condenado for reincidente, o juízo poderá aplicar a substituição da pena, desde que, diante da condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não esteja relacionada à prática do mesmo crime.

Interpretação da expressão "mesmo crime"
O relator do recurso julgado pela Terceira Seção, ministro Ribeiro Dantas, apontou que o princípio da vedação à analogia em prejuízo do réu (in malam partem) recomenda que não seja ampliado o conceito de "mesmo crime". O magistrado lembrou que toda atividade interpretativa parte da linguagem adotada no texto normativo – o qual, embora tenha ocasional fluidez ou vagueza em seus textos, apresenta "limites semânticos intransponíveis".

"Existe, afinal, uma distinção de significado entre 'mesmo crime' e 'crimes de mesma espécie'; se o legislador, no particular dispositivo legal em comento, optou pela primeira expressão, sua escolha democrática deve ser respeitada", afirmou, concluindo que "mesmo crime" deve ser interpretado como "crime do mesmo tipo penal".

Segundo o relator, se o artigo 44, parágrafo 3º, do Código Penal vedasse a substituição da pena de reclusão nos casos de reincidência específica, seria realmente defensável a ideia de que o novo cometimento de crime da mesma espécie impediria o benefício legal. Entretanto – ponderou –, o legislador utilizou a expressão "mesmo crime", em vez de "reincidência específica", criando na lei uma delimitação linguística que não pode ser ignorada.

Texto dá margem a situações incoerentes
Ribeiro Dantas reconheceu que a interpretação adotada até agora pelo tribunal evitava situações incoerentes, como na hipótese de um réu condenado por dois crimes de furto simples (artigo 155, caput, do CP), que não teria direito à substituição de pena por causa da vedação absoluta prevista no artigo 44, parágrafo 3º, do código; porém, se o segundo crime fosse um furto qualificado (artigo 155, parágrafo 4º), ele poderia ser beneficiado com a substituição, desde que a pena não ultrapassasse quatro anos.

"Em outras palavras, o cometimento de um segundo crime mais grave poderia, em tese, ser mais favorável ao acusado, em possível violação ao princípio constitucional da isonomia", apontou. No entanto, o ministro afirmou que essa incongruência da lei "é matéria político-legislativa, a ser corrigida mediante os meios e processos da democracia", e não por uma interpretação judicial contrária ao réu – "algo incabível no processo penal". No Poder Judiciário, disse ele, "impõe-se respeitar os limites lexicais dos textos normativos e assim aplicá-los".

No caso analisado pela Terceira Seção, o magistrado apontou que o réu foi condenado pelo crime de receptação, e, mesmo sendo a pena menor do que quatro anos de reclusão, a substituição foi negada pelo tribunal de origem em razão de crime anterior de roubo.

Nessa hipótese, embora a substituição fosse possível diante da nova orientação do colegiado, Ribeiro Dantas destacou que o crime de roubo tem a violência ou a grave ameaça como elemento típico objetivo, o que leva à conclusão – como também entendeu a corte estadual – de que o benefício não seria socialmente recomendável.

Leia o acórdão no AREsp 1.716.664.


AREsp1716664


Reconhecimento Pessoal em Processos Criminais

 

CNJ
 Grupo vai aprimorar reconhecimento pessoal em processos criminais

Sempre que uma pessoa inocente é acusada e condenada por um crime que não cometeu, ocorre uma dupla injustiça: a penalização da inocente e a impunidade da pessoa culpada. E as falhas no reconhecimento pessoal em processos criminais se incluem entre os principais fatores que concorrem para que esse tipo de injustiça seja recorrente nas prisões brasileiras.

Em estudo recente realizado em 10 estados, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) apurou que 60% dos casos de reconhecimento fotográfico equivocado em sede policial implicaram na decretação da prisão preventiva. O tempo médio dessas prisões foi de 281 dias – aproximadamente 9 meses.

O levantamento também revelou que, em 83% dos casos de reconhecimento equivocado, as pessoas apontadas eram negras. O levantamento conclui que o reconhecimento pessoal em processos criminais é marcado pela seletividade do sistema penal e pelo racismo estrutural que impera no país.

O tema estimulou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a agir para superar esses desafios. O grupo de trabalho instituído na terça-feira (31/8) vai traçar protocolos para evitar a condenação de pessoas inocentes. Constituído por 26 especialistas – representantes do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da segurança pública, da advocacia e de outras instituições -, o grupo vai realizar estudos e elaborar proposta de regulamentação de diretrizes e procedimentos para o reconhecimento pessoal em processos criminais.

A coordenação dos trabalhos caberá ao ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Machado Cruz, que avalia que os procedimentos para o reconhecimento pessoal em processos criminais, determinados pelo Código de Processo Penal (CPP), não são seguidos com rigor. Ele aponta que o CPP estabelece que a testemunha deve, antes de tudo, fornecer as características da pessoa que será reconhecida. Em seguida, ela deve ser levada a um local onde a pessoa suspeita estará ao lado de outras, se possível parecidas. E ali ela deve apontar a pessoa que é a suposta autora do fato.

“Na prática, o que se observava é que a pessoa não descreve antes, é levada a um local onde só está o suspeito para ser reconhecido. E esse suposto autor é praticamente indicado pela autoridade policial, que pergunta se é aquele indivíduo”, afirma. O ministro também cita casos de reconhecimentos em que uma pessoa negra é colocada entre pessoas brancas e de reconhecimentos fotográficos com o retrato do suspeito enviado por e-mail para a vítima, o que é uma prática indutora.

Schietti destaca que o Poder Judiciário percebeu que é elevado o número de pessoas que estão sendo condenadas apenas com base nessas provas. “Posteriormente, constatou-se, em revisões criminais, que cerca de 2/3 dos casos continham erros judiciais.”

Jurisprudência

Responsável pelo julgamento de um dos casos emblemáticos (HC nº 598.886 – SC) de revisão criminal em caso de reconhecimento pessoal, Schietti explica que o STJ resolveu ser literal na interpretação da lei e estabeleceu jurisprudência. No caso específico do HC, o cidadão foi condenado a 5 anos e 4 meses de prisão com base, exclusivamente, em reconhecimento fotográfico extrajudicial realizado pelas vítimas.

As vítimas indicaram que o autor praticou o assalto encapuzado e somente com os olhos descobertos e que ele teria altura de 1,70 m. O condenado, porém, possui 1,95 m de altura, 25 centímetros a mais do que o apontado pelas vítimas.

Para o ministro, se o reconhecimento não for feito de acordo com a lei, ele é inválido. “Não se pode sustentar uma condenação a menos que exista outras provas. Nós decidimos também que o reconhecimento fotográfico é mais falho ainda, porque ele quase sempre é feito a partir de fotos de prontuários policiais de catálogo de delegacias, que têm os suspeitos de sempre.”

Segundo o magistrado, o reconhecimento em que a vítima é chamada a olhar catálogos para ver se identifica alguém – e aponta quando encontra uma pessoa parecida -, cria uma instabilidade. “É uma insegurança muito grande, uma falibilidade da prova com reflexos traumáticos e definitivos, porque é a liberdade de alguém que acaba suprimida.”

Falhas

As falhas no reconhecimento pessoal em processos criminais, porém, não se restringem ao Brasil. Levantamento realizado pelo Innocence Project nos Estados Unidos indica que os reconhecimentos pessoais equivocados são a causa dos erros judiciais em 69% dos casos em que houve a revisão das condenações, após realização do exame de DNA.

Schietti ressalta que o Brasil tem uma tradição de provas muito pouco exigentes quanto ao que é classificado como standard probatório. “Nos contentamos, por exemplo, com reconhecimento com provas orais que poderiam ser confirmadas por uma perícia. E não exigimos que seja feita a perícia. O objetivo do grupo de trabalho é reavaliar essas questões.”

De acordo com ele, é preciso considerar que existem fatores psicológicos e emocionais que tornam essas provas questionáveis, do ponto de vista científico. Uma pessoa que foi vítima de um roubo está numa permanente tensão – em algumas situações estão até com medo de morrer. “Há casos em que ela pode estar com uma arma apontada para a cabeça e, geralmente, ela não pode ficar visualizando o rosto do réu, que manda ela olhar para outro lado, às vezes ele está de capuz ou está com algum disfarce.”

As ações criminosas, observa, precisam ter um processo de identificação rápido. “Semanas, ou até meses depois, essa pessoa é chamada numa delegacia para apontar alguém como tendo sido autor do fato. Isso é algo muito subjetivo, pois há interferência de emoções, há interferência da memória, que é falível. Além de induções. Tudo isso torna essa prova absolutamente frágil. É cientificamente frágil para sustentar uma condenação.”

O ministro também aponta que há uma tendência do ser humano em validar algum ato anterior, o que é explicado pela psicologia. “Se uma vítima aponta um suspeito na investigação, ela tende a confirmar, em juízo, que reconheceu aquela pessoa. O mesmo ocorre com o policial que efetua uma prisão. A tendência é manter a história de que ele prendeu naquelas circunstâncias que inicialmente narrou.”

Ações

Um dos produtos que será desenvolvido pelo grupo de trabalho é um Protocolo de Boas Práticas de Reconhecimento, com orientações sobre o tema. Também é objetivo criar ferramentas que estimulem as escolas da magistratura a desenvolverem ações de capacitação e aperfeiçoamento sobre reconhecimento pessoal. E especialistas serão convidados para dividir experiências e conhecimento, permitindo desenvolver novas rotinas e procedimentos que são mais adequados.

Schietti destaca que, apesar de a atuação normativa do colegiado ser endereçada à magistratura, acabará refletindo no Ministério Público e nas polícias, que se guiarão pelos mesmos princípios. “Quem avalia a prova é o juiz e é importante que ele possa ter a segurança que esse reconhecimento foi feito de acordo com as diretrizes que nós iremos estabelecer”, explica. Ele ressalta que os estudos vão esclarecer o que o CPP já prevê. “Precisamos de uma normatização cogente, de diretrizes que sirvam de orientação para todos que operam no sistema de Justiça Criminal.”

Jeferson Melo
Agência CNJ de Notícias

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

 

STF definirá elementos necessários para condenação por crime de redução a condição análoga à de escravo

O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá definir os elementos para que se configure o delito de redução a condição análoga à de escravo e quais são as provas necessárias para condenações por esse crime, previsto no artigo 149 do Código Penal. Por maioria de votos, o Plenário reconheceu a existência de repercussão geral (Tema 1158) da matéria, discutida no Recurso Extraordinário (RE) 1323708.

“Realidade rústica”

O recurso foi interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) contra decisão da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que absolveu um proprietário de fazendas no Pará do crime de redução de 43 trabalhadores a condição análoga à de escravo. Segundo o TRF-1, a produção de provas foi deficiente, diante da ausência de depoimentos das vítimas, e a acusação teria se valido de elementos “comuns na realidade rústica brasileira”, como alojamentos coletivos e precários e falta de água potável, de instalações sanitárias e de equipamentos de primeiros socorros.

Para o Tribunal Regional, a condenação só se justificaria em casos mais graves, em que o trabalhador seja efetivamente rebaixado na sua condição humana e submetido a constrangimentos econômicos, pessoais e morais inaceitáveis.

Condição degradante

No recurso, o MPF sustenta que as condições em que os trabalhadores foram encontrados não podem ser consideradas “mera realidade local” e se enquadram na conduta tipificada no artigo 149 do Código Penal, que equipara ao trabalho escravo aquele exercido em condições degradantes. A decisão do TRF-1, a seu ver, beneficia os trabalhadores urbanos e prejudica os rurais, que, mesmo que estejam em localidades distantes, onde a presença do Estado é mais difícil, não podem ser submetidos a condições laborais e de habitação menos civilizadas. Para o MPF, se as condições retratadas nos autos não forem reconhecidas como degradantes, o trabalho em condições análogas à de escravo não terá fim no meio rural.

Repercussão geral

O presidente do STF, ministro Luiz Fux, relator do recurso, observou que o caso diz respeito à diferenciação das condições necessárias à sua tipificação como degradantes em razão da realidade local em que o trabalho é realizado e, ainda, sobre o chamado standard probatório (quantidade de provas necessárias) para a condenação pelo crime. Assim, o STF terá de decidir a matéria com base nas normas constitucionais referentes à dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho, aos objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária e de redução das desigualdades sociais e regionais.

Segundo Fux, o Estado Democrático de Direito não deve demonstrar complacência diante dos “numerosos e inaceitáveis casos de violação aos direitos humanos” em relação a trabalhadores rurais e urbanos brasileiros. “Quase 132 anos após a abolição da escravatura no Brasil, situações análogas ao trabalho escravo ainda são registradas”, afirmou.

Dados

Segundo ele, o Ministério Público do Trabalho (MPT) tem, hoje, 1,7 mil procedimentos de investigação dessa prática e de aliciamento e tráfico de trabalhadores em andamento. Ainda de acordo com estatísticas do MPT, entre 2003 e 2018, cerca de 45 mil trabalhadores foram resgatados e libertados do trabalho análogo à escravidão no Brasil.

Jurisprudência

Fux citou também decisões do STF no sentido de que o crime previsto no artigo 149 do Código Penal está configurado no caso de situações de ofensa constante aos direitos básicos do trabalhador, como a submissão a trabalhos forçados, a jornada exaustiva e as condições degradantes de trabalho. Assim, não é necessário que haja o cerceamento da liberdade de ir e vir do trabalhador.