Palavra de Mariana Ferrer não basta para condenar empresário por estupro, diz juiz
3 de novembro de 2020, 17h30
Em crimes contra a
dignidade sexual, a palavra da vítima tem mais peso. Mas não basta para
fundamentar uma condenação. Para isso, é preciso que seja corroborada por
outras provas.
Por entender que a
acusação de estupro contra o empresário André Aranha só é baseada nos relatos da influencer Mariana
Ferrer e sua mãe, a 3ª Vara Criminal de Florianópolis o absolveu em respeito ao
princípio in dubio pro reo. A decisão é de 9 de setembro.
O Ministério Público
de Santa Catarina denunciou Aranha por estupro de vulnerável (artigo 217-A, parágrafo
1º, do Código Penal. Isso pelo fato de o empresário supostamente ter praticado
conjunção carnal com Mariana quando ela "não possuía condições de oferecer
resistência ao ato".
A alegação de que a
promoter havia sido dopada ou embriagada, contudo, não foi respaldada pelos
exames clínicos, pelas câmeras da boate nem pelas pessoas que com ela
estiveram. Mariana só se deu conta de que havia sido estuprada, segundo
informou, quando chegou em casa.
Na denúncia, o MP-SC
afirmou que, em dezembro de 2018, na boate Café de La Musique, em
Florianópolis, Aranha, ciente que Mariana, então com 21 anos, era incapaz de
oferecer resistência, a levou a um camarote. Lá, segundo a promotoria, teve
relação sexual não consensual com a influencer, que era virgem e
teve seu hímen rompido.
Porém, em alegações
finais, o MP-SC pediu a absolvição do empresário por atipicidade da conduta
— argumento semelhante ao de sua defesa.
Relatos de
testemunhas
Na sentença, o juiz
Rudson Marcos afirmou que, para a configuração do estupro de vulnerável, é
necessário que a vítima não tenha condições físicas ou psicológicas de
oferecer resistência à investida sexual e que haja dolo na conduta do agressor
e ciência da vulnerabilidade do alvo.
O julgador mencionou
trecho do livro Direito Penal esquematizado, volume 3: parte especial,
artigos 213 ao 359-H (Método), de Cleber Masson. Na passagem, Masson
diz a vulnerabilidade tem natureza objetiva. Dessa maneira, a pessoa é ou
não vulnerável se reunir ou não as peculiaridades indicadas pelo caput (ser
menor de 14 anos) ou pelo parágrafo 1º ("alguém que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato,
ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência") do
artigo 217-A do Código Penal.
Entretanto, Masson
deixa claro que nada impede a incidência, quanto a estupro de
vulnerável, do erro do tipo, descrito no artigo 20, caput, do Código
Penal. O dispositivo tem a seguinte redação: "O erro sobre elemento
constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por
crime culposo, se previsto em lei". Para o especialista, o erro do tipo
não se confunde com a existência ou não da vulnerabilidade da vítima.
"Como não foi prevista a modalidade culposa do estupro de vulnerável, o
fato é atípico", diz Masson na passagem citada pelo juiz.
Rudson Marcos apontou
que não ficou provado que Mariana Ferrer estava alcoolizada ou sob efeito de
droga a ponto de ser considerada vulnerável e não consentir com o ato sexual
por não ter capacidade de oferecer resistência.
Marcos destacou que
os exames de alcoolemia e toxicológico apresentaram resultado negativo. O juiz
também citou que a única testemunha que corroborou a versão de Mariana foi a
sua mãe.
"Em que pesem
tais relatos, fato é que as testemunhas que estavam na companhia da vítima
afirmaram que esta estava consciente durante o período que tiveram contato com
a mesma, um 'pouco alegre', mas nada demais, nada que demonstrasse estado de
inconsciência ou incapacidade, nem mesmo foram alertados pela ofendida de que
havia sido violentada", avaliou o julgador.
Ele ressaltou que
Enya Costa Silva Sanches, a primeira pessoa a ter contato com Mariana após ela
descer do camarote, contou que as duas "conversaram rapidamente, ela
estava bem, normal". "Aparentava estar bêbada, mas nada fora do
normal. Logo em seguida, foi embora." Enya também disse que a influencer não
reclamou de nada e depois foi para outra boate. "Ou seja, neste momento a
vítima aparentava estar consciente, comunicou-se com a testemunha, deixou o
estabelecimento e não fez qualquer menção de que havia sofrido alguma
agressão", analisou o juiz.
O segurança do Café
de La Musique, Gian Pierre Ribeiro, que naquela noite fazia a vigilância do
acesso ao camarote, destacou que Mariana e Aranha subiram no camarote juntos e,
após alguns minutos, desceram, primeiro ela, momentos depois, o réu. Ribeiro
narrou que a influencer desceu em estado normal e não
comunicou nenhuma agressão, de acordo com o juiz.
Rudson Marcos opinou
que as testemunhas foram "categóricas em afirmar que a vítima,
aparentemente, estava consciente e em estado normal no período que permaneceu
dentro do Café de la Musique e que, inclusive, ao chegar no estabelecimento
300, igualmente aparentava consciência plena e capacidade motora normal, nenhum
sinal de alteração que pudesse levantar qualquer suspeita".
No Uber de volta para
casa, Ferrer ligou para sua mãe e começou a chorar muito, afirmou o motorista
Walton Souza Rabbib. A seu ver, ela aparentava estar sob efeito de
"algo", mas não estava bêbada, pois não tinha cheiro de álcool.
A mãe de Mariana, por
sua vez, contou que sua filha chegou em casa "totalmente
irreconhecível". Após lhe encaminhar para o banho, a mãe disse que
constatou que a influencer tinha sido violentada, porque as
suas roupas estavam manchadas de sangue e com forte odor de esperma.
No entanto, os
relatos de Mariana e sua mãe não permitem concluir que Aranha praticou estupro,
avaliou o juiz. Em sua visão, não há outras provas que embasem a versão de ela
não tinha capacidade para consentir com o ato sexual.
"Sendo assim, a
meu sentir, o relato da vítima não se reveste de suficiente segurança ou
verossimilhança para autorizar a condenação do acusado. Em que pese seja de
sabença que a jurisprudência pátria é dominante no sentido de validar os
relatos da vítima, como prova preponderante para embasar a condenação em
delitos contra a dignidade sexual, nos quais a prova oral deve receber validade
maior, constata-se também que dito testemunho precisa ser corroborado por
outros elementos de prova, o que não se constata nos autos em tela, pois a
versão da vítima deixa dúvidas que não lograram ser dirimidas", analisou
Marcos.
Como as provas são
conflitantes, não há como impor ao acusado a responsabilidade penal, pois
"melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente", declarou
o juiz ao inocentar Aranha com base no artigo 386, VII, do Código de Processo
Penal ("não existir prova suficiente para a condenação").
Clique aqui para ler a
decisão
0004733-33.2019.8.24.0023
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