quarta-feira, 18 de novembro de 2020

 

TJRS confirma condenação de acusado de injúria racial

Um homem acusado de cometer injúria racial teve a sua apelação negada pelo Tribunal de Justiça, que confirmou integralmente a condenação de 1º grau. Os magistrados da 1ª Câmara Criminal consideraram que o réu, que buscava a redução da pena, não conseguiu apresentar provas suficientes para ter provido o recurso. Ele é acusado de atingir a honra subjetiva de um homem, chamando-o de “negro macaco”, e de dizer que “negro não podia morar na cidade de Harmonia (de etnia alemã), deveria morar na Coréia” (bairro situado em São Sebastião do Caí).

O fato ocorreu em razão de a vítima ter prestado serviços de poda e limpeza de terrenos e, por tal razão, estaria com o material de trabalho pertencente ao acusado, fato que motivou o desentendimento que culminou nas agressões verbais. A vítima relatou ter tentado efetuar a devolução do referido objeto por diversas vezes, mas o acusado nunca estava em casa. Afirmou que, na data do ocorrido, ao encontrar o réu, em via pública, este passou a chamá-lo de “ladrão”, “negro macaco”, aduzindo, ainda, que, “negro não podia morar na cidade de Harmonia, deveria morar na Coréia”.

Em 1º grau, o réu foi condenado como incurso nas sanções do art. 140 (injúria racial), § 3º, do Código Penal, à pena de 1 ano de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 30 dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato. Foi concedida ao réu a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária no valor de dois salários mínimos. Inconformado, recorreu ao TJ.

Apelo

O relator da apelação no Tribunal de Justiça, Desembargador Manuel José Martinez Lucas, considerou que, em que pese a negativa do acusado, os elementos probatórios coligidos no caderno processual são suficientes para a manutenção do juízo condenatório, na medida em que apontam, sem qualquer dúvida, o réu como autor da prática criminosa. “Sobre o crime em comento, elucido que tal prática delitiva só é punível quando presente o dolo, tratando-se de crime formal, sendo o bem jurídico tutelado a honra do indivíduo e, nesse sentido, sua dignidade”, afirmou o relator.

“Dessa forma, tendo em vista que o réu ofendeu a honra subjetiva da vítima, utilizando elementos relacionados à sua raça (“negro macaco”, “negro não podia morar na cidade de Harmonia, deveria morar na Coréia”), entre outras ofensas, impossível extrair conclusão diversa, senão a de que foram palavras de cunho pejorativo e com alto teor de preconceito racial, motivo pelo qual, por óbvio, a conduta exigida é extremamente diversa da adotada pelo acusado”, considerou o Desembargador Manuel. A decisão foi unânime, sendo o voto do relator acompanhado pelos Desembargadores Jayme Weingartner Neto e Sylvio Baptista Neto.

Proc. 70082672676

Janine Moreira de Souza

 

Tribunal mantém condenação por injúria racial

A 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça São Paulo manteve sentença da 12ª Vara Criminal da Capital, que condenou um homem por injúria racial proferida contra uma motorista de transporte escolar. A pena fixada em um ano de reclusão, em regime inicial aberto, foi substituída por uma restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade, na forma a ser estabelecida pelo Juízo das Execuções.

Consta dos autos que, quando a vítima foi buscar os estudantes para a aula, precisou esperar por uma aluna que estava atrasada. Como não podia mais aguardar, a motorista seguiu viagem. Em seguida, recebeu o telefonema do réu, que é tio da menina. Irritado porque a motorista não havia aguardado por mais tempo, passou a ofendê-la e disse que "não deviam deixar macaco dirigir a perua escolar", além de outras frases. Dias depois, durante reunião escolar, o tio teria confirmado as ofensas para uma professora.

O relator do recurso, desembargador Roberto Porto, afirmou em seu voto que o crime de injúria racial restou configurado. "A intenção do réu foi exatamente ofender, depreciar e humilhar a vítima, invocando aspectos relativos à sua raça", escreveu. "Vale lembrar que, para a caracterização do delito de injúria racial, basta que o autor atue com o objetivo de ofender a dignidade e o decoro de alguém e que ele o faça utilizando referências à raça, à cor, à etnia, à religião, à origem, à condição de idoso ou de portador de deficiência", pontuou.

O réu buscava a alteração da prestação de serviços comunitários pelo pagamento de multa, mas a turma julgadora negou o pedido. O relator destacou que a substituição da pena privativa de liberdade pela prestação de serviços à comunidade está de acordo com o artigo 44 do Código Penal, não sendo o caso de reforma. "Sendo a condenação igual a um ano, cabe ao magistrado, nos limites da discricionariedade, eleger a sanção (multa ou pena restritiva de direitos) que melhor servirá para a prevenção e a repressão do crime praticado, não sendo o caso de alteração do que restou decidido."

Participaram do julgamento, que teve votação unânime, os desembargadores Camilo Léllis e Euvaldo Chaib.

Apelação nº 0005986-57.2015.8.26.0050

terça-feira, 17 de novembro de 2020

 

A aplicação retroativa do ANPP: uma experiência positiva no TRF-1

Por  e 

A aplicação retroativa do artigo 28-A do CPP, introduzido pela Lei nº 13.964/2019, tem sido objeto de intenso debate, opondo, de um lado, aqueles que defendem que o dispositivo retroage, necessariamente, por constituir norma penal mais benéfica, e aqueles que sustentam, de outro lado, que tal retroação deve ficar sujeita a um marco ou limite temporal.

O segundo entendimento pode ser identificado, para fins analíticos, como tese do "marco temporal limitador", que, para alguns, deve ser a denúncia e, para outros, a sentença, entre outras possibilidades.  

Note-se que a discussão tem transcendência, pois envolve, como se percebe, introduzir ou não uma restrição ao artigo 5°, XL, da Constituição Federal, que dispõe que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Os ângulos teóricos dessa questão têm sido amplamente explorados, inclusive em artigo no qual procuramos demonstrar que a referida norma tem qualidade de regra, e não de princípio, e que em uma ótica metodológica rigorosa não se vislumbra argumento interpretativo forte suficiente para afastar o conteúdo deôntico de tal previsão constitucional [1].

O presente texto se ocupa, entretanto, de um argumento prático, recorrente nessa discussão, segundo o qual a retroação do artigo 28-A do CPP geraria tumultos processuais e colapso no sistema. Veja-se trecho de voto do ministro Luís Roberto Barroso em decisão adotada pela 1a Turma do STF em 11 de novembro de 2020 (HC 191.464, grifos das autoras):

"21. A despeito da argumentação já desenvolvida, que situa a incidência do ANPP na fase pré-processual, tal como foi concebido no art. 28-A do CPP, e acomoda entendimento já aplicado pelo STF para hipótese semelhante, cabe trazer, em obter dictum, argumento de ordem consequencialista. Uma primazia incauta da retroatividade penal benéfica, que não se justifica por se tratar de lei penal híbrida, ensejaria um colapso no sistema criminal: admitir-se a instauração da discussão sobre a oferta do ANPP inclusive para sentenças transitadas em julgado faria com que praticamente todos os processos – em curso, julgados, em fase recursal, em cumprimento de pena –, fossem encaminhados ao titular da ação penal para que avaliasse a situação do réu/sentenciado. Esse contexto não se justifica se considerado o propósito do ANPP, de impedir o início da ação penal, e da máxima de que não devem ser restauradas etapas da persecução penal já efetivadas em conformidade com as leis processuais vigentes".

Embora o foco deste artigo não seja o fundamento central da decisão comentada, cumpre observar que nela se introduz uma terceira norma de direito intertemporal, destinada às leis híbridas, combinando, de um modo não totalmente evidenciado, as duas normas de direito intertemporal existentes (aplicáveis, como se sabe, às leis materiais e processuais), e fazendo prevalecer, em verdade, a lógica do tempus regit actum. A primazia, em outras palavras, é dada ao direito intertemporal das normas processuais, e não ao das normas materiais. Confira-se (grifos das autoras):

"9. Em se tratando de leis penais híbridas, possível haver conformação entre os postulados, de forma que, de um lado, a aplicação da lei não necessariamente retroagirá em seu grau máximo (inclusive após o trânsito em julgado); e, de outro lado, não necessariamente será o caso de considerar válidos todos os atos já realizados sob a vigência da lei anterior. Se a conformação não for realizada expressamente pelo legislador, cabe ao intérprete fazê-lo.
10. A hipótese cuida da possibilidade de se instaurar a discussão sobre o ANPP no curso do processo. Argumenta-se, com base na retroatividade penal benéfica, que o acordo deve ser viabilizado mesmo depois de recebida a denúncia, proferida sentença, em fase recursal e até mesmo depois do trânsito em julgado.
11. Entretanto, penso que o procedimento em torno do ANPP o situa em uma fase específica da persecução penal e, diante da sua natureza também processual, deve ser prestigiada a marcha progressiva do processo.
(…)
13. Dessa forma, o ANPP não se conforma com a instauração da ação penal, devendo ser estabelecido o ato de recebimento da denúncia como marco limitador da sua viabilidade. Com efeito, a finalidade do acordo é evitar que se inicie processo, razão pela qual, por consequência lógica, não se justifica discutir a composição depois de recebida a denúncia".

Os integrantes da Câmara Criminal do MPF têm entendido, em sentido diverso, que não cabe restrição interpretativa ao artigo 5°, XL, da Constituição Federal por expressar um comando claro, não condicionado pelo legislador constituinte e evidentemente derivado de pilares fundamentais do sistema, entre eles, em destaque, o princípio da isonomia. Assim, tal órgão de coordenação e revisão vem se dedicando à tarefa de definir, entre outros aspectos, as situações em que, mesmo admitindo a incidência retroativa do artigo 28-A do CPP, não se verificam os requisitos para a realização do acordo, notadamente a necessidade e a suficiência à reprovação e à prevenção do crime. Em seu Enunciado 98, tratando sobre a retroatividade do ANPP, afirma a Câmara Criminal que é "cabível o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, (…) podendo o membro oficiante analisar se eventual sentença ou acórdão proferido nos autos configura medida mais adequada e proporcional ao deslinde dos fatos do que a celebração do ANPP (…)" [2].

Seguindo essa linha, outro aspecto considerado pela Câmara Criminal, contrariamente ao argumento do "colapso do sistema", é a utilidade que a aplicação retroativa do artigo 28-A do CPP pode ter nos processos em curso, oferecendo alternativa ao custoso conflito judicial e, o que é mais importante, uma resposta estatal eficaz. Não se desconsideram as dificuldades que essa retroação pode envolver, mas entende-se que o espaço deixado aos aplicadores do Direito, no caso, é o de gerir, da melhor forma possível, a situação posta.

É importante relatar que, em 1a instância, os membros do MPF já celebraram cerca de 2,7 mil ANPPs mediante retroação do artigo 28-A do CPP [3], ou seja, após a denúncia, e isso significa número análogo ou superior de recursos que deixarão de ser interpostos, questão não menos importante, pois tais recursos, como facilmente se imagina, contribuiriam para abarrotar escaninhos e impedir tratamento célere de outros tantos casos, especialmente aqueles envolvendo crimes de maior gravidade.

Em 2a instância, destaca-se o entendimento construído, com o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) e a Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR-1). Ante a percepção de que o artigo 28-A do CPP traz norma penal mais benéfica, representantes dos três órgãos se reuniram para encontrar um caminho viável e adequado, isto é, um modo de possibilitar a retroação com benefícios e sem maiores prejuízos. Foi então estabelecido, enquanto projeto piloto, que o gabinete da desembargadora Mônica Sifuentes triaria processos com a finalidade de identificar casos apropriados à análise sobre cabimento do ANPP pelo MPF, prosseguiria com a intimação da defesa para que informasse sobre eventual interesse no acordo e, havendo manifestação de interesse, remeteria o processo à consideração do procurador regional natural. A PRR-1, por sua vez, implantou uma central de acordos [4] para viabilizar, sem transtornos, a celebração das avenças, o que se faz inteiramente extra autos, vale dizer, sem idas e vindas no processo.

Tal entendimento, com divisão de trabalho entre o Poder Judiciário e o Ministério Público, foi considerado conveniente do ponto de vista administrativo, como forma de operacionalizar a realização dos acordos, com ganhos para ambos os órgãos e a sociedade. Nesse projeto piloto, foram realizados ANPPs com pleno êxito e celeridade, já enviados à homologação pelo TRF-1.

Cumpre ainda lembrar que, em 22 de setembro, anteriormente à decisão acima comentada (HC 191.464, Rel. min Luís Roberto Barroso), o ministro Gilmar Mendes havia decidido afetar o tema ao Plenário da corte por verificar "potencial ocorrência de tal debate em número expressivo de processos e a potencial divergência jurisprudencial" (HC 181.193). Na última sexta-feira (13/11), o ministro Gilmar Mendes deu a conhecer uma minuta de voto, no qual, recopilando a doutrina aplicável, reafirma que "em casos de leis processuais de conteúdo material, aplica-se a regra intertemporal de direito penal material". Na parte dispositiva, propõe a seguinte tese:

"É cabível o acordo de não persecução penal em casos de processos em andamento (ainda não transitados em julgado) quando da entrada em vigência da Lei 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, devendo o órgão acusatório se manifestar motivadamente sobre a viabilidade de proposta, conforme os requisitos previstos na legislação, passível de controle nos termos do art. 28-A, § 14, do CPP".

Como quer que evolua tal julgamento, não se deixa de observar que a tese formulada pelo ministro Gilmar Mendes devolve a palavra ao Ministério Público, detentor da disponibilidade introduzida pelo artigo 28-A do CPP, que, nessa perspectiva, assume a atribuição de examinar a necessidade e a suficiência do ANPP no curso do processo, por retroação, sendo que o não oferecimento do acordo poderá eventualmente ser a medida adequada ao caso. Observe-se, por exemplo, como decidiu a Câmara Criminal do MPF no Processo nº 5009699-91.2018.4.04.7002:

"Na presente hipótese, conforme ressaltou o Procurador oficiante, as sanções já fixadas pelo acórdão condenatório proferido por unanimidade pela 7ª Turma do TRF-4 (pena de 2 anos de reclusão em regime inicial aberto, substituída a privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 2 salários mínimos) se mostram mais adequadas e proporcionais ao trato da questão, sendo que o referido acórdão prescreveu as penas suficientes e necessárias à reprovação e prevenção do crime, no caso concreto, em que o réu importou e atuou no transporte de grande quantidade de tabacos de origem estrangeira, introduzidos irregularmente em território nacional, que seriam distribuídos para vários clientes".

Entende-se, em conclusão, que o argumento do "colapso do sistema", além de não ter força normativa para justificar inovação (restritiva de direitos fundamentais) na Constituição, merece ser afastado considerando notadamente os dados concretos sobre a aplicação retroativa do artigo 28-A do CPP no MPF, entre outros dados disponíveis. O ANPP, veiculado em norma processual de conteúdo penal mais benéfico, retroage alcançando fatos anteriores à sua introdução, sem limites ou condições não previstas pelo artigo 5°, XL, da Constituição Federal. Por outro lado, não sendo o oferecimento do ANPP um direito subjetivo do agente, mas um poder-dever do MP, fica tal ato a depender, no curso do processo, de uma análise quanto aos requisitos legais, em particular a necessidade e a suficiência à reprovação e à prevenção do crime.

[1] Márcia Noll Barboza, "Sobre a retroatividade do ANPP", disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-nov-06/marcia-noll-retroatividade-anpp.

[2] Enunciados da 2a Câmara de Coordenação e Revisão, disponíveis em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/enunciados.

[3] Cfe. registros atualizados em 09/11/2020 no Sistema Único/MPF. No total, incluindo os ANPPs feitos na fase de investigação, são cerca de 5.800 (cinco mil e oitocentos) acordos já realizados pelo MPF. Veja-se, ainda, os relatos de membros sobre essa atividade em http://www.mpf.mp.br/pr/sala-de-imprensa/noticias-pr/mpf-investe-na-justica-consensual-e-ultrapassa-5-mil-acordos-de-nao-persecucao-penal.

[4] Cfe. portaria de criação de grupo de trabalho denominado Central de Acordos, disponível em: http://www.mpf.mp.br/regiao1/atos-e-publicacoes.


segunda-feira, 16 de novembro de 2020

 

TRF-3 condena Abril por ter vendido MTV sem anuência da União

A transferência da concessão de serviço de radiodifusão exige, para a validade do ato, a prévia anuência do órgão competente do Poder Executivo, conforme determina a legislação pertinente — artigo 38 da Lei 4.117/1962.

Empresa vendeu canal de TV por R$ 290 milhões, sem anuência do Poder Público
Reprodução

Com esse entendimento, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, acolheu pedido do Ministério Público Federal e reconheceu a invalidade, caducidade e nulidade da concessão do serviço de radiodifusão outorgado à Abril Radiodifusão. Isso porque a empresa transferiu ilegalmente sua concessão à Spring Televisão. O negócio foi feito em dezembro de 2013, sem a participação da União.

O colegiado condenou as empresas e a União, por omissão, ao pagamento de danos morais coletivos em 10% do valor da transmissão, que foi feita por R$ 290 milhões. A União também deverá licitar novamente o serviço por intermédio do Ministério das Comunicações. 

Na decisão, o desembargador federal Marcelo Saraiva, que redigiu o voto revisor, explicou que a concessão consiste na "transferência pela qual a Administração delega a outrem a execução de um serviço público, para que o faça em seu nome, por sua conta e risco". Desse modo, o Poder Público transfere ao particular apenas a execução dos serviços, continuando a ser seu titular, devendo a concessão ser feita sempre por meio de licitação.  

O magistrado ressaltou que os particulares não podem comercializar sua posição de delegatários e que a transferência direta de outorga de concessão de radiodifusão é possível, sim, mas de acordo com a lei — que exige, para a validade do ato, a prévia anuência do órgão competente do Poder Executivo. 

Segundo os autos, a concessão à Abril foi outorgada em 1985 e renovada em 2002 pelo prazo de 15 anos. Nesse período, entre outras programações, a empresa transmitiu a MTV Brasil. No entanto, o canal encerrou suas transmissões em 31 de setembro de 2013 e, no dia seguinte, a Spring já passou a veicular sua programação. 

"A efetiva transferência do serviço foi realizada sem a anuência prévia do Ministério das Comunicações, sendo, inclusive, anterior às autorizações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica — Cade, que ocorreram em 20/01/2014", observou o relator do voto revisor.

Além disso, segundo o magistrado, o decreto presidencial concedendo a transmissão foi publicado em 16 de outubro de 2016, sendo "inadmissível" que a Spring passasse a veicular sua programação em 01º de outubro de 2013. 

Nulidade do negócio jurídico
Para o desembargador, com o encerramento das atividades da MTV, a Abril deveria ter solicitado a cessação de sua outorga; no entanto, providenciou, "ao arrepio da legislação", a alienação à Spring, que passou imediatamente a utilizar o espectro de radiofrequência para transmissão de programação.

Ressaltou, ainda, que caberia ao Poder Concedente decretar a caducidade da concessão e, consequentemente, a extinção do contrato, por ato unilateral, por descumprimento de obrigações contratuais pelo concessionário. No entanto, a União se omitiu, e, em 2016, publicou decreto transferindo a concessão.

"E não é demasiado falar na existência de vício em relação à finalidade, consistente no fato de que o Decreto Presidencial prestou-se, na verdade, a chancelar negócio jurídico reconhecidamente nulo, no interesse exclusivo das partes envolvidas no negócio, desprotegendo o interesse público de que o serviço concedido fosse executado conforme os preceitos legais que regem o contrato de concessão, configurando-se, dessa forma, vício insanável, segundo o artigo 2°, parágrafo único, alínea e da Lei nº 4.717/65, igualmente a ensejar a nulidade do Decreto", declarou.

Enriquecimento Ilícito 
O desembargador federal Marcelo Saraiva concluiu que a operação levou ao enriquecimento ilícito, correspondente à renda de R$ 290 milhões recebida pela Abril, bem como ao dano moral coletivo pela comercialização privada de outorga de radiodifusão e da sua indevida convalidação pela União.

O valor da condenação deve ser revertido ao fundo de recomposição dos interesses supraindividuais lesados, conforme previsão do artigo 13, da Lei 7.347/85. Com informações da assessoria do TRF-3.

Clique aqui para ler a decisão
0026301-70.2015.4.03.6100

 

Ex-funcionárias do INSS são condenadas no TRF-3 por fraude contra a previdência

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região confirmou a condenação de duas ex-funcionárias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) acusadas de fraude contra a Previdência Social. A decisão foi unânime e considera que houve prejuízo de R$ 749 mil aos cofres públicos.

Divulgação
Funcionárias causaram prejuízo de R$ 749 mil aos cofres públicos

O colegiado determinou o ressarcimento do dinheiro; pagamento de multa civil de dez vezes o montante da última remuneração recebida antes da demissão e, ainda, R$ 25 mil de indenização por dano moral, cada uma.   

De acordo com o processo, ficou comprovado que as funcionárias concederam benefícios previdenciários indevidos entre 2006 e 2009, com uso de diversos expedientes fraudulentos. Elas foram demitidas do serviço público em junho de 2012 e já haviam sido condenadas por atos de improbidade administrativa no primeiro grau. 

Após a decisão, recorreram ao TRF-3 pedindo a absolvição. Ao analisar o recurso, no entanto, o relator, desembargador Johonsom Di Salvo, declarou que não há dúvida sobre o dolo nas condutas das corrés.  

“Não há qualquer indício de que as concessões indevidas decorreram de erros procedimentais desculpáveis e nem de que as rés foram compelidas a praticar os ilícitos constatados. Muito pelo contrário – o vasto conjunto probatório que inclui documentação, testemunhos, depoimentos e interrogatórios, é no sentido de que as corrés agiram de forma consciente e voluntária”, afirmou.  Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-3.

Apelação: 0002400-47.2015.4.03.6141 

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

 

Proibida desde março, saída temporária de presos é restabelecida em SP

Por 

O Departamento Estadual de Execução Criminal (Deecrim) editou nesta quarta-feira (11/11) portaria conjunta que autoriza a saída temporária de presos do regime semiaberto. O documento é assinado por juízes das dez regiões administrativas judiciárias do estado de São Paulo. 

Saída será de 22 de dezembro a 5 de janeiro
123RF

A saída terá início às 6h do dia 22 de dezembro. O retorno às unidades prisionais deve ocorrer até as 18h do dia 5 de janeiro.

Conforme o artigo 123 da Lei de Execução Penal, poderão se retirar primários que tenham cumprido 1/6 da pena e reincidentes que tenham cumprido 1/4. É necessário, nos dois casos, que o preso tenha bom comportamento.

As saídas temporárias foram barradas em 16 de março deste ano, por ordem do corregedor-geral de Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Ricardo Anafe.

A medida gerou uma série de motins em prisões paulistas, em especial por ter ocorrido um dia antes da data em que os presos poderiam deixar as unidades prisionais.  A decisão levou em conta a epidemia do novo coronavírus. 

Tradicionalmente, as saídas temporárias acontecem nos meses de março, junho, setembro e dezembro. Com isso, a última vez que os detentos deixaram as unidades prisionais foi em dezembro de 2019. Anualmente, eles têm direito a 35 dias fora dos presídios. 

Clique aqui para ler a portaria
Portaria Conjunta 3/20

 

Direito a esquecimento afasta maus antecedentes referentes a condenações antigas

Por 


O fato de o Supremo Tribunal Federal ter fixado entendimento de que as penas extintas há mais de cinco anos podem ser usadas para caracterizar maus antecedentes não afasta a possibilidade de avaliação dessas condenações em razão das peculiaridades do caso concreto, especialmente o extenso lapso temporal transcorrido.

Constituição inviabiliza a valoração negativa dos antecedentes criminais sem limitação temporal, disse ministra Laurita Vaz
Rafael Luz/STJ

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento a recurso do Ministério Público, que pleiteou o reconhecimento de maus antecedentes com base em penas que foram extintas havia mais de uma década antes do crime mais recente — com vistas a aumentar a pena do réu, condenado por tráfico de drogas.

Enquanto a acusação datava de 2017, o MP queria aproveitar duas condenações transitadas em julgado em 2001 e cuja extinção da pena ocorreu em 2007. A base para o pedido foi a tese aprovada pelo Plenário do STF segundo a qual "não se aplica ao reconhecimento dos maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da reincidência".

"Embora, em regra, o período depurador da reincidência não afaste a valoração negativa a título de maus antecedentes, incide na hipótese o direito ao esquecimento", apontou a ministra Laurita Vaz, relatora do recurso.

Segundo explicou, a Constituição Federal estabelece a vedação de penas de caráter perpétuo, o que inviabilizaria a valoração negativa dos antecedentes criminais sem qualquer limitação temporal.

"O citado entendimento do Pretório Excelso não afasta a possibilidade de avaliação dos antecedentes, em razão das peculiaridades do caso concreto, especialmente o extenso lapso temporal transcorrido, tal como ocorre na hipótese dos autos", definiu.

REsp 1.875.382

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

 


 Proteção de dados em investigações criminais pode ter lei específica

Já está na Câmara dos Deputados o anteprojeto de lei para proteção de dados em investigações criminais e na área de segurança pública. A proposta, que pretende modernizar a investigação penal brasileira para facilitar a cooperação internacional, foi elaborada a partir de relatório de um grupo de trabalho formado por 15 juristas e coordenado pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça Nefi Cordeiro. Para começar a tramitar, o projeto ainda precisa ser subscrito por algum parlamentar, o que deve ocorrer nos próximos dias.

A relatora do grupo de trabalho, Laura Schertel Mendes, explicou que o anteprojeto tem como objetivo dar segurança jurídica para as autoridades investigarem dados pessoais com novas tecnologias. O texto também dá maior proteção e transparência aos cidadãos. “Hoje, não estão claras quais são as bases legais para tratamento de dados sigilosos e sensíveis em uma investigação”, explicou.

Sempre que houver tratamento de maior risco, como nas tecnologias automatizadas de reconhecimento facial, o anteprojeto prevê a definição de critérios específicos. “Essas tecnologias não podem ser discriminatórias e precisam ser periodicamente auditadas e corrigidas para evitar qualquer viés”, disse a relatora acrescentando que em vários casos, no Brasil e em outros países, há erro na identificação de suspeitos por reconhecimento facial.

CNJ
A proposta prevê que o Poder Judiciário, o Ministério Público e as polícias devem adotar medidas de segurança para proteger os dados de envolvidos em processos criminais. Essas regras administrativas de segurança deverão ser elaboradas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que também seria a autoridade responsável pelo controle de dados de investigações criminais.

Para o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-AP), esse é um ponto importante uma vez que “não é o melhor caminho que o governo seja dono dos dados da sociedade. Os dados são poder e este poder não pode ser de um governo que esteja administrando o Brasil em um determinado momento”. Acrescentou, ainda, que vinculado ao governo dá problemas na troca de informações com outros países. “Não é bom que ninguém tenha um poder tão grande como o dos dados, principal instrumento de poder em uma democracia moderna”, disse.

Procedimentos para evitar a utilização de informações pessoais consideradas irrelevantes para o andamento das investigações também precisarão ser elaboradas. Caso surjam no decorrer dos processos, eles deverão ser imediatamente descartados.

Compartilhamento
Sobre o uso compartilhado de dados pessoais sigilosos entre autoridades competentes, o texto estabelece que isso só ocorra quando houver autorização judicial. A mesma regra vale para o compartilhamento no âmbito de uma mesma autoridade.

Fronteiras
Segundo o ministro Nefi Cordeiro, a definição de uma autoridade de controle de dados é especialmente importante para compartilhamento de dados para fiscalização de fronteiras e o acesso, pelas forças de segurança pública, a informações da Interpol e de polícias de outros países. “O Brasil não consegue obter dados da Europa porque ainda não temos instalada uma autoridade autônoma e independente”, lamentou.

O anteprojeto também regulamenta como investigações criminais poderão ter acesso a dados de novas tecnologias, entre elas geolocalização, uso de "cavalos de tróia" em celulares de suspeitos e reconhecimento facial.

Transparência
O anteprojeto também propõe regras para transparência e controle da sociedade sobre o uso de dados pessoais na segurança pública. “As autoridades devem periodicamente publicar relatórios sobre tratamento de informações em investigações criminais”, disse a relatora do grupo de trabalho, Laura Schertel Mendes.

Outra preocupação dos juristas é a segurança da informação. Várias regras propostas são semelhantes às previstas na Lei Geral de Proteção de Dados. A diferença são adaptações específicas para área de segurança pública. Para Laura Shcertel, as autoridades precisam garantir mecanismos para que não haja vazamento de dados e, no caso de vazamento, a autoridade deve comunicar à sociedade e ao órgão supervisor.

Karine Melo - Repórter da Agência Brasil - Brasília
Edição: Nélio de Andrade

 

Revogada prisão preventiva de condenado a cumprir a pena no regime semiaberto

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), revogou a prisão preventiva de A. V. S., condenado à pena de sete anos de reclusão, em regime semiaberto, pela prática dos crimes de roubo majorado e de estelionato. A decisão se deu no Habeas Corpus (HC) 182584. De acordo com a relatora, a custódia cautelar não é compatível com o regime semiaberto. O condenado está preso há mais de dois anos.

Caso

O magistrado de primeiro grau havia fixado o regime inicial fechado para o cumprimento da pena. Ao analisar recurso da defesa, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) alterou-o para o semiaberto, porém negou o direito de recorrer em liberdade. O relator do caso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que A. V. S. aguardasse o julgamento dos seus recursos no regime semiaberto, salvo se estiver preso por outro motivo.

Decisão

De acordo com a ministra Rosa Weber, uma vez alterado o regime inicial de cumprimento da pena, a negação do direito de o sentenciado recorrer em liberdade deve estar compatibilizada com as condições do regime determinado, o que não ocorreu no caso. Ela frisou que, de acordo com a jurisprudência do STF, fixado o regime inicial menos severo que o fechado, a manutenção da prisão preventiva representaria, em última análise, a legitimação da execução provisória da pena em regime mais gravoso do que o fixado na sentença condenatória.

Direito de locomoção

A relatora citou o precedente do HC 180131, em que foi assentado que a eventual manutenção da prisão preventiva em regime semiaberto, além de não ter amparo legal, desvirtua o instituto da prisão preventiva, que pressupõe o cerceamento pleno do direito de locomoção. Segundo esse julgado, a situação “acarreta a admissão de verdadeira antecipação do cumprimento da pena sem a definição da responsabilidade criminal do acusado”.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

 

Presídios paulistas retomam visitas presenciais

Suspensas desde o dia 20 de março, como medida para evitar a disseminação do coronavírus, as visitas presenciais serão retomadas a partir de amanhã, sábado (7) nos presídios do estado de São Paulo. Para amenizar a falta de contato entre os presos e as famílias, estavam sendo feitas visitas virtuais por sistemas de videoconferência.

Segundo a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SAP), em algumas unidades a visitação ainda não será retomada devido a ordens judiciais. De acordo com a pasta, a Procuradoria do estado está tentando reverter as determinações que mantêm o contato presencial suspenso.

A retomada será cercada de uma série de restrições para evitar a disseminação do coronavírus nas unidades. As famílias serão alternadas, sendo que neste primeiro fim de semana as visitas só serão autorizadas nos pavilhões pares. Os parentes devem ainda estar atentos ao número da matrícula do preso, já que o horário (manhã ou tarde) e o dia da visita (sábado ou domingo) será escalonado.

As visitas devem acontecer em local aberto e bem arejado. Serão aceitos visitantes com idades entre 18 e 59 anos, com a proibição de crianças, idosos, gestantes e pessoas com sintomas gripais. Será necessário o uso de máscara e será feita medição de temperatura. Não será permitido trazer bolsas, mochilas, produtos de higiene, roupas ou comida. Segundo a SAP, esses itens podem ser enviados por correspondência.

As visitas são limitadas a duas horas e não são permitidas visitas íntimas.

Daniel Mello - Repórter da Agência Brasil - São Paulo
Edição: Fernando Fraga

 

Videoconferência não gera nulidade em processo criminal, decide Tribunal

A 14ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve sentença que condenou homem por tráfico de entorpecentes a 6 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial fechado. Na apelação, a defesa arguiu a nulidade de todos os atos praticados na audiência em razão de ter sido realizada por videoconferência. Para relator do recurso, desembargador Fernando Torres Garcia, no entanto, o argumento não vinga. “A realização de audiência por meio virtual, no presente momento de pandemia, constitui providência prevista no artigo 6º, § 3º, da Resolução nº 314/2020, do CNJ, bem como no Provimento nº 2557/2020, do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, com integral preservação dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório”, afirmou o magistrado. De acordo com o relator, o sistema de videoconferência preserva a saúde das partes em época de pandemia e permite o contato visual em tempo real entre todas as partes envolvidas no processo, assegurando a proteção das partes e testemunhas, além de outros benefícios.

O réu foi condenado por portar, para fins de tráfico, uma pedra de crack, 44 pinos de cocaína, 141 porções de maconha e 28 de skunk. Ele foi detido por guardas municipais que realizavam patrulhamento de rotina em Jundiaí, em abril de 2020.

Torres Garcia pontuou que o fato de o réu ter deliberadamente violado o isolamento social, “realizando o tráfico de entorpecentes na via pública, colocando as pessoas em evidente perigo”, resulta na manutenção da agravante prevista no artigo 61, II, “j”, do Código Penal (crime cometido em calamidade pública).

O julgamento, de votação unânime, teve a participação dos desembargadores Hermann Herschander e Walter da Silva.

Apelação Criminal nº 1500716-72.2020.8.26.0544

 

Concedido HC a homem que teve prisão em flagrante convertida em preventiva por iniciativa do juiz

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu habeas corpus em favor de um homem que teve a sua prisão em flagrante convertida em preventiva pelo juiz, sem que tenha havido pedido do Ministério Público ou da autoridade policial, e que não foi submetido à audiência de custódia, em razão da pandemia de Covid-19. Segundo Fachin, ao reforçar o sistema acusatório adotado pela Constituição Federal, o Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) vedou a imposição de medidas cautelares pelo magistrado sem representação da autoridade policial ou requerimento das partes.

Flagrante

A conversão da prisão em flagrante em preventiva de M.V.S.O. foi determinada de ofício (por iniciativa própria) pelo Juízo da Vara de Inquéritos de Belo Horizonte (MG). A defesa impetrou o Habeas Corpus (HC) 193053 no Supremo depois que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), com fundamento no artigo 310 do Código de Processo Penal (CPP), considerou que o juiz poderia fazer a conversão, independentemente de provocação, desde que a prisão fosse necessária para a garantia da ordem pública, para a conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

No habeas corpus, a defesa informou que M.V. foi preso em flagrante, em 24/6/2020, pela suposta prática de furto qualificado e denunciado pelo crime, mas é primário, tem residência fixa e não houve emprego de violência ou grave ameaça, além de ser baixo o valor dos produtos supostamente furtados. Alegou que, a partir da Lei 13.964/2019 (conhecida como Pacote Anticrime), é ilícita a atuação do juiz de ofício, conforme entendimento já chancelado pelo Supremo.

Impossibilidade

Ao conceder o habeas corpus, Fachin afirmou que, na mesma linha da alteração que suprimiu a expressão “de ofício” da redação do artigo 282, parágrafo 2º, do CPP, o parágrafo 4º do mesmo dispositivo afasta a substituição, a cumulação ou a imposição de medidas cautelares pessoais diversas da prisão ou de prisão de ofício pelo magistrado, ainda que em caso de descumprimento de cautelar imposta anteriormente. Ressaltou, ainda, que o artigo 311 do CPP, na redação da Lei 13.964/2019, veda, de forma taxativa, a decretação de prisão preventiva pelo magistrado sem prévia representação da autoridade policial ou requerimento das partes. “Todos esses dispositivos legais, em atenção ao sistema acusatório elegido pela Constituição Federal de 1988, não deixam dúvida quanto à impossibilidade de imposição de medida cautelares pessoais pelo juiz de ofício, seja na fase pré-processual, seja na fase processual”, disse o relator.

Quanto ao entendimento do STJ de que o artigo 310 do CPP autorizaria a imposição de prisão cautelar de ofício pelo magistrado, Fachin salientou que esse mesmo dispositivo, ao disciplinar a audiência de custódia, prevê, de maneira expressa, a participação do membro do Ministério Público e da defesa. Segundo o ministro, a decisão do magistrado sobre as medidas previstas no dispositivo se dá a partir do requerimento das partes, e não de ofício, salvo quando não implicar agravamento da liberdade do autuado.

Exceção

Embora, em regra, o Habeas Corpus não pudesse ser conhecido, por não existir pronunciamento de mérito do STJ, o ministro Fachin, em razão da flagrante ilegalidade verificada de plano, o deferiu de ofício.

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

 MP-SC não pediu absolvição de empresário com argumento de "estupro culposo"

3 de novembro de 2020, 21h43

Por Sérgio Rodas

O Ministério Público de Santa Catarina afirmou, nesta terça-feira (3/11), que não requereu a absolvição do empresário André de Camargo Aranha com base no argumento de que ele praticou “estupro culposo” contra a influencer Mariana Ferrer. Na alegações finais do processo, a promotoria também não usa o termo. O pedido para que Aranha seja inocentado é fundamentado na falta de provas sobre eventual dolo em sua conduta. Sem isso, não há o crime de estupro de vulnerável (artigo 217-A, parágrafo 1º, do Código Penal).

A 3ª Vara Criminal de Florianópolis absolveu Aranha, com base no princípio in dubio pro reo, por entender que a acusação de estupro só foi baseada nos relatos de Mariana e sua mãe. O juiz Rudson Marcos afirmou que não ficou provado que a influencer estava alcoolizada ou sob efeito de droga a ponto de ser considerada vulnerável e não consentir com o ato sexual por não ter capacidade de oferecer resistência.

O site The Intercept Brasil afirmou, em reportagem publicada nesta terça, que o promotor do caso, Thiago Carriço de Oliveira, pediu, e o juiz aceitou, a absolvição de Aranha pelo fato de ele ter cometido “estupro culposo”.

“Segundo o promotor responsável pelo caso, não havia como o empresário saber, durante o ato sexual, que a jovem não estava em condições de consentir a relação, não existindo portanto ‘intenção’ de estuprar. Por isso, o juiz aceitou a argumentação de que ele cometeu ‘estupro culposo’, um ‘crime’ não previsto por lei. Como ninguém pode ser condenado por um crime que não existe, Aranha foi absolvido”, disse o texto do Intercept.

O MP-SC afirmou, em nota, que “não é verdadeira a informação de que o promotor de Justiça manifestou-se pela absolvição de réu por ter cometido estupro culposo, tipo penal que não existe no ordenamento jurídico brasileiro”.

De acordo com o MP-SC, não ficou demonstrado que houve “relação sexual sem que uma das partes tivesse o necessário discernimento dos fatos ou capacidade de oferecer resistência [Mariana Ferrer], ou, ainda, que a outra parte [André Aranha] tivesse conhecimento dessa situação, pressupostos para a configuração de crime”.

“Portanto, a manifestação pela absolvição do acusado por parte do promotor de Justiça não foi fundamentada na tese de ‘estupro culposo’, até porque tal tipo penal inexiste no ordenamento jurídico brasileiro. O réu acabou sendo absolvido na Justiça de primeiro grau por falta de provas de estupro de vulnerável”, destacou o MP-SC.

Expressão ausente

Nas alegações finais do processo, oferecidas em 10 de agosto, o promotor Thiago Oliveira também não pede a absolvição do empresário com base na alegação de que ele teria praticado “estupro culposo”, e sim com o fundamentado de que não ficou provado que ele agiu com dolo. Sem isso, não há crime, analisou.

O integrante do MP-SC disse que Mariana Ferrer, logo antes do ato, “estava com vestes ajeitadas, de pé, conseguia caminhar sem socorro, não apresentava troca de palavras e, portanto, não aparentava estar incapaz de resistir ao interesse do acusado”.

Dessa maneira, ressaltou Oliveira, não há indicação de que Aranha agiu com dolo — isto é, com consciência de eventual vulnerabilidade da influencer. Assim, destacou, não é razoável presumir que o empresário soubesse ou devesse saber que a mulher não desejava a relação sexual.

Nesse cenário, segundo o membro do MP-SC, deve ser aplicado o erro de tipo essencial (artigo 20 do Código Penal). Em tal situação, há a exclusão do dolo do agente, embora exista a possibilidade de condenação por conduta culposa. No entanto, o estupro de vulnerável só admite a modalidade dolosa, e não a culposa, apontou Oliveira. Portanto, se o suspeito não agiu com dolo, não há crime.

Se houve recusa de Mariana, foi após a relação, quando ela disse, em mensagem enviada para uma amiga, que não queria “esse boy” ou quando, já em casa, disse não ter consentido em praticar qualquer tipo de ato sexual, ponderou o promotor.

"Desse modo, não obstante haja a comprovação da ocorrência de conjunção carnal e de atos libidinosos, não há, nos autos, qualquer comprovação de que o acusado tinha conhecimento ou deu origem à suposta incapacidade da vítima para resistir a sua investida”.

Relatos de testemunhas

O juiz Rudson Marcos também não fundamentou a absolvição de André Aranha na tese de que ele cometeu “estupro culposo”.

Na sentença, o juiz afirmou que, para a configuração do estupro de vulnerável, é necessário que a vítima não tenha condições físicas ou psicológicas de oferecer resistência à investida sexual e que haja dolo na conduta do agressor e ciência da vulnerabilidade do alvo.

O julgador mencionou trecho do livro Direito Penal esquematizado, volume 3: parte especial, artigos 213 ao 359-H (Método), de Cleber Masson. Na passagem, Masson diz que a vulnerabilidade tem natureza objetiva. Dessa maneira, a pessoa é ou não vulnerável se reunir ou não as peculiaridades indicadas pelo caput (ser menor de 14 anos) ou pelo parágrafo 1º ("alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência") do artigo 217-A do Código Penal.

Entretanto, Masson deixa claro que nada impede a incidência, quanto a estupro de vulnerável, do erro do tipo, descrito no artigo 20, caput, do Código Penal. O dispositivo tem a seguinte redação: "O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei". Para o especialista, o erro do tipo não se confunde com a existência ou não da vulnerabilidade da vítima. "Como não foi prevista a modalidade culposa do estupro de vulnerável, o fato é atípico", diz Masson na passagem citada pelo juiz.

Rudson Marcos apontou que não ficou provado que Mariana Ferrer estava alcoolizada ou sob efeito de droga a ponto de ser considerada vulnerável e não consentir com o ato sexual por não ter capacidade de oferecer resistência.

Marcos destacou que os exames de alcoolemia e toxicológico apresentaram resultado negativo. O juiz também citou que a única testemunha que corroborou a versão de Mariana foi a sua mãe.

"Em que pesem tais relatos, fato é que as testemunhas que estavam na companhia da vítima afirmaram que esta estava consciente durante o período que tiveram contato com a mesma, um 'pouco alegre', mas nada demais, nada que demonstrasse estado de inconsciência ou incapacidade, nem mesmo foram alertados pela ofendida de que havia sido violentada", avaliou o julgador.

Os relatos de Mariana e sua mãe não permitem concluir que Aranha praticou estupro, avaliou o juiz. Em sua visão, não há outras provas que embasem a versão de que ela não tinha capacidade para consentir com o ato sexual.

"Sendo assim, a meu sentir, o relato da vítima não se reveste de suficiente segurança ou verossimilhança para autorizar a condenação do acusado. Em que pese seja de sabença que a jurisprudência pátria é dominante no sentido de validar os relatos da vítima, como prova preponderante para embasar a condenação em delitos contra a dignidade sexual, nos quais a prova oral deve receber validade maior, constata-se também que dito testemunho precisa ser corroborado por outros elementos de prova, o que não se constata nos autos em tela, pois a versão da vítima deixa dúvidas que não lograram ser dirimidas", analisou Marcos.

Como as provas são conflitantes, não há como impor ao acusado a responsabilidade penal, pois "melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente", declarou o juiz ao inocentar Aranha com base no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal ("não existir prova suficiente para a condenação").

Leia a nota do MP-SC:

A 23ª Promotoria de Justiça da Capital, que atuou no caso, reafirma que combate de forma rigorosa a prática de atos de violência ou abuso sexual, tanto é que ofereceu denúncia criminal em busca da formação de elementos de prova em prol da verdade. Todavia, no caso concreto, após a produção de inúmeras provas, não foi possível a comprovação da prática de crime por parte do acusado.

Cabe ao Ministério Público, na condição de guardião dos direitos e deveres constitucionais, requerer o encaminhamento tecnicamente adequado para aquilo que consta no processo, independentemente da condição de autor ou vítima. Neste caso, a prova dos autos não demonstrou relação sexual sem que uma das partes tivesse o necessário discernimento dos fatos ou capacidade de oferecer resistência, ou, ainda, que a outra parte tivesse conhecimento dessa situação, pressupostos para a configuração de crime.

Portanto, a manifestação pela absolvição do acusado por parte do Promotor de Justiça não foi fundamentada na tese de "estupro culposo", até porque tal tipo penal inexiste no ordenamento jurídico brasileiro. O réu acabou sendo absolvido na Justiça de primeiro grau por falta de provas de estupro de vulnerável.

O Ministério Público também lamenta a postura do advogado do réu durante a audiência criminal, que não se coaduna com a conduta que se espera dos profissionais do Direito envolvidos em processos tão sensíveis e difíceis às vítimas, e ressalta a importância de a conduta ser devidamente apurada pela OAB pelos seus canais competentes.

Salienta-se, ainda, que o Promotor de Justiça interveio em favor da vítima em outras ocasiões ao longo do ato processual, como forma de cessar a conduta do advogado, o que não consta do trecho publicizado do vídeo.

O MP-SC lamenta a difusão de informações equivocadas, com erros jurídicos graves, que induzem a sociedade a acreditar que em algum momento fosse possível defender a inocência de um réu com base num tipo penal inexistente.

Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Revista Consultor Jurídico, 3 de novembro de 2020, 21h43

 

Palavra de Mariana Ferrer não basta para condenar empresário por estupro, diz juiz

3 de novembro de 2020, 17h30

Por Sérgio Rodas

Em crimes contra a dignidade sexual, a palavra da vítima tem mais peso. Mas não basta para fundamentar uma condenação. Para isso, é preciso que seja corroborada por outras provas.

Por entender que a acusação de estupro contra o empresário André Aranha só é baseada nos relatos da influencer Mariana Ferrer e sua mãe, a 3ª Vara Criminal de Florianópolis o absolveu em respeito ao princípio in dubio pro reo. A decisão é de 9 de setembro.

O Ministério Público de Santa Catarina denunciou Aranha por estupro de vulnerável (artigo 217-A, parágrafo 1º, do Código Penal. Isso pelo fato de o empresário supostamente ter praticado conjunção carnal com Mariana quando ela "não possuía condições de oferecer resistência ao ato".

A alegação de que a promoter havia sido dopada ou embriagada, contudo, não foi respaldada pelos exames clínicos, pelas câmeras da boate nem pelas pessoas que com ela estiveram. Mariana só se deu conta de que havia sido estuprada, segundo informou, quando chegou em casa.

Na denúncia, o MP-SC afirmou que, em dezembro de 2018, na boate Café de La Musique, em Florianópolis, Aranha, ciente que Mariana, então com 21 anos, era incapaz de oferecer resistência, a levou a um camarote. Lá, segundo a promotoria, teve relação sexual não consensual com a influencer, que era virgem e teve seu hímen rompido.

Porém, em alegações finais, o MP-SC pediu a absolvição do empresário por atipicidade da conduta — argumento semelhante ao de sua defesa.

Relatos de testemunhas

Na sentença, o juiz Rudson Marcos afirmou que, para a configuração do estupro de vulnerável, é necessário que a vítima não tenha condições físicas ou psicológicas de oferecer resistência à investida sexual e que haja dolo na conduta do agressor e ciência da vulnerabilidade do alvo. 

O julgador mencionou trecho do livro Direito Penal esquematizado, volume 3: parte especial, artigos 213 ao 359-H (Método), de Cleber Masson. Na passagem, Masson diz a vulnerabilidade tem natureza objetiva. Dessa maneira, a pessoa é ou não vulnerável se reunir ou não as peculiaridades indicadas pelo caput (ser menor de 14 anos) ou pelo parágrafo 1º ("alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência") do artigo 217-A do Código Penal. 

Entretanto, Masson deixa claro que nada impede a incidência, quanto a estupro de vulnerável, do erro do tipo, descrito no artigo 20, caput, do Código Penal. O dispositivo tem a seguinte redação: "O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei". Para o especialista, o erro do tipo não se confunde com a existência ou não da vulnerabilidade da vítima. "Como não foi prevista a modalidade culposa do estupro de vulnerável, o fato é atípico", diz Masson na passagem citada pelo juiz.

Rudson Marcos apontou que não ficou provado que Mariana Ferrer estava alcoolizada ou sob efeito de droga a ponto de ser considerada vulnerável e não consentir com o ato sexual por não ter capacidade de oferecer resistência.

Marcos destacou que os exames de alcoolemia e toxicológico apresentaram resultado negativo. O juiz também citou que a única testemunha que corroborou a versão de Mariana foi a sua mãe.

"Em que pesem tais relatos, fato é que as testemunhas que estavam na companhia da vítima afirmaram que esta estava consciente durante o período que tiveram contato com a mesma, um 'pouco alegre', mas nada demais, nada que demonstrasse estado de inconsciência ou incapacidade, nem mesmo foram alertados pela ofendida de que havia sido violentada", avaliou o julgador.

Ele ressaltou que Enya Costa Silva Sanches, a primeira pessoa a ter contato com Mariana após ela descer do camarote, contou que as duas "conversaram rapidamente, ela estava bem, normal". "Aparentava estar bêbada, mas nada fora do normal. Logo em seguida, foi embora." Enya também disse que a influencer não reclamou de nada e depois foi para outra boate. "Ou seja, neste momento a vítima aparentava estar consciente, comunicou-se com a testemunha, deixou o estabelecimento e não fez qualquer menção de que havia sofrido alguma agressão", analisou o juiz.

O segurança do Café de La Musique, Gian Pierre Ribeiro, que naquela noite fazia a vigilância do acesso ao camarote, destacou que Mariana e Aranha subiram no camarote juntos e, após alguns minutos, desceram, primeiro ela, momentos depois, o réu. Ribeiro narrou que a influencer desceu em estado normal e não comunicou nenhuma agressão, de acordo com o juiz.

Rudson Marcos opinou que as testemunhas foram "categóricas em afirmar que a vítima, aparentemente, estava consciente e em estado normal no período que permaneceu dentro do Café de la Musique e que, inclusive, ao chegar no estabelecimento 300, igualmente aparentava consciência plena e capacidade motora normal, nenhum sinal de alteração que pudesse levantar qualquer suspeita".

No Uber de volta para casa, Ferrer ligou para sua mãe e começou a chorar muito, afirmou o motorista Walton Souza Rabbib. A seu ver, ela aparentava estar sob efeito de "algo", mas não estava bêbada, pois não tinha cheiro de álcool.

A mãe de Mariana, por sua vez, contou que sua filha chegou em casa "totalmente irreconhecível". Após lhe encaminhar para o banho, a mãe disse que constatou que a influencer tinha sido violentada, porque as suas roupas estavam manchadas de sangue e com forte odor de esperma.

No entanto, os relatos de Mariana e sua mãe não permitem concluir que Aranha praticou estupro, avaliou o juiz. Em sua visão, não há outras provas que embasem a versão de ela não tinha capacidade para consentir com o ato sexual.

"Sendo assim, a meu sentir, o relato da vítima não se reveste de suficiente segurança ou verossimilhança para autorizar a condenação do acusado. Em que pese seja de sabença que a jurisprudência pátria é dominante no sentido de validar os relatos da vítima, como prova preponderante para embasar a condenação em delitos contra a dignidade sexual, nos quais a prova oral deve receber validade maior, constata-se também que dito testemunho precisa ser corroborado por outros elementos de prova, o que não se constata nos autos em tela, pois a versão da vítima deixa dúvidas que não lograram ser dirimidas", analisou Marcos.

Como as provas são conflitantes, não há como impor ao acusado a responsabilidade penal, pois "melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente", declarou o juiz ao inocentar Aranha com base no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal ("não existir prova suficiente para a condenação").

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0004733-33.2019.8.24.0023