Reconhecimento por fotografia não serve para embasar condenação, diz STJ
27 de outubro de 2020, 18h16
O reconhecimento do
suspeito de um crime por mera exibição de fotografias há de ser visto como
etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode
servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.
Reconhecimento de suspeitos deve observar as formalidades do artigo 226 do CPP
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem de Habeas Corpus para absolver um homem condenado pelo roubo a uma churrascaria em Tubarão (SC) exclusivamente com base no reconhecimento feito por meio de foto feito pelas vítimas.
A prática não
observou o disposto no artigo 226 do Código de Processo Penal, que traz duas
premissas objetivas: que a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento descreva
a pessoa que deva ser reconhecida; e que o suspeito seja colocado, se possível,
ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem
tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la.
Relator, o ministro
Rogerio Schietti destacou que essas formalidades são essenciais para o
processo, embora seu desrespeito venha sendo vergonhosamente admitido pela
jurisprudência pacífica do STJ. "Proponho que coloquemos um ponto final e
que passemos a exigir de todos os envolvidos uma mudança de postura",
disse.
Assim,
propôs diretrizes a serem seguidas
1.
O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no artigo 226
do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para
quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime
2.
À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do
procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o
reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual
condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo
3.
Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que
observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da
autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de
causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento
4.
O reconhecimento do suspeito por mera exibição de fotografia(s), ao reconhecer,
a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser
visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não
pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo
O caso atendeu ao pleiteado pela defesa do réu, feita pelo defensor público estadual Thiago Yukio Campos. Também sustentou oralmente a advogada Dora Cavalcanti, da ONG Innocence Project, que atuou como amicus curiae (amiga da corte).
Por determinação da corte,
a decisão determina que se dê ciência aos presidentes de Tribunais de Justiça e
Tribunais de Justiça Federais, ao ministro da Justiça e Segurança Pública e às
Defensorias Públicas. Deverá ser informada também aos governadores de estado e
do Distrito Federal, para que façam conhecer da decisão os responsáveis por
cada unidade policial de investigação.
Mudança
estrutural
Nas palavras do
ministro Rogerio Schietti, o reconhecimento "é a prova mais
envergonhadamente admitida na nossa jurisprudência", responsável por uma
infinidade de pessoas cumprindo pena com base apenas no reconhecimento, um
cenário que inclui, ainda, questão racial sistêmica. Assim, o objetivo da
decisão é sinalizar que o disposto no artigo 226 não é mera recomendação do
legislador, mas uma obrigatoriedade.
O que se tem, em sua
análise, é uma praxe policial totalmente divorciada das diretrizes do CPP, e
que se torna ainda mais suscetível a erro quando feita por fotografia. "É
uma prova colhida inquisitorialmente, sem a presença de advogado, do juiz, do
Ministério Público. Não tem ninguém para fiscalizar esse ato. O que se faz não
é reconhecimento. É a confirmação de um ato processual. É uma prova
indireta", criticou.
O entendimento foi seguido por unanimidade. O ministro Antonio Saldanha Palheiro classificou a decisão como "uma correção de rumo de um equívoco histórico que, por comodidade e displicência, a gente vem ratificando". Esse cenário é corroborado pelo afã de buscar um culpado para os crimes e pela precariedade do sistema científico de investigação.
O descumprimento das
formalidades impostas pela lei não pode mais ser endossado sob argumento de que
o Judiciário e a polícia não têm estrutura apropriada, destacou o ministro
Sebastião Reis Júnior. A ministra Laurita Vaz também concordou e recomendou que
a decisão fosse distribuída às defensorias.
O ministro Nefi
Cordeiro ponderou que admitir qualquer descumprimento da formalidade como causa
de nulidade da prova seria passo muito radical. "Preferiria, por ora,
deixar ao critério do julgador a definição do grau de invalidade desse
reconhecimento", destacou.
O colegiado não
considerou o voto uma divergência. "Essas pontuações ou flexibilizações, a
jurisprudência vai cuidar de assentar na medida em que forem sendo postas em
juízo. O magistrado há de saber ponderar essas circunstâncias", disse o
ministro Saldanha Palheiro.
HC
598.886
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