8 de outubro de 2020, 15h17
Ao
não estabelecer distinção entre reincidência específica ou genérica para
definição de progressão de regime de pena de condenado por crime hediondo ou
equiparado, o chamado pacote "anticrime" (Lei 13.964/2019) criou uma lacuna que abriu divergência de interpretação no
Superior Tribunal de Justiça.
Pacote "anticrime" alterou sistema de progressão de penas e abriu uma lacuna no caso dos crimes hediondos
Até
então, a situação era simplificadamente descrita no parágrafo 2º do artigo 2º
da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990):
após o cumprimento de 2/5 (40%) da pena, se o apenado for primário; e de de 3/5
(60%), se reincidente.
O
pacote "anticrime", no entanto, revogou essa norma, e introduziu o
regime de progressão para a hipótese de crime hediondo no artigo 112 do Lei de
Execução Penal (Lei 7.210/1984).
O inciso VII diz que só progredirá após 60% da pena se "for reincidente na
prática de crime hediondo ou equiparado".
Para
a 5ª Turma do STJ, não importa se a reincidência é específica ou não: se o
condenado por crime hediondo não é primário, a progressão se dará somente após
60% da pena cumprida no regime inicial.
Já
para a 6ª Turma, se a reincidência não for específica em crime hediondo, então
ocorre uma lacuna legislativa que impõe ao intérprete que faça analogia in
bonam partem (em favor do réu).
Reincidência não depende do crime
A
5ª Turma defendeu o entendimento ao julgar o Habeas Corpus 583.751,
em agosto. Por unanimidade, acompanhou o entendimento do ministro Felix
Fischer, relator, segundo o qual a condição de reincidente, uma vez adquirida
pelo sentenciado, estende-se sobre a totalidade das penas somadas.
Para
ministro Fischer, progressão após 50% da pena só vale para o réu primário
Gustavo Lima
Assim,
não se justifica a consideração isolada de cada condenação e tampouco a
aplicação de percentuais diferentes para cada uma das reprimendas, "mesmo
após a recente modificação da Lei de Execução Penal", segundo o relator.
O
réu no HC fora condenado por tráfico de drogas e afirmou na impetração que
"a lei não contempla palavras inúteis e que a norma mais benéfica deve
retroagir para beneficiar o réu".
A
condenação anterior é de tráfico na modalidade privilegiada, no parágrafo 4º do
artigo 33 da Lei de Drogas — a qual, segundo o próprio pacote
"anticrime", não é hediondo.
Ao
decidir, o ministro Felix Fischer cita a "atecnia" da lei,
"ao não deixar clara a situação do apenado reincidente por crime comum e
condenado por delito hediondo".
Se
por um lado em momento algum o legislador exige que a reincidência mencionada
no inciso VII seja específica, por outro deixa claro no inciso V que a
exigência de 50% da pena para progressão destina-se somente ao primário. Assim,
intui-se que ao não-primário deva exigir-se 60%.
Analogia in bonam partem
O
entendimento da 6ª Turma é diametralmente oposto, como ficou claro no
julgamento do Habeas Corpus 581.315, encerrado na última
terça-feira (6/10). O caso tratou de réu por homicídio — crime hediondo — que
tinha condenação anterior por receptação — delito não-hediondo.
De
forma unânime, o colegiado entendeu que, diante da lacuna legislativa, deve-se
aplicar por analogia in bonam partem (em benefício do réu)
para fazer valer o inciso VI- “a” do artigo 112, que prevê progressão após 50%
do cumprimento a "condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado,
com resultado morte, se for primário".
Se
o réu fosse reincidente específico em crime hediondo ou equiparado com
resultado morte, a fração para progredir seria ainda mais alta: 70% da pena,
conforme o inciso VIII.
O
advogado do réu chegou a pleitear fração ainda mais benéfica. Argumentou que,
se o pacote "anticrime" revogou o trecho da Lei de Crimes Hediondos
que tratava de progressão, então deveria ser aplicada a regra da primeira
redação do artigo 112 da Lei de Execução Penal, que exige apenas 1/6 da pena
cumpridos.
"Isso
não é viável. O fato de ter-se revogado a lei que alterou a redação do artigo
112, não impõe a restauração do dispositivo original. Tem-se que olhar a lei
quando do fato e a lei atual, e ver qual é a mais benéfica. É a lei
atual", explicou o relator, ministro Sebastião Reis Júnior.
HC 583.751
HC 581.315
Revista Consultor
Jurídico, 8 de outubro de 2020, 15h17
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