30 de setembro de 2020, 18h15
Compartilhar dados do
consumidor com empresas estranhas à relação contratual viola dispositivos da
Lei Geral de Proteção de Dados — LGPD (Lei 13.709/19) —, além de
direitos previstos pela própria Constituição, tais como a honra, a privacidade,
a autodeterminação informativa e a inviolabilidade da intimidade, gerando o
dever de indenizar.
Juíza entendeu que
empresa violou dados de consumidor
O entendimento é da
juíza Tonia Yuka Koroku, da 13ª Vara Cível de São Paulo. É a primeira decisão a
se valer da LGPD de que se tem conhecimento em São Paulo. Na sentença,
proferida nesta segunda-feira (29/9), a magistrada condenou a Cyrela,
companhia do ramo imobiliário, a indenizar em R$ 10 mil um cliente que
teve informações pessoais enviadas a outras empresas.
O autor comprou um
apartamento em novembro de 2018. No mesmo ano, ele começou a ser assediado por
instituições financeiras e firmas de decoração, que citavam sua recente
aquisição com a parte ré.
"'Parceiros' [da
Cyrela] obtiveram os dados do autor para que pudessem fornecer a ele serviços
estranhos aos prestados pela própria requerida [...] Cientes especificamente do
empreendimento em relação ao qual o autor adquiriu uma unidade autônoma.
Inclusive com propostas para pagamento do preço do imóvel por financiamento ou
consórcio e compra e instalação de móveis planejados para o bem", afirma a
decisão.
A magistrada afirma
que, além da LGPD, a ré violou o Código de Defesa do Consumidor e dispositivos
da Constituição Federal, dentre os quais aqueles que preconizam o respeito
à dignidade (Artigo 1º, III); construção de uma sociedade livre, justa e
solidária (artigo 3º, I); e a promoção do bem de todos, sem preconceitos (3º,
IV).
"O rol do artigo
5º da CF apresenta diversos direitos fundamentais, que devem ser garantidos e
protegidos pelo Estado, bem como observados pelos particulares em suas
relações, o que sequer demanda mediação pela via da legislação ordinária. São
direitos fundamentais a honra, o nome, a imagem, a privacidade, a intimidade e
a liberdade, o que é complementado pelo tratamento despendido pelas normas
infraconstitucionais", afirma a juíza.
Segundo o
advogado Mario Filipe Cavalcanti de Souza Santos, que atuou no caso
defendendo o consumidor, a Cyrela afirmou não ter responsabilidade sobre a
violação dos dados e que o processo tinha sido ajuizado para que o autor
"ganhasse fama" às custas da reputação de sua marca. Assim,
solicitou a condenação do reclamante por danos morais.
A juíza, entretanto,
julgou o pedido reconvencional improcedente, considerando que eventual mancha
na reputação da ré advém de sua própria conduta. As solicitações do
autor foram julgadas totalmente procedentes. Assim, a Cyrela foi condenada
na ação e na reconversão.
Proteção
de dados
À ConJur,
o advogado afirmou que parte do mercado e dos atores do setor
jurídico entendem que direitos ligados à privacidade e à proteção dos
dados só passaram a existir com a LGPD (Lei 13.709/18), que só
recentemente entrou em vigor.
Ele diz, no entanto,
que o diploma apenas aglutinou uma série de normativas que já
estão presentes há muito tempo no ordenamento jurídico brasileiro.
"Na realidade, a
Constituição de 1988 traz essa proteção estampada no artigo 5º. Em 2011, a Lei
do Cadastro Positivo traz esses regramentos em detalhes. O Marco Civil da
Internet, de 2014, foi a legislação vanguardista do Brasil sobre o tema,
reconhecida em todo o mundo. Nessas leis já há previsões que impedem o
tratamento de dados de forma inadequada", afirma.
Ainda de acordo com
ele, antes da LGPD "havia algumas ações com base no Código de
Defesa do Consumidor, que possui regramentos sobre o vício na prestação de
serviços". "Muitas vezes as pessoas pediam restabelecimento de
serviços, por exemplo. O que fizemos foi entrar com a primeira ação integralmente
focada na violação de dados, pedindo danos morais em razão dessa violação, com
fundamento nas legislações citadas acima e na LGPD."
1080233-94.2019.8.26.0100
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