Mulheres trans devem ser maiores beneficiadas, vítimas de violência e discriminação dentro de presídios masculinos
BRASÍLIA
02/10/2020
18:46Atualizado em 02/10/2020 às 18:47
Crédito: G. Dettman/CNJ
Pessoas condenadas devem
ser levadas a presídios e cadeias compatíveis com a autoidentificação de gênero
que apresentam. A mudança de entendimento, aprovada nesta sexta-feira (2/10)
pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em sessão do
plenário virtual, permite que lésbicas, gays, bissexuais, transexuais,
travestis ou intersexo (LGBTI) privados de liberdade possam cumprir suas penas
em locais adequados.
A medida deve afetar,
especialmente, mulheres trans, que sofrem graves situações de violência e
discriminação dentro de presídios masculinos. “Em um sistema penitenciário
marcado por falhas estruturais e total desrespeito a direitos fundamentais, a
população LGBTI é duplamente exposta à violação de direitos”, afirma o
conselheiro Mário Guerreiro, relator do processo que foi transformado em
resolução.
O texto determina ainda
que os juízes busquem exercer a possibilidade do cumprimento de pena dos LGBTIs
em presídios que tenham alas diferenciadas para essa população. As análises
serão feitas caso a caso. A resolução ainda não foi publicada e terá validade a
partir desse momento. Leia
a íntegra do documento.
De acordo com a
resolução, o direito à não discriminação e à proteção física e mental das
pessoas LGBTI tem amparo no princípio da dignidade humana, no direito à não
discriminação em razão da identidade de gênero ou em razão da orientação
sexual, no direito à vida e à integridade física, no direito à saúde, na
vedação à tortura e ao tratamento desumano ou cruel.
No Brasil, apenas 3% das
unidades prisionais (36 cadeias) possuem alas destinadas ao público LGBTI,
segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Outras 100
cadeias possuem celas exclusivas para essa comunidade. No geral, 90% das
penitenciárias não possuem cela ou ala destinada a esse público.
A regra também será aplicada
aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa que se autodeterminem
como parte da população LGBTI, enquanto não for elaborado lei própria,
considerando-se a condição de pessoa em desenvolvimento, com as devidas
adaptações, conforme previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
“Com esta nova resolução,
o Brasil dá um passo importante no fortalecimento da tutela das minorias e no
reconhecimento da dignidade da pessoa humana”, destaca o presidente do CNJ,
ministro Luiz Fux, que apresentou, como um dos norteadores para a gestão, a
tomada de medidas para reduzir as violações de direitos que o Estado brasileiro
ainda perpetua.
A autodeclaração deverá
ser colhida pelo magistrado em audiência em qualquer fase do procedimento
penal, incluindo a audiência de custódia, até a extinção da punibilidade pelo
cumprimento da pena, garantidos os direitos à privacidade e à integridade da
pessoa. Informado de que trata-se de pessoa LGBTI, o juiz deve explicar o texto
da resolução a ela, para que tome ciência dos direitos que lhe devem ser
garantidos. Um deles é, por exemplo, visitas íntimas.
As diretrizes para
elaboração da Resolução foram sugeridas após um ano de debate com a sociedade
civil. “A minuta do texto levou em conta as graves situações de violência
e vulnerabilidade que a população carcerária LGBTI vive, assim como a ADPF 527,
quando foram identificadas violações de direitos nesses cumprimentos de pena e
determinado que as presas transexuais femininas sejam transferidas para
presídios femininos”, conta o juiz auxiliar da presidência do CNJ Gustavo
Direito.
A necessidade de proteção
do grupo LGBTI é reconhecida e amparada nos Princípios de Yogyakarta, aprovados
em 2007 pela comunidade internacional. Apesar das leis, o Brasil lidera o
ranking mundial de violência contra transgêneros, cuja expectativa média de
vida, no país, é de 35 anos, contra os quase 80 anos de vida do brasileiro
médio, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
ANA POMPEU –
Repórter em Brasília. Cobre Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal
(STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ). Passou pelas redações do ConJur, Correio Braziliense e SBT. Colaborou
ainda com Estadão e Congresso em Foco. Email: ana.pompeu@jota.info
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