segunda-feira, 5 de outubro de 2020

CNJ reconhece identificação de gênero para população LGBTI no sistema prisional

Mulheres trans devem ser maiores beneficiadas, vítimas de violência e discriminação dentro de presídios masculinos

ANA POMPEU

BRASÍLIA

02/10/2020 18:46Atualizado em 02/10/2020 às 18:47

Crédito: G. Dettman/CNJ

Pessoas condenadas devem ser levadas a presídios e cadeias compatíveis com a autoidentificação de gênero que apresentam. A mudança de entendimento, aprovada nesta sexta-feira (2/10) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em sessão do plenário virtual, permite que lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis ou intersexo (LGBTI) privados de liberdade possam cumprir suas penas em locais adequados.

A medida deve afetar, especialmente, mulheres trans, que sofrem graves situações de violência e discriminação dentro de presídios masculinos. “Em um sistema penitenciário marcado por falhas estruturais e total desrespeito a direitos fundamentais, a população LGBTI é duplamente exposta à violação de direitos”, afirma o conselheiro Mário Guerreiro, relator do processo que foi transformado em resolução. 

O texto determina ainda que os juízes busquem exercer a possibilidade do cumprimento de pena dos LGBTIs em presídios que tenham alas diferenciadas para essa população. As análises serão feitas caso a caso. A resolução ainda não foi publicada e terá validade a partir desse momento. Leia a íntegra do documento

De acordo com a resolução, o direito à não discriminação e à proteção física e mental das pessoas LGBTI tem amparo no princípio da dignidade humana, no direito à não discriminação em razão da identidade de gênero ou em razão da orientação sexual, no direito à vida e à integridade física, no direito à saúde, na vedação à tortura e ao tratamento desumano ou cruel.

No Brasil, apenas 3% das unidades prisionais (36 cadeias) possuem alas destinadas ao público LGBTI, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Outras 100 cadeias possuem celas exclusivas para essa comunidade. No geral, 90% das penitenciárias não possuem cela ou ala destinada a esse público.

A regra também será aplicada aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa que se autodeterminem como parte da população LGBTI, enquanto não for elaborado lei própria, considerando-se a condição de pessoa em desenvolvimento, com as devidas adaptações, conforme previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

“Com esta nova resolução, o Brasil dá um passo importante no fortalecimento da tutela das minorias e no reconhecimento da dignidade da pessoa humana”, destaca o presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, que apresentou, como um dos norteadores para a gestão, a tomada de medidas para reduzir as violações de direitos que o Estado brasileiro ainda perpetua.

A autodeclaração deverá ser colhida pelo magistrado em audiência em qualquer fase do procedimento penal, incluindo a audiência de custódia, até a extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena, garantidos os direitos à privacidade e à integridade da pessoa. Informado de que trata-se de pessoa LGBTI, o juiz deve explicar o texto da resolução a ela, para que tome ciência dos direitos que lhe devem ser garantidos. Um deles é, por exemplo, visitas íntimas. 

As diretrizes para elaboração da Resolução foram sugeridas após um ano de debate com a sociedade civil. “A minuta do texto levou em conta as graves situações de violência e vulnerabilidade que a população carcerária LGBTI vive, assim como a ADPF 527, quando foram identificadas violações de direitos nesses cumprimentos de pena e determinado que as presas transexuais femininas sejam transferidas para presídios femininos”, conta o juiz auxiliar da presidência do CNJ Gustavo Direito.

A necessidade de proteção do grupo LGBTI é reconhecida e amparada nos Princípios de Yogyakarta, aprovados em 2007 pela comunidade internacional. Apesar das leis, o Brasil lidera o ranking mundial de violência contra transgêneros, cuja expectativa média de vida, no país, é de 35 anos, contra os quase 80 anos de vida do brasileiro médio, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

ANA POMPEU – Repórter em Brasília. Cobre Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Passou pelas redações do ConJur, Correio Braziliense e SBT. Colaborou ainda com Estadão e Congresso em Foco. Email: ana.pompeu@jota.info

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