Distribuição problemática
Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes
destacou que Rosa Weber foi a relatora da operação que prendeu o
traficante, de forma que ela ficaria preventa para julgar o HC, que foi
distribuído aleatoriamente para Marco Aurélio.
Para Gilmar, seria preciso reformar o
regimento da corte para evitar fraudes de distribuição do processo. O
ministro disse que, no caso concreto, nem a Procuradoria-Geral da
República "fica imune de críticas", já que apresentou a impugnação
apenas no sábado.
"Somente no sábado, 10 de outubro de
2020, quando já havia sido cumprida a ordem de soltura, é que o parquet ajuizou
o pedido de liminar em exame, no sábado, às 19h46. Isso só chegou no sábado! O
HC foi dado na terça-feira. É um festival de erros, equívocos e
omissões!", afirmou Gilmar.
Fux entendeu que há um equívoco nas
distribuições e no sistema de prevenção. Para resolver o
conflito, anunciou que publicará ainda hoje um ato da presidência
para pacificar o tema.
Assimetria censora
Ficaram vencidos na análise preliminar
sobre o cabimento da SL os ministros Lewandowski, Gilmar e Marco Aurélio.
Lewandowski citou precedente de suspensão
de liminar relatada pela ministra Cármen Lúcia que, quando na presidência da
corte, negou seguimento ao recurso (SL 1.117) alegando que qualquer outro entendimento
"viabilizaria a atuação do presidente deste Supremo Tribunal como espécie
de revisor das medidas liminares proferidas pelos demais ministros, o que se
apresenta inadequado, por comporem o mesmo órgão jurisdicional, não se havendo
cogitar de hierarquia interna".
Cármen também lembrou do próprio
precedente na SL, mas considerou que a decisão de Fux foi legítima com base em
três critérios: "1) a excepcionalidade demonstrada; 2) a urgência
qualificada; e 3) a motivação formalizada na decisão".
Para Lewandowski, no entanto, o
instrumento apropriado para questionar o HC de Marco Aurélio seria "o
agravo regimental, cujo juiz natural, no caso, seria a 1ª Turma e não o
Plenário". "O perigo de conceder-se uma tal discricionariedade aos
dirigentes da Corte, permitindo que atuem em situações por eles próprios
consideradas excepcionais, consiste no risco de que passem a cassar decisões de
colegas com base em meras idiossincrasias pessoais ou quiçá movidos por algum
viés político", argumentou.
Gilmar lembrou que ele próprio participou
da redação da Lei 8.437, invocada por Fux para aceitar o recurso, e destacou
que a interpretação do artigo 4º apresentada não se sustenta. "Ela nada
teve a ver com o objeto que estamos a discutir. Ela teve a ver com a falta de
um regime de contracautela para as situações em que não havia como pedir a
suspensão, porque era sentença cautelar e não medida liminar em mandado de
segurança, e isso está na exposição de motivos da MP que foi convertida em
lei."
Mendes também destacou os riscos de
adotar a interpretação de forma sistemática no Supremo. "Estamos em um
tribunal cuja atividade precípua é a guarda da Constituição. E o incremento
quantitativo e qualitativo da intervenção do Estado em matéria social acarreta
que até o exercício rotineiro de nossa atividade jurisdicional importe em
incursão em matérias de elevado impacto social e político. Logo, não demanda
muito esforço de imaginação cogitar que, a valer a interpretação ensaiada
nestes autos do artigo 4º da Lei 8.437, todo e qualquer interessado que tenha
sofrido sucumbência em razão de decisão monocrática certamente baterá às portas
da presidência", alertou o ministro.
"Por tudo isso, cumpre consignar
que, tomada por órgão jurisdicional absolutamente incompetente, a medida
liminar não deixa de violar a ordem pública que promete proteger",
concluiu o ministro.
Marco Aurélio, relator do HC original,
também votou pelo não conhecimento da suspensão de liminar, tecendo duras
críticas ao presidente Luiz Fux por ter, enquanto presidente da Corte, revogado
decisão de um par. Ele afirmou que levará o pedido de Habeas Corpus original
para o órgão colegiado correto para apreciação da decisão, que é a 1ª Turma, e
não o Plenário.
"Creio que o presidente é um
coordenador de iguais, sendo responsável até mesmo por uma interação maior
entre os membros do tribunal, devendo ser, por isso mesmo, algodão entre
cristais. Não pode atuar de forma trepidante, não pode ser, em relação a seus
iguais, um censor, levando ao descrédito o próprio Judiciário", afirmou o
novo decano de STF.
Histórico do caso
No último dia 2, Marco Aurélio determinou
a soltura de André do Rap. Em agosto, o ministro já tinha acatado outro pedido
de Habeas Corpus de sua defesa, pelos mesmos motivos. Ele só não foi libertado
porque havia outra condenação contra ele, a que foi alvo do novo pedido de
HC.
André foi solto na manhã
deste sábado (10/10). À noite, Fux atendeu pedido da Procuradoria-Geral da
República e o pedido de Suspensão de Liminar para que o acusado fosse preso
novamente. Segundo o ministro, havia risco à ordem pública caso André fosse
libertado.
As decisões trouxeram à tona um imbróglio
de entendimentos. Para Marco Aurélio, a suspensão da liminar não podia ter sido
feita como foi porque "descredita" a Corte. Segundo o ministro, Fux
tentou responder aos anseios populares em uma "busca desenfreada por
justiçamento".
"É a prática da autofagia ,
que só descredita o Supremo", disse. "Evidentemente, ele não tem esse
poder, mas, como os tempos são estranhos, tudo é possível", complementou o
ministro. "Disse-o bem o ministro Gilmar , na
última sessão, repetindo minha fala na posse: ele é coordenador de iguais e não
superior hierárquico."
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SL 1.395
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