sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Cidadãos não querem tomar vacina para Covid-19, mas STJ nega HC preventivo

29 de outubro de 2020, 17h56

O ministro do Superior Tribunal de Justiça Og Fernandes rejeitou um Habeas Corpus preventivo impetrado em favor de dois moradores de São José do Rio Preto (SP) contra a eventual obrigatoriedade da vacina do coronavírus.

De acordo com o pedido, o governador de São Paulo, João Doria, deu a entender em declarações à imprensa que a vacina para o combate à doença teria caráter obrigatório, o que violaria as liberdades constitucionais do cidadão. Segundo a petição, deveria ser respeitada a vontade do indivíduo de se submeter ou não a determinado procedimento terapêutico.

Para o ministro, contudo, não ficou demonstrado nenhum ato ilegal ou abusivo do governador que prejudicasse ou ameaçasse concretamente a liberdade de locomoção dos pacientes do HC.

O ministro explicou que o STJ "tem refinado o cabimento do Habeas Corpus, restabelecendo o alcance aos casos em que demonstrada a necessidade de tutela imediata à liberdade de locomoção, de forma a não ficar malferida ou desvirtuada a lógica do sistema processual vigente".

Segundo Og Fernandes, não há informação nos autos a respeito do momento em que a vacina será, em larga escala, colocada à disposição da população, tampouco foram especificadas quais seriam as sanções ou restrições aplicadas pelo poder público a quem deixasse de atender ao chamamento para a vacinação.

"Trata-se de Habeas Corpus preventivo em que não se demonstrou, de forma concreta e individualizada, em relação aos pacientes, a iminência de prática, pela autoridade coatora, de atos ilegais, violadores da liberdade de locomoção — o que não se admite", concluiu. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

HC 622.945

 

Provas obtidas por interceptação telefônica baseada apenas em denúncia anônima são ilícitas

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu a ilicitude de provas obtidas a partir de interceptação telefônica determinada com fundamento exclusivo em denúncia anônima em uma ação penal contra uma acusada de tráfico de drogas. A decisão se deu no Habeas Corpus (HC) 181020.

De acordo com o relator, o STF firmou entendimento de que a denúncia anônima é fundamento idôneo para deflagrar a persecução penal, desde seguida de diligências prévias, a fim de averiguar os fatos nela noticiados, o que não ocorreu no caso. A Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes de Piracicaba (SP) recebeu denúncias anônimas sobre a comercialização de drogas na região, e os investigadores indicaram a necessidade de interceptação das comunicações telefônicas dos investigados. Na mesma data, a autoridade policial, sem ter feito nenhuma investigação, representou pelo deferimento da interceptação e, dois dias depois, o juízo autorizou a diligência. Segundo Fachin, os fatos evidenciam que a medida foi concedida com base exclusiva nas denúncias anônimas.

Fundamentação insuficiente

O relator verificou, ainda, a insuficiência de fundamentação da decisão que autorizou a interceptação, decretada com base em considerações genéricas sobre sua necessidade para o sucesso das investigações. “Não se indica de que maneira a interceptação telefônica seria imprescindível à apuração dos fatos narrados, nem se aponta, de forma concreta, a existência de provas de materialidade e indícios de autoria aptos a autorizar a diligência”, afirmou.

Para o ministro Edson Fachin, a avaliação aplicada pelo juízo de primeiro grau não satisfaz a necessidade de motivação das decisões judiciais prevista na Constituição Federal e na Lei das Interceptações Telefônicas (Lei 9.296/1996). “Nessa ótica, a violação ao direito à decisão fundamentada configura constrangimento ilegal, de modo que a concessão da ordem é a medida que se impõe”, concluiu.

 

Revista íntima: pedido de vista suspende julgamento sobre licitude do procedimento

Pedido de vista do ministro Dias Toffoli suspendeu, nesta quinta-feira (29), o julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 959620, em que se discute a licitude das provas obtidas mediante a revista íntima de visitantes que ingressam em estabelecimento prisional, sob o argumento de que há violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à intimidade, à honra e à imagem do cidadão. Até o momento, três ministros - Edson Fachin (relator), Luís Roberto Barroso e Rosa Weber - consideram a prática inconstitucional. O ministro Alexandre de Moraes divergiu, pois admite a revista íntima como procedimento de aquisição de provas em situações específicas.

Recurso contra absolvição

O recurso foi interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP-RS) contra decisão do Tribunal de Justiça local (TJ-RS), que absolveu da acusação de tráfico de drogas uma mulher que tentava entregar ao irmão, preso no Presídio Central de Porto Alegre (RS), 96 gramas de maconha escondidas em cavidade íntima do seu corpo. Segundo o TJ-RS, a condenação não poderia ter ocorrido, pois a ré fora ouvida antes das testemunhas de acusação, o que levou à nulidade do interrogatório. O Tribunal estadual destacou, também, que se tratava de crime impossível, pois a mulher teria de se submeter à rigorosa revista, o que tornaria impossível a consumação do delito de ingressar na casa prisional com o entorpecente. Porém, o desembargador revisor fundamentou seu voto pela absolvição na ilicitude da prova, produzida em desrespeito às garantias constitucionais da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, pois a revista íntima ocasiona uma ingerência de alta invasividade.

Situações específicas

Primeiro a votar nesta tarde, o ministro Alexandre de Moraes divergiu do relator, ao entender que nem toda revista íntima pode ser automaticamente considerada abusiva, vexatória ou degradante. Segundo ele, em casos excepcionais, essa revista, embora invasiva, pode ser realizada, desde que em situações específicas e que os agentes do Estado sigam um protocolo rigoroso, para não impor o visitante a situações degradantes. O ministro também entende que as provas obtidas não são automaticamente ilícitas, e devem ser analisadas caso a caso pelo juiz, para verificar se houve excesso.

Ainda segundo o ministro, o procedimento não deve ser realizado de forma generalizada. A revista deve ser feita por pessoas do mesmo gênero e, caso haja necessidade de contato físico invasivo, por médicos. De acordo com ele, não pode haver compulsoriedade, mas a administração penitenciária pode vedar a entrada do visitante que não concordar em ser revistado.

No caso concreto, o ministro votou pela manutenção da decisão do TJ-RS, mas por outro fundamento: o fato de o interrogatório da ré ter sido realizado antes da oitiva das testemunhas de acusação.

Ilicitude de provas

Os outros ministros que votaram nesta tarde, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber, acompanharam o entendimento do relator sobre a ilicitude das provas obtidas por meio de revistas íntimas. Barroso afirmou que essa modalidade de revista é um tratamento vexatório e degradante que, como regra geral, viola a dignidade das pessoas e, portanto, as provas obtidas dessa maneira não devem ser admitidas.

Para a ministra Rosa Weber, as situações relatadas nas sustentações orais apresentadas e no voto do relator dão medida da “afrontosa humilhação” imposta, em especial às mulheres e também a crianças que visitam seus parentes em presídios. A ministra admite a realização de revistas pessoais, desde que não invasivas, mas considera que, no estado democrático de direito, não se pode tolerar práticas vexatórias como as revistas íntimas.

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Ministro Fachin vota pela inconstitucionalidade das revistas íntimas em presídios

 

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, nesta quarta-feira (28) se a revista íntima de visitantes que ingressam em estabelecimento prisional viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à intimidade, à honra e à imagem do cidadão. Também está em discussão a licitude das provas obtidas mediante este procedimento. Único a votar na sessão de ontem, o relator, ministro Edson Fachin considera que o procedimento representa tratamento desumano e degradante, incompatível com a Constituição Federal (artigo 5º, inciso III). O julgamento deverá ser retomado hoje (29), com os votos dos demais ministros.

A questão é objeto do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 959620, com repercussão geral (Tema 998), e servirá de base para a resolução de, pelo menos, 14 casos semelhantes sobrestados em outras instâncias. O recurso foi interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP-RS) contra decisão do Tribunal de Justiça local (TJ-RS), que absolveu da acusação de tráfico de drogas uma mulher que levava 96 gramas de maconha no corpo para entregar ao irmão, preso no Presídio Central de Porto Alegre (RS). Segundo o TJ-RS, a prova foi produzida de forma ilícita, em desrespeito às garantias constitucionais da vida privada, da honra e da imagem, pois a visitante foi submetida ao procedimento de revista vexatória no momento em que ingressava no sistema para realizar visita ao familiar detido.

Ofensa à dignidade humana

Em seu voto, o ministro Fachin assinalou que as provas obtidas a partir de práticas vexatórias, como o desnudamento de pessoas, agachamento e busca em cavidades íntimas, por exemplo, devem ser qualificadas como ilícitas, por violação à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais à integridade, à intimidade e à honra. O ministro observou que, de acordo com a Lei 10.792/2003, que alterou a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) e o Código de Processo Penal, o controle de entrada nas prisões deve ser feito com o uso de equipamentos eletrônicos como detectores de metais, scanners corporais, raquetes e aparelhos de raios-X. A ausência desses equipamentos, para o ministro, não justifica a revista íntima.

Fachin considera que as revistas pessoais são legítimas para viabilizar a segurança e evitar a entrada de equipamentos e substâncias proibidas nas unidades prisionais. No entanto, é inaceitável que agentes estatais ordenem a retirada de roupas para revistar cavidades corporais, ainda que haja suspeita fundada. De acordo com o ministro, a busca pessoal, sem práticas vexatórias ou invasivas, só deve ser realizada se, após o uso de equipamentos eletrônicos, ainda houver elementos concretos ou documentos que justifiquem a suspeita do porte de substâncias ou objetos ilícitos ou proibidos. Segundo ele, isso é necessário para permitir o controle judicial e a responsabilização civil, penal e administrativa nas hipóteses de eventuais arbitrariedades.

O ministro salientou que, na maioria dos estados, as revistas íntimas para ingresso em unidades prisionais foram abolidas, inclusive com regulamentação local. Segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, colhidos de 2010 a 2013, ficou constatada a reduzida quantidade de itens proibidos apreendidos em procedimentos de revista íntima, em comparação com o material ilícito recolhido na fiscalização das celas. Segundo a secretaria, em apenas 0,03% das revistas foram encontrados objetos ilícitos.

Provas ilícitas

Em relação à licitude da prova, o ministro votou pela manutenção do acórdão do TJ-RS, que anulou a condenação da mulher. Ele observou que a revista foi realizada após “denúncia anônima”, fórmula usual para justificar a realização do procedimento.

Tese

O ministro propôs a fixação da seguinte tese de repercussão geral:

“É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais, e a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos”.

Manifestações

Por videoconferência, o procurador-geral de Justiça do RS, Fabiano Dallazen, defendeu que a revista íntima na entrada de presídios, quando houver suspeita fundada, não é ilícita nem ofende direitos e garantias essenciais do cidadão, pois visa à garantia da segurança e da ordem pública. Segundo ele, o procedimento é excepcional e tem como objetivo evitar a entrada nos presídios de objetos e substâncias proibidas, como armas, telefones celulares e drogas.

Em nome da ré, o defensor público-geral do RS, Antonio Flávio de Oliveira, sustentou que, além de vexatório, o procedimento é ilícito, e as provas eventualmente obtidas por este meio devem ser descartadas. Segundo ele, o momento é de escolha entre civilização ou barbárie, pois, com os instrumentos tecnológicos atualmente à disposição, a revista íntima, que considera inadmissível, é um método ineficaz e irrisório, frente à devastação de integridade individual que representa.

O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, disse que, para o Ministério Público Federal, o controle de entrada nos presídios é necessário para a preservação da ordem. Segundo ele, caso se proíba qualquer tipo de revista, os familiares de presos serão submetidos à pressão de organizações criminosas para que levem produtos ou substâncias proibidas para os presídios. A proposta da Procuradoria-Geral da República (PGR) é que as revistas íntimas sejam realizadas apenas em situações excepcionais, quando não for possível, por motivo de saúde, por exemplo, a realização de revista eletrônica ou mecânica.

Também se manifestaram na sessão representantes da Defensoria Pública da União, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, da Pastoral Carcerária, da Conectas Direitos Humanos, do Grupo de Atuação Estratégica da Defensoria Pública nos Tribunais Superiores (GAETS) e do Instituto de Defesa do Direito de Defesa Márcio Thomaz Bastos, todos pela ilicitude das provas colhidas por meio de revista íntima ou vexatória.

 

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

 Reconhecimento por fotografia não serve para embasar condenação, diz STJ

27 de outubro de 2020, 18h16

O reconhecimento do suspeito de um crime por mera exibição de fotografias há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.

Reconhecimento de suspeitos deve observar as formalidades do artigo 226 do CPP

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem de Habeas Corpus para absolver um homem condenado pelo roubo a uma churrascaria em Tubarão (SC) exclusivamente com base no reconhecimento feito por meio de foto feito pelas vítimas.

A prática não observou o disposto no artigo 226 do Código de Processo Penal, que traz duas premissas objetivas: que a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento descreva a pessoa que deva ser reconhecida; e que o suspeito seja colocado, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la.

Relator, o ministro Rogerio Schietti destacou que essas formalidades são essenciais para o processo, embora seu desrespeito venha sendo vergonhosamente admitido pela jurisprudência pacífica do STJ. "Proponho que coloquemos um ponto final e que passemos a exigir de todos os envolvidos uma mudança de postura", disse.

Assim, propôs diretrizes a serem seguidas

1. O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime

2. À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo

3. Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento

4. O reconhecimento do suspeito por mera exibição de fotografia(s), ao reconhecer, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo

O caso atendeu ao pleiteado pela defesa do réu, feita pelo defensor público estadual Thiago Yukio Campos. Também sustentou oralmente a advogada Dora Cavalcanti, da ONG Innocence Project, que atuou como amicus curiae (amiga da corte).

Por determinação da corte, a decisão determina que se dê ciência aos presidentes de Tribunais de Justiça e Tribunais de Justiça Federais, ao ministro da Justiça e Segurança Pública e às Defensorias Públicas. Deverá ser informada também aos governadores de estado e do Distrito Federal, para que façam conhecer da decisão os responsáveis por cada unidade policial de investigação.

Mudança estrutural

Nas palavras do ministro Rogerio Schietti, o reconhecimento "é a prova mais envergonhadamente admitida na nossa jurisprudência", responsável por uma infinidade de pessoas cumprindo pena com base apenas no reconhecimento, um cenário que inclui, ainda, questão racial sistêmica. Assim, o objetivo da decisão é sinalizar que o disposto no artigo 226 não é mera recomendação do legislador, mas uma obrigatoriedade.

O que se tem, em sua análise, é uma praxe policial totalmente divorciada das diretrizes do CPP, e que se torna ainda mais suscetível a erro quando feita por fotografia. "É uma prova colhida inquisitorialmente, sem a presença de advogado, do juiz, do Ministério Público. Não tem ninguém para fiscalizar esse ato. O que se faz não é reconhecimento. É a confirmação de um ato processual. É uma prova indireta", criticou.

O entendimento foi seguido por unanimidade. O ministro Antonio Saldanha Palheiro classificou a decisão como "uma correção de rumo de um equívoco histórico que, por comodidade e displicência, a gente vem ratificando". Esse cenário é corroborado pelo afã de buscar um culpado para os crimes e pela precariedade do sistema científico de investigação.

O descumprimento das formalidades impostas pela lei não pode mais ser endossado sob argumento de que o Judiciário e a polícia não têm estrutura apropriada, destacou o ministro Sebastião Reis Júnior. A ministra Laurita Vaz também concordou e recomendou que a decisão fosse distribuída às defensorias.

O ministro Nefi Cordeiro ponderou que admitir qualquer descumprimento da formalidade como causa de nulidade da prova seria passo muito radical. "Preferiria, por ora, deixar ao critério do julgador a definição do grau de invalidade desse reconhecimento", destacou.

O colegiado não considerou o voto uma divergência. "Essas pontuações ou flexibilizações, a jurisprudência vai cuidar de assentar na medida em que forem sendo postas em juízo. O magistrado há de saber ponderar essas circunstâncias", disse o ministro Saldanha Palheiro.

HC 598.886

terça-feira, 27 de outubro de 2020

 Juiz alega constrangimento ilegal e solta trio preso com mais de 130 quilos de maconha em Guararapes

“O cidadão é livre para se locomover livremente, sem precisar prestar esclarecimentos a qualquer policial militar”, entende o juiz

 27/10/20 às 00h01

Maconha estava em carro abordado em posto de combustíveis na Marechal Rondon, em Guararapes

O juiz Marcílio Moreira de Castro soltou o homem e as duas mulheres que foram presos na madrugada do último sábado (24), em Guararapes (SP), transportando mais de 130 quilos de maconha junto com duas crianças de colo. O trio foi flagrado por policiais militares rodoviários em um posto de combustíveis na rodovia Marechal Rondon (SP-300).

A liberdade foi concedida durante o plantão judiciário ainda no sábado, pois o magistrado entendeu que os investigados sofreram constrangimento ilegal ao serem abordado sem que houvesse qualquer indício de que estariam cometendo crime.

Ele citou ainda na decisão, que “o cidadão é livre para se locomover livremente, sem precisar prestar esclarecimentos a qualquer policial militar".

Flagrante

Conforme divulgado pelo Hojemais Araçatuba, o acusado conduzia um Fiat Uno com placas de Ribeirão Preto e foi abordado quando passava pelo quilômetro 557 da estrada. Ele trazia como passageiros a companheira dele, mais uma mulher e duas crianças, uma com 3 meses de vida e outra com 1 ano e 10 meses.

Os policiais encontraram três malas carregadas com maconha dentro do porta-malas e havia mais entorpecente escondido dentro do estofamento do banco traseiro, sob o carpete e na lataria, totalizando 133 quilos.

Os investigados foram apresentados no plantão policial e após serem ouvidos, ficaram à disposição da Justiça. As crianças foram entregues ao Conselho Tutelar.

Como as audiências de custódia continuam suspensas devido à pandemia, a manifestação do Ministério Público pela conversão do flagrante em prisão preventiva foi feita e analisada eletronicamente.

Acusados transportavam mais de 130 quilos de maconha em carro, junto com duas crianças de colo.

Soltou

Ao analisar o pedido, Castro considerou que a prisão em flagrante deveria ser imediatamente relaxada por não cumprir os requisitos previstos no ordenamento jurídico. Ele argumentou que não havia mandado de busca e apreensão para o veículo vistoriado e nem "fundada suspeita", para a realização da busca pessoal.

Ainda de acordo com o magistrado, a abordagem ocorreu porque o investigado "esboçou um certo grau de nervosismo", mas os policiais, em depoimento, não esclareceram em que consistiria o suposto "grau de nervosismo", nem sequer informaram se haveria muito ou pouco nervosismo.

Outra justificativa para conceder a liberdade ao investigado foi de que o condutor havia “simplesmente” entrado em posto de combustíveis, não havendo nada de ilegal ou suspeito nisso.

“Não consta nos autos que o motorista do Fiat Uno abordado tenha praticado qualquer infração de trânsito. Não consta que ele estivesse em excesso de velocidade ou que tenha realizado manobras evasivas suspeitas. Os policiais apenas atestam um genérico e indefinido grau de nervosismo", consta na decisão.

Constrangimento

O juiz alegou que a forma de abordagem dos policiais causa preocupação nele, pois estariam abordando, realizando busca pessoal e revistando automóveis com famílias inteiras em seu interior, “com fundamentos superficiais e tênues” .

“Ora, o Brasil é República democrática, não se admite que a força policial, sob mínimas suspeitas de caráter subjetivo, pare uma família inteira em via pública, em automóvel, e pergunte invasivamente de onde estão vindo e para indo iriam”, destacou na decisão.

Ele acrescentou que não consta nos autos que houvesse uma investigação policial específica que indicasse a necessidade de parar aquele carro, naquele momento e nem havia qualquer denúncia de que o veículos estaria sendo usado para o tráfico de drogas.

“A ordem democrática brasileira, instaurada pela Constituição Federal de 1988, não autoriza abordagens policiais como esta nos autos, sem fundada suspeita, apenas com objetivo genérico de apreender qualquer eventual corpo de delito que venha a ser eventualmente encontrado, de forma aleatória, ao fundamento de realizar o combate ao crime de tráfico de drogas”, justifica.

Prova ilegal

Ainda de acordo com o juiz, a Constituição não admite abordagens para "averiguação", portanto, deve ser considerada a ilegalidade da prova obtida contra o investigado durante a abordagem.

“A nulidade de provas ilícitas existe para desincentivar abuso pela Polícia e por todas as autoridades de aplicação da lei”.

E o magistrado continua: “Não é dado à polícia militar parar aleatoriamente e de forma indiscriminada pessoas em via pública, por mínimos fundamentos, para buscar qualquer crime que venha a ser encontrado. Tal conduta policial, além de abusiva, é característica de regimes autoritários – e não de uma ordem democrática, constitucional e livre, como a adotada pela República Federativa do Brasil”, cita.

Ele argumenta na decisão que a droga foi encontrada por acaso, assim como nenhuma droga poderia ter sido encontrada, o que leva a crer que muitas outras famílias foram da mesma forma abordadas e constrangidas em via pública.

“Inadmissível pretender-se combater o tráfico de drogas sem absoluto respeito pelos direitos constitucionais do cidadão. A ilegalidade do flagrante, portanto, é a única solução aceitável, do ponto de vista legal e constitucional", cita.

Depoimentos

Por fim, Castro alega que em depoimento durante o flagrante, os policiais não se esforçaram para dizer em que consistia o suposto nervosismo do condutor do veículo, que os réus não possuem antecedentes criminais e que não foi qualificada nenhuma testemunha do flagrante, apesar de ele ter ocorrido em um posto de combustíveis, onde poderiam ser ouvidos funcionários, frentistas, clientes do posto e transeuntes.

Além disso, argumenta que os depoimentos dos dois policiais que efetuaram a prisão durante o flagrante foram idênticos, o que demonstra que foram prestados em conjunto, ou houve apenas um ato de "copiar e colar" o depoimento de um no termo do outro, o que reduz a credibilidade.

“Os depoimentos das testemunhas, para a polícia civil, devem ser espontâneos e em separado, para serem analisados por este Juízo, para fins de homologação do flagrante”.

Coisa séria

E acrescenta: “Este é outro motivo para este Juízo não decretar a preventiva dos flagranteados, além das outras razões acima. A prisão preventiva é algo gravíssimo e não será decretada diante de elementos de convicção produzidos sem a devida seriedade, com termos de depoimento meramente copiados entre as únicas duas testemunhas do fato”, conclui.

Diante da decisão, os acusados foram liberados sem fiança ou qualquer medida cautelar e foi autorizada a imediata destruição da droga, guardando apenas o suficiente para eventual contraprova.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

 Senado aprova indicação de Kassio Marques para o STF


Kassio Nunes Marques é o novo ministro do Supremo Tribunal Federal. A indicação do piauiense de 48 anos foi aprovada na noite desta quarta-feira (21/10) no Plenário do Senado, com 57 votos favoráveis e dez contrários. Ele ocupará a cadeira do ministro Celso de Mello, recém-aposentado. É o primeiro indicado por Jair Bolsonaro para a Corte.

Indicação de desembargador foi votada em regime de urgência pelo Plenário do Senado
Samuel Figueira/TRF-1

A sabatina na Comissão de Constituição Justiça (CCJ) começou às 8h desta quarta. O desembargador chegou com uma Constituição Federal embaixo do braço e acompanhado do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins. Na comissão, sua indicação foi aprovada com 22 votos favoráveis e cinco contrários, num rito que durou cerca de dez horas. 

Em apresentação inicial, Marques detalhou sua trajetória: falou da infância no Piauí, da experiência como escoteiro, da educação e tradição de rezar todos os dias. Ressaltou sua atuação como advogado e depois como juiz no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, onde foi vice-presidente com números de excelência de produtividade. A origem nordestina foi praticamente louvada pelos parlamentares.

Explicou sua formação depois de ter sido questionado sobre seu currículo acadêmico; atribuiu a polêmica a uma "incompreensão das regras educacionais europeias". "Não há menção, no meu currículo, sobre pós-graduação alguma na Espanha. Em algumas comunidades autônomas da Espanha, qualquer curso realizado após a graduação pode receber a denominação postgrado e não guardar nenhuma similitude com o que a expressão 'pós-graduação' significa no Brasil", esclareceu.

Marques demonstrou tranquilidade durante toda a sabatina — característica que, aliada a simplicidade e naturalidade, agradou aos senadores. Na maioria de suas respostas, afirmou ser um magistrado de perfil garantista, que preza pela segurança jurídica, pela decisão colegiada e aplicação de precedentes.

Também defendeu a autocontenção dos magistrados, entendendo que não cabe ao Poder Judiciário a formulação de políticas públicas. Disse aderir à "teoria consequencialista": "Tento ter a percepção das consequências que as decisões por mim proferidas vão provocar na sociedade".

Deixou, no entanto, de dar sua opinião sobre diversos temas, como a prisão após segunda instância, o inquérito das fake news, a demarcação de terra indígenas e aborto. Argumentou que o inciso III do artigo 36 da Loman veda ao magistrado emitir opinião sobre processo que seja de sua relatoria ou de outro membro do Poder Judiciário. Apontou também que, se aprovado, sua manifestação pode gerar um futuro impedimento para participar do julgamento.

Clique aqui para ler os posicionamentos defendidos na CCJ.

 

Quinta Turma altera entendimento e anula conversão de ofício da prisão em flagrante para preventiva

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, em virtude da entrada em vigor da Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), não é mais admissível a conversão de ofício – isto é, sem requerimento – da prisão em flagrante em preventiva. A fixação da tese altera o entendimento do colegiado sobre o assunto.

No habeas corpus analisado pela turma, sob relatoria do ministro Ribeiro Dantas, a Defensoria Pública de Goiás (DPGO) sustentou que a conversão ou a decretação de prisão preventiva pelo juiz, sem prévio requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial, seja durante o curso da investigação ou da ação penal, viola o sistema acusatório e os preceitos trazidos pela nova lei ao alterar os artigos 310 e 311 do Código de Processo Penal (CPP).

Ao acolher o pedido do órgão, Ribeiro Dantas destacou que as modificações do Pacote Anticrime denotam "a intenção legislativa de buscar a efetivação do sistema penal acusatório".

As duas prisões cautelares questionadas pela DPGO foram decretadas em razão de flagrante da prática do crime de receptação. O juiz, ao analisar a certidão de antecedentes dos réus, entendeu pela existência dos pressupostos autorizadores da prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP), e a decretou de ofício.

Intenção do legislador
Em seu voto, o ministro Ribeiro Dantas afirmou que a Lei 13.964/2019 promoveu diversas alterações processuais, entre as quais a nova redação dada ao parágrafo 2º do artigo 282 do CPP, que definiu que as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz mediante provocação.

Para o relator, o dispositivo tornou indispensável, de forma expressa, o prévio requerimento das partes, do Ministério Público ou da autoridade policial para que o juiz aplique qualquer medida cautelar.

Ele salientou ainda que a alteração feita no artigo 311 do CPP – a qual suprimiu a expressão "de ofício" ao tratar da possibilidade de decretação da prisão pelo magistrado – corrobora a interpretação de que é necessária a representação prévia para decretação da prisão cautelar, inclusive para a conversão do flagrante em preventiva.

"Ficou clara a intenção do legislador de retirar do magistrado qualquer possibilidade de decretação, ex officio, da prisão preventiva", disse o ministro.

Entendimento anterior
Ribeiro Dantas lembrou que a jurisprudência do STJ considerava não haver nulidade na hipótese em que o juiz, de ofício, sem prévia provocação da autoridade policial ou do órgão ministerial, converte a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos do artigo 312.

Recordou também que tanto a Sexta Turma quanto a Quinta Turma, mesmo após a edição do Pacote Anticrime, já julgaram conforme o entendimento anterior, sob o fundamento de que "a conversão do flagrante em prisão preventiva é uma situação à parte, que não se confunde com a decisão judicial que simplesmente decreta a preventiva ou qualquer outra medida cautelar". Porém, Ribeiro Dantas declarou que, diante das modificações legislativas, o tema merece "nova ponderação".

"Parece evidente a intenção legislativa de buscar a efetivação do sistema penal acusatório, vontade explicitada, inclusive, quando da inclusão do artigo 3º-A no Código de Processo Penal, que dispõe que o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação".

O relator citou decisões recentes dos ministros Celso de Mello (HC 186.421) e Edson Fachin (HC 191.042) em que o Supremo Tribunal Federal também concluiu pela inviabilidade da conversão de ofício do flagrante em prisão preventiva.

HC590039

 


Ministro concede de ofício HC que discute direito de acusado não produzir prova contra si

Em sua última decisão assinada no Supremo Tribunal Federal (STF), antes da aposentadoria, o ministro Celso de Mello restabeleceu sentença da 4ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro que absolveu, por insuficiência de provas, um homem acusado de tráfico postal em razão do envio de encomenda com 47 gramas de cocaína para Barcelona (Espanha). O relator julgou incabível o Habeas Corpus (HC) 186797, impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU), mas concedeu a ordem de ofício após verificar que o acusado havia fornecido, de próprio punho, os padrões gráficos necessários à realização de exame pericial mediante a comparação com os endereços escritos na encomenda, interceptada pela Receita Federal, sem ser advertido de que tinha o direito de não produzir prova contra si próprio, nos termos do artigo 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal.

Segundo o ministro Celso, a condenação se baseou em prova ilícita. Em sua decisão, o relator afirmou que ninguém pode ser constrangido a produzir provas contra si mesmo nem compelido a cooperar com as autoridades incumbidas da persecução penal em juízo ou fora dele. “Nesse ponto, houve clara falha do Estado provocada pela ausência, por parte da autoridade policial, dessa necessária e essencial cientificação de que o investigado não estava obrigado nem podia ser juridicamente compelido a fornecer, de próprio punho, padrões gráficos para a realização da perícia grafotécnica”, afirmou.

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

 

LEI DE DROGAS

Prejuízo de réu por tráfico que não foi ouvido por último é presumido, diz STJ

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O interrogatório do acusado é ato da defesa que confere ao réu a oportunidade de dar a sua versão, o que só pode ser feito de modo a exercer o princípio da ampla defesa e do contraditório se ele já tiver assistido à instrução e ouvido as testemunhas, de modo a contrapor-se a elas. Se a oitiva não é feita por último, o prejuízo é presumido.

Voto do ministro Schietti resolveu caso que estava afetado para definição de tese em recursos repetitivos pela 3ª Seção
José Alberto

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a recurso especial para anular a condenação de um réu cujo interrogatório foi realizado antes da oitiva das testemunhas. A decisão acaba por relaxar a prisão cautelar por excesso de prazo, com determinação de nova realização do interrogatório pelo magistrado de piso.

O réu fora condenado pelo crime de tráfico de drogas, com base em lei especial (Lei 11.343) e que estabelece um rito diferente da lei geral. Pelo artigo 57, o réu é interrogado antes da oitiva das testemunhas e, após esse procedimento, é dada a palavra, sucessivamente, ao Ministério Público e finalmente ao advogado de defesa.

O artigo 400 do Código de Processo Penal, por sua vez, determina que a oitiva do acusado seja o último ato. Para o relator, ministro Rogério Schietti, este é o rito adequado a ser seguido. "O prejuízo é manifesto e decorre da condenação, mas não apenas dela. Não se deu a oportunidade ao réu de exercer sua autodefesa, momento sagrado a qualquer acusado", opinou.

O ministro Antonio Saldanha Palheiro concordou e apontou que, no caso do testemunho do réu, o prejuízo é incito se a ordem é invertida conforme a lei especial. "Acho que é um prejuízo difícil de demonstrar. Como que vai indica que o processo tomaria outro rumo se o réu tivesse sido ouvido por último? Penso se não seria uma prova impossível", concordou o ministro Sebastião Reis Júnior. A ministra Laurita Vaz também acompanhou.

Exigência de prejuízo
O ministro Nefi Cordeiro abriu divergência afim de manter a jurisprudência íntegra e coerente, uma vez que os precedentes no STJ sempre exigiram a comprovação de prejuízo concreto para reconhecimento de nulidade.

Para ministro Nefi, entendimento sobre necessidade de prejuízo para obter nulidade não pode ser mudado pela Turma
Rafael Luz/STJ

"Para que se mude essa compreensão na inversão dos atos processuais, creio que nós só poderíamos fazer isso pela 3ª Seção ou se tivéssemos compreensão das duas turmas do Supremo", disse.

STJ chegou a afetar o tema, neste exato processo julgado pela 6ª Turma, para definição pela 3ª Seção seguindo o rito dos processos repetitivos. O processo foi desafetado em julho porque o colegiado entendeu que a matéria está intrinsecamente ligada à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre as alegações finais em casos de réus deletados.

A corte entendeu que o réu que é alvo de delação premiada deve sempre falar por último, em atenção aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. No entanto, começou a discutir uma saída para não invalidar todos os julgamentos em que se feriu o amplo direito de defesa nos últimos anos.

A ideia seria modular o entendimento. Como o julgamento foi interrompido e não tem data para ser concluído, a 3ª Seção do STJ entendeu que não caberia decidir situação análoga sobre réus por tráfico de drogas, por cautela e por uma questão de segurança jurídica.

REsp 1.808.389

 

2ª Turma concede HC coletivo a pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência

Em decisão unânime, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão desta terça-feira (20), concedeu Habeas Corpus (HC 165704) coletivo para determinar a substituição da prisão cautelar por domiciliar dos pais e responsáveis por crianças menores de 12 anos e pessoas com deficiência, desde que cumpridos os requisitos previstos no artigo 318 do Código de Processo Penal (CPP) e outras condicionantes.

Princípio da igualdade

A Defensoria Pública da União (DPU), impetrante do habeas corpus, sustentava que a decisão proferida pelo Supremo no HC 143641 em favor de todas as mulheres presas gestantes ou mãe de crianças até 12 anos ou de pessoas com deficiência deveria ter seu alcance estendido a todas os presos que sejam os únicos responsáveis por pessoas na mesma situação, pelas mesmas razões e pelos mesmos fundamentos. Segundo a DPU, a decisão, ao tutelar direito das crianças filhas de mães presas, acabou por discriminar as que não têm mãe, mas encontram, em outros responsáveis, o sentimento e a proteção familiar, ferindo, assim, o princípio constitucional da igualdade.

Interesse dos vulneráveis

O relator do HC, ministro Gilmar Mendes, observou que, assim como no precedente destacado, o direito à prisão domiciliar deve ser examinado sob a ótica do melhor interesse das crianças ou das pessoas com deficiência. Com base nessa premissa, devem ser analisados os casos envolvendo laços constituídos com outros responsáveis.

A redação do artigo 318 do CPP estabelece a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar quando o contexto familiar do investigado ou réu demonstra a sua importância para a criação, o suporte, o cuidado e o desenvolvimento de criança ou pessoa com deficiência. Para o ministro, a adequada compreensão dessa norma passa, necessariamente, pela compreensão da sua finalidade, especificamente no que se refere aos seus destinatários. Apesar de beneficiar os presos, “é preciso entender que, antes de qualquer coisa, o dispositivo tutela os nascituros, as crianças e os portadores de deficiência que, em detrimento da proteção integral e da prioridade absoluta que lhes confere a ordem jurídica brasileira e internacional, são afastados do convívio de seus pais ou entes queridos, logo em uma fase da vida em que se definem importantes traços de personalidade”, frisou.

Covid-19

Mendes destacou que a situação de risco e urgência na concessão da ordem é reforçada pela atual pandemia da Covid-19 no Brasil. A Resolução 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomenda a adoção de medidas preventivas por juízes e tribunais, entre elas a reavaliação das prisões provisórias de gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até 12 anos ou por pessoa com deficiência.

Para o presidente da Segunda Turma, a não concessão da prisão domiciliar na situação atual de calamidade de saúde pode gerar ainda mais consequências negativas. Isso porque, em primeiro lugar, mantém a criança ou a pessoa com deficiência desamparada e afastada do seu responsável durante o período em que a exigência de cuidado e supervisão é ainda maior. E, em segundo lugar, porque a prisão em regime fechado coloca em risco a saúde e a vida das pessoas responsáveis pelo cuidado e pelo suporte afetivo, financeiro, pessoal e educacional dos vulneráveis.

Condições

Para o ministro, tendo em vista a proteção integral e a prioridade absoluta conferidas pela Constituição Federal às crianças e às pessoas com deficiência, a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, nos casos dos incisos III e VI do artigo 318 do CPP, deve ser a regra, “em especial nas atuais circunstâncias de grave crise na saúde pública nacional, que geram riscos mais elevados às pessoas inseridas no sistema penitenciário”. A exceção, a seu ver, deve ser amplamente fundamentada pelo magistrado e só deve ocorrer em casos graves, como a prática de crime com violência ou grave ameaça à pessoa.

De acordo com o voto prevalecente do relator do habeas corpus, em caso de concessão da ordem para pais, deve ser demonstrado que se trata do único responsável pelos cuidados do menor de 12 anos ou de pessoa com deficiência. Em caso de concessão para outros responsáveis que não sejam a mãe ou o pai, deverá ser comprovado que se trata de pessoa imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência.

A decisão prevê, ainda, as mesmas condições estabelecidas no julgamento do HC 143641, especialmente no que se refere à vedação da substituição da prisão preventiva pela domiciliar em casos de crimes praticados mediante violência ou grave ameaça ou contra os próprios filhos ou dependentes.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Não precisa contato físico para caracterizar crime de importunação sexual, reforça TJ

A 3ª Câmara Criminal do TJSC manteve a condenação imposta a um homem por importunação sexual em continuidade delitiva. Em pelo menos quatro ocasiões, conforme os autos, enquanto observava uma adolescente de 14 anos descer e subir no ônibus escolar, o réu se masturbava e, em algumas ocasiões, fazia gestos para ela. Embora dentro de sua casa, ele ficava em local visível ao público e não apenas a vítima o via, mas outras pessoas também. O caso aconteceu numa cidade do interior de Santa Catarina em maio e junho do ano passado.

 

Em 1º grau, ele foi condenado à pena de um ano, cinco meses e 15 dias de reclusão, em regime inicial aberto, por infração ao disposto no artigo 215-A por quatro vezes, combinado com o artigo 71, ambos do Código Penal. A pena de reclusão foi substituída por prestação de serviços à comunidade e multa, no valor de um salário mínimo, em favor de entidade beneficente. Ele recorreu, com o argumento de que não havia provas aptas para embasar a condenação.

 

Porém, de acordo com o relator, desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann, em casos como esse a palavra da vítima tem especial relevância, e a prova foi corroborada pelas declarações de familiares e também por mídias audiovisuais - há registros em vídeo do crime. A adolescente, conforme o processo, parou de frequentar determinados lugares com medo de encontrar o réu.

 

Caracteriza importunação sexual o ato libidinoso praticado contra uma pessoa, sem autorização desta, com o objetivo de satisfazer o próprio desejo ou de terceiros. Brüggemann explicou que, para configurar crime, não é necessário o contato do réu com o corpo da vítima. Segundo o magistrado, estão contidos no tipo penal tanto os atos em que, para a prática libidinosa, há o contato físico quanto aqueles em que isso não ocorre, a exemplo dos casos de contemplação lasciva. Com isso, ele votou pela manutenção da sentença e seu entendimento foi seguido de forma unânime pelos desembargadores Júlio César Ferreira de Melo e Getúlio Corrêa.


segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Teleaudiência com presos reduz gastos da SAP com escolta em São Paulo

 



A implementação de videoconferências para audiências com detentos do sistema prisional de São Paulo levou a uma redução de 72% em gastos com escolta, função desempenhada por policiais militares e agentes penitenciários. A informação consta de levantamento divulgado na sexta-feira (16) pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP).

De acordo com a SAP, a economia gerada pela ampliação do modelo de teleaudiência nos 176 presídios do estado foi de R$ 9,1 milhões. Conforme especifica em nota, de janeiro a setembro de 2019, a SAP e a Secretaria da Segurança Pública desembolsaram R$ 12,6 milhões em diárias, manutenção de veículos, combustível e transporte aéreo. Este ano, o valor caiu para R$ 3,5 milhões.

Ao todo, 29.070 presos foram deslocados para participar de audiências, 75,3% a menos do que em 2019, quando 117.665 foram levados dos presídios aos fóruns. Diante dos resultados, o governo estadual pretende ampliar a quantidade de estações de teleaudiência, de 377 para 685 até o final do ano.

Embora o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) argumente que a audiência realizada nesses moldes agiliza o trabalho de magistrados, movimentos de defesa dos direitos de pessoas em privação de liberdade alertam para desvantagens que a prática traz. Eles afirmam que se acaba oferecendo ao detento um ambiente excessivamente impessoal, o que pode ser determinante no momento em que ele fica diante do juiz e como este define a sentença. Os movimentos dizem ainda que as visitas familiares servem, muitas vezes, como única oportunidade para que detentos denunciem violações de seus direitos, o que se torna inviável com a teleaudiência, em que há maior vigilância sobre eles.

Na opinião da advogada Thayná Yared, essas são práticas institucionais que contribuem para a manutenção de uma "estrutura discriminatória, opressora, racista, que não leva em consideração o bem-estar de seus cidadãos e a aplicação de direitos para determinada parcela da sociedade". Não se está falando de privilégio, nem de um país que encarcera pouco, acrescenta a advogada, ao lembrar que o Brasil é o país com a terceira maior população carcerária do mundo.

Após solicitação da Agência Brasil, a SAP afirmou, em nota, que adotou o projeto Conexão Familiar, de visitações online, "como medida emergencial e temporária para manutenção dos laços sociais, durante a pandemia. De acordo com a nota, na primeira etapa, pode-se estabelecer o contato direto do visitante com o preso por meio de correspondência eletrônica e, na segunda, realizam-se chamadas com recursos de áudio e vídeo, disponíveis em 100% das unidades.

"Observamos que, durante a visita online, existe um monitoramento do preso, mas em que o agente não controla a conversa entre reeducando e familiar. Ressaltamos que a SAP elaborou um protocolo de retomada gradual e controlada das visitas presenciais nas unidades prisionais de São Paulo. O documento foi submetido à análise técnica do Centro de Contingência do Coronavírus, que validou o protocolo para retorno das visitas presenciais não íntimas às pessoas privadas de liberdade", diz o texto.

A nota acrescenta que a implementação das medidas está condicionada à reversão de oito decisões judiciais que impedem as visitas presenciais no sistema paulista. "A Procuradoria-Geral do Estado trabalha para reverter essas decisões, demonstrando que o atual cenário de controle da pandemia permite a retomada nos moldes propostos, com total segurança dos servidores, dos visitantes e dos presos."

No informe, a SAP diz ainda que, desde meados de maio, advogados, oficiais de Justiça e defensores públicos têm feito atendimento remoto com detentos. "No caso do Judiciário, a medida já vinha em funcionamento desde antes da pandemia. Já foram realizadas até o momento 33. 016 teleaudiências e 75.254 intimações e 30.175 citações, além de 67.330 atendimentos remotos de advogados e 7.024 de defensores públicos."

Letycia Bond - Repórter da Agência Brasil - São Paulo
Edição: Nádia Franco

Ausência de renovação da prisão após 90 dias não revoga preventiva, diz STF

 15 de outubro de 2020, 18h59