Juiz alega constrangimento ilegal e solta trio preso com mais
de 130 quilos de maconha em Guararapes
“O cidadão é livre para se locomover livremente, sem
precisar prestar esclarecimentos a qualquer policial militar”, entende o juiz
27/10/20 às 00h01
Maconha estava em
carro abordado em posto de combustíveis na Marechal Rondon, em Guararapes
O juiz Marcílio Moreira de Castro soltou o homem e as duas
mulheres que foram presos na madrugada do último sábado (24), em Guararapes
(SP), transportando mais de 130 quilos de maconha junto com duas crianças de
colo. O trio foi flagrado por policiais militares rodoviários em um posto de
combustíveis na rodovia Marechal Rondon (SP-300).
A liberdade foi concedida durante o plantão judiciário ainda
no sábado, pois o magistrado entendeu que os investigados sofreram
constrangimento ilegal ao serem abordado sem que houvesse qualquer indício de
que estariam cometendo crime.
Ele citou ainda na decisão, que “o cidadão é livre
para se locomover livremente, sem precisar prestar esclarecimentos a qualquer
policial militar".
Flagrante
Conforme divulgado pelo Hojemais Araçatuba, o
acusado conduzia um Fiat Uno com placas de Ribeirão Preto e foi abordado quando
passava pelo quilômetro 557 da estrada. Ele trazia como passageiros a
companheira dele, mais uma mulher e duas crianças, uma com 3 meses de vida e
outra com 1 ano e 10 meses.
Os policiais encontraram três malas carregadas com maconha
dentro do porta-malas e havia mais entorpecente escondido dentro do estofamento
do banco traseiro, sob o carpete e na lataria, totalizando 133 quilos.
Os investigados foram apresentados no plantão policial e após
serem ouvidos, ficaram à disposição da Justiça. As crianças foram entregues ao
Conselho Tutelar.
Como as audiências de custódia continuam suspensas devido à
pandemia, a manifestação do Ministério Público pela conversão do flagrante em
prisão preventiva foi feita e analisada eletronicamente.
Acusados
transportavam mais de 130 quilos de maconha em carro, junto com duas crianças
de colo.
Soltou
Ao analisar o pedido, Castro considerou que a prisão em
flagrante deveria ser imediatamente relaxada por não cumprir os requisitos
previstos no ordenamento jurídico. Ele argumentou que não havia mandado de
busca e apreensão para o veículo vistoriado e nem "fundada
suspeita", para a realização da busca pessoal.
Ainda de acordo com o magistrado, a abordagem ocorreu porque o
investigado "esboçou um certo grau de nervosismo", mas
os policiais, em depoimento, não esclareceram em que consistiria o
suposto "grau de nervosismo", nem sequer informaram
se haveria muito ou pouco nervosismo.
Outra justificativa para conceder a liberdade ao investigado
foi de que o condutor havia “simplesmente” entrado em posto de
combustíveis, não havendo nada de ilegal ou suspeito nisso.
“Não consta nos autos que o motorista do Fiat Uno abordado
tenha praticado qualquer infração de trânsito. Não consta que ele estivesse em
excesso de velocidade ou que tenha realizado manobras evasivas suspeitas. Os
policiais apenas atestam um genérico e indefinido grau de nervosismo", consta na
decisão.
Constrangimento
O juiz alegou que a forma de abordagem dos policiais causa
preocupação nele, pois estariam abordando, realizando busca pessoal e
revistando automóveis com famílias inteiras em seu interior, “com
fundamentos superficiais e tênues” .
“Ora, o Brasil é República democrática, não se admite que a
força policial, sob mínimas suspeitas de caráter subjetivo, pare uma família
inteira em via pública, em automóvel, e pergunte invasivamente de onde estão
vindo e para indo iriam”, destacou na decisão.
Ele acrescentou que não consta nos autos que houvesse uma
investigação policial específica que indicasse a necessidade de parar aquele
carro, naquele momento e nem havia qualquer denúncia de que o veículos estaria
sendo usado para o tráfico de drogas.
“A ordem democrática brasileira, instaurada pela Constituição
Federal de 1988, não autoriza abordagens policiais como esta nos autos, sem
fundada suspeita, apenas com objetivo genérico de apreender qualquer eventual
corpo de delito que venha a ser eventualmente encontrado, de forma aleatória,
ao fundamento de realizar o combate ao crime de tráfico de drogas”, justifica.
Prova ilegal
Ainda de acordo com o juiz, a Constituição não admite
abordagens para "averiguação", portanto, deve ser
considerada a ilegalidade da prova obtida contra o investigado durante a
abordagem.
“A nulidade de provas ilícitas existe para desincentivar abuso
pela Polícia e por todas as autoridades de aplicação da lei”.
E o magistrado continua: “Não é dado à polícia militar
parar aleatoriamente e de forma indiscriminada pessoas em via pública, por
mínimos fundamentos, para buscar qualquer crime que venha a ser encontrado. Tal
conduta policial, além de abusiva, é característica de regimes autoritários – e
não de uma ordem democrática, constitucional e livre, como a adotada pela
República Federativa do Brasil”, cita.
Ele argumenta na decisão que a droga foi encontrada por acaso,
assim como nenhuma droga poderia ter sido encontrada, o que leva a crer que
muitas outras famílias foram da mesma forma abordadas e constrangidas em via
pública.
“Inadmissível pretender-se combater o tráfico de drogas sem
absoluto respeito pelos direitos constitucionais do cidadão. A ilegalidade do
flagrante, portanto, é a única solução aceitável, do ponto de vista legal e
constitucional", cita.
Depoimentos
Por fim, Castro alega que em depoimento durante o flagrante,
os policiais não se esforçaram para dizer em que consistia o suposto nervosismo
do condutor do veículo, que os réus não possuem antecedentes criminais e que
não foi qualificada nenhuma testemunha do flagrante, apesar de ele ter ocorrido
em um posto de combustíveis, onde poderiam ser ouvidos funcionários,
frentistas, clientes do posto e transeuntes.
Além disso, argumenta que os depoimentos dos dois policiais
que efetuaram a prisão durante o flagrante foram idênticos, o que demonstra que
foram prestados em conjunto, ou houve apenas um ato de "copiar e
colar" o depoimento de um no termo do outro, o que reduz a
credibilidade.
“Os depoimentos das testemunhas, para a polícia civil, devem
ser espontâneos e em separado, para serem analisados por este Juízo, para fins
de homologação do flagrante”.
Coisa séria
E acrescenta: “Este é outro motivo para este Juízo não
decretar a preventiva dos flagranteados, além das outras razões acima. A prisão
preventiva é algo gravíssimo e não será decretada diante de elementos de
convicção produzidos sem a devida seriedade, com termos de depoimento meramente
copiados entre as únicas duas testemunhas do fato”, conclui.
Diante da decisão, os acusados foram liberados sem fiança ou
qualquer medida cautelar e foi autorizada a imediata destruição da droga,
guardando apenas o suficiente para eventual contraprova.