29 de setembro de 2020, 16h00
Orlando
Diniz pôde manter US$ 250 mil no exterior; Dario Messer recebeu R$ 11 milhões
de herança; Alberto Youssef inicialmente receberia R$ 1 milhão para cada R$ 50
milhões recuperados; Antonio Palocci manteve mais da metade de seu patrimônio
de R$ 80 milhões.
Os
exemplos se sucedem para mostrar que não é mau negócio ser delator na
"lava jato". Os acordos de colaboração premiada do ex-presidente
da Fecomércio Orlando Diniz e do doleiro Dario Messer são só os casos mais
recentes que atestam que colaboradores seguiram com bens e dinheiro mesmo
após confessarem a prática de crimes.
Pelo
acordo, Dario Messer deve cumprir pena de até 18 anos e 9 meses de prisão
Pelo
acordo, Messer não deverá cumprir pena de até 18 anos e 9 meses de prisão — com
progressão de regime prevista em lei e regime inicial fechado — e renunciar a
99% do seu patrimônio, estimado em R$ 1 bilhão. Sobrariam R$ 3,5 milhões de uma
conta nas Bahamas e um apartamento de R$ 3 milhões no Leblon, totalizando R$
6,5 milhões.
Porém,
em 14 de agosto, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de
Janeiro, permitiu que o doleiro recebesse mais R$ 11 milhões da herança de sua
mãe. Dessa maneira, ele ficaria com um patrimônio de R$ 17,5 milhões.
Ao
portal UOL, o Ministério Público Federal afirmou que a herança é
“uma expectativa de direito” e “não foi levada em conta no cálculo do
colaborador”. O órgão disse que esses bens são lícitos, pois a mãe dele não foi
investigada por crimes. No entanto, em 2018 o MPF pediu o bloqueio da herança,
com o argumento de que Messer ocultou valores de crimes por meio de transferências
para parentes.
A
recuperação do dinheiro de Messer, no entanto, ao menos no volume
divulgado, está longe de ser tangível ou garantida. Consultados pela ConJur, especialistas brasileiros
e paraguaios — boa parte do valor está no país vizinho — são uníssonos em
apontar a complexidade da operação entre os dois países.
Já
no caso de Orlando Diniz, o empresário teve direito de manter US$ 250 mil
(quantia superior a R$ 1,2 milhão pelo câmbio atual) em uma conta no exterior
porque o patrimônio teria origem lícita,
segundo o Ministério Público Federal.
Vídeos
da delação vazados para a imprensa mostram que Diniz foi dirigido pelos
procuradores. Em muitos momentos, é a procuradora Renata Ribeiro Baptista
quem explica a Diniz o que ele quis dizer. Quando o delator discorda do texto
atribuído a ele, os procuradores desconversam, afirmando que vão detalhar nos
anexos.
Outros casos
O
segundo acordo de
delação premiada firmado pela “lava jato” foi o do doleiro
Alberto Youssef. O compromisso possuía uma “cláusula de performance, que lhe
destinava R$ 1 milhão para cada R$ 50 milhões recuperados com sua ajuda.
Responsável
pela defesa do ex-presidente Lula, o advogado Cristiano Zanin Martins
questionou a cláusula em audiência em 2018. Youssef então declarou que
renunciado à cláusula.
No acordo de
colaboração premiada que firmou com a Procuradoria-Geral da República, o
ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado teve que pagar uma multa de R$ 75
milhões. Em troca, não ficou nenhum dia na prisão — desde o começo, sua pena
pôde ser cumprida em sua mansão em Fortaleza.
Outro
que se deu bem foi o lobista Fernando Soares, vulgo Fernando Baiano. Sua pena foi
cumprida em uma cobertura de 800 metros quadrados na orla da Barra da Tijuca,
bairro nobre na zona oeste do Rio de Janeiro.
Já
Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil, pôde ficar com R$ 45
milhões de seu patrimônio de R$ 80 milhões em termo de cooperação firmado com a
Polícia Federal.
A
delação de Palocci é repleta de inconsistências. A peça central do acordo não existe.
O contrato que ele disse ter sido feito com a empreiteira Camargo Correa para
“comprar” uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, na verdade, era com
outra empresa: o Grupo Pão de Açúcar. Branislav Kontic, ex-assessor Palocci,
disse que o ex-ministro o pressionou para
confirmar "ficções de sua delação".
Pelo
menos três inquéritos abertos com base na delação de Palocci foram arquivados
por falta de provas. Em agosto, a Polícia Federal encerrou investigação que
trata de acusações em torno do Fundo Bintang — que envolvia pessoas como Lula,
o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e André Esteves (BTG), entre
outros. Conforme a PF, os únicos elementos de corroboração da colaboração
de Palocci são notícias de jornais que, na coleta de provas, não se
confirmaram.
Outro
inquérito que também falava do BTG e um sobre o ex-ministro da Fazenda Delfim
Netto também foram arquivados pelo mesmo motivo. Também em agosto, o Supremo
Tribunal Federal anulou acusações
produzidas em conjunto por Palocci e pelo ex-juiz Sergio Moro às vésperas da
eleição presidencial de 2018, em ação penal contra Lula.
Propagandeada
pela imprensa em 2016 como a “delação do fim do mundo”, as colaborações da
Odebrecht envolveram 79 executivos. De acordo com reportagem do UOL,
cada um recebeu R$ 15 milhões pelo compromisso. E a maioria deles seguiu sua
carreira normalmente, seja abrindo negócios, seja atuando em outras empresas,
seja prestando consultoria. Diversos delatores da Odebrecht não foram
condenados ainda nem começaram a cumprir pena.
Em
maio, a defesa de Lula apresentou documentos
que apontam que Odebrecht pagou delatores. Os documentos foram
apresentados pela construtora em processos contra Marcelo Odebrecht. Entre
eles, está uma planilha segundo a qual ex-executivos e colaboradores da
Odebrecht receberiam por até nove anos valores da empresa sem qualquer
tipo de prestação de serviço após a celebração dos acordos de delação premiada.
Conforme
a defesa do petista, os documentos provam que a empreiteira pagou pelas
"delações premiadas e pelo conteúdo que elas veicularam para tentar
incriminar o ex-presidente Lula". Da planilha apresentada constam apenas
beneficiários que fecharam acordos de colaboração com auxílio da empresa.
Decisão é do juiz
No julgamento em
que o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que polícias podem firmar acordo de
delação premiada, o ministro Marco Aurélio, relator do caso, ressaltou que,
independentemente do que seja estabelecido em acordo de delação premiada, a
palavra final sobre a concessão dos benefícios é do juiz.
“Os
benefícios que tenham sido ajustados não obrigam o órgão julgador, devendo ser
reconhecida, na cláusula que os retrata, inspiração, presente a eficácia da
delação no esclarecimento da prática delituosa, para o juiz atuar, mantendo a
higidez desse instituto que, na quadra atual, tem-se mostrado importantíssimo.
Longe fica o julgador de estar atrelado à dicção do Ministério Público, como se
concentrasse — e toda concentração é perniciosa — a arte de proceder na
persecução criminal, na titularidade da ação penal e, também, o julgamento,
embora parte nessa mesma ação penal”.
Acordos ilegais
Os
acordos de delação premiada firmados na operação “lava jato” possuem cláusulas
que violam dispositivos da Constituição —
incluindo direitos e garantias fundamentais —, do Código Penal,
do Código de
Processo Penal e da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984). Isto é o
que apontou levantamento feito
pela revista Consultor Jurídico.
Em
parecer, os professores da Universidade de Coimbra José Joaquim Gomes
Canotilho e Nuno Brandão afirmaram que os acordos de
delação premiada firmados pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e
pelo doleiro Alberto Youssef na operação “lava jato” são ostensivamente ilegais e
inconstitucionais.
Segundo
eles, acordos de delação premiada não podem prometer redução da pena em
patamar não previsto na Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013),
nem oferecer regimes de cumprimento dela que não existem nas leis penais. Caso
contrário, haverá violação aos princípios da separação de poderes e da
legalidade. Também por isso, esses compromissos só alcançam delitos tipificados
por tal norma, e não isentam o Ministério Público de deixar de investigar ou
denunciar atos praticados pelo delator.
Sérgio Rodas é
correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de
Janeiro.
Revista Consultor
Jurídico, 29 de setembro de 2020, 16h00
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