ExCelso: A carta de um ministro de saída do STF para o presidente da
República
Que o indicado seja melhor que eu, escreveu Paulo
Brossard a Itamar Franco em 1992
BRASÍLIA
27/09/2020 10:
A
carta de Brossard a Itamar Franco
A aposentadoria do
ministro Celso de Mello, antecipada para o dia 13 de outubro, abre formalmente
o processo de indicação pelo presidente Jair Bolsonaro. O indicado, sendo
aprovado pelo Senado, ocupará a cadeira número 3 do Supremo, conforme a linha
sucessória – cadeira que já foi de Candido Motta e Rodrigues Alckmin.
Bolsonaro antecipou
algumas das características que busca no substituto de Celso – terrivelmente
evangélico, de sua extrema confiança, alguém que não faça com ele o que Raquel
Dodge, escolhida por Michel Temer para a Procuradoria-Geral da República a
despeito de ser a segunda colocada na eleição interna do Ministério Público e que,
de saída, denunciou o presidente que a nomeara.
E este processo faz
lembrar a carta que o ministro do Supremo Paulo Brossard enviou ao então
presidente Itamar Franco quando sua aposentadoria do tribunal se aproximava. Um
documento que dá a dimensão da escolha que Bolsonaro terá de fazer – e que o
Senado deverá confirmar. E uma mensagem que Brossard pôde mandar ao amigo, algo
que Celso de Mello não poderia fazer em relação a Bolsonaro.
Brossard só se
aposentaria em outubro de 1994, mas enviou as palavras para que Itamar não
fosse surpreendido. E se deu a liberdade, pelo cargo que ocupava e pelo
conhecimento da história do Supremo, a fazer sugestões ao presidente da
República.
“Pode ocorrer que
surjam candidatos, mas é preciso não esquecer que ninguém, por mais eminente
que seja, tem direito de postular o cargo, que se não pleiteia, e aquele que o
fizer, a ele se descredencia; seu provimento é entregue à integridade,
descortino e senso de responsabilidade do presidente da República, sujeito
apenas ao prazme do Senado Federal”.
Brossard lembrava que
cargo de ministro do STF não se pleiteia nem se recusa – lembrando o precedente
de Pedro Lessa, que ouviu frase semelhante do então presidente da República,
Afonso Pena. A história do Supremo, contudo, está repleta de ministros que
pleitearam o cargo – e de nomes que também o recusaram.
A citação, contudo,
serve de advertência para a importância do cargo e para a responsabilidade do
presidente da República que, se errar na escolha, não tem como desfazê-la. A
ex-presidente Dilma Rousseff, por exemplo, dizem seus ex-assessores,
arrependeu-se de uma de suas escolhas. Ela, entretanto, nunca falou sobre o
assunto publicamente.
Por último, na carta,
Brossard pede ao presidente que indique alguém melhor para sucedê-lo no STF:
“Eu de mim ficarei feliz, por ti e pelo Supremo Tribunal Federal, que hoje
tenho a honra de integrar, se o escolhido para substituir-me for, como espero,
melhor do que eu”.
Celso de Mello
certamente não escreverá uma carta ao presidente Bolsonaro. E diante da notícia
de sua aposentadoria antecipada em três semanas divulgou uma nota, permitindo
ler nas entrelinhas as críticas ao governo atual:
“Tenho absoluta
convicção de que os magistrados que integram a Suprema Corte do Brasil, por
mais procelosos e difíceis que sejam (ou que possam vir a ser) os tempos (e os
ventos) que virão, estão, todos eles, à altura das melhores tradições
históricas do Supremo Tribunal Federal na proteção da institucionalidade, no
amparo das liberdades fundamentais, na preservação da ordem democrática, na
neutralização do abuso de poder e, como seu mais expressivo guardião, no
respeito e na defesa indeclináveis da supremacia da Constituição e das leis da
República!”.
A resposta de Itamar Franco à carta de Brossard
Itamar Franco
escolheu Maurício Corrêa para suceder Brossard no STF. Brossard, quando lhe
perguntei se Itamar atendera seu pedido – de indicar alguém melhor que ele para
o STF –, respondeu apenas com um sorriso.
***A coluna ExCelso é
um espaço para lembrarmos e discutirmos a história do Supremo Tribunal Federal
por meio de imagens, documentos, entrevistas, livros. A coluna será publicada
semanalmente e traz em seu nome uma referência ao atual decano, Celso de Mello,
que, pela função e temperamento, funciona como a memória do tribunal. Quem
assiste às sessões já se acostumou às suas referências que, não raro, vão até o
Império e às Ordenações Filipinas, do século XVI.
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