A Lei 13.827/19 e a aplicação de medidas protetivas
de urgência pelas autoridades policiais
Por Rodrigo Foureaux
15 de maio de 2019
A Lei 13.827/19 e a aplicação de medidas protetivas de urgência pelas
autoridades policiais
Na data de ontem (14 de maio de 2019) foi publicada no Diário Oficial da
União, com vigência imediata, a Lei n. 13.827, que altera a Lei Maria da Penha
(Lei n. 11.340/06) para autorizar a aplicação de medida protetiva de urgência,
pela autoridade judicial ou policial, à mulher em situação de violência
doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da
medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional
de Justiça.
A Lei n. 13.827, de 13 de maio de 2019, prevê em seu artigo 1º que a
alteração da Lei Maria da Penha visa autorizar a concessão de medida protetiva
de urgência pela autoridade policial, sendo acrescido na Lei n.
11.340/06 o art. 12-C, II e III, que o delegado de polícia e policial são
legitimados para concederem as medidas protetivas.
Nota-se, portanto, que o legislador referiu-se à autoridade policial
como gênero, dos quais são espécies os policiais civis e militares.
O art. 12-C da Lei Maria da Penha traz requisitos para que a autoridade
policial conceda medidas protetivas de urgências, consistentes em risco atual
ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência
doméstica e familiar, ou de seus dependentes.
Em se tratando de delegado de polícia, para que possa conceder a medida
protetiva, o município em que atua não pode ser sede de comarca. Caso se trate
de outro policial (civil ou militar), é necessário que além do município não
ser sede de comarca, não haja delegado disponível no momento da denúncia, por
qualquer motivo (férias, licença, dificuldades de contatar o delegado
plantonista etc).
Destaco que a autoridade policial legitimada a conceder a medida
protetiva de urgência pode ser o Escrivão, o Agente de Polícia e do Soldado ao
Coronel da Polícia Militar.
Trata-se o que podemos chamar de legitimidade condicionada.
Frisa-se que a permissão legal para que a autoridade policial conceda
medida protetiva de urgência exige que o local dos fatos não seja sede de
comarca, por presumir que nestes casos haverá uma maior demora, em razão da
distância e trâmites necessários para remeter os autos para o juiz competente.
Ocorre que esse critério não pode ser interpretado de forma absoluta,
pois é comum, em vista da realidade do país, que muitas cidades com ampla
extensão territorial possuam moradores que residem em locais distantes da sede
da comarca, sobretudo em áreas rurais.
A título exemplificativo, o município de Cavalcante (comarca em que este
juiz é titular), situado em Goiás, possui uma área de 6.954 km², e parte dos
moradores de Cavalcante residem próximo a Minaçu, na comunidade Vila Vermelho e
na região do Carmo, que ficam cerca de 200 quilômetros de distância da sede da
comarca.
Noutro giro, o município de Teresina de Goiás não possui fórum e a sede
da comarca fica em Cavalcante, que fica cerca de 24 quilômetros de distância
daquele município.
Ora, é de todo incongruente permitir que a autoridade policial conceda
medidas protetivas de urgências para as vítimas de violência doméstica que
residem em Teresina de Goiás e não conceda para as ofendidas que moram em
Cavalcante.
Portanto, em casos excepcionais, ainda que o município seja sede de
comarca, a autoridade policial pode e deve conceder medidas protetivas de
urgência.
Assim, tem-se os seguintes pressupostos para a concessão da medida
protetiva pelos policiais:
1.
Risco atual ou iminente à vida ou à integridade física;
2.
Vítima mulher ou seus dependentes;
3.
Situação de violência doméstica e familiar;
4.
Legitimidade condicionada da autoridade policial.
Presentes os pressupostos mencionados a autoridade policial deverá
determinar o afastamento imediato do agressor do lar, domicílio ou local de
convivência com a ofendida.
Trata-se de um poder-dever. A autoridade policial não tem
discricionariedade. Sempre que presentes os pressupostos deverá determinar o
afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a
ofendida.
A Lei n. 13.827/19 foi clara ao dizer no art. 12-C que “Verificada a
existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher
em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o
agressor SERÁ imediatamente afastado do lar, domicílio ou
local de convivência com a ofendida:”;
A única medida protetiva de urgência que pode ser concedida pelas
autoridades policiais é o afastamento imediato do agressor do lar, domicílio ou
local de convivência com a ofendida.
As demais medidas, como proibição de manter contato com a ofendida e de
se aproximar da vítima continuam sendo de exclusividade do juiz.
Nota-se que não há previsão legal para que o Ministério Público conceda
as medidas protetivas de urgência.
Sempre que a autoridade policial conceder a medida protetiva de urgência
deverá, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas comunicar o juiz
competente que terá 24 (vinte e quatro) horas para decidir sobre a manutenção
ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público
concomitantemente (art. 12-C, § 1º, da Lei n. 11.340/06).
Dada a urgência da medida, o legislador optou por não obrigar o juiz a
ouvir o Ministério Público antes de decidir sobre a manutenção ou revogação da
medida aplicada pela autoridade policial, pois a lei menciona que o juiz
decidirá em 24 (vinte e quatro) horas e dará ciência ao Ministério Público.
A Lei n. 13.827/19 passou a prever no art. 12-C, § 2º, da Lei Maria da
Penha que “Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade
da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao
preso.”
O Superior Tribunal de Justiça possui julgado que afirma não ser
possível a decretação da prisão preventiva nos casos de contravenção penal,
como a vias de fato, e em um caso concreto, em que havia ocorrido “puxões de
cabelo, torção de braço (que não geraram lesão corporal) e discussão no
interior de veículo, onde tentou arrancar dos braços da ex-companheira o filho
que têm em comum” decidiu pela impossibilidade da prisão por violação ao art. 313, III, do Código de
Processo Penal, que menciona ser possível a prisão somente nas
hipóteses de crimes (HC 437.535/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,
Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em
26/06/2018, DJe 02/08/2018).
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a
decretação da prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a
mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para
garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (Redação dada pela Lei
nº 12.403, de 2011).
Diante da nova previsão legal as razões de ser do julgado perdem o
sentido, na medida em que a Lei n. 13.827/19 proibiu a concessão de liberdade
provisória ao preso sempre que houver risco à integridade física da ofendida ou
à efetividade da medida protetiva de urgência, sem restringir às hipóteses de
ocorrência de crimes, razão pela qual deve englobar as contravenções penais, em
observância ao princípio da proibição de proteção deficiente.
Por “preso” deve-se entender todo aquele que foi preso em flagrante
delito em situação de violência doméstica e familiar.
Os números de homicídios e agressões praticadas contra mulher são
alarmantes. Cerca de 12 (doze) mulheres são
assassinadas diariamente no Brasil.
Deve ser feita uma interpretação sistemática que conceda maior proteção
à mulher. De tempos em tempos a legislação tem se aperfeiçoado na proteção à
mulher e medidas públicas são adotadas com o fim de prevenir e reprimir a
violência doméstica.
Entre o risco à vida e à integridade física da mulher e a liberdade do
agressor que praticou contravenção penal de vias de fato, deve-se primar pela
primeira, conforme disposto no § 2º do art. 12-C da Lei n. 11.340/06.
Deve-se destacar que quando a autoridade policial conceder medida
protetiva de urgência, caso o agressor descumpra a ordem, antes do juiz
mantê-la, não praticará o crime previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha,
pois este crime exige para a sua caracterização que a medida protetiva de
urgência tenha sido concedida por decisão judicial.
Enquanto o afastamento não é analisado judicialmente possui título de
decisão extrajudicial de natureza policial. A partir do momento em que o juiz
mantém a ordem da autoridade policial o fundamento jurídico que afasta o
agressor do lar passa a ter natureza jurídica de decisão judicial, motivo pelo
qual será possível responsabilizar o agressor pelo crime de descumprimento de
medidas protetivas de urgência.
Em que pese não se tratar do crime previsto no art. 24-A da Lei
11.340/06 quando o agressor descumprir a ordem de afastamento do lar emitida
pela autoridade policial, a desobediência caracteriza o crime de desobediência
previsto no art. 330 do Código Penal (desobediência).
Com efeito, a jurisprudência é pacífica (STJ – HC 305.409/RS, Rel.
Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 15/04/2016)
que quando houver descumprimento de ordem de autoridade e houver previsão em
lei das consequências do descumprimento, não se configura o crime de
desobediência, como era o caso do descumprimento de medida protetiva
determinada judicialmente, pois o juiz poderia impor outras medidas, inclusive,
decretar a prisão preventiva do ofensor, uma vez que as medidas de proteção são
progressivas.
Isto é, antes da Lei 13.641, de 03 de abril de 2018, que passou a prever
o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência (art. 24-A da Lei
11.340/06), quando o agente descumpria ordem judicial poderia, no máximo,
sofrer como consequências a fixação de outras medidas cautelares e a decretação
da prisão preventiva.
Após a criação do tipo penal previsto no art. 24-A da Lei Maria da
Penha, o ofensor poderá, além de ser preso pelo descumprimento de medida
protetiva, responder e ser preso pelo novo delito.
Isso porque o § 4º do art. 282 do Código de Processo Penal assevera que
“No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o
juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu
assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em
cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312,
parágrafo único).”
As obrigações impostas a que se refere o art. 282, § 4º, do CPP são
decretadas pelo juiz (art. 282, § 2º, do CPP).
O art. 312, parágrafo único, do Código de Processo Penal possibilita a
prisão preventiva em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas
por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).
O art. 313, III, do Código de Processo Penal prevê, nos termos do art.
312 do CPP, a possibilidade de se decretar a prisão preventiva para garantir a
execução das medidas protetivas de urgência.
Portanto, somente nos casos em que o juiz fixar medidas protetivas de
urgência é que o Código de Processo Penal traz como consequência a
possibilidade de se decretar a prisão preventiva, em que pese, na prática, o
descumprimento da medida protetiva fixada pela autoridade policial servir como
substrato fático idôneo e fundamentação suficiente para a decretação da prisão
preventiva de imediato.
Dessa forma, sob o ponto de vista penal, como no caso de descumprimento
de medida protetiva de urgência fixada pela autoridade policial não possui
consequências jurídicas processuais fixadas em lei, haverá o crime de
desobediência previsto no art. 330 do Código Penal.
Com a publicação da Lei n. 13.827/19 surgem correntes acerca de sua
constitucionalidade, basicamente, sob três vertentes.
A primeira corrente sustenta ser inconstitucional, pois
a competência para a concessão de medidas protetivas de urgência é exclusiva da
autoridade judiciária, por envolver restrição a direitos fundamentais.
Tal argumento não deve prosperar, pois a exclusividade do Poder
Judiciário é quanto à prisão fora das hipóteses de flagrante delito, de
transgressão militar ou de crime propriamente militar (art. 5º, LXI, da CF),
sendo que em qualquer caso a prisão será comunicada ao juiz que poderá relaxá-la,
mantê-la ou conceder liberdade provisória com ou sem medidas cautelares
diversas da prisão.
De mais a mais o delegado de polícia pode conceder medida cautelar
diversa da prisão, como é o caso do arbitramento de fiança nas infrações cuja
pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 04 (quatro) anos.
Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos
casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4
(quatro) anos. Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida
ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.
Portanto, não há nenhuma inconstitucionalidade na possibilidade prevista
em lei para que autoridades policiais concedam medida protetiva de urgência de
afastamento imediato do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com
a ofendida.
A segunda corrente afirma ser inconstitucional no ponto
em que autoriza o policial, sem ser o delegado de polícia, a conceder medida
protetiva de urgência, pois dentre os policiais somente o delegado de polícia
pode restringir direitos fundamentais, por ser o único legitimado a
confeccionar auto de prisão em flagrante e arbitrar fiança. Além do mais, os
policiais não possuem, em sua maioria, formação jurídica.
Essa corrente não se sustenta, pois todo e qualquer policial possui
formação jurídica necessária para a atividade policial, tanto é que devem, a
todo momento, analisar cada ocorrência policial para adoção das providências
legais, realizando, ainda que superficialmente, um análise se houve crime e
quais providências devem ser adotadas.
Os policiais possuem ainda poderes para restringirem, momentaneamente, a
liberdade de uma pessoa até passarem a ocorrência para o delegado de polícia,
que será responsável por decidir se haverá a lavratura do auto de prisão em
flagrante e a sua ratificação, com a consequente restrição da liberdade ou
concessão de liberdade provisória.
No caso da Lei n. 13.827/19 não é necessário que se exija bacharelado em
direito para risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher
em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes.
A formação jurídica que os policiais possuem para a atividade policial é
suficiente para a análise da concessão de medida protetiva de urgência de
afastamento imediato do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com
a ofendida.
Outrossim, os policiais também podem restringir momentaneamente direitos
fundamentais, o que ocorre com a “voz de prisão” e condução de um agente de
crime para a Delegacia.
Em se tratando de medida protetiva de urgência concedida por um policial
será comunicada no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas ao juiz
competente, que decidirá em igual prazo sobre a manutenção ou a revogação da
medida aplicada.
Portanto, há um juízo de legalidade da medida aplicada a ser realizado
pela autoridade judiciária, o que vem a legitimar a atuação policial em casos
extremos.
A terceira corrente, defendida pelo Professor e Delegado
Thiago Garcia (postagem feita no instagram @deltathiago), afirma que a Lei n. 13.827/19 é
inconstitucional quando autoriza que a autoridade policial conceda medita
protetiva de urgência somente nos casos em que o município não for sede de
comarca.
Isso porque trata de forma desigual mulheres que se encontram na mesma
situação fática.
Thiago Garcia cita como exemplo a seguinte situação: “Maria mora em uma
cidade pequena que não é sede de Comarca e está em perigo. O Delegado pode
determinar imediatamente que o agressor deixe a casa do casal;
Rosana mora em uma cidade grande que é sede de Comarca e está em perigo. Nesse
caso, a lei permite que a protetiva judicial até 96 horas para sair (art. 12,
III e art. 18, caput, LMP).”
Concordamos com a inconstitucionalidade acima descrita, pois há um
tratamento diferenciado para situações iguais.
O fato de ser sede da comarca não implica dizer que haverá a concessão
imediata de medida protetiva de urgência, pois a própria Lei Maria da Penha
concede o prazo de 48 (quarenta e oito) horas para que o delegado de polícia
remeta ao juiz o pedido da ofendida para a concessão de medidas protetivas de
urgência (art. 12, III) além de prever o prazo de mais 48 (quarenta e oito)
horas para o juiz decidir (art. 18).
Isto é, para as mulheres que residem em cidades menores, que não contem
com a presença de um juiz, haverá afastamento imediato do agressor do lar, mas
para as cidades que contem com a presença do juiz, o prazo é de 96 (noventa e
seis) horas.
Há uma incongruência enorme na lei, o que pode ser resolvido por meio
de Ação Direta de
Inconstitucionalidade, ocasião em que o STF poderá declarar
inconstitucional a expressão “quando o Município não for sede de comarca”,
prevista nos incisos II e III do art. 12-C da Lei Maria da Penha, o que
permitirá que o delegado de polícia aplique a medida protetiva de urgência de
afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, em
qualquer caso, e que os policiais apliquem a referida medida quando não houver
delegado disponível no momento da denúncia.
A finalidade da lei é proteger qualquer mulher de agressões e,
consequentemente, resguardar a sua vida e integridade física, razão pela qual
incide em manifesta inconstitucionalidade ao dar tratamento diferenciado que
faça incidir grupos de mulheres em proteção deficiente.
Por fim, a Lei n. 13.827/19 criou um banco de dados para que o juiz
registre as medidas protetivas de urgência, que deve ser mantido e
regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso do
Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e
de assistência social, com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas
protetivas (art. 38-A da Lei 11.340/06).
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