quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Lei 13.880/2019: determina a apreensão da arma de fogo sob posse de agressor em casos de violência doméstica


Lei 13.880/2019: determina a apreensão da arma de fogo sob posse de agressor em casos de violência doméstica
Dizer Direito - quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Foi publicada hoje a Lei nº 13.880/2019, que altera a Lei Maria da Penha para determinar que, se o autor da violência doméstica tiver uma arma de fogo (ainda que em casa ou no trabalho), ela deverá ser apreendida.

Vamos entender a alteração.

Providências que deverão ser adotadas pela autoridade policial
Quando o Delegado de Polícia tiver conhecimento de que uma mulher foi vítima de violência doméstica ele deverá fazer o registro da ocorrência e, em seguida, adotar, de imediato, uma lista de procedimentos que estão previstos no art. 12 da Lei nº 11.340/2006.
Algumas das providências que o Delegado deverá adotar:
• ouvir a ofendida;
• colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;
• determinar a realização de exame de corpo de delito da ofendida.
• ouvir o agressor e as testemunhas;
• ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele.

O que faz a Lei nº 13.880/2019?
Acrescenta o inciso VI-A ao art. 12, prevendo mais uma providência que o Delegado deverá, obrigatoriamente, tomar:
Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
(...)
III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;
(...)
VI-A - verificar se o agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo e, na hipótese de existência, juntar aos autos essa informação, bem como notificar a ocorrência à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento); (Incluído pela Lei nº13.880/2019)

Desse modo, a autoridade policial deverá pesquisar, no banco de dados próprio, se o suposto autor da violência doméstica possui registro de porte ou posse de arma de fogo.
Se o agressor tiver, o Delegado deverá tomar duas providências:
• notificar a ocorrência dessa suposta violência doméstica à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte;
• informar, no pedido de medidas protetivas que é encaminhado ao juiz, que o agressor possui esse registro.

Qual é a finalidade de a autoridade policial notificar à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte?
Permitir que a instituição analise a situação e casse o registro da posse ou o porte.

Qual é a finalidade de a autoridade policial informar nos autos a existência da arma?
O juiz, ao receber os autos, constatando que o suposto agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo, deverá determinar, como medida cautelar, a apreensão desta arma. Isso também foi acrescentado pela Lei nº 13.880/2019:
Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida (pedido tratado no inciso III do art. 12 acima), caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:
(...)
IV - determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor. (Incluído pela Lei nº13.880/2019)

Vigência
A Lei 13.880/2019 entrou em vigor na data de sua publicação (09/10/2019).

quarta-feira, 15 de maio de 2019


A Lei 13.827/19 e a aplicação de medidas protetivas de urgência pelas autoridades policiais


15 de maio de 2019

A Lei 13.827/19 e a aplicação de medidas protetivas de urgência pelas autoridades policiais
Na data de ontem (14 de maio de 2019) foi publicada no Diário Oficial da União, com vigência imediata, a Lei n. 13.827, que altera a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06) para autorizar a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, à mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.
A Lei n. 13.827, de 13 de maio de 2019, prevê em seu artigo 1º que a alteração da Lei Maria da Penha visa autorizar a concessão de medida protetiva de urgência pela autoridade policial, sendo acrescido na Lei n. 11.340/06 o art. 12-C, II e III, que o delegado de polícia e policial são legitimados para concederem as medidas protetivas.
Nota-se, portanto, que o legislador referiu-se à autoridade policial como gênero, dos quais são espécies os policiais civis e militares.
O art. 12-C da Lei Maria da Penha traz requisitos para que a autoridade policial conceda medidas protetivas de urgências, consistentes em risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes.
Em se tratando de delegado de polícia, para que possa conceder a medida protetiva, o município em que atua não pode ser sede de comarca. Caso se trate de outro policial (civil ou militar), é necessário que além do município não ser sede de comarca, não haja delegado disponível no momento da denúncia, por qualquer motivo (férias, licença, dificuldades de contatar o delegado plantonista etc).
Destaco que a autoridade policial legitimada a conceder a medida protetiva de urgência pode ser o Escrivão, o Agente de Polícia e do Soldado ao Coronel da Polícia Militar.
Trata-se o que podemos chamar de legitimidade condicionada.
Frisa-se que a permissão legal para que a autoridade policial conceda medida protetiva de urgência exige que o local dos fatos não seja sede de comarca, por presumir que nestes casos haverá uma maior demora, em razão da distância e trâmites necessários para remeter os autos para o juiz competente.
Ocorre que esse critério não pode ser interpretado de forma absoluta, pois é comum, em vista da realidade do país, que muitas cidades com ampla extensão territorial possuam moradores que residem em locais distantes da sede da comarca, sobretudo em áreas rurais.
A título exemplificativo, o município de Cavalcante (comarca em que este juiz é titular), situado em Goiás, possui uma área de 6.954 km², e parte dos moradores de Cavalcante residem próximo a Minaçu, na comunidade Vila Vermelho e na região do Carmo, que ficam cerca de 200 quilômetros de distância da sede da comarca.
Noutro giro, o município de Teresina de Goiás não possui fórum e a sede da comarca fica em Cavalcante, que fica cerca de 24 quilômetros de distância daquele município.
Ora, é de todo incongruente permitir que a autoridade policial conceda medidas protetivas de urgências para as vítimas de violência doméstica que residem em Teresina de Goiás e não conceda para as ofendidas que moram em Cavalcante.
Portanto, em casos excepcionais, ainda que o município seja sede de comarca, a autoridade policial pode e deve conceder medidas protetivas de urgência.
Assim, tem-se os seguintes pressupostos para a concessão da medida protetiva pelos policiais:
1.      Risco atual ou iminente à vida ou à integridade física;
2.      Vítima mulher ou seus dependentes;
3.      Situação de violência doméstica e familiar;
4.      Legitimidade condicionada da autoridade policial.
Presentes os pressupostos mencionados a autoridade policial deverá determinar o afastamento imediato do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida.
Trata-se de um poder-dever. A autoridade policial não tem discricionariedade. Sempre que presentes os pressupostos deverá determinar o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida.
A Lei n. 13.827/19 foi clara ao dizer no art. 12-C que “Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor SERÁ imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:”;
A única medida protetiva de urgência que pode ser concedida pelas autoridades policiais é o afastamento imediato do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida.
As demais medidas, como proibição de manter contato com a ofendida e de se aproximar da vítima continuam sendo de exclusividade do juiz.
Nota-se que não há previsão legal para que o Ministério Público conceda as medidas protetivas de urgência.
Sempre que a autoridade policial conceder a medida protetiva de urgência deverá, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas comunicar o juiz competente que terá 24 (vinte e quatro) horas para decidir sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente (art. 12-C, § 1º, da Lei n. 11.340/06).
Dada a urgência da medida, o legislador optou por não obrigar o juiz a ouvir o Ministério Público antes de decidir sobre a manutenção ou revogação da medida aplicada pela autoridade policial, pois a lei menciona que o juiz decidirá em 24 (vinte e quatro) horas e dará ciência ao Ministério Público.
A Lei n. 13.827/19 passou a prever no art. 12-C, § 2º, da Lei Maria da Penha que “Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.”
O Superior Tribunal de Justiça possui julgado que afirma não ser possível a decretação da prisão preventiva nos casos de contravenção penal, como a vias de fato, e em um caso concreto, em que havia ocorrido “puxões de cabelo, torção de braço (que não geraram lesão corporal) e discussão no interior de veículo, onde tentou arrancar dos braços da ex-companheira o filho que têm em comum” decidiu pela impossibilidade da prisão por violação ao art. 313, III, do Código de Processo Penal, que menciona ser possível a prisão somente nas hipóteses de crimes (HC 437.535/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018).
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Diante da nova previsão legal as razões de ser do julgado perdem o sentido, na medida em que a Lei n. 13.827/19 proibiu a concessão de liberdade provisória ao preso sempre que houver risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, sem restringir às hipóteses de ocorrência de crimes, razão pela qual deve englobar as contravenções penais, em observância ao princípio da proibição de proteção deficiente.
Por “preso” deve-se entender todo aquele que foi preso em flagrante delito em situação de violência doméstica e familiar.
Os números de homicídios e agressões praticadas contra mulher são alarmantes. Cerca de 12 (doze) mulheres são assassinadas diariamente no Brasil.
Deve ser feita uma interpretação sistemática que conceda maior proteção à mulher. De tempos em tempos a legislação tem se aperfeiçoado na proteção à mulher e medidas públicas são adotadas com o fim de prevenir e reprimir a violência doméstica.
Entre o risco à vida e à integridade física da mulher e a liberdade do agressor que praticou contravenção penal de vias de fato, deve-se primar pela primeira, conforme disposto no § 2º do art. 12-C da Lei n. 11.340/06.
Deve-se destacar que quando a autoridade policial conceder medida protetiva de urgência, caso o agressor descumpra a ordem, antes do juiz mantê-la, não praticará o crime previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha, pois este crime exige para a sua caracterização que a medida protetiva de urgência tenha sido concedida por decisão judicial.
Enquanto o afastamento não é analisado judicialmente possui título de decisão extrajudicial de natureza policial. A partir do momento em que o juiz mantém a ordem da autoridade policial o fundamento jurídico que afasta o agressor do lar passa a ter natureza jurídica de decisão judicial, motivo pelo qual será possível responsabilizar o agressor pelo crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência.
Em que pese não se tratar do crime previsto no art. 24-A da Lei 11.340/06 quando o agressor descumprir a ordem de afastamento do lar emitida pela autoridade policial, a desobediência caracteriza o crime de desobediência previsto no art. 330 do Código Penal (desobediência).
Com efeito, a jurisprudência é pacífica (STJ – HC 305.409/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 15/04/2016) que quando houver descumprimento de ordem de autoridade e houver previsão em lei das consequências do descumprimento, não se configura o crime de desobediência, como era o caso do descumprimento de medida protetiva determinada judicialmente, pois o juiz poderia impor outras medidas, inclusive, decretar a prisão preventiva do ofensor, uma vez que as medidas de proteção são progressivas.
Isto é, antes da Lei 13.641, de 03 de abril de 2018, que passou a prever o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência (art. 24-A da Lei 11.340/06), quando o agente descumpria ordem judicial poderia, no máximo, sofrer como consequências a fixação de outras medidas cautelares e a decretação da prisão preventiva.
Após a criação do tipo penal previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha, o ofensor poderá, além de ser preso pelo descumprimento de medida protetiva, responder e ser preso pelo novo delito.
Isso porque o § 4º do art. 282 do Código de Processo Penal assevera que “No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).”
As obrigações impostas a que se refere o art. 282, § 4º, do CPP são decretadas pelo juiz (art. 282, § 2º, do CPP).
O art. 312, parágrafo único, do Código de Processo Penal possibilita a prisão preventiva em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).
O art. 313, III, do Código de Processo Penal prevê, nos termos do art. 312 do CPP, a possibilidade de se decretar a prisão preventiva para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.
Portanto, somente nos casos em que o juiz fixar medidas protetivas de urgência é que o Código de Processo Penal traz como consequência a possibilidade de se decretar a prisão preventiva, em que pese, na prática, o descumprimento da medida protetiva fixada pela autoridade policial servir como substrato fático idôneo e fundamentação suficiente para a decretação da prisão preventiva de imediato.
Dessa forma, sob o ponto de vista penal, como no caso de descumprimento de medida protetiva de urgência fixada pela autoridade policial não possui consequências jurídicas processuais fixadas em lei, haverá o crime de desobediência previsto no art. 330 do Código Penal.
Com a publicação da Lei n. 13.827/19 surgem correntes acerca de sua constitucionalidade, basicamente, sob três vertentes.
primeira corrente sustenta ser inconstitucional, pois a competência para a concessão de medidas protetivas de urgência é exclusiva da autoridade judiciária, por envolver restrição a direitos fundamentais.
Tal argumento não deve prosperar, pois a exclusividade do Poder Judiciário é quanto à prisão fora das hipóteses de flagrante delito, de transgressão militar ou de crime propriamente militar (art. 5º, LXI, da CF), sendo que em qualquer caso a prisão será comunicada ao juiz que poderá relaxá-la, mantê-la ou conceder liberdade provisória com ou sem medidas cautelares diversas da prisão.
De mais a mais o delegado de polícia pode conceder medida cautelar diversa da prisão, como é o caso do arbitramento de fiança nas infrações cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 04 (quatro) anos.
Art. 322.  A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Parágrafo único.  Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.
Portanto, não há nenhuma inconstitucionalidade na possibilidade prevista em lei para que autoridades policiais concedam medida protetiva de urgência de afastamento imediato do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida.
segunda corrente afirma ser inconstitucional no ponto em que autoriza o policial, sem ser o delegado de polícia, a conceder medida protetiva de urgência, pois dentre os policiais somente o delegado de polícia pode restringir direitos fundamentais, por ser o único legitimado a confeccionar auto de prisão em flagrante e arbitrar fiança. Além do mais, os policiais não possuem, em sua maioria, formação jurídica.
Essa corrente não se sustenta, pois todo e qualquer policial possui formação jurídica necessária para a atividade policial, tanto é que devem, a todo momento, analisar cada ocorrência policial para adoção das providências legais, realizando, ainda que superficialmente, um análise se houve crime e quais providências devem ser adotadas.
Os policiais possuem ainda poderes para restringirem, momentaneamente, a liberdade de uma pessoa até passarem a ocorrência para o delegado de polícia, que será responsável por decidir se haverá a lavratura do auto de prisão em flagrante e a sua ratificação, com a consequente restrição da liberdade ou concessão de liberdade provisória.
No caso da Lei n. 13.827/19 não é necessário que se exija bacharelado em direito para risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes.
A formação jurídica que os policiais possuem para a atividade policial é suficiente para a análise da concessão de medida protetiva de urgência de afastamento imediato do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida.
Outrossim, os policiais também podem restringir momentaneamente direitos fundamentais, o que ocorre com a “voz de prisão” e condução de um agente de crime para a Delegacia.
Em se tratando de medida protetiva de urgência concedida por um policial será comunicada no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas ao juiz competente, que decidirá em igual prazo sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada.
Portanto, há um juízo de legalidade da medida aplicada a ser realizado pela autoridade judiciária, o que vem a legitimar a atuação policial em casos extremos.
terceira corrente, defendida pelo Professor e Delegado Thiago Garcia (postagem feita no instagram @deltathiago), afirma que a Lei n. 13.827/19 é inconstitucional quando autoriza que a autoridade policial conceda medita protetiva de urgência somente nos casos em que o município não for sede de comarca.
Isso porque trata de forma desigual mulheres que se encontram na mesma situação fática.
Thiago Garcia cita como exemplo a seguinte situação: “Maria mora em uma cidade pequena que não é sede de Comarca e está em perigo. O Delegado pode determinar imediatamente que o agressor deixe a casa do casal; Rosana mora em uma cidade grande que é sede de Comarca e está em perigo. Nesse caso, a lei permite que a protetiva judicial até 96 horas para sair (art. 12, III e art. 18, caput, LMP).”
Concordamos com a inconstitucionalidade acima descrita, pois há um tratamento diferenciado para situações iguais.
O fato de ser sede da comarca não implica dizer que haverá a concessão imediata de medida protetiva de urgência, pois a própria Lei Maria da Penha concede o prazo de 48 (quarenta e oito) horas para que o delegado de polícia remeta ao juiz o pedido da ofendida para a concessão de medidas protetivas de urgência (art. 12, III) além de prever o prazo de mais 48 (quarenta e oito) horas para o juiz decidir (art. 18).
Isto é, para as mulheres que residem em cidades menores, que não contem com a presença de um juiz, haverá afastamento imediato do agressor do lar, mas para as cidades que contem com a presença do juiz, o prazo é de 96 (noventa e seis) horas.
Há uma incongruência enorme na lei, o que pode ser resolvido por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, ocasião em que o STF poderá declarar inconstitucional a expressão “quando o Município não for sede de comarca”, prevista nos incisos II e III do art. 12-C da Lei Maria da Penha, o que permitirá que o delegado de polícia aplique a medida protetiva de urgência de afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, em qualquer caso, e que os policiais apliquem a referida medida quando não houver delegado disponível no momento da denúncia.
A finalidade da lei é proteger qualquer mulher de agressões e, consequentemente, resguardar a sua vida e integridade física, razão pela qual incide em manifesta inconstitucionalidade ao dar tratamento diferenciado que faça incidir grupos de mulheres em proteção deficiente.
Por fim, a Lei n. 13.827/19 criou um banco de dados para que o juiz registre as medidas protetivas de urgência, que deve ser mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas (art. 38-A da Lei 11.340/06).


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Reflexão sobre Compliance e Ética Social





21 de fevereiro de 2019/em ÉticaFraudesIntegridade /por Alexandro Rudolfo de Souza Guirão

Meu sentir é de que o COMPLIANCE é um estilo de vida, uma cultura que reflete no comportamento dos indivíduos em qualquer ambiente em que ele se encontre. Acredito que o indivíduo não nasce ético ou moral. Nasce, sim, puro, sem VÍCIOS comportamentais, os quais podem ser adquiridos com a formação da sua personalidade, em decorrência de formação moral e ética familiar ou social, decorrente de fatores culturais, territoriais, religiosos, temporais… inclusive fatores econômicos.

 As mesmas forças e influências que incutem vícios no indivíduo podem, por outro lado, fortalecer as VIRTUDES dele. Esse indivíduo, VIRTUOSO, com comportamento ético e moral irretocável, está apto a comportar-se da maneira esperada pelos ambientes sociais e econômicos onde ele transita durante sua vida.

 Vislumbro na expressão COMPLIANCE (ou to comply) uma atual definição de ÉTICA SOCIAL, ou seja, da conduta ou comportamento esperado do indivíduo num ambiente coletivo. Seus comportamentos individuais, isolados, distantes do ambiente social/coletivo (no seu íntimo, portanto, protegidos pela sua esfera privada, o seu “moral”), pouco influenciam no ideal de compreensão de COMPLIANCE, no meu ver.

 Para a compreensão de COMPLIANCE, como atual definição de ÉTICA SOCIAL, precisamos identificar o indivíduo com seu meio ambiente (corporativo, público, acadêmico). Pois é nesses ambientes que será “cobrado” quanto a sua INTEGRIDADE, CONFORMIDADE e ADESÃO aos instrumentos ÉTICOS delineados por cada ambiente social em que ele convive. Nesse sentido, nesses ambientes, o indivíduo abandona certas convicções e tem que se comportar de acordo com o que esse ambiente espera dele. Isso depõe em seu favor, do ponto de vista dos demais indivíduos e do próprio meio ambiente social em que ele convive, obviamente se ele se comportar CONFORME o esperado (e o que se espera dele é INTEGRIDADE, HONESTIDADE e ADESÃO ESPONTÂNEA).

Considerando que o COMPLIANCE está presente em todas as esferas da sociedade, o valor da honestidade é facilmente percebido nas pequenas práticas e comportamentos dos indivíduos na vida cotidiana. Ainda que exista a oportunidade de um benefício próprio indevido, o indivíduo verdadeiramente comprometido com a honestidade, opta pelo caminho correto.

Alinhado à compreensão de COMPLIANCE acima indicada, de se observar que o SISTEMA DE INTEGRIDADE CORPORATIVA NUMA ORGANIZAÇÃO não parte exclusivamente de um indivíduo.

 Parte de um IDEAL que a corporação (ou organismo público, acadêmico, organismo setorial, etc) pretende que seja RESPEITADO E PRATICADO por todos aqueles que com ela se inter-relacionam (alta direção, colaboradores, terceiras partes, clientes e fornecedores, público em geral). Gosto de comparar o SISTEMA DE INTEGRIDADE como um IDEAL a ser alcançado pela organização, assim como a NORMA JURÍDICA, INTEGRANDO O ORDENAMENTO JURÍDICO, REPRESENTA UM IDEAL DE SOCIEDADE. Não um ideal UTÓPICO, mas sim um IDEAL ALCANÇÁVEL.

 Assim, Lamboy (2017, p. 11), explica que o sistema de integridade se presta “à prevenção de ocorrência de fraudes, principalmente por meio da criação de uma cultura de COMPLIANCE que atinja todos os colaboradores”, com fundamento na preservação da “responsabilidade civil e criminal de proprietários, conselheiros e executivos, pois reduz e previne erros de administração” (LAMBOY, 2017, p. 12), principalmente nas corporações em que a decisão é colegiadas ou ainda naquelas em que os colaboradores de nível gerencial (ou mesmo até mais distantes da Alta Direção, ou mesmo terceiros), tem mais liberdade de agir em nome da organização, já que “conselheiros e executivos podem ser indiciados criminalmente se um de seus colaboradores adota conduta fraudulenta, mesmo sem o seu conhecimento” (LAMBOY, 2017, p. 12).

Portanto, enquanto SISTEMA, se vale de INSTRUMENTOS diversos de gestão, coordenados para o atingimento do IDEAL QUE A CORPORAÇÃO PRETENDE QUE SE SATISFAÇA COM O CUMPRIMENTO DAS REGRAS. Em sumo extrato, possível afirmar que o IDEAL é a manutenção da empresa ÍNTEGRA, assim como a INTEGRIDADE dos sócios, investidores, diretores e demais colaboradores (inclusive terceiros).

 Para isso, necessário que seja definido qual é esse ideal. Se é a PREVENÇÃO, deve-se identificar em primeiro os riscos. Se é a CORREÇÃO (compliance obrigatório como medida de mitigação), os prejuízos já foram colhidos e, além de recuperação dos danos (imagem e financeiro, por exemplo), definem-se também os RISCOS.

 Em qualquer cenário (prevenção ou correção), definidos os riscos, o sistema demanda a COMUNICAÇÃO DA CORPORAÇÃO (colaboradores e terceiros precisam estar cientes e alinhados com os objetivos da empresa).

 Em seguida, o SISTEMA DEMANDA A CRIAÇÃO DE POLÍTICAS, que serão os mantras de todos que se relacionam com a empresa. Com as Políticas bem definidas e comunicadas, os PROCEDIMENTOS da corporação em vários níveis de relacionamento (interpessoal, entre empresas, com o poder público) devem ser definidos, as partes interessadas treinadas e testadas. Com isso, os CONTROLES de adesão às políticas e procedimentos devem ser testados.

 Detectadas falhas ou vícios no procedimento (ou no comportamento dos indivíduos), deve a organização SANAR OS DESVIOS imediatamente, sempre sendo transparente e se comunicando com as autoridades quando for o caso, para prevenir a responsabilidade dos que respondem pela empresa (sendo possível).

 Enfim, o sistema GIRA, e a revisão do PROGRAMA é algo esperado, para ajustes necessários, identificados principalmente na prática diária. A organização que se dispõe a se valer de um SISTEMA de integridade deve, no quesito TRANSPARÊNCIA, ainda se dispor a ser ABERTA A CRÍTICAS. Para isso deve criar canais de comunicação para RECEBER INFORMAÇÕES QUE PODEM IDENTIFICAR DESVIOS QUE REPRESENTAM RISCOS DE COMPLIANCE, ou de outro nível (Risco Jurídico Penal, Risco Econômico) que necessitam ser tratados e corrigidos.

 Quem vai cuidar de tudo isso? O Profissional de COMPLIANCE (agente de integridade ou Compliance Officer): aquele indivíduo que esteja disposto a se comportar de acordo com o IDEAL definido pela organização. Assim, entendo que a principal qualidade do profissional seja DISPOSIÇÃO ou DISPONIBILIDADE para aderir aos ideais da organização e, com isso, construir e gerir o sistema de integridade. Penso que deva ser MENOS ESPECIALISTA e MAIS GENERALISTA; ou, pelo menos, estar aberto a novos conhecimentos, ser diligente, disciplinado, metódico (no bom sentido, aberto a adequação dos métodos inclusive). Conhecer ou buscar conhecimento de GESTÃO, assim como conhecer ou buscar conhecimentos jurídicos mínimos (ao menos aqueles relacionados ao objeto social da organização, sejam normas jurídicas ou regulamentos) e, por fim, que tenha noções econômicas a ponto de vislumbrar que o sistema depende menos de recursos financeiros para ser gerido e mais das pessoas, sendo ainda capaz de identificar os impactos negativos dos desvios.

 Ainda deve ser um sujeito de fácil relacionamento interpessoal, daqueles que alcançam seus objetivos pela espontaneidade dos outros, que agrega e não distancia pessoas, que LIDERE naturalmente o coletivo, sem impor suas vontades, mas sendo seguido por todos (dos que estão acima do seu “escalão” na organização, até os que estão abaixo…).

 Com tudo isso, organizado, gerido e documentado, garante-se o bom desempenho dos três pilares que suportam o programa de COMPLIANCE: prevenir, detectar e responder às condutas inadequadas.