sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Justiça do Trabalho e Ministério da Justiça vão atuar juntos na identificação de empresas que tentam fraudar dívidas

                                        
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, ministro Ives Gandra Martins Filho, e o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, assinaram na quarta-feira (26) acordo de cooperação técnica que vai aprimorar a pesquisa patrimonial e reduzir a taxa de congestionamento dos processos em fase de execução. A parceria regulamenta a implantação da Rede Lab-LD na Justiça do Trabalho, que compartilha experiências, técnicas e soluções voltadas para a análise de dados financeiros e, também, para a detecção da prática da lavagem de dinheiro, corrupção e crimes relacionados.

Para Ives Gandra Filho, a ferramenta permitirá que empresas que tentam fraudar falência na tentativa de se isentar do pagamento de direitos trabalhistas sejam facilmente identificadas. Alexandre de Moraes destacou que a troca de informações será mais um passo para o combate à corrupção, desvios de dinheiro e para recuperação dos ativos de empresas que agem com má-fé. "É um momento importantíssimo. Quantas e quantas vezes o dinheiro que deveria pagar dívidas trabalhistas acaba sendo desviado para locais não tão dignos?", questionou.

A Justiça do Trabalho será o primeiro órgão do Judiciário a ter um laboratório deste. Atualmente também fazem parte da Rede Lab-LD a Polícia Federal e diversos Ministérios Públicos.

Execução Trabalhista

A Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista, coordenada pelo ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, trabalha para realizar ações que garantam o cumprimento do que foi determinado pela Justiça, como a cobrança forçada feita a devedores, assegurando o pagamento de direitos.

A fase de execução só começa se houver condenação ou acordo não cumprido. Um dos grandes desafios é identificar, penhorar e alienar bens dos devedores que tentam burlar a Justiça. Há processos nos quais não se obtém êxito por verdadeira falta de recursos do devedor. Outros, por conta de fraude, com uso de "laranjas" e "testas de ferro" para ocultar bens da Justiça e postergar os pagamentos devidos.

O convênio firmado com o Ministério da Justiça é mais uma ferramenta utilizada para acessar bancos de dados e ferramentas eletrônicas variadas, que têm como objetivo localizar e restringir bens de devedores e obter as informações necessárias a uma execução efetiva.

Em setembro, a Justiça do Trabalho realizou a Semana Nacional da Execução Trabalhista, um mutirão para solucionar processos com dívidas trabalhistas em fase de execução. O resultado somou quase R$ 800 milhões para pagamento de dívidas trabalhistas, representando o fim do processo, com a efetiva liquidação de direitos para mais de 93 mil pessoas.

(Taciana Giesel/CF)

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Estupro como se fosse beijo roubado


Sexta Turma cassa decisão que considerou estupro como se fosse beijo roubado



A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu recurso do Ministério Público de Mato Grosso e restabeleceu a sentença que condenou um jovem de 18 anos por estupro de uma adolescente de 15.

Após a sentença haver condenado o réu a oito anos em regime inicialmente fechado, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) o absolveu por entender que sua conduta não configurou estupro, mas meramente um “beijo roubado”.

Para o ministro relator do caso, Rogerio Schietti Cruz, a decisão do TJMT utilizou argumentação que reforça a cultura permissiva de invasão à liberdade sexual das mulheres. O relator lembrou que o estupro é um ato de violência, e não de sexo.

“O tribunal estadual emprega argumentação que reproduz o que se identifica como a cultura do estupro, ou seja, a aceitação como natural da violência sexual contra as mulheres, em odioso processo de objetificação do corpo feminino”, afirmou o ministro.

O magistrado criticou a decisão que absolveu o réu e o mandou “em paz para o lar”. Na opinião do ministro, tal afirmação desconsidera o sofrimento da vítima e isenta o agressor de qualquer culpa pelos seus atos.

Violência

Rogerio Schietti disse que a simples leitura da decisão do TJMT revela ter havido a prática intencional de ato libidinoso contra a vítima menor, e com violência.

Consta do processo que o acusado agarrou a vítima pelas costas, imobilizou-a, tapou sua boca e jogou-a no chão, tirou a blusa que ela usava e lhe deu um beijo, forçando a língua em sua boca, enquanto a mantinha no chão pressionando-a com o joelho sobre o abdômen. A sentença reconheceu que ele só não conseguiu manter relações sexuais com a vítima porque alguém se aproximou naquele momento em uma motocicleta.

Mesmo com os fatos assim reconhecidos, afirmou o ministro, o tribunal de Mato Grosso concluiu que eles não se enquadravam na definição de estupro, prevista no artigo 213 do Código Penal: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.”

Para o desembargador relator do acórdão do TJMT, “o beijo foi rápido e roubado”, com “a duração de um relâmpago”, insuficiente para “propiciar ao agente a sensibilidade da conjunção carnal”, e por isso não teria caracterizado ato libidinoso. Afirmou ainda que, para ter havido contato com a língua da vítima, “seria necessária a sua aquiescência”.

Inaceitável

“Reproduzindo pensamento patriarcal e sexista, ainda muito presente em nossa sociedade, a corte de origem entendeu que o ato não passou de um beijo roubado, tendo em vista a combinação tempo do ato mais negativa da vítima em conceder o beijo”, comentou Schietti.

Segundo o ministro, a prevalência desse pensamento “ruboriza o Judiciário e não pode ser tolerada”.

Ele classificou a fundamentação do acórdão do TJMT como “mera retórica” para afastar a aplicação do artigo 213 do Código Penal, pois todos os elementos caracterizadores do delito de estupro estão presentes no caso: a satisfação da lascívia, devidamente demonstrada, aliada ao constrangimento violento sofrido pela vítima, revela a vontade do réu de ofender a dignidade sexual da vítima. Os demais ministros da Sexta Turma acompanharam o voto do relator.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ




terça-feira, 11 de outubro de 2016

Feminicídio Contra Mulher Trans em SP


MP/SP oferece primeira denúncia por feminicídio contra mulher trans em SP



Entendimento está em consonância com orientação emitida pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais.



Uma das maiores dúvidas acerca da Lei Maria da Penha quando de sua entrada em vigor em 2006, era sobre a possibilidade de sua aplicação ser estendida à identidade de gênero, ou restrita aos aspectos meramente biológicos da mulher.

Por muito tempo a doutrina entendia pela não aplicabilidade, com raras exceções, dos institutos protetivos da norma, restringindo-a apenas as mulheres.

No entanto, em atuação pioneira no Estado de São Paulo, a Promotoria de Justiça do III Tribunal do Júri da Capital ofereceu denúncia, em junho deste ano, pelo crime de feminicídio contra o ex-companheiro da vítima Michele, uma mulher trans. Ela foi morta a facadas, em fevereiro, por Luiz Henrique Marcondes dos Santos, seu parceiro há dez anos. Michele era vítima de violência doméstica. Em novembro, o juiz decidirá se o acusado vai a júri ou não.

A denúncia reflete a interpretação da Lei Maria da Penha no sentido de caracterizar como violência doméstica sofrida pela mulher “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, ocorrida dentro do ambiente doméstico, familiar ou de sua intimidade, podendo ser violência física, psicológica, sexual, patrimonial, moral e tantas outras”. Para o promotor de Justiça Flavio Farinazzo Lorza, “não há que se questionar o caráter de violência doméstica empregada pelo denunciado à vítima, visto que eram companheiros e coabitavam há dez anos”.

O gênero feminino, enquanto grupo socialmente vulnerável, recebeu especial atenção do legislador na criação de mecanismos para sua proteção, tais como os previstos na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).

Previu ainda o legislador, na Lei 13.104/2015, uma nova qualificadora do homicídio, condenando de maneira mais gravosa os ilícitos cometidos contra a mulher em razão do seu gênero (art. 121, § 2º, VI, do Código Penal).

Ante a restrição por parte de uma doutrina mais conservadora, o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais emitiu recentemente orientação no sentido de que os promotores adotem as normas protetivas, em casos de agressões a mulheres transexuais e travestis, independentemente de cirurgia, alteração do nome ou sexo no documento civil, conforme destacado pela Folha de SP.

Embora não tenha caráter normativo, a orientação começa a ser adotada pelas promotorias de justiça, e a tendência é a solidificação do entendimento.





quinta-feira, 6 de outubro de 2016


Cursos de responsabilização são oferecidos aos homens processados pela Lei Maria da Penha


Desde quando foi criada, em 2006, a Lei Maria da Penha (n. 11.340) conseguiu ser reconhecida pela maioria dos brasileiros como importante instrumento de punição aos homens que agem com violência contra as companheiras. No entanto, a lei também prevê programas que visam à reabilitação e reeducação do agressor. Cursos, palestras e programas de acompanhamento psicopedagógico fazem parte da rotina dos enquadrados na lei, que garantiu conquistas importantes às vítimas de agressão doméstica.



A formulação de políticas públicas que tenham como alvo os homens autores de violência ainda é rara e pouco conhecida, e, na avaliação da conselheira Ana Maria Amarante, coordenadora do Movimento Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é preciso que este caminho seja ampliado o quanto antes.


“Se visamos à redução da violência, precisamos focar no autor dessa violência. Fazer o homem mudar de comportamento, ensiná-lo a lidar com sua raiva, ciúme. É preciso reeducar o agressor, promover a cultura do diálogo, da paz na família”, defende a conselheira. Atualmente, há 490 homens em acompanhamento. Mas o número de casos de agressão, infelizmente, é muito mais alto. Como exemplo, foram contabilizados pelo governo do Distrito Federal, até junho deste ano, 6.938 casos de violência doméstica.

Os casos considerados mais urgentes, identificados e encaminhados pela Justiça ou Ministério Público, são atendidos com prioridade. Em sua maioria, os homens que frequentam os cursos foram processados por violência psicológica (injúria, difamação), ameaça ou lesão corporal leve.

No Distrito Federal, mais de 7 mil homens já foram atendidos pelo Núcleos de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica, desde que foi criada a primeira unidade, em 2003. A meta do trabalho dos psicólogos, pedagogos e assistentes sociais que trabalham com os homens agressores encaminhados ao programa é provocar a responsabilização de seus atos.


“Eles chegam aqui atribuindo a causa da violência à mulher, à bebida ou qualquer outra pessoa. Quase nunca percebem sua parte”, afirma a psicóloga Maísa Guimarães, coordenadora dos Núcleos. As palestras a que eles são obrigados a assistir também tratam de revelar a raiz da violência.


“No Brasil, o motivador da agressão contra a mulher é cultural, nasce do machismo”, explica. “Por isso insistimos em trabalhar essas questões com eles. Não é um trabalho terapêutico, é social. É preciso combater a cultura da violência do mais forte, de um homem que se considera superior, dono”, reforça.


Ceará – Com o objetivo de proporcionar a oportunidade de reflexão sobre as consequências da violência cometida e diminuir a reincidência criminal, a Vara de Execução de Penas Alternativas eHabeas Corpus de Fortaleza oferece oficinas educativas para os autores de violência contra a mulher.



Após cumprirem as penas, os autores da violência participam das oficinas por um ano, condição determinada por meio de uma medida cautelar da Justiça, para que possam refletir sobre os seus atos. Desde 2012, cerca de 200 egressos já passaram pelos grupos e, atualmente, 45 fazem parte das oficinas que ocorrem semanalmente e têm a sua situação informada ao Juizado da Mulher de Fortaleza todos os meses.



De acordo com a juíza Graça Quental, titular da Vara de Execução de Penas Alternativas de Fortaleza, nenhum episódio de violência ocorreu desde o início dos grupos, a despeito da inexistência de policiais no local e da quase totalidade dos profissionais serem mulheres.



“Trabalhamos sentimentos como a raiva, medo, angústias e dependência. Já na terceira sessão ouvimos de participantes que já não sentem mais raiva da mulher e que estão aptos a pedir perdão. Ensinamos que ele tem de perdoar a si mesmo primeiro e depois pedir perdão para a mulher”, diz a juíza Graça.



Outras ações – Em São Paulo, homens processados judicialmente por violência doméstica também participam de um projeto social que objetiva a reflexão e a reeducação. Os participantes ainda não sentenciados são encaminhados pela Vara Central da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher a participar dos projetos, mas a adesão é facultativa.


Além dos casos encaminhados pela Justiça e pelo Ministério Público, o projeto atende demandas espontâneas de homens envolvidos em violência conjugal.

Por iniciativa do CNJ, 89 juizados ou varas especializadas no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher foram criados após a edição da 
Recomendação n. 9/2007. O órgão também vem realizando anualmente as Jornadas da Lei Maria da Penha, em que magistrados se reúnem para debater e formular propostas para o enfrentamento à violência contra a mulher, principalmente no âmbito do Sistema de Justiça.

Serviço:
Distrito Federal – Para entrar em contato com os Núcleos de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica, basta ligar para a gerência: (61) 3961-4669. O programa está presente em 10 cidades, mas para conseguir uma vaga há uma lista de espera de, em média, dois meses.

São Paulo – Para mais informações sobre o Curso de Reeducação Familiar da Academia de Polícia Civil do Estado de São Paulo e o Grupo de Reflexão para Homens Autores de Violência da ONG Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde: (11) 3812-8681 

Ceará – Vara de Execução de Penas Alternativas de Fortaleza: (85) 3492-8770

Regina Bandeira
Luiza de Carvalho
Agência CNJ de Notícias


STF decide: é possível a execução da pena após condenação em segunda instância

Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o artigo 283 do Código de Processo Penal não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância e indeferiu liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44.
O Partido Nacional Ecológico (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autores das ações, pediam a concessão da medida cautelar para suspender a execução antecipada da pena de todos os acórdãos prolatados em segunda instância. Alegaram que o julgamento do Habeas Corpus (HC) 126292, em fevereiro deste ano, no qual o STF entendeu possível a execução provisória da pena, vem gerando grande controvérsia jurisprudencial acerca do princípio constitucional da presunção de inocência, porque, mesmo sem força vinculante, tribunais de todo o país “passaram a adotar idêntico posicionamento, produzindo uma série de decisões que, deliberadamente, ignoram o disposto no artigo 283 do CPP”.
O caso começou a ser analisado pelo Plenário em 1º de setembro, quando o relator das duas ações, ministro Marco Aurélio, votou no sentido da constitucionalidade do artigo 283, concedendo a cautelar pleiteada. Contudo, com a retomada do julgamento na sessão desta quarta-feira (5), prevaleceu o entendimento de que a norma não veda o início do cumprimento da pena após esgotadas as instâncias ordinárias.
Ministro Edson Fachin
Primeiro a votar na sessão de hoje, o ministro Edson Fachin abriu divergência em relação ao relator e votou pelo indeferimento da medida cautelar, dando ao artigo 283 do CPP interpretação conforme a Constituição que afaste aquela segundo a qual a norma impediria o início da execução da pena quando esgotadas as instâncias ordinárias. Ele defendeu que o início da execução criminal é coerente com a Constituição Federal quando houver condenação confirmada em segundo grau, salvo quando for conferido efeito suspensivo a eventual recurso a cortes superiores.
Fachin destacou que a Constituição não tem a finalidade de outorgar uma terceira ou quarta chance para a revisão de uma decisão com a qual o réu não se conforma e considera injusta. Para ele, o acesso individual às instâncias extraordinárias visa a propiciar ao STF e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) exercer seus papéis de uniformizadores da interpretação das normas constitucionais e do direito infraconstitucional. Segundo ele, retomar o entendimento anterior ao julgamento do HC 126292 não é a solução adequada e não se coaduna com as competências atribuídas pela Constituição às cortes superiores. Por fim, afastou o argumento de irretroatividade do entendimento jurisprudencial prejudicial ao réu, entendendo que tais regras se aplicam apenas às leis penais, mas não à jurisprudência.
Ministro Roberto Barroso
Seguindo a divergência, o ministro defendeu a legitimidade da execução provisória após decisão de segundo grau e antes do trânsito em julgado para garantir a efetividade do direito penal e dos bens jurídicos por ele tutelados. No seu entendimento, a presunção de inocência é princípio, e não regra, e pode, nessa condição, ser ponderada com outros princípios e valores constitucionais que têm a mesma estatura. “A Constituição Federal abriga valores contrapostos, que entram em tensão, como o direito à liberdade e a pretensão punitiva do estado”, afirmou. “A presunção da inocência é ponderada e ponderável em outros valores, como a efetividade do sistema penal, instrumento que protege a vida das pessoas para que não sejam mortas, a integridade das pessoas para que não sejam agredidas, seu patrimônio para que não sejam roubadas”.
Barroso contextualizou a discussão citando exemplos para demonstrar que o entendimento anterior do STF sobre a matéria não era garantista, “mas grosseiramente injusto”, e produziu consequências “extremamente negativas e constatáveis a olho nu”. Entre elas, incentivou à interposição sucessiva de recursos para postergar o trânsito em julgado, acentuou a seletividade do sistema penal e agravou o descrédito da sociedade em relação ao sistema de justiça – o que, a seu ver, contribui para aumentar a criminalidade.
Ministro Teori Zavascki
Ao acompanhar a divergência, o ministro Teori Zavascki reafirmou entendimento já manifestado no julgamento do HC 126292, de sua relatoria, afirmando que o princípio da presunção da inocência não impede o cumprimento da pena. Teori ressaltou que esta era a jurisprudência do Supremo até 2009.
“A dignidade defensiva dos acusados deve ser calibrada, em termos de processo, a partir das expectativas mínimas de justiça depositadas no sistema criminal do país”, afirmou. Se de um lado a presunção da inocência e as demais garantias devem proporcionar meios para que o acusado possa exercer seu direito de defesa, de outro elas não podem esvaziar o sentido público de justiça. “O processo penal deve ser minimamente capaz de garantir a sua finalidade última de pacificação social”, afirmou.
Outro argumento citado pelo ministro foi o de que o julgamento da apelação encerra o exame de fatos e provas. “É ali que se concretiza, em seu sentido genuíno, o duplo grau de jurisdição”, ressaltou.
Ministra Rosa Weber
A ministra Rosa Weber acompanhou o voto do relator, entendendo que o artigo 283 do CPP espelha o disposto nos incisos LVII e LXI do artigo da Constituição Federal, que tratam justamente dos direitos e garantias individuais. “Não posso me afastar da clareza do texto constitucional”, afirmou.
Para Rosa Weber, a Constituição Federal vincula claramente o princípio da não culpabilidade ou da presunção de inocência a uma condenação transitada em julgado. “Não vejo como se possa chegar a uma interpretação diversa”, concluiu.
Ministro Luiz Fux
O ministro seguiu a divergência, observando que tanto o STJ como o STF admitem a possiblidade de suspensão de ofício, em habeas corpus, de condenações em situações excepcionais, havendo, assim, forma de controle sobre as condenações em segunda instância que contrariem a lei ou a Constituição.
Segundo seu entendimento, o constituinte não teve intenção de impedir a prisão após a condenação em segundo grau na redação do inciso LVII do artigo da Constituição. “Se o quisesse, o teria feito no inciso LXI, que trata das hipóteses de prisão”, afirmou. O ministro ressaltou ainda a necessidade de se dar efetividade à Justiça. “Estamos tão preocupados com o direito fundamental do acusado que nos esquecemos do direito fundamental da sociedade, que tem a prerrogativa de ver aplicada sua ordem penal”, concluiu.
Ministro Dias Toffoli
O ministro acompanhou parcialmente o voto do relator, acolhendo sua posição subsidiária, no sentido de que a execução da pena fica suspensa com a pendência de recurso especial ao STJ, mas não de recurso extraordinário ao STF. Para fundamentar sua posição, sustentou que a instituição do requisito de repercussão geral dificultou a admissão do recurso extraordinário em matéria penal, que tende a tratar de tema de natureza individual e não de natureza geral – ao contrário do recurso especial, que abrange situações mais comuns de conflito de entendimento entre tribunais.
Segundo Toffoli, a Constituição Federal exige que haja a certeza da culpa para fim de aplicação da pena, e não só sua probabilidade, e qualquer abuso do poder de recorrer pode ser coibido pelos tribunais superiores. Para isso, cita entendimento adotado pelo STF que admite a baixa imediata dos autos independentemente da publicação do julgado, a fim de evitar a prescrição ou obstar tentativa de protelar o trânsito em julgado e a execução da pena.
Ministro Lewandowski
O ministro Ricardo Lewandowski ressaltou que o artigo , inciso LVII da Constituição Federal é muito claro quando estabelece que a presunção de inocência permanece até trânsito em julgado. “Não vejo como fazer uma interpretação contrária a esse dispositivo tão taxativo”, afirmou.
Para ele, a presunção de inocência e a necessidade de motivação da decisão para enviar um cidadão à prisão são motivos suficientes para deferir a medida cautelar e declarar a constitucionalidade integral do artigo do 283 do CPP. Assim, ele acompanhou integralmente o relator, ministro Marco Aurélio.
Ministro Gilmar Mendes
Gilmar Mendes votou com a divergência, avaliando que a execução da pena com decisão de segundo grau não deve ser considerada como violadora do princípio da presunção de inocência. Ele ressaltou que, no caso de se constatar abuso na decisão condenatória, os tribunais disporão de meios para sustar a execução antecipada, e a defesa dispõe de instrumentos como o habeas corpus e o recurso extraordinário com pedido de efeito suspensivo.
Ele ressaltou que o sistema estabelece um progressivo enfraquecimento da ideia da presunção de inocência. “Há diferença entre investigado, denunciado, condenado e condenado em segundo grau”, afirmou. Segundo Gilmar Mendes, países extremamente rígidos e respeitosos com os direitos fundamentais aceitam a ideia da prisão com decisão de segundo grau.
Ministro Celso de Mello
Seu voto, que acompanhou o do relator, foi enfático ao defender a incompatibilidade da execução provisória da pena com o direito fundamental do réu de ser presumido inocente, garantido pela Constituição Federal e pela lei penal. Segundo o ministro, a presunção de inocência é conquista histórica dos cidadãos na luta contra a opressão do Estado e tem prevalecido ao longo da história nas sociedades civilizadas como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana.
Para o decano do STF, a posição da maioria da Corte no sentido de rever sua jurisprudência fixada em 2009 “reflete preocupante inflexão hermenêutica de índole regressista no plano sensível dos direitos e garantias individuais, retardando o avanço de uma agenda judiciária concretizadora das liberdades fundamentais”. “Que se reforme o sistema processual, que se confira mais racionalidade ao modelo recursal, mas sem golpear um dos direitos fundamentais a que fazem jus os cidadãos de uma república”, afirmou.
Ministra Cármen Lúcia
A presidente do STF negou o pedido de cautelar nos pedidos. Ela relembrou, em seu voto, posicionamento proferido em 2010 sobre o mesmo tema, quando acentuou que, quando a Constituição Federal estabelece que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado, não exclui a possibilidade de ter início a execução da pena – posição na linha de outros julgados do STF.
Para a presidente, uma vez havendo apreciação de provas e duas condenações, a prisão do condenado não tem aparência de arbítrio. Se de um lado há a presunção de inocência, do outro há a necessidade de preservação do sistema e de sua confiabilidade, que é a base das instituições democráticas. “A comunidade quer uma resposta, e quer obtê-la com uma duração razoável do processo”.
* Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
Fonte: STF.

Confusão patrimonial justifica desconsideração inversa da personalidade jurídica
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para manter decisão de primeiro grau que determinou a inclusão de uma entidade em ação de cobrança de dívida contraída por ocasião do Ano do Brasil na França, em 2005. Os ministros entenderam que a confusão patrimonial e o desvio de finalidade constatados no processo autorizam a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica.

O caso envolve a empresa DIM-Export e o Instituto Fazer do Brasil, que firmaram contrato de locação de um espaço de 40 metros quadrados na Galeria Lafayette, em Paris, para promover uma exposição de produtos brasileiros em junho de 2005.

O valor da locação foi R$ 548.000,00, 10% dos quais pagos na celebração do contrato. Sem sucesso após diversas tentativas para receber os 90% restantes, a DIM-Export teve de ajuizar ação de execução na 27ª Vara Civil de São Paulo.

O juízo de primeiro grau aceitou o pedido e determinou o bloqueio do valor da dívida na conta bancária do Instituto Fazer do Brasil. Apesar dos diversos bloqueios eletrônicos, no entanto, as contas não apresentavam saldo.

Fraude

A DIM-Export afirmou então ter descoberto que o devedor fundara a Associação Brasileira de Exportação de Artesanato (Abexa), em 2010, com a “finalidade de se esquivar de bloqueios judiciais e do pagamento de suas obrigações, em flagrante fraude à execução”.

A Abexa teria passado a movimentar os recursos antes pertencentes ao Instituto Fazer do Brasil. Sendo assim, diz a ação, a Abexa “tornou-se uma espécie de ‘laranja’ voltada a receber recursos em nome do executado (Instituto Fazer do Brasil), sem que os valores passassem pelas contas penhoradas”.

O juízo de primeiro grau aplicou o instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica para incluir a Abexa no polo passivo da execução e determinou a penhora de saldos bancários da entidade. Inconformada, a Abexa recorreu ao TJSP, que afastou a desconsideração e mandou liberar os recursos penhorados.

Confusão patrimonial

A DIM-Export recorreu então ao STJ. A relatoria do caso coube ao ministro Paulo de Tarso Sanseverino, da Terceira Turma, especializada em direito privado. Inicialmente, o ministro explicou que, embora o recurso especial não comporte revisão de provas, isso não impede o STJ de fazer uma revaloração jurídica dos fatos estabelecidos pelas instâncias ordinárias a partir da análise do acervo probatório do processo.

Assim, com base nas circunstâncias descritas nos autos, e conforme destacado pelo juízo de primeiro grau, Sanseverino apontou que “estão nítidos tanto a confusão patrimonial como o desvio de finalidade” entre a Abexa e o Instituto Fazer do Brasil.

Por isso, acrescentou, “é de rigor a manutenção da decisão que determinou a desconsideração da personalidade jurídica da empresa requerida (Instituto Fazer do Brasil)”. Com esse entendimento, acompanhado de forma unânime pelos ministros da Terceira Turma, foi restabelecida a decisão de primeiro grau.

REsp 1584404