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A existência de um eficiente sistema de segurança
não basta para que eventual tentativa de furto em estabelecimento comercial
seja considerada crime impossível – o que excluiria a possibilidade de
punição. A decisão é da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
em julgamento de recurso especial repetitivo (tema 924), cuja relatoria é do
ministro Rogerio Schietti Cruz.
Para efeito do artigo 543-C do Código de Processo
Civil, ficou definido que “a existência de sistema de segurança ou
de vigilância eletrônica não torna impossível, por si só, o crime de furto
cometido no interior de estabelecimento comercial”. Essa tese vai
orientar a solução de processos idênticos, e só caberão novos recursos ao STJ
quando a decisão de segunda instância for contrária ao entendimento firmado.
No caso julgado como representativo da
controvérsia, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) acolheu a tese de
crime impossível e absolveu duas acusadas de tentativa de furto dentro de um
supermercado que tinha sistema de vigilância eletrônica. Para o TJMG, como a
conduta foi monitorada pelo circuito interno de TV e por vigilantes, elas
jamais teriam conseguido executar o furto, por isso o bem jurídico tutelado
pelo direito penal, nesse caso, jamais esteve em risco de ser violado.
O Ministério Público mineiro recorreu ao STJ sustentando que “a mera vigilância exercida sobre as acusadas não constitui óbice, por si só, à consumação do delito”. Disse que, mesmo quando a pessoa tem seus passos monitorados, há sempre a possibilidade, ainda que remota, de que ela consiga driblar o esquema de segurança, enganando ou distraindo o vigilante ou fugindo com o produto do furto.
O caso foi considerado representativo de
controvérsia em função da multiplicidade de recursos com fundamentação
idêntica.
Perdas no varejo
A questão em debate era saber se o episódio
configurou uma tentativa de furto, passível de punição (artigo 14, II, do
Código Penal), ou se caracterizou o chamado crime impossível, diante da total
ineficácia do meio empregado pelo agente (artigo 17 do CP).
Schietti disse que os sistemas de vigilância
eletrônica podem evitar furtos, minimizando perdas, mas não impedem
completamente a ocorrência desses crimes no interior dos estabelecimentos
comerciais.
O ministro citou pesquisa feita pela Associação
Brasileira de Supermercados (Abras), segundo a qual 40% das perdas do varejo
em 2013 foram decorrentes de furtos, e avaliou que isso representa uma
situação “dramática” especialmente para os pequenos comerciantes, que
convivem com um índice de perda maior.
Para a doutrina jurídica, segundo Rogerio
Schietti, a tentativa inidônea – isto é, o ato que não tem capacidade para
levar à consumação do crime – somente se caracterizará como tal na hipótese
de absoluta ineficácia do meio utilizado. Da mesma forma, ressaltou o
ministro em seu voto, deve-se excluir a punibilidade por tentativa inidônea
somente nas hipóteses que não gerem perigo concreto nem abstrato.
“Os atos do agente não devem ser apreciados
isoladamente, mas em sua totalidade”, declarou o ministro, ao explicar que o
criminoso pode se valer de atos inidôneos no início da execução e depois,
percebendo sua inutilidade, passar a praticar atos idôneos.
Inidoneidade relativa
O ministro salientou que, no caso em análise, “o
meio empregado pelas agentes era de inidoneidade relativa, visto que havia a
possibilidade de consumação”, ainda que remota. Ele esclareceu que
não se trata de fazer apologia da punição, mas de “concretização do dever de
proteção, por meio de uma resposta proporcional do direito sancionador
estatal a uma conduta penalmente punível”.
O relator lembrou que a interpretação dada pelo
STJ é também uma resposta ao “justiçamento privado”, quando
comerciantes, sob o pretexto da impunidade, acabam por executar medidas à
margem do direito (como o uso de “salas de segurança” e até
esquadrões da morte). De acordo com Schietti, o direito penal deve ser usado
para minimizar a reação violenta ao desvio socialmente não tolerado e para
garantir os direitos do acusado contra os excessos dos sistemas não jurídicos
de controle social.
Por unanimidade de votos, o colegiado deu
provimento ao recurso especial para reformar o acórdão que contrariou os
artigos 14, II, e 17 do CP e para reconhecer que é relativa a inidoneidade da
tentativa de furto em estabelecimento comercial dotado de vigilância
eletrônica, afastando-se a alegada hipótese de crime impossível. Com isso, o
TJMG deverá prosseguir no julgamento da apelação da defesa e analisar outras
questões apontadas contra a sentença condenatória.
REsp 1385621
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Carlos Gianfardoni Advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo, sob o nº 96.337, com atuação na defesa de Crimes Empresariais e Crimes Contra a Vida; Professor de Direito Penal e Processo Penal na Escola de Direito - Pós-graduado em Direito Tributário; Mestre em Educação na USCS
sexta-feira, 12 de junho de 2015
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