quarta-feira, 24 de junho de 2015

Traição a serviço da ‘Justiça’

Delação, chave de entrada e chave de saída da cadeia.

O título deste texto, que também poderia denominar-se Traição a serviço da ‘Justiça’, reflete, alegoricamente, o real significado da delação premiada, um instituto ligado, na verdade, ao aprisionamento sem culpa e a uma distorcida ideia de Justiça, e não ao escopo declarado em lei, qual seja o de constituir um instrumento para o esclarecimento da verdade real sobre o crime e seus autores. A primeira objeção a ser posta diante do instituto da delação premiada se refere à insegurança jurídica que é por ele gerada.

O acusado preso sofre um rebaixamento no seu senso ético e moral, sendo atingidas as noções do certo e do errado, do justo e do injusto, do bem e do mal. Fragilizado, o colaborador fica sujeito a qualquer tipo de estímulo para ver minimizado o sofrimento imposto pela sua estada no cárcere. E atualmente a delação premiada, incentivada pelas autoridades, se apresenta como o mais viável meio de alcance da liberdade.

O encarcerado, com apoio na verdade ou falseando-a, passa a acusar companheiros de empreitada criminosa e a narrar situações ilícitas até então desconhecidas. É obvio que a sua conduta não é inspirada por motivos ligados ao civismo, à cidadania, ao interesse público ou a quaisquer outros nobres sentimentos. Seu interesse imediato é alcançar a liberdade, bem como benefícios outros que vão desde o perdão judicial até a diminuição da pena e o menor rigor em seu cumprimento.

Lembre-se de que, em face desses motivos meramente utilitários, egoísticos, a delação poderá atingir pessoas inocentes ou mesmo aquelas que, embora participantes do crime, tenham uma responsabilidade menor do que a apontada. Lamentavelmente, este injustificável efeito da colaboração premiada vem ocorrendo nos nossos dias e provoca evidente insegurança jurídica no que diz respeito à justiça penal.

De acordo com a Lei 12.850/13, sobre organização criminosa, que editou normas específicas e mais abrangentes a respeito de colaboração, existem duas condicionantes para que a colaboração tenha validade jurídica: a efetividade das denúncias e a voluntariedade na opção do delator. Quanto à efetividade, o legislador pretende que o conteúdo da delação produza efeitos concretos para que o crime, os seus outros autores e as suas demais circunstâncias possam ser esclarecidos. Cabe, acerca deste aspecto, uma advertência: a efetividade da colaboração não pode ser avaliada apenas sob o prisma do seu conteúdo, mas é necessária a comprovação da sua veracidade, sem o que não haverá efetividade e legitimidade da própria função jurisdicional, pois não há Justiça Penal sem verdade.

A voluntariedade, segundo requisito da legitimidade da colaboração, tem sido escandalosamente desrespeitada, com a complacência da mídia, da sociedade e – o que é mais grave – de autoridades ligadas à distribuição da Justiça Penal.

A partir da denominada Operação Lava Jato, as prisões preventivas passaram a ser decretadas para obrigar o acusado a delatar para obter a liberdade. Assim, prende-se para delatar e se solta porque se delatou.

Note-se que o escopo exclusivo da prisão é rigorosamente a delação. A custódia é decretada sem o exame de sua necessidade.

Deve ser realçado, ainda, que a necessidade constitui requisito fundamental para que a prisão antecipada se legitime perante a Constituição federal, em face do princípio da presunção de inocência, que proíbe a aplicação de pena até o trânsito em julgado da decisão respectiva, salvo em casos excepcionais de comprovada necessidade.

Prisão para forçar a delação é uma medida cruel, verdadeira tortura, de nefastas consequências. Portanto, quem delata porque está preso não age voluntariamente. Estivesse em liberdade, sem pressão ou coação, a sua opção seria voluntária e merecedora de credibilidade. Encarcerado, porém, a sua palavra estará sempre sob suspeita.

O ético e juridicamente correto seria que a lei só desse valor à palavra do delator que estivesse fora da prisão e proibisse a delação daquele que se encontra encarcerado.

Como afirmou, com a propriedade de sempre, o advogado Arnaldo Malheiros Filho, ao comentar uma delação feita nos Estados Unidos que atingiu uma pessoa inocente e isentou o delator homicida de maiores consequências penais, “quem pode comprar a liberdade com a palavra dirá a palavra que quiserem ouvir”.

É preciso salientar que a delação premiada, tal como vem sendo implementada no processo brasileiro, representa a derrogação de princípios basilares da nossa jurisdição penal, a começar pelo próprio afastamento da jurisdição na aplicação da sanção penal.

Uma vez fixados os termos do acordo entre acusador e acusado, incluindo a pena e seu cumprimento, o juiz terá papel meramente homologatório. O advogado, por sua vez, será simples fiscal do acordo, porque diante da delação o direito de defesa se torna dispensável.

Em resumo, estamos diante de aplicação de sanção penal sem processo, este entendido como instrumento de aplicação do Direito Penal, regido pelos princípios do contraditório, da obrigatoriedade da ação penal, da presunção de inocência, do devido processo legal e da ampla defesa, que passam a constituir letra morta, um nada jurídico.

Esse novo método de “descoberta da verdade”, longe de revelá-la, tem provocado injustiças e, como se apontou, uma inconcebível violação de princípios e de postulados constitucionais, cuja inserção em nosso ordenamento jurídico significou uma evolução civilizatória digna de orgulho e envaidecimento, pelo que representou de avanço em prol da democracia e da defesa das liberdades individuais.

Lembre-se que não se faz justiça com o sacrifício da dignidade e da liberdade.

Antônio Cláudio Mariz de Oliveira - Conselheiro honorário do MDA, ex-presidente da OAB-SP e da AASP, foi secretário de Justiça e de Segurança do Estado de São Paulo.

*Artigo publicado originalmente na edição de sábado (20/6) do jornal O Estado de S. Paulo.


quarta-feira, 17 de junho de 2015

Juíza rejeita denúncia por uso de drogas.

Em recente decisão, já transitada em julgado, a magistrada rejeitou denúncia que imputava a conduta de possuir droga para consumo próprio, sob o argumento de atipicidade da conduta

Publicado por Pedro Magalhães Ganem.

Apesar do processo ser público e de ter transcrito a decisão na íntegra, apenas substituí o nome da parte por um fictício, com o objetivo de não expor a sua imagem.

D E C I S Ã O

Vistos etc.

O Órgão Ministerial ofereceu Denúncia em face de TÍCIO, já qualificado nos autos, imputando-lhe a prática do crime tipificado no artigo 28 caput, da Lei nº 11.343/2006.

Colhe-se da peça acusatória, às fls. 02, que o acusado, em 21/11/2013, foi abordado por policiais, os quais encontraram com o réu 03 (três) pequenas “buchas” da substância ilícita vulgarmente conhecida como “maconha”, todas destinadas para seu próprio consumo.

Relatados, decido:

Preambularmente cumpre registrar o posicionamento a ser firmado por este Juízo diante da situação fática ora vivenciada pelo acusado.

Em que pese o estágio inicial que se encontra a presente ação penal, o que aqui se discute é a reprovabilidade da conduta perpetrada pelo réu e a (des) necessidade de punição pelas vias do Direito Penal.

Neste sentido, importante trazer à baila o entendimento exposto pela então Juíza de Direito Maria Lúcia Karan que, ainda na vigência da Lei nº 6368/76, absolveu a ora ré pela prática do crime previsto no artigo 16 da referida lei, flagrada com pequena quantidade de maconha e cocaína para uso próprio, sob argumento da "falta de tipicidade penal”.

No referido decisum, a ilustre magistrada assim asseverou que:

"É comum ouvir afirmações de que a impunidade da posse de drogas para uso pessoal incentivaria a disseminação de tais substâncias. Entretanto, uma análise mais racional revela que tal afirmativa não parte de dados concretos, sendo mera suposição, suposição que também seria possível fazer num sentido oposto, pois não é razoável pensar que a ameaça de punição pode, não só ser inócua no sentido de evitar o consumo, como até funcionar como uma atração a mais, notadamente entre os jovens e adolescentes, setor onde o problema é especialmente preocupante. Também não há dados concretos que demonstrem que a punição do consumidor tenha alguma consequência relevante no combate ao tráfico. A simples observação dos processos que tramitam na Justiça Criminal permite afirmar que é raríssimo encontrar casos em que a prisão do consumidor leva à identificação do fornecedor. Se o consumidor pode vir a ser um [...] traficante, deverá ser punido no momento que assim se tornar, pois aí sim estará deixando a esfera individual para atingir a bens jurídicos alheios, devendo a punição alcançar qualquer conduta que encerre a destinação da droga a terceiros, pouco importando se o fornecimento se dá a título oneroso ou gratuito, em grande ou pequena quantidade."

Já sob a vigência da atual Lei nº 11.343/06, a 6ª Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP, Sexta Câmara Criminal, Apelação Criminal nº 993.07.126537-3, Rel. José Henrique Torres, j. 31.03.2008), por sua vez, retomou o debate para fins de declarar a inconstitucionalidade do artigo 28 da referida Lei, sob o argumento de que:

“não há tipificação de conduta hábil a produzir lesão que invada os limites da alteridade, afronta os princípios da igualdade, da inviolabilidade da intimidade e da vida privada e do respeito à diferença, corolário do princípio da dignidade, albergados pela Constituição Federal e por tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil”.

Tal posicionamento tomou projeção nacional, de tal modo que já é possível verificar a sua presença nas sentenças dos magistrados de primeiro grau, a exemplo do Juiz Rubens Casara, da 43ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, que absolveu sumariamente o réu pela prática do crime previsto no artigo 28 da lei nº 11.343/06, sob o fundamento de que o fato narrado evidentemente não constitui crime:

"Por força do princípio da ofensividade (nullum crimen sine iniuria), não existe crime sem ofensa ao bem jurídico em nome do qual a norma penal foi criada. No caso em exame, a conduta de P. Não colocou em risco real e concreto o bem jurídico - saúde pública - que se afirma protegido pela norma penal incriminadora. De igual sorte, não se pode reconhecer a existência de crime sem que o resultado da conduta do agente se mostre capaz de afetar terceiras pessoas ou interesses de terceiros. Note-se que a conduta do réu toca apenas bens jurídicos individuais." Por fim, como consequência deste debate, a arguição da inconstitucionalidade aportou no STF, que lhe deu status de"Repercussão Geral". Sendo assim, portanto, a discussão atual acerca da inconstitucionalidade do artigo 28, da Lei nº 11.343/06 afeta o Supremo Tribunal Federal, que não deve demorar na apreciação do caso”.¹

Como visto no teor do julgado acima transcrito, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu e existência de “Repercussão Geral” no caso da inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343 /06:

"No caso, a controvérsia constitucional cinge-se a determinar se o preceito constitucional invocado autoriza o legislador infraconstitucional a tipificar penalmente o uso de drogas para consumo pessoal. Trata-se de discussão que alcança, certamente, grande número de interessados, sendo necessária a manifestação desta Corte para a pacificação da matéria. Portanto, revela-se tema com manifesta relevância social e jurídica, que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Nesse sentido, entendo configurada a repercussão geral da matéria Constitucional."

Ademais, a Primeira Turma do Pretório Excelso, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, aplicou, de forma pioneira, o princípio da insignificância a caso específico de porte de drogas, esclarecendo que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando “estritamente necessários à própria proteção das pessoas”, levando-se em consideração, para tanto, que no caso houve porte de ínfima quantidade de droga, o que resultou na determinação do trancamento do procedimento penal por ausência de tipicidade material da conduta²:

“a aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige que sejam preenchidos requisitos tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e relativa inexpressividade da lesão jurídica”.

Por fim, tal posicionamento vem a se consolidar com a proposta da comissão de juristas responsáveis pelo Anteprojeto do Novo Código Penal de descriminalizar o uso de drogas, cabendo ao Poder Executivo regulamentar a quantidade de substância que uma pessoa poderá portar e manter sem que se considere crime.

Outrossim, não se ignora a possibilidade de diferente posicionamento nos Tribunais pátrios, mormente por não estar pacificada a questão nos Tribunais Superiores. 
Todavia, entendo ser desnecessário aprofundar-me nas razões do meu convencimento acerca da atipicidade da conduta, eis que os entendimentos supra transcritos refletem o meu decisum.

Tendo em vista a atipicidade da conduta perpetrada pelo réu, concluo pela falta de justa causa para o exercício da ação penal, razão pela qual REJEITO A DENÚNCIA, com fulcro no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal

Intimem-se. Preclusos prazos recursais, dê-se baixa e ARQUIVE-SE.

1 - Juízo da 43ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Processo nº 0074975-39.2010.8.19.0001– Juiz Rubens Roberto Rebello Casara. Sentença Proferida em 31 de janeiro de 2012.


2 - STF, 1ª Turma., HC 110.475/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 14.02.2012

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Vigilância eficaz, por si só, não caracteriza como crime impossível a tentativa de furto em comércio.
A existência de um eficiente sistema de segurança não basta para que eventual tentativa de furto em estabelecimento comercial seja considerada crime impossível – o que excluiria a possibilidade de punição. A decisão é da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso especial repetitivo (tema 924), cuja relatoria é do ministro Rogerio Schietti Cruz.

Para efeito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, ficou definido que “a existência de sistema de segurança ou de vigilância eletrônica não torna impossível, por si só, o crime de furto cometido no interior de estabelecimento comercial”. Essa tese vai orientar a solução de processos idênticos, e só caberão novos recursos ao STJ quando a decisão de segunda instância for contrária ao entendimento firmado.

No caso julgado como representativo da controvérsia, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) acolheu a tese de crime impossível e absolveu duas acusadas de tentativa de furto dentro de um supermercado que tinha sistema de vigilância eletrônica. Para o TJMG, como a conduta foi monitorada pelo circuito interno de TV e por vigilantes, elas jamais teriam conseguido executar o furto, por isso o bem jurídico tutelado pelo direito penal, nesse caso, jamais esteve em risco de ser violado.

O Ministério Público mineiro recorreu ao STJ sustentando que “a mera vigilância exercida sobre as acusadas não constitui óbice, por si só, à consumação do delito”. Disse que, mesmo quando a pessoa tem seus passos monitorados, há sempre a possibilidade, ainda que remota, de que ela consiga driblar o esquema de segurança, enganando ou distraindo o vigilante ou fugindo com o produto do furto.

O caso foi considerado representativo de controvérsia em função da multiplicidade de recursos com fundamentação idêntica.

Perdas no varejo

A questão em debate era saber se o episódio configurou uma tentativa de furto, passível de punição (artigo 14, II, do Código Penal), ou se caracterizou o chamado crime impossível, diante da total ineficácia do meio empregado pelo agente (artigo 17 do CP).

Schietti disse que os sistemas de vigilância eletrônica podem evitar furtos, minimizando perdas, mas não impedem completamente a ocorrência desses crimes no interior dos estabelecimentos comerciais.

O ministro citou pesquisa feita pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), segundo a qual 40% das perdas do varejo em 2013 foram decorrentes de furtos, e avaliou que isso representa uma situação “dramática” especialmente para os pequenos comerciantes, que convivem com um índice de perda maior.

Para a doutrina jurídica, segundo Rogerio Schietti, a tentativa inidônea – isto é, o ato que não tem capacidade para levar à consumação do crime – somente se caracterizará como tal na hipótese de absoluta ineficácia do meio utilizado. Da mesma forma, ressaltou o ministro em seu voto, deve-se excluir a punibilidade por tentativa inidônea somente nas hipóteses que não gerem perigo concreto nem abstrato.

“Os atos do agente não devem ser apreciados isoladamente, mas em sua totalidade”, declarou o ministro, ao explicar que o criminoso pode se valer de atos inidôneos no início da execução e depois, percebendo sua inutilidade, passar a praticar atos idôneos.
Inidoneidade relativa

O ministro salientou que, no caso em análise, “o meio empregado pelas agentes era de inidoneidade relativa, visto que havia a possibilidade de consumação”, ainda que remota. Ele esclareceu que não se trata de fazer apologia da punição, mas de “concretização do dever de proteção, por meio de uma resposta proporcional do direito sancionador estatal a uma conduta penalmente punível”.

O relator lembrou que a interpretação dada pelo STJ é também uma resposta ao “justiçamento privado”, quando comerciantes, sob o pretexto da impunidade, acabam por executar medidas à margem do direito (como o uso de “salas de segurança” e até esquadrões da morte). De acordo com Schietti, o direito penal deve ser usado para minimizar a reação violenta ao desvio socialmente não tolerado e para garantir os direitos do acusado contra os excessos dos sistemas não jurídicos de controle social.

Por unanimidade de votos, o colegiado deu provimento ao recurso especial para reformar o acórdão que contrariou os artigos 14, II, e 17 do CP e para reconhecer que é relativa a inidoneidade da tentativa de furto em estabelecimento comercial dotado de vigilância eletrônica, afastando-se a alegada hipótese de crime impossível. Com isso, o TJMG deverá prosseguir no julgamento da apelação da defesa e analisar outras questões apontadas contra a sentença condenatória.

REsp 1385621
Turma reconhece prescrição e extingue pena de estelionatário




A 4ª Turma do TRF da 1ª Região confirmou decisão monocrática que julgou extinta a punibilidade de um réu pelo reconhecimento do instituto da prescrição. Consta dos autos que o réu foi condenado à pena de um ano e quatro meses de reclusão pela prática do crime de estelionato contra a previdência social. O relator do caso foi o desembargador federal Olindo Menezes.

No agravo regimental, o Ministério Público Federal (MPF) sustenta que o relator, ao reconhecer como termo inicial de prescrição o dia 30/6/2002, não considerou que, por força de decisão proferida em mandado de segurança, o benefício foi reativado, perdurando até, pelo menos, 29/2/2012, não havendo que se falar, portanto, em prescrição.

Ao analisar a questão, o magistrado explicou que, em relação aos crimes de estelionato, os precedentes do TRF1 diferenciam a natureza jurídica do delito a partir da conduta de cada agente que violou a norma. “Se o crime foi praticado pelo segurado beneficiário, cuida-se de crime permanente, de ação contínua, não se cuidando de várias condutas independentes entre si. Se praticado pelo servidor da autarquia ou por terceiro que atuou para o recebimento fraudulento do benefício, o crime é instantâneo com efeitos permanentes, prolongando os seus efeitos ao longo do tempo, embora a conduta tenha ocorrido num só momento, na concessão do benefício”, disse.

O relator ainda destacou que não assiste razão ao MPF quando alega que a suspensão administrativa do benefício não pode figurar como início do marco prescricional. “O estado de permanência não é restabelecido por força de decisão judicial que restaura o benefício suspenso administrativamente. Nesse caso, a existência de decisão judicial afasta os elementos essenciais do tipo penal”, esclareceu.

Por essa razão, segundo o desembargador Olindo Menezes, ficou configurada a prescrição uma vez que transcorreu o prazo superior a quatro anos entre a data do primeiro recebimento indevido e a data em que foi recebida a denúncia.

A decisão foi unânime.

Processo nº 0004970-55.2008.4.01.3700/MA



quinta-feira, 11 de junho de 2015

Busca e Apreensão sem Mandado Judicial

Busca e apreensão sem mandado judicial é possível em flagrante de crime permanente
No caso de flagrante de crime permanente, é possível a realização de busca e apreensão sem mandado judicial. Com esse argumento, na sessão desta terça-feira (9), a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou, em decisão unânime, Habeas Corpus (HC 127457) para P.A.N., acusado pela prática dos crimes de tráfico de drogas, associação para o tráfico e porte de arma de fogo com numeração raspada.

De acordo com os autos, a busca e apreensão feita pela polícia na casa do acusado, em Salvador (BA), aconteceu quando outro corréu, após ser reconhecido por populares como autor de vários roubos, estava em vias de ser linchado. Durante a abordagem policial, ele indicou às autoridade o local onde foram encontrados a arma de fogo com a numeração raspada, com três cartuchos intactos, 22 pedras de crack, 17 pinos de cocaína, um quilo de pasta base de cocaína e ainda R$ 16,4 mil. Em seguida, P.A.N. foi preso em flagrante, sendo posteriormente a prisão convertida em preventiva.

A defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça do Bahia, apontando a ilegalidade da busca e apreensão realizada sem autorização judicial e, ainda, questionando a ausência de fundamentação da custódia cautelar do acusado. A corte estadual negou o pleito, fazendo com que a defesa recorresse ao Superior Tribunal de Justiça. Diante da decisão do STJ, que não conheceu do habeas, a defesa impetrou HC no STF, com os mesmos argumentos.

Precedentes

O relator do caso, ministro Dias Toffoli, lembrou em seu voto que diversos precedentes da Corte apontam no sentido de ser dispensável o mandado de busca e apreensão quando se tratar de flagrante de crime permanente, como no caso de tráfico de drogas, sendo possível a realização das medidas necessárias. Nesse caso, não se pode falar em ilicitude das provas obtidas. Isso porque, no caso de crime permanente, explicou o ministro Celso de Mello ao acompanhar o relator, o momento consumativo do delito está sempre em execução.

Quanto à prisão preventiva, o relator destacou que o decreto cautelar se apresenta devidamente fundamentado, apto a justificar a necessidade de acautelar o meio social diante da periculosidade evidente do réu, surpreendido com grande quantidade de drogas, além da arma de fogo com numeração raspada.