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A simples leitura de sentença de pronúncia
(decisão que submete o acusado a júri popular) durante sessão do Tribunal do
Júri não leva à nulidade absoluta do julgamento. Em sessão nesta terça-feira
(24), a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento ao
Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 120598, em que a defesa de um
sentenciado por homicídio qualificado pedia realização de novo julgamento
pelo fato de o promotor de justiça ter lido, em plenário, a decisão proferida
em recurso que confirmou a pronúncia.
Segundo a defesa, ao fazer a leitura, o promotor
teria violado o artigo 478, inciso I, do Código de Processo Penal (CPC), que
proíbe as partes de, durante os debates, fazerem referência à pronúncia ou às
decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.
Em voto pelo desprovimento do recurso, o relator,
ministro Gilmar Mendes, observou que a vedação prevista no artigo 478 do CPC,
com a nova redação dada pela Lei 11.689/2008, não se resume à leitura da
decisão de pronúncia, mas sim a sua utilização como argumento de autoridade,
de forma a beneficiar ou prejudicar o acusado. O ministro frisou que, no
caso, nada indica que tenha havido qualquer prejuízo, pois o documento lido
pelo promotor foi o mesmo entregue aos jurados.
“A lei não veda toda e qualquer referência à
pronúncia. Veda apenas sua utilização como forma de persuadir o júri a
concluir que, se o juiz pronunciou o réu, logo este é culpado”, destacou. O
relator assinalou que, em outra alteração promovida pela Lei 11.689/2008, o
CPP passou a determinar que os jurados recebam a sentença de pronúncia no
início do julgamento (artigo 472, parágrafo único).
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Carlos Gianfardoni Advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo, sob o nº 96.337, com atuação na defesa de Crimes Empresariais e Crimes Contra a Vida; Professor de Direito Penal e Processo Penal na Escola de Direito - Pós-graduado em Direito Tributário; Mestre em Educação na USCS
quarta-feira, 25 de março de 2015
A Simples Leitura da Decisão de Pronúncia
segunda-feira, 16 de março de 2015
Feminicídio
Comentários sobre a Lei nº 13.104, de
9 de março de 2015
INTRODUÇÃO
Infelizmente,
inúmeras infrações penais são praticadas no interior dos lares, no seio das
famílias.
Desde agressões verbais, ofensivas às honras subjetiva e objetiva das
pessoas, passando por ameaças, lesões corporais, crimes contra o patrimônio,
violências sexuais, homicídios e tantos outros crimes.
Esses fatos passaram a
merecer uma atenção especial dos criminólogos, que identificaram que os
chamados broken homes (lares desfeitos ou quebrados) eram uma fonte
geradora de delitos dentro, e também fora dele.
Gerardo Landrove
Díaz, analisando especificamente as situações de infrações penais praticadas no
interior dos lares, nos esclarece que:
“Dentro das
tipologias que levam em conta a relação prévia entre vítima e autor do delito
(vítima conhecida ou desconhecida) temos que ressaltar a especial condição das
vítimas pertencentes ao mesmo grupo familiar do infrator; tratam-se de
hipóteses de vulnerabilidade convivencial ou doméstica. Os maus tratos e as
agressões sexuais produzidos nesse âmbito têm, fundamentalmente, como vítimas
seus membros mais débeis: as mulheres e as crianças. A impossibilidade de
defesa dessas vítimas – que chegam a sofrer, ademais, graves danos psicológicos
– aparece ressaltada pela existência a respeito de uma elevada cifra negra.”[1]
Contudo, isso não
quer dizer que esse grupo de pessoas apontado como vulnerável, ou seja,
mulheres e crianças sejam vítimas somente no interior dos lares. As mulheres,
principalmente, pela sua simples condição de pertencerem ao sexo feminino, têm
sido vítimas dentro e fora dele, o que levou o legislador a despertar para uma
maior proteção.
Sob a ótica de uma
necessária e diferenciada proteção à mulher, o Brasil editou o decreto 1.973,
em 1º de agosto de 1996, promulgando a Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em
09 de junho de 1994.
Os artigos 1º, 3º
e 4º, alínea a, da referida Convenção dizem, respectivamente:
Art. 1º. Para os
efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a mulher qualquer
ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico,
sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.
Art. 3º. Toda
mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto no âmbito público como
no privado.
Art. 4º. Toda
mulher tem direito ao reconhecimento, gozo, exercícios e proteção de todos os
direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e
internacionais sobre direitos humanos. Estes direitos compreendem, entre
outros:
a) o direito a que
se respeite sua vida.
A
LEI Nº 13.104,
de 9 de março de 2015.
Seguindo as
determinações contidas na aludida Convenção, em 7 de agosto de 2006 foi
publicada a Lei nº 11.340,
criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a
mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da
Constituição Federal , que ficou popularmente conhecida como
“Lei Maria da Penha” que, além de dispor sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, estabeleceu medidas de
assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e
familiar, nos termos dispostos no art. 1º da mencionada Lei.
Em 9 de março de
2015, indo mais além, fruto do Projeto de Lei do Senado nº 8.305/2014, foi
publicada a Lei nº 13.104,
que criou, como modalidade de homicídio qualificado, o chamado feminicídio,
que ocorre quando uma mulher vem a ser vítima de homicídio simplesmente por
razões de sua condição de sexo feminino.
Jeferson Botelho
Pereira, com o brilhantismo que lhe é peculiar, dissertando a respeito do tema,
sobre os tipos possíveis de feminicídio, preleciona que:
“A doutrina
costuma dividir o feminicídio em íntimo, não íntimo e por conexão.
Por feminicídio
íntimo entende aquele cometido por homens com os
quais a vítima tem ou teve uma relação íntima, familiar, de convivência ou
afins.
O feminicídio não
íntimo é aquele cometido por homens com os quais a vítima não tinha relações
íntimas, familiares ou de convivência.
O feminicídio por
conexão é aquele em que uma mulher é assassinada porque se encontrava na ‘linha
de tiro’ de um homem que tentava matar outra mulher, o que pode acontecer na aberratio
ictus”.[2]
Devemos observar,
entretanto, que não é pelo fato de uma mulher figurar como sujeito passivo do
delito tipificado no art. 121 do Código
Penal que já estará caracterizado o delito qualificado, ou seja, o
feminicídio. Para que reste configurada a qualificadora, nos termos do § 2-A,
do art. 121 do diploma repressivo, o crime deverá ser praticado por razões
de condição de sexo feminino, que efetivamente ocorrerá quando envolver:
I – violência
doméstica e familiar;
II – menosprezo ou
discriminação à condição de mulher.
Assim, por
exemplo, imagine-se a hipótese em que alguém, que havia sido dispensado de seu
trabalho por sua empregadora, uma empresária, resolve matá-la por não se
conformar com a sua dispensa, sem justa causa. Nesse caso, como se percebe, o
homicídio não foi praticado simplesmente pela condição de mulher da
empregadora, razão pela qual não incidirá a qualificadora do feminicídio,
podendo, no entanto, ser qualificado o crime em virtude de alguma das demais
situações previstas no § 2º do art. 121 do Código
Penal.
Agora,
raciocinemos com a hipótese onde o marido mata sua esposa, dentro de um
contexto de violência doméstica e familiar. Para fins de reconhecimento das
hipóteses de violência doméstica e familiar deverá ser utilizado como
referência o art. 5º , da Lei nº 11.340
, de 7 de agosto de 2006, que diz, verbis:
Art. 5o Para os
efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher
qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da
unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de
pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da
família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se
consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade
expressa;
III - em qualquer
relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a
ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único.
As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Em ocorrendo uma
das hipóteses previstas nos incisos acima transcritos, já será possível o
reconhecimento da qualificadora relativa ao feminicídio.
O inciso II, do §
2-A, do art. 121 do Código
Penal assegura ser também qualificado o homicídio quando a morte de
uma mulher se der por menosprezo ou discriminação à essa sua condição. Menosprezo,
aqui, pode ser entendido no sentido de desprezo, sentimento de aversão,
repulsa, repugnância à uma pessoa do sexo feminino; discriminação tem o
sentido de tratar de forma diferente, distinguir pelo fato da condição de
mulher da vítima.
Merece ser
frisado, por oportuno, que o feminicídio, em sendo uma das modalidades de
homicídio qualificado, pode ser praticado por qualquer pessoa, seja ela do sexo
masculino, ou mesmo do sexo feminino. Assim, não existe óbice à aplicação da
qualificadora se, numa relação homoafetiva feminina, uma das parceiras, vivendo
em um contexto de unidade doméstica, vier a causar a morte de sua companheira.
O
CONCEITO DE MULHER
Para que possa
ocorrer o feminicídio é preciso, como vimos anteriormente, que o sujeito
passivo seja uma mulher, e que o crime tenha sido cometido por razões da sua
condição de sexo feminino. Assim, vale a pergunta, quem pode ser considerada
mulher, para efeitos de reconhecimento do homicídio qualificado?
A questão, longe
de ser simples, envolve intensas discussões nos dias de hoje. Tal fato não
passou despercebido por Francisco Dirceu Barros que previu as discussões que
seriam travadas doutrinária e jurisprudencialmente, e propôs uma série de
problematizações, a saber:
“Problematização
I: Tício fez um procedimento cirúrgico denominado
neocolpovulvoplastia alterando genitália masculina para feminina, ato contínuo,
Tício, através de uma ação judicial, muda seu nome para Tícia e,
consequentemente, todos seus documentos são alterados. Posteriormente, em uma
discussão motivada pela opção sexual de Tícia, Seprônio disparou 05 tiros,
assassinando-a.
Pergunta-se:
Seprônio será denunciado por homicídio com a
qualificadora do inciso VI (Se o homicídio é cometido: VI – contra a mulher
por razões de gênero)?
Problematização II:
Tícia, entendendo que psicologicamente é do sexo masculino, interpõe ação
judicial e, muda seu nome para Tício, consequentemente, todos seus documentos
são alterados. Posteriormente, em uma discussão motivada pela opção sexual de
Tício, Seprônio disparou 05 tiros, assassinando-o.
Pergunta-se:
considerando que a vítima é biologicamente mulher,
mas foi registrada como Tício, Seprônio será denunciado por homicídio com a
qualificadora do inciso VI (Se o homicídio é cometido: VI – contra a mulher
por razões de gênero)?
Problematização III:
Tício, tem dois órgãos genitais, um feminino e outro masculino. O órgão genital
biologicamente prevalente é o masculino. Certo dia, em uma discussão motivada
pela opção sexual de Tício, Seprônio disparou 05 tiros, assassinando-o.
Pergunta-se:
considerando que a vítima também tem um órgão
genital feminino, Seprônio será denunciado por homicídio com a qualificadora do
inciso VI (Se o homicídio é cometido: VI – contra a mulher por razões de
gênero)?[3]
As discussões
lançadas são perfeitamente possíveis de acontecer. Assim, precisamos definir,
com precisão, o conceito de mulher para fins de reconhecimento da
qualificadora em estudo.
Inicialmente,
podemos apontar um critério de natureza psicológica, ou seja, embora
alguém seja do sexo masculino, psicologicamente, acredita pertencer ao sexo
feminino, ou vice versa, vale dizer, mesmo tendo nascido mulher, acredita,
psicologicamente, ser do sexo masculino, a exemplo do que ocorre com os
chamados transexuais.
O transexualismo
ou síndrome de disforia sexual, de acordo com as lições de Genival
Veloso de França é uma:
“inversão
psicossocial, uma aversão ou negação ao sexo de origem, o que leva esses
indivíduos a protestarem e insistirem numa forma de cura por meio da cirurgia
de reversão genital, assumindo, assim, a identidade do seu desejado gênero”.
E continua,
dizendo:
“As
características clínicas do transexualismo se reforçam com a evidência de uma
convicção de pertencer ao sexo oposto, o que lhe faz contestar e valer essa
determinação até de forma violenta e desesperada. Em geral não tem
relacionamento sexual, nem mesmo com pessoas do outro sexo, pois só admitem
depois de reparada a situação que lhe incomoda. Somaticamente, não apresentam
qualquer alteração do seu sexo de origem. Quase todos eles têm genitais
normais”.[4]
Essa é a posição
defendia por Jeferson Botelho Pereira, quando assevera que:
“Transexualismo:
Diante das recentes decisões da Lei nº 11.40/2006, em relação à Lei Maria da
Penha, em especial o TJGO, acredito que o transexual pode figurar
como autor ou vítima do delito de feminicídio.
Homossexualismo
masculino: Também em função dos precedentes dos Tribunais
Superiores, em havendo papel definido na relação, é possível o homossexual
masculino figurar como vítima do feminicídio.
Homossexualismo
feminino: Acredito não haver nenhum óbice também para
figurar tanto como autor ou vítima do crime de feminicídio”.[5]
O segundo
critério, apontado e defendido por Francisco Dirceu Barros, diz respeito àquele
de natureza biológica. Segundo o renomado autor, através dele:
“identifica-se a
mulher em sua concepção genética ou cromossômica. Neste caso, como a
neocolpovulvoplastia altera a estética, mas não a concepção genética, não será
possível a aplicação da qualificadora do feminicídio.
O critério biológico
identifica homem ou mulher pelo sexo morfológico, sexo genético e sexo
endócrino: a) sexomorfológico ou somático resulta da soma das
características genitais (órgão genitais externos, pênis e vagina, e órgãos
genitais internos, testículos e ovários) e extragenitais somáticas (caracteres
secundários – desenvolvimento de mamas, dos pêlos pubianos, timbre de voz,
etc.); b) sexo genético ou cromossômico é responsável pela determinação
do sexo do indivíduo através dos genes ou pares de cromossomos sexuais (XY –
masculino e XX - feminino) e; c) sexo endócrino é identificado nas
glândulas sexuais, testículos e ovários, que produzem hormônios sexuais
(testosterona e progesterona) responsáveis em conceder à pessoa atributos
masculino ou feminino. ”[6]
Com todo respeito
às posições em contrário, entendemos que o único critério que nos traduz, com a
segurança necessária exigida pelo direito, e em especial o direito penal, é o
critério que podemos denominar de jurídico. Assim, somente aquele que
for portador de um registro oficial (certidão de nascimento, documento de
identidade) onde figure, expressamente, o seu sexo feminino, é que poderá ser
considerado sujeito passivo do feminicídio.
Aqui, pode ocorrer
que a vítima tenha nascido com o sexo masculino, sendo tal fato constado
expressamente de seu registro de nascimento. No entanto, posteriormente,
ingressando com uma ação judicial, vê sua pretensão de mudança de sexo
atendida, razão pela qual, por conta de uma determinação do Poder Judiciário,
seu registro original vem a ser modificado, passando a constar, agora, como
pessoa do sexo feminino. Somente a partir desse momento é que poderá, segundo
nossa posição, ser considerada como sujeito passivo do feminicídio.
Assim, concluindo,
das três posições possíveis, isto é, entre os critérios psicológico, biológico
e jurídico, somente este último nos traz a segurança necessária para efeitos de
reconhecimento do conceito de mulher.
Além disso, não
podemos estender tal conceito a outros critérios que não o jurídico, uma vez
que, in casu, estamos diante de uma norma penal incriminadora, que deve
ser interpretada o mais restritamente possível, evitando-se uma indevida
ampliação do seu conteúdo que ofenderia, frontalmente, o principio da
legalidade, em sua vertente nullum crimen nulla poena sine lege stricta.
CAUSAS
DE AUMENTO DE PENA NO FEMINICÍDIO
Diz o § 7º , do art. 121 do Código
Penal § 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a
metade se o crime for praticado:
I – durante a
gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II – contra pessoa
menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta anos) ou com deficiência;
III – na presença
de descendente ou de ascendente da vítima.
Antes de analisarmos
cada uma das hipóteses de aumento de pena, vale ressaltar que embora a segunda
parte do § 4º , do art. 121 do Código
Penal tenha uma redação parecida com aquela trazida pelo § 7º do
mesmo artigo, asseverando que se o crime de homicídio doloso for praticado
contra pessoa menor de 14 (catorze) anos ou maior de 60 (sessenta) anos, a pena
será aumentada de 1/3 (um terço), havendo, mesmo que parcialmente, um conflito
aparente de normas, devemos concluir que as referidas majorantes cuidam de
situações distintas, aplicando-se, pois, o chamado princípio da especialidade,
ou seja, quando estivermos diante de um feminicídio, e se a vítima for menor de
14 (catorze) anos ou maior de 60 (sessenta) anos, como prevêem os dois
parágrafos, deverá ser aplicado o § 7º, do art. 121 do estatuto repressivo.
Dessa forma, o § 4º, nas hipóteses mencionadas, será aplicado por exclusão, ou
seja, quando não se tratar de feminicídio, aplica-se o § 4º do art. 121 do
diploma penal.
Ao contrário do
que ocorre no § 4º , do art. 121 do Código
Penal , onde foi determinado o aumento de 1/3 (um terço), no § 7º do
mesmo artigo determinou a lei que a pena seria aumentada entre o percentual
mínimo de 1/3 (um terço) até a metade. Assim, o julgador poderá percorrer entre
os limites mínimo e máximo. No entanto, qual será o critério para que, no caso
concreto, possa o julgador determinar o percentual a ser aplicado? Existe
alguma regra a ser observada que permita a escolha de um percentual, partindo
do mínimo, podendo chegar ao máximo de aumento?
Imaginemos a
hipótese onde o agente foi condenado pelo delito de homicídio qualificado,
caracterizando-se, outrossim, o feminicídio. Vamos considerar que o crime foi
consumado e que o fato foi praticado contra uma senhora que contava com 65 anos
de idade. O agente foi condenado e o julgador, ao fixar a pena base, determinou
o patamar mínimo (12 anos de reclusão), após avaliar as circunstâncias
judiciais. Não havia circunstâncias atenuantes ou agravantes. Uma vez
comprovado nos autos que o agente tinha conhecimento da idade da vítima, qual o
percentual de aumento a ser aplicado? Se determinar 1/3 (um terço), por
exemplo, a pena final será de 16 anos de reclusão; se entender pela aplicação
do percentual máximo, a pena final será de 18 anos de reclusão. Enfim, a
diferença será ainda maior à medida que a pena base for superior aos 12 anos e
terá repercussões importantes quando, após o efetivo trânsito em julgado da
sentença penal condenatória, for iniciada a fase da execução penal,
interferindo, por exemplo, na contagem do tempo para a progressão de regime,
livramento condicional etc.
O critério que
norteará o julgador, segundo nosso posicionamento. Será o princípio da
culpabilidade.
Quanto maior o juízo de reprovação no caso concreto, maior será
a possibilidade de aumento. Como se percebe, não deixa de ser também um
critério subjetivo mas, de qualquer forma, o juiz deverá motivar a sua decisão,
esclarecendo as razões pelas quais não optou pela aplicação do percentual
mínimo. Na verdade, como o processo é dialético, ou seja, é feito de partes,
tanto a aplicação do percentual mínimo, ou qualquer outro em patamar superior
devem ser fundamentados, porque o órgão acusador e a defesa precisam tomar
conhecimento dessa fundamentação para que possam, querendo, ingressar com algum
tipo de recurso, caso venham a dela discordar.
Dessa forma, em
sendo condenado o agente que praticou o feminicídio, quando da aplicação da
pena, o juiz deverá fazer incidir no terceiro momento do critério trifásico,
previsto no art. 68 do Código
Penal, o aumento de 1/3 (um terço) até a metade, se o crime for
praticado:
I – durante a
gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto
Ab initio,
para que as causas de aumento de pena previstas pelo inciso I, do § 7º, do art. 121 do Código
Penal possam ser aplicadas é preciso que, anteriormente, tenham
ingressado na esfera de conhecimento do agente, ou seja, para que o autor do
feminicídio possa ter sua pena majorada, quando da sua conduta tinha que saber,
obrigatoriamente, que a vítima encontrava-se grávida ou que, há três meses,
tinha dado realizado seu parto. Caso contrário, ou seja, se tais fatos não
forem do conhecimento do agente, será impossível a aplicação das referidas
majorantes, sob pena de adotarmos a tão repudiada responsabilidade penal objetiva,
também conhecida como responsabilidade penal sem culpa ou pelo resultado.
Na primeira parte
do inciso I sub examen, podemos extrair as seguintes hipóteses, partindo
do pressuposto que o agente conhecia a gravidez da vítima, e que agia com a
finalidade de praticar um feminicídio:
A mulher e o feto
sobrevivem – nesse caso, o agente deverá responder pela
tentativa de feminicídio e pela tentativa de aborto;
A mulher e o feto
morrem – aqui, deverá responder pelo feminicídio
consumado e pelo aborto consumado;
A mulher morre e o
feto sobrevive – nessa hipótese, teremos um feminicídio
consumado, em concurso com uma tentativa de aborto;
A mulher sobrevive
e o feto morre – in casu, será responsabilizado pelo
feminicídio tentado, em concurso com o aborto consumado.
Se o agente causa
a morte da mulher por razões da condição de sexo feminino, nos 3 (três) meses
posteriores ao parto, também terá sua pena majorada. Aqui, conta-se o primeiro
dia do prazo de 3 (três) meses na data em que praticou a conduta, e não no
momento do resultado morte. Assim, por exemplo, se o agente deu início aos atos
de execução do crime de feminicídio, agredindo a vítima a facadas, e essa vem a
falecer somente uma semana após as agressões, para efeito de contagem do prazo
de 3 (três) meses será levado em consideração o dia em que desferiu os golpes,
conforme determina o art. 4º do Código
Penal, que diz que se considera praticado o crime no momento da ação
ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.
II – contra pessoa
menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência
Tal como ocorre
com o inciso I analisado anteriormente, para que as majorantes constantes do
inciso II sejam aplicadas ao agente é preciso que todas elas tenham ingressado
na sua esfera de conhecimento, pois, caso contrário, poderá ser alegado o
chamado erro de tipo, afastando-se, consequentemente, o aumento de pena.
Deverá, ainda, ser
demonstrado nos autos, através de documento hábil que a vítima era menor de 14
(catorze) anos, ou seja, não tinha ainda completado 14 (catorze) anos, ou era
maior de 60 (sessenta) anos. Tal prova deve ser feita através de certidão de
nascimento, expedida pelo registro civil ou documento que lhe substitua, a
exemplo da carteira de identidade, conforme determina o parágrafo único do art. 155do Código de
Processo Penal, de acordo com a redação que lhe foi conferida pela
Lei nº 11.690, de 9 de junho de 1990, que diz que somente quanto ao estado
das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.
A deficiência da
vítima, que pode ser tanto a física ou mental, poderá ser comprovada através de
um laudo pericial, ou por outros meios capazes de afastar a dúvida. Assim, por
exemplo, imagine-se a hipótese em que o agente cause a morte de sua mulher,
paraplégica, fato esse que era do conhecimento de todos. Aqui, v. G, a
paraplegia da vítima poderá ser demonstrada, inclusive, através da prova
testemunhal, não havendo necessidade de laudo médico. O que se quer, na
verdade, é que o julgador tenha certeza absoluta dos fatos que conduzirão a um
aumento de pena considerável, quando da aplicação do art. 68 do Código
Penal.
Em ocorrendo a
hipótese de feminicídio contra uma criança (menor de 12 anos de idade) ou uma mulher
maior de 60 (sessenta), não será aplicada a circunstância agravante prevista na
alínea h, do art. 61 do Código
Penal, pois, caso contrário, estaríamos levando a efeito o chamado bis
in idem, onde um mesmo fato estaria incidindo duas vezes em prejuízo do
agente. Nesses casos, terá aplicação o inciso II, do § 7º do art. 121do Código
Penal, também devido à sua especialidade.
III - na presença
de descendente ou de ascendente da vítima.
Além do agente,
que pratica o feminicídio, ter que saber que as pessoas que se encontravam
presentes quando da sua ação criminosa eram descendentes ou ascendentes da
vítima, para que a referida causa de aumento de pena possa ser aplicada é
preciso, também, que haja prova do parentesco nos autos, produzida através dos
documentos necessários (certidão de nascimento, documento de identidade etc.),
conforme preconiza o parágrafo único, do art. 155 do Código de
Processo Penal referido anteriormente.
Aqui, o fato de
matar a vítima na presença de seu descendente ou ascendente sofre um maior
juízo de reprovação, uma vez que o agente produzirá, nessas pessoas, um trauma
quase que irremediável. Assim, exemplificando, raciocinemos com a hipótese onde
o marido mata a sua esposa na presença de seu filho, que contava na época dos
fatos com apenas 7 anos de idade. O trauma dessa cena violenta o acompanhará a
vida toda.
Infelizmente, tal
fato tem sido comum e faz com que aquele que presenciou a morte brutal de sua
mãe cresça, ou mesmo conviva até a sua morte, com problemas psicológicos
seríssimos, repercutindo na sua vida em sociedade.
BIBLIOGRAFIA
DÍAZ, Gerardo
Landrove. La moderna victimología. Valencia: Tirant lo Blanch, 1998.
DIRCEU BARROS,
Francisco. Feminicídio e neocolpovulvoplastia: As implicações legais do
conceito de mulher para os fins penais. In http://franciscodirceubarros.jusbrasil.com.br/artigos/173139537/feminicidioeneocolpovulvoplastia-as-implicacoes-legais-do-conceito-de-mulher-para-os-fins-penais. Acessado
em 14 de março de 2015.
FRANÇA, Genival
Veloso. Fundamentos de medicina legal. Rio de Janeiro: Editora,
Guanabara Koogan, 2005;
PEREIRA, Jeferson
Botelho. Breves apontamentos sobe a Lei nº 13.104/2015,
que cria o crime de feminicídio no ordenamento jurídico brasileiro. In http://jus.com.br/artigos/37061/breves-apontamentos-sobrealein13-104-2015-que-cria-de-crime-feminicidio-no-ordenamento-jurídico-brasileiro. Acessdo
em 14 de março de 2015.
[1] DÍAZ, Gerardo
Landrove. La moderna victimología, p. 45.
[2] PEREIRA,
Jeferson Botelho. Breves apontamentos sobe a Lei nº 13.104/2015,
que cria o crime de feminicídio no ordenamento jurídico brasileiro. In http://jus.com.br/artigos/37061/breves-apontamentos-sobrealein13-104-2015-que-cria-de-crime-feminicidio-no-ordenamento-jurídico-brasileiro. Acessdo
em 14 de março de 2015.
[3] DIRCEU BARROS,
Francisco. Feminicídio e neocolpovulvoplastia: As implicações legais do
conceito de mulher para os fins penais. In http://franciscodirceubarros.jusbrasil.com.br/artigos/173139537/feminicidioeneocolpovulvoplastia-as-implicacoes-legais-do-conceito-de-mulher-para-os-fins-penais. Acessado
em 14 de março de 2015.
[4] FRANÇA,
Genival Veloso. Fundamentos de medicina legal, p. 142.
[5] PEREIRA,
Jeferson Botelho. Breves apontamentos sobe a Lei nº 13.104
Carregando...
/2015, que cria o crime de feminicídio no
ordenamento jurídico brasileiro. In http://jus.com.br/artigos/37061/breves-apontamentos-sobrealein13-104-2015-que-cria-de-crime-feminicidio-no-ordenamento-jurídico-brasileiro. Acessdo
em 14 de março de 2015.
[6] DIRCEU BARROS,
Francisco. Feminicídio e neocolpovulvoplastia: As implicações legais do
conceito de mulher para os fins penais. In http://franciscodirceubarros.jusbrasil.com.br/artigos/173139537/feminicidioeneocolpovulvoplastia-as-implicacoes-legais-do-conceito-de-mulher-para-os-fins-penais. Acessado
em 14 de março de 2015.
sexta-feira, 13 de março de 2015
Proposta de Súmula Vinculante (PSV) 57
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