quarta-feira, 25 de março de 2015

A Simples Leitura da Decisão de Pronúncia

2ª Turma rejeita alegação de nulidade em razão da leitura da decisão de pronúncia

A simples leitura de sentença de pronúncia (decisão que submete o acusado a júri popular) durante sessão do Tribunal do Júri não leva à nulidade absoluta do julgamento. Em sessão nesta terça-feira (24), a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 120598, em que a defesa de um sentenciado por homicídio qualificado pedia realização de novo julgamento pelo fato de o promotor de justiça ter lido, em plenário, a decisão proferida em recurso que confirmou a pronúncia.

Segundo a defesa, ao fazer a leitura, o promotor teria violado o artigo 478, inciso I, do Código de Processo Penal (CPC), que proíbe as partes de, durante os debates, fazerem referência à pronúncia ou às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

Em voto pelo desprovimento do recurso, o relator, ministro Gilmar Mendes, observou que a vedação prevista no artigo 478 do CPC, com a nova redação dada pela Lei 11.689/2008, não se resume à leitura da decisão de pronúncia, mas sim a sua utilização como argumento de autoridade, de forma a beneficiar ou prejudicar o acusado. O ministro frisou que, no caso, nada indica que tenha havido qualquer prejuízo, pois o documento lido pelo promotor foi o mesmo entregue aos jurados.

“A lei não veda toda e qualquer referência à pronúncia. Veda apenas sua utilização como forma de persuadir o júri a concluir que, se o juiz pronunciou o réu, logo este é culpado”, destacou. O relator assinalou que, em outra alteração promovida pela Lei 11.689/2008, o CPP passou a determinar que os jurados recebam a sentença de pronúncia no início do julgamento (artigo 472, parágrafo único).

segunda-feira, 16 de março de 2015

Feminicídio

Comentários sobre a Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015

INTRODUÇÃO

Infelizmente, inúmeras infrações penais são praticadas no interior dos lares, no seio das famílias.

Desde agressões verbais, ofensivas às honras subjetiva e objetiva das pessoas, passando por ameaças, lesões corporais, crimes contra o patrimônio, violências sexuais, homicídios e tantos outros crimes.

Esses fatos passaram a merecer uma atenção especial dos criminólogos, que identificaram que os chamados broken homes (lares desfeitos ou quebrados) eram uma fonte geradora de delitos dentro, e também fora dele.

Gerardo Landrove Díaz, analisando especificamente as situações de infrações penais praticadas no interior dos lares, nos esclarece que:
“Dentro das tipologias que levam em conta a relação prévia entre vítima e autor do delito (vítima conhecida ou desconhecida) temos que ressaltar a especial condição das vítimas pertencentes ao mesmo grupo familiar do infrator; tratam-se de hipóteses de vulnerabilidade convivencial ou doméstica. Os maus tratos e as agressões sexuais produzidos nesse âmbito têm, fundamentalmente, como vítimas seus membros mais débeis: as mulheres e as crianças. A impossibilidade de defesa dessas vítimas – que chegam a sofrer, ademais, graves danos psicológicos – aparece ressaltada pela existência a respeito de uma elevada cifra negra.”[1]

Contudo, isso não quer dizer que esse grupo de pessoas apontado como vulnerável, ou seja, mulheres e crianças sejam vítimas somente no interior dos lares. As mulheres, principalmente, pela sua simples condição de pertencerem ao sexo feminino, têm sido vítimas dentro e fora dele, o que levou o legislador a despertar para uma maior proteção.

Sob a ótica de uma necessária e diferenciada proteção à mulher, o Brasil editou o decreto 1.973, em 1º de agosto de 1996, promulgando a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 09 de junho de 1994.

Os artigos 1º, 3º e 4º, alínea a, da referida Convenção dizem, respectivamente:
Art. 1º. Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.
Art. 3º. Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto no âmbito público como no privado.
Art. 4º. Toda mulher tem direito ao reconhecimento, gozo, exercícios e proteção de todos os direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos. Estes direitos compreendem, entre outros:
a) o direito a que se respeite sua vida.

A LEI Nº 13.104, de 9 de março de 2015.

Seguindo as determinações contidas na aludida Convenção, em 7 de agosto de 2006 foi publicada a Lei nº 11.340, criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal , que ficou popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha” que, além de dispor sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, estabeleceu medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, nos termos dispostos no art. da mencionada Lei.

Em 9 de março de 2015, indo mais além, fruto do Projeto de Lei do Senado nº 8.305/2014, foi publicada a Lei nº 13.104, que criou, como modalidade de homicídio qualificado, o chamado feminicídio, que ocorre quando uma mulher vem a ser vítima de homicídio simplesmente por razões de sua condição de sexo feminino.

Jeferson Botelho Pereira, com o brilhantismo que lhe é peculiar, dissertando a respeito do tema, sobre os tipos possíveis de feminicídio, preleciona que:
A doutrina costuma dividir o feminicídio em íntimo, não íntimo e por conexão.
Por feminicídio íntimo entende aquele cometido por homens com os quais a vítima tem ou teve uma relação íntima, familiar, de convivência ou afins.

O feminicídio não íntimo é aquele cometido por homens com os quais a vítima não tinha relações íntimas, familiares ou de convivência.

O feminicídio por conexão é aquele em que uma mulher é assassinada porque se encontrava na ‘linha de tiro’ de um homem que tentava matar outra mulher, o que pode acontecer na aberratio ictus”.[2]

Devemos observar, entretanto, que não é pelo fato de uma mulher figurar como sujeito passivo do delito tipificado no art. 121 do Código Penal que já estará caracterizado o delito qualificado, ou seja, o feminicídio. Para que reste configurada a qualificadora, nos termos do § 2-A, do art. 121 do diploma repressivo, o crime deverá ser praticado por razões de condição de sexo feminino, que efetivamente ocorrerá quando envolver:
I – violência doméstica e familiar;
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Assim, por exemplo, imagine-se a hipótese em que alguém, que havia sido dispensado de seu trabalho por sua empregadora, uma empresária, resolve matá-la por não se conformar com a sua dispensa, sem justa causa. Nesse caso, como se percebe, o homicídio não foi praticado simplesmente pela condição de mulher da empregadora, razão pela qual não incidirá a qualificadora do feminicídio, podendo, no entanto, ser qualificado o crime em virtude de alguma das demais situações previstas no § 2º do art. 121 do Código Penal.

Agora, raciocinemos com a hipótese onde o marido mata sua esposa, dentro de um contexto de violência doméstica e familiar. Para fins de reconhecimento das hipóteses de violência doméstica e familiar deverá ser utilizado como referência o art. , da Lei nº 11.340 , de 7 de agosto de 2006, que diz, verbis:
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Em ocorrendo uma das hipóteses previstas nos incisos acima transcritos, já será possível o reconhecimento da qualificadora relativa ao feminicídio.

O inciso II, do § 2-A, do art. 121 do Código Penal assegura ser também qualificado o homicídio quando a morte de uma mulher se der por menosprezo ou discriminação à essa sua condição. Menosprezo, aqui, pode ser entendido no sentido de desprezo, sentimento de aversão, repulsa, repugnância à uma pessoa do sexo feminino; discriminação tem o sentido de tratar de forma diferente, distinguir pelo fato da condição de mulher da vítima.

Merece ser frisado, por oportuno, que o feminicídio, em sendo uma das modalidades de homicídio qualificado, pode ser praticado por qualquer pessoa, seja ela do sexo masculino, ou mesmo do sexo feminino. Assim, não existe óbice à aplicação da qualificadora se, numa relação homoafetiva feminina, uma das parceiras, vivendo em um contexto de unidade doméstica, vier a causar a morte de sua companheira.

O CONCEITO DE MULHER

Para que possa ocorrer o feminicídio é preciso, como vimos anteriormente, que o sujeito passivo seja uma mulher, e que o crime tenha sido cometido por razões da sua condição de sexo feminino. Assim, vale a pergunta, quem pode ser considerada mulher, para efeitos de reconhecimento do homicídio qualificado?

A questão, longe de ser simples, envolve intensas discussões nos dias de hoje. Tal fato não passou despercebido por Francisco Dirceu Barros que previu as discussões que seriam travadas doutrinária e jurisprudencialmente, e propôs uma série de problematizações, a saber:

Problematização I: Tício fez um procedimento cirúrgico denominado neocolpovulvoplastia alterando genitália masculina para feminina, ato contínuo, Tício, através de uma ação judicial, muda seu nome para Tícia e, consequentemente, todos seus documentos são alterados. Posteriormente, em uma discussão motivada pela opção sexual de Tícia, Seprônio disparou 05 tiros, assassinando-a.
Pergunta-se: Seprônio será denunciado por homicídio com a qualificadora do inciso VI (Se o homicídio é cometido: VI – contra a mulher por razões de gênero)?

Problematização II: Tícia, entendendo que psicologicamente é do sexo masculino, interpõe ação judicial e, muda seu nome para Tício, consequentemente, todos seus documentos são alterados. Posteriormente, em uma discussão motivada pela opção sexual de Tício, Seprônio disparou 05 tiros, assassinando-o.
Pergunta-se: considerando que a vítima é biologicamente mulher, mas foi registrada como Tício, Seprônio será denunciado por homicídio com a qualificadora do inciso VI (Se o homicídio é cometido: VI – contra a mulher por razões de gênero)?

Problematização III: Tício, tem dois órgãos genitais, um feminino e outro masculino. O órgão genital biologicamente prevalente é o masculino. Certo dia, em uma discussão motivada pela opção sexual de Tício, Seprônio disparou 05 tiros, assassinando-o.
Pergunta-se: considerando que a vítima também tem um órgão genital feminino, Seprônio será denunciado por homicídio com a qualificadora do inciso VI (Se o homicídio é cometido: VI – contra a mulher por razões de gênero)?[3]

As discussões lançadas são perfeitamente possíveis de acontecer. Assim, precisamos definir, com precisão, o conceito de mulher para fins de reconhecimento da qualificadora em estudo.

Inicialmente, podemos apontar um critério de natureza psicológica, ou seja, embora alguém seja do sexo masculino, psicologicamente, acredita pertencer ao sexo feminino, ou vice versa, vale dizer, mesmo tendo nascido mulher, acredita, psicologicamente, ser do sexo masculino, a exemplo do que ocorre com os chamados transexuais.

O transexualismo ou síndrome de disforia sexual, de acordo com as lições de Genival Veloso de França é uma:

“inversão psicossocial, uma aversão ou negação ao sexo de origem, o que leva esses indivíduos a protestarem e insistirem numa forma de cura por meio da cirurgia de reversão genital, assumindo, assim, a identidade do seu desejado gênero”.

E continua, dizendo:

“As características clínicas do transexualismo se reforçam com a evidência de uma convicção de pertencer ao sexo oposto, o que lhe faz contestar e valer essa determinação até de forma violenta e desesperada. Em geral não tem relacionamento sexual, nem mesmo com pessoas do outro sexo, pois só admitem depois de reparada a situação que lhe incomoda. Somaticamente, não apresentam qualquer alteração do seu sexo de origem. Quase todos eles têm genitais normais”.[4]

Essa é a posição defendia por Jeferson Botelho Pereira, quando assevera que:

Transexualismo: Diante das recentes decisões da Lei nº 11.40/2006, em relação à Lei Maria da Penha, em especial o TJGO, acredito que o transexual pode figurar como autor ou vítima do delito de feminicídio.

Homossexualismo masculino: Também em função dos precedentes dos Tribunais Superiores, em havendo papel definido na relação, é possível o homossexual masculino figurar como vítima do feminicídio.

Homossexualismo feminino: Acredito não haver nenhum óbice também para figurar tanto como autor ou vítima do crime de feminicídio”.[5]

O segundo critério, apontado e defendido por Francisco Dirceu Barros, diz respeito àquele de natureza biológica. Segundo o renomado autor, através dele:
“identifica-se a mulher em sua concepção genética ou cromossômica. Neste caso, como a neocolpovulvoplastia altera a estética, mas não a concepção genética, não será possível a aplicação da qualificadora do feminicídio.

O critério biológico identifica homem ou mulher pelo sexo morfológico, sexo genético e sexo endócrino: a) sexomorfológico ou somático resulta da soma das características genitais (órgão genitais externos, pênis e vagina, e órgãos genitais internos, testículos e ovários) e extragenitais somáticas (caracteres secundários – desenvolvimento de mamas, dos pêlos pubianos, timbre de voz, etc.); b) sexo genético ou cromossômico é responsável pela determinação do sexo do indivíduo através dos genes ou pares de cromossomos sexuais (XY – masculino e XX - feminino) e; c) sexo endócrino é identificado nas glândulas sexuais, testículos e ovários, que produzem hormônios sexuais (testosterona e progesterona) responsáveis em conceder à pessoa atributos masculino ou feminino. ”[6]

Com todo respeito às posições em contrário, entendemos que o único critério que nos traduz, com a segurança necessária exigida pelo direito, e em especial o direito penal, é o critério que podemos denominar de jurídico. Assim, somente aquele que for portador de um registro oficial (certidão de nascimento, documento de identidade) onde figure, expressamente, o seu sexo feminino, é que poderá ser considerado sujeito passivo do feminicídio.

Aqui, pode ocorrer que a vítima tenha nascido com o sexo masculino, sendo tal fato constado expressamente de seu registro de nascimento. No entanto, posteriormente, ingressando com uma ação judicial, vê sua pretensão de mudança de sexo atendida, razão pela qual, por conta de uma determinação do Poder Judiciário, seu registro original vem a ser modificado, passando a constar, agora, como pessoa do sexo feminino. Somente a partir desse momento é que poderá, segundo nossa posição, ser considerada como sujeito passivo do feminicídio.

Assim, concluindo, das três posições possíveis, isto é, entre os critérios psicológico, biológico e jurídico, somente este último nos traz a segurança necessária para efeitos de reconhecimento do conceito de mulher.

Além disso, não podemos estender tal conceito a outros critérios que não o jurídico, uma vez que, in casu, estamos diante de uma norma penal incriminadora, que deve ser interpretada o mais restritamente possível, evitando-se uma indevida ampliação do seu conteúdo que ofenderia, frontalmente, o principio da legalidade, em sua vertente nullum crimen nulla poena sine lege stricta.

CAUSAS DE AUMENTO DE PENA NO FEMINICÍDIO

Diz o § 7º , do art. 121 do Código Penal § 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta anos) ou com deficiência;
III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

Antes de analisarmos cada uma das hipóteses de aumento de pena, vale ressaltar que embora a segunda parte do § 4º , do art. 121 do Código Penal tenha uma redação parecida com aquela trazida pelo § 7º do mesmo artigo, asseverando que se o crime de homicídio doloso for praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos ou maior de 60 (sessenta) anos, a pena será aumentada de 1/3 (um terço), havendo, mesmo que parcialmente, um conflito aparente de normas, devemos concluir que as referidas majorantes cuidam de situações distintas, aplicando-se, pois, o chamado princípio da especialidade, ou seja, quando estivermos diante de um feminicídio, e se a vítima for menor de 14 (catorze) anos ou maior de 60 (sessenta) anos, como prevêem os dois parágrafos, deverá ser aplicado o § 7º, do art. 121 do estatuto repressivo. Dessa forma, o § 4º, nas hipóteses mencionadas, será aplicado por exclusão, ou seja, quando não se tratar de feminicídio, aplica-se o § 4º do art. 121 do diploma penal.

Ao contrário do que ocorre no § 4º , do art. 121 do Código Penal , onde foi determinado o aumento de 1/3 (um terço), no § 7º do mesmo artigo determinou a lei que a pena seria aumentada entre o percentual mínimo de 1/3 (um terço) até a metade. Assim, o julgador poderá percorrer entre os limites mínimo e máximo. No entanto, qual será o critério para que, no caso concreto, possa o julgador determinar o percentual a ser aplicado? Existe alguma regra a ser observada que permita a escolha de um percentual, partindo do mínimo, podendo chegar ao máximo de aumento?

Imaginemos a hipótese onde o agente foi condenado pelo delito de homicídio qualificado, caracterizando-se, outrossim, o feminicídio. Vamos considerar que o crime foi consumado e que o fato foi praticado contra uma senhora que contava com 65 anos de idade. O agente foi condenado e o julgador, ao fixar a pena base, determinou o patamar mínimo (12 anos de reclusão), após avaliar as circunstâncias judiciais. Não havia circunstâncias atenuantes ou agravantes. Uma vez comprovado nos autos que o agente tinha conhecimento da idade da vítima, qual o percentual de aumento a ser aplicado? Se determinar 1/3 (um terço), por exemplo, a pena final será de 16 anos de reclusão; se entender pela aplicação do percentual máximo, a pena final será de 18 anos de reclusão. Enfim, a diferença será ainda maior à medida que a pena base for superior aos 12 anos e terá repercussões importantes quando, após o efetivo trânsito em julgado da sentença penal condenatória, for iniciada a fase da execução penal, interferindo, por exemplo, na contagem do tempo para a progressão de regime, livramento condicional etc.

O critério que norteará o julgador, segundo nosso posicionamento. Será o princípio da culpabilidade.

Quanto maior o juízo de reprovação no caso concreto, maior será a possibilidade de aumento. Como se percebe, não deixa de ser também um critério subjetivo mas, de qualquer forma, o juiz deverá motivar a sua decisão, esclarecendo as razões pelas quais não optou pela aplicação do percentual mínimo. Na verdade, como o processo é dialético, ou seja, é feito de partes, tanto a aplicação do percentual mínimo, ou qualquer outro em patamar superior devem ser fundamentados, porque o órgão acusador e a defesa precisam tomar conhecimento dessa fundamentação para que possam, querendo, ingressar com algum tipo de recurso, caso venham a dela discordar.

Dessa forma, em sendo condenado o agente que praticou o feminicídio, quando da aplicação da pena, o juiz deverá fazer incidir no terceiro momento do critério trifásico, previsto no art. 68 do Código Penal, o aumento de 1/3 (um terço) até a metade, se o crime for praticado:

I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto

Ab initio, para que as causas de aumento de pena previstas pelo inciso I, do § 7º, do art. 121 do Código Penal possam ser aplicadas é preciso que, anteriormente, tenham ingressado na esfera de conhecimento do agente, ou seja, para que o autor do feminicídio possa ter sua pena majorada, quando da sua conduta tinha que saber, obrigatoriamente, que a vítima encontrava-se grávida ou que, há três meses, tinha dado realizado seu parto. Caso contrário, ou seja, se tais fatos não forem do conhecimento do agente, será impossível a aplicação das referidas majorantes, sob pena de adotarmos a tão repudiada responsabilidade penal objetiva, também conhecida como responsabilidade penal sem culpa ou pelo resultado.

Na primeira parte do inciso I sub examen, podemos extrair as seguintes hipóteses, partindo do pressuposto que o agente conhecia a gravidez da vítima, e que agia com a finalidade de praticar um feminicídio:

A mulher e o feto sobrevivem – nesse caso, o agente deverá responder pela tentativa de feminicídio e pela tentativa de aborto;

A mulher e o feto morrem – aqui, deverá responder pelo feminicídio consumado e pelo aborto consumado;

A mulher morre e o feto sobrevive – nessa hipótese, teremos um feminicídio consumado, em concurso com uma tentativa de aborto;

A mulher sobrevive e o feto morrein casu, será responsabilizado pelo feminicídio tentado, em concurso com o aborto consumado.

Se o agente causa a morte da mulher por razões da condição de sexo feminino, nos 3 (três) meses posteriores ao parto, também terá sua pena majorada. Aqui, conta-se o primeiro dia do prazo de 3 (três) meses na data em que praticou a conduta, e não no momento do resultado morte. Assim, por exemplo, se o agente deu início aos atos de execução do crime de feminicídio, agredindo a vítima a facadas, e essa vem a falecer somente uma semana após as agressões, para efeito de contagem do prazo de 3 (três) meses será levado em consideração o dia em que desferiu os golpes, conforme determina o art. do Código Penal, que diz que se considera praticado o crime no momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência

Tal como ocorre com o inciso I analisado anteriormente, para que as majorantes constantes do inciso II sejam aplicadas ao agente é preciso que todas elas tenham ingressado na sua esfera de conhecimento, pois, caso contrário, poderá ser alegado o chamado erro de tipo, afastando-se, consequentemente, o aumento de pena.

Deverá, ainda, ser demonstrado nos autos, através de documento hábil que a vítima era menor de 14 (catorze) anos, ou seja, não tinha ainda completado 14 (catorze) anos, ou era maior de 60 (sessenta) anos. Tal prova deve ser feita através de certidão de nascimento, expedida pelo registro civil ou documento que lhe substitua, a exemplo da carteira de identidade, conforme determina o parágrafo único do art. 155do Código de Processo Penal, de acordo com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 11.690, de 9 de junho de 1990, que diz que somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.

A deficiência da vítima, que pode ser tanto a física ou mental, poderá ser comprovada através de um laudo pericial, ou por outros meios capazes de afastar a dúvida. Assim, por exemplo, imagine-se a hipótese em que o agente cause a morte de sua mulher, paraplégica, fato esse que era do conhecimento de todos. Aqui, v. G, a paraplegia da vítima poderá ser demonstrada, inclusive, através da prova testemunhal, não havendo necessidade de laudo médico. O que se quer, na verdade, é que o julgador tenha certeza absoluta dos fatos que conduzirão a um aumento de pena considerável, quando da aplicação do art. 68 do Código Penal.

Em ocorrendo a hipótese de feminicídio contra uma criança (menor de 12 anos de idade) ou uma mulher maior de 60 (sessenta), não será aplicada a circunstância agravante prevista na alínea h, do art. 61 do Código Penal, pois, caso contrário, estaríamos levando a efeito o chamado bis in idem, onde um mesmo fato estaria incidindo duas vezes em prejuízo do agente. Nesses casos, terá aplicação o inciso II, do § 7º do art. 121do Código Penal, também devido à sua especialidade.

III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

Além do agente, que pratica o feminicídio, ter que saber que as pessoas que se encontravam presentes quando da sua ação criminosa eram descendentes ou ascendentes da vítima, para que a referida causa de aumento de pena possa ser aplicada é preciso, também, que haja prova do parentesco nos autos, produzida através dos documentos necessários (certidão de nascimento, documento de identidade etc.), conforme preconiza o parágrafo único, do art. 155 do Código de Processo Penal referido anteriormente.

Aqui, o fato de matar a vítima na presença de seu descendente ou ascendente sofre um maior juízo de reprovação, uma vez que o agente produzirá, nessas pessoas, um trauma quase que irremediável. Assim, exemplificando, raciocinemos com a hipótese onde o marido mata a sua esposa na presença de seu filho, que contava na época dos fatos com apenas 7 anos de idade. O trauma dessa cena violenta o acompanhará a vida toda.

Infelizmente, tal fato tem sido comum e faz com que aquele que presenciou a morte brutal de sua mãe cresça, ou mesmo conviva até a sua morte, com problemas psicológicos seríssimos, repercutindo na sua vida em sociedade.

BIBLIOGRAFIA

DÍAZ, Gerardo Landrove. La moderna victimología. Valencia: Tirant lo Blanch, 1998.
DIRCEU BARROS, Francisco. Feminicídio e neocolpovulvoplastia: As implicações legais do conceito de mulher para os fins penais. In http://franciscodirceubarros.jusbrasil.com.br/artigos/173139537/feminicidioeneocolpovulvoplastia-as-implicacoes-legais-do-conceito-de-mulher-para-os-fins-penais. Acessado em 14 de março de 2015.
FRANÇA, Genival Veloso. Fundamentos de medicina legal. Rio de Janeiro: Editora, Guanabara Koogan, 2005;
PEREIRA, Jeferson Botelho. Breves apontamentos sobe a Lei nº 13.104/2015, que cria o crime de feminicídio no ordenamento jurídico brasileiro. In http://jus.com.br/artigos/37061/breves-apontamentos-sobrealein13-104-2015-que-cria-de-crime-feminicidio-no-ordenamento-jurídico-brasileiro. Acessdo em 14 de março de 2015.

[1] DÍAZ, Gerardo Landrove. La moderna victimología, p. 45.
[2] PEREIRA, Jeferson Botelho. Breves apontamentos sobe a Lei nº 13.104/2015, que cria o crime de feminicídio no ordenamento jurídico brasileiro. In http://jus.com.br/artigos/37061/breves-apontamentos-sobrealein13-104-2015-que-cria-de-crime-feminicidio-no-ordenamento-jurídico-brasileiro. Acessdo em 14 de março de 2015.
[3] DIRCEU BARROS, Francisco. Feminicídio e neocolpovulvoplastia: As implicações legais do conceito de mulher para os fins penais. In http://franciscodirceubarros.jusbrasil.com.br/artigos/173139537/feminicidioeneocolpovulvoplastia-as-implicacoes-legais-do-conceito-de-mulher-para-os-fins-penais. Acessado em 14 de março de 2015.
[4] FRANÇA, Genival Veloso. Fundamentos de medicina legal, p. 142.
[5] PEREIRA, Jeferson Botelho. Breves apontamentos sobe a Lei nº 13.104
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/2015, que cria o crime de feminicídio no ordenamento jurídico brasileiro. In http://jus.com.br/artigos/37061/breves-apontamentos-sobrealein13-104-2015-que-cria-de-crime-feminicidio-no-ordenamento-jurídico-brasileiro. Acessdo em 14 de março de 2015.
[6] DIRCEU BARROS, Francisco. Feminicídio e neocolpovulvoplastia: As implicações legais do conceito de mulher para os fins penais. In http://franciscodirceubarros.jusbrasil.com.br/artigos/173139537/feminicidioeneocolpovulvoplastia-as-implicacoes-legais-do-conceito-de-mulher-para-os-fins-penais. Acessado em 14 de março de 2015.


sexta-feira, 13 de março de 2015

Proposta de Súmula Vinculante (PSV) 57

Pedido de vista suspende julgamento de PSV sobre regime prisional

Na sessão desta quinta-feira (12) do Supremo Tribunal Federal (STF), após pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso, foi suspenso o julgamento da Proposta de Súmula Vinculante (PSV) 57, cujo verbete sugerido diz que “o princípio constitucional da individualização da pena impõe seja esta cumprida pelo condenado, em regime mais benéfico, aberto ou domiciliar, inexistindo vaga em estabelecimento adequado, no local da execução”. O defensor público-geral federal é o autor da proposta.

Ao apresentar o posicionamento da Presidência do STF pela aprovação da Súmula, o ministro Ricardo Lewandowski disse entender que o desrespeito a essa orientação caracteriza inegável constrangimento ilegal. Ele revelou que aplica esse entendimento desde seus tempos de juiz do Tribunal de Alçada Criminal, em São Paulo.

Já o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, manifestou-se em sentido contrário à edição da Súmula. Para ele, não se discute nesse caso a individualização da pena, e sim o regime prisional. Ao invés de afirmar o princípio da individualização da pena, a súmula, como sugerida, infirma ou revoga esse princípio constitucional, argumentou. Além disso, o verbete, no entendimento do procurador, viola o princípio da legalidade e da isonomia. Isso porque, segundo ele, podem ocorrer situações de presos, em uma mesma categoria, cumprirem penas em estabelecimento prisional e outros em prisão domiciliar.

Direitos fundamentais

Em sustentação oral na tribuna, o defensor público-geral, Haman Tabosa Córdova, lembrou que o artigo 5º da Constituição Federal, que trata dos direitos individuais e fundamentais, diz no inciso 46 que a lei regulará a individualização da pena. Já no inciso 47 prevê que não haverá penas cruéis (item “e”) e, no inciso 48, que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado. E, por fim, no inciso 49, diz que é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.

De acordo com o defensor, isso é tudo que não acontece no sistema penitenciário brasileiro. Para ele, há sim violação ao princípio constitucional da individualização da pena, diante principalmente do fato de existirem condenados cumprindo penas, muitas vezes, em regime mais gravoso do que aquele para os quais foram condenados. “Parece justo um sentenciado cumprir pena em regime mais gravoso, simplesmente porque o Estado não disponibiliza vaga no regime adequado?”, questionou o defensor, lembrando que as duas Turmas do STF já responderam negativamente a essa pergunta, em vários precedentes.

O defensor público pleiteou a aprovação da súmula vinculante, na forma como proposta, para evitar a insubmissão dos Judiciários de alguns estados que insistem em não se adequar a essa orientação.
Também se manifestaram pela aprovação da súmula vinculante os representantes da Associação de Direitos Humanos em Rede (CONECTAS), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).

Vista

Ao justificar seu pedido de vista, o ministro Barroso disse que pretende aguardar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 641320, com repercussão geral reconhecida, que trata do tema e foi motivo de audiência pública, convocada pelo ministro Gilmar Mendes, realizada no STF em maio de 2013. De acordo com Barroso, a audiência produziu vasto material sobre o assunto, que se bem analisado permitirá refinar as ideias dos ministros a respeito da matéria.